Uma canção de esperança escrita por Lu Rosa


Capítulo 42
Quarenta e dois




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Joseph Huntingdon, ou agora Lorde Ravenstone, desceu do carro e foi saudado pelo mordomo da casa. Entregou-lhe o chapéu e a bengala.

– Boa tarde, Oswald. Lorde Archer está em casa?

– Boa Tarde, milorde. Sim senhor. Está na biblioteca com milady. – respondeu Oswald acompanhando Huntingdon pelos corredores, depois de deixar o chapéu e a bengala no armário.

– E lady Archer, como está?

– Um pouco nervosa. O senhor compreende, não é?

– Claro. – Huntingdon teve vontade de rir. Oswald já era mordomo quando Gerard era criança. Ele pertencia à outra época. Uma época em que não se discutia os assuntos femininos. Tudo estava tão diferente agora...

Os dois chegaram até as portas da biblioteca e, as abrindo, Oswald anunciou:

– Lorde Ravenstone, Milorde e Milady.

Gerard levantou-se da cadeira, indo até o amigo.

– Joseph! Como está?

– Bem, agora que tudo terminou. Não sabe como é difícil ajudar numa negociação de paz.

– É por isso que estou bem longe de tudo. Gostaria de beber algo.

– Um uísque por favor. – ele se encaminhou até Lucille que estava reclinada numa chaise-longue. – Milady! Cada vez mais bela.

– Bobagem, Joseph. Estou me sentindo um balão, cada vez mais cheia. E pare com essa história de Milady. Sou Lucille, esqueceu? Que já avançou em você armada com uma faca.

– Como posso esquecer-me? Nunca me senti tão ameaçado em toda minha vida.

– E por que você não a viu quando nos reencontramos em Genebra. Ela estava furiosa.

– Você tem o péssimo hábito de esconder as coisas. Eu achando que era a esposa de um simples professor, me vejo transformada em lady britânica.

– E a mais bela de todas. – disse Gerard beijando-lhe a mão.

– E é por isso que eu sempre o perdoo. – respondeu-lhe Lucille rindo deliciada.

Mas ela havia ficado furiosa no momento em que recebera os documentos das mãos do embaixador. A raiva passou na medida em que a preocupação aumentava com a demora deles em chegar. Então Lucille tomou uma decisão. Não iria ficar mais em Genebra. Procurou o embaixador e disse-lhe que iria para Ville d'Argent, próximo à cidade de Chancy. Queria muito rever sua irmã, sua sobrinha e seu cunhado.

Então ela e Hanna fecharam a conta no hotel e foram embora de Genebra. Quando chegaram à pequena aldeia, Hanna já estava apaixonada por tudo. As casinhas em estilo germânico com cercas vivas, as ruazinhas medievais e os comércios com plaquinhas a balançar ao soprar do vento era encantador.

Elas pediram informações sobre a família Boulanguer. Mas a propriedade da família ficava longe. Um velhinho chamado Hector ofereceu levá-las em sua charrete.

Balançando como cabritos e rindo a valer, Lucille e Hanna chegaram até uma casa que ficava numa pequena colina. Ela era térrea, mas parecia muito grande. A família Boulanguer não parecia ser pobre. Construções ao fundo mostravam que era uma propriedade agrícola. Alguns bois e vacas pastavam mais longe.

Quando a porta se abriu e uma jovem moça loira viu as recém-chegadas um grito de alegria ecoou do ar gelado:

– Lucille!

As duas irmãs abraçaram-se longamente, as lágrimas se misturando. Lucille apresentou Hanna à Irma e as duas foram conhecer o restante da família.

Em Colette Boulanguer, Hanna descobriu uma alma gêmea. As duas se entenderão tão facilmente quanto Hanna e Lucille. O restante da tarde e quase toda a noite foi gasta em conversas sobre os acontecimentos nas vidas duas irmãs.

Na aldeia todos ficaram sabendo sobre as aventuras das duas amigas e sobre a espera delas pelos seus amores. Mas à medida que o tempo foi passando, cada vez que iam à aldeia eram recebidas com sorrisos e frases de consolo.

Numa noite de Dezembro de 1941, a família jantava reunida quando bateram a porta. Pierre Boulanguer foi atender e Hanna e Lucille olharam uma para a outra e levantaram da mesa. No momento em que elas chegavam à sala, os homens adentravam também. Os quatro olharam-se. Por um momento, o tempo pareceu parar para eles. Chorando de alegria, Hanna jogou-se nos braços de seu amado Julian. Lucille foi mais comedida e se aproximou de seu marido. Ela deu um tapa em seu braço, surpreendendo à todos.

– Nunca mais faça isso comigo, entendeu monsieur Vermont!

Abraçou-se a ele chorando e rindo ao mesmo tempo. Colette abraçou-se ao marido, emocionadíssima pela felicidade de sua irmã de sangue e de sua irmã de coração.

Mas a emoção do reencontro não livrou Gerard de dar explicações à Lucille. Calmamente, ele contou todas as histórias de sua família. O desentendimento do pai com o irmão mais velho, a vontade de servir ao país, mas não da maneira que o pai queria, forçando-o a também afastar-se da família, a morte da mãe quando estava em missão e a necessidade de voltar à Inglaterra, depois da morte do pai durante os bombardeios em Londres.

Ela começou a sentir medo pelos desafios que teria pela frente como esposa de um conde. Mas ele a tranquilizou. Os tempos estavam mudando. Nunca mais haveria a rigidez de costumes em relação aos aristocratas. Nobres e comuns agora, batalhavam e salvavam vidas ombro a ombro sem distinção. Juntos ergueriam novamente do mundo dos tempos de trevas.

***

Lucille levantou-se com alguma dificuldade.

– Vou deixá-los agora. Joseph fica para almoçar conosco, não?

– É claro. Será um prazer.

Com um olhar amoroso para o marido, ela deixou a sala.

– Como ela está se adaptando a nova vida?

– Você sabe como Lucille é. Só parou de ir ajudar no Comando de Guerra quando o médico a proibiu de esforços físicos. Mesmo assim, ela monitorava as transmissões de rádio e qualquer mensagem ela traduzia e encaminhava para o Comando. Mas agora, graças a Deus, ela só pensa no bebê.

– É bom isso. Vocês tiveram muitas perdas com essa guerra. – comentou Huntingdon. – Você soube de Cavendish, não?

– É eu soube. – Gerard balançou a cabeça. – Apesar de tudo, ele era um valoroso soldado.

Ian Cavendish havia morrido durante um ataque alemão a um acampamento da resistência perto de Lyon.

Muitos, além de Cavendish haviam perecido durante a ocupação alemã. Antoine e Justine Levot haviam sido identificados como partisans e presos. Gerard soube depois que morreram juntos no campo de concentração de Gurs, nos Pirineus. Claude quase também foi preso, mas conseguiu fugir para a Inglaterra, em 1942. Elise Saviani e Elsie Noire conseguiram escapar ilesas do período mais negro da ocupação alemã na França.

Os dois conversaram ainda algum tempo, quando o mordomo veio chama-los para o almoço. Quando saíam da biblioteca, encontraram Lucille que vinha do escritório do marido. Ela estava pálida e seu rosto estava molhado de lágrimas.

– Querida, o que foi? – perguntou Gerard preocupado.

– Eu escutei agora pelo rádio. Houve um bombardeio no Japão... – ela contou entre os soluços. – Duas cidades foram devastadas. Hiroshima e Nagasaki. Usaram bombas nucleares. O narrador comemorou o possível fim da guerra...

Gerard abraçou a esposa, ele mesmo sentindo-se horrível. Qual seria a consequência disso para as gerações futuras? Que mundo seu filho receberia de herança por tudo que a geração dele fizera? Huntingdon estava certo. O mundo estava mudando e Gerard sentiu medo do que a humanidade teria de enfrentar nos anos que viriam. Ele abraçou mais forte a Lucille e beijou-lhe o alto da cabeça, enquanto ela chorava. Não importava o que tivessem que enfrentar, eles passariam aos seus filhos e netos o que a força do amor e da esperança podia realizar.


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