Uma canção de esperança escrita por Lu Rosa


Capítulo 31
Trinta e Um




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As batidas eram incessantes e Lucille desceu as escadas correndo. Quem em nome de Deus estava batendo na sua porta. Um medo a invadiu. Será que Julian havia sido capturado e vinham avisá-la? Ou pior. Gerard havia sido descoberto e vinha buscá-la para fugirem?

– Quem é? - perguntou ela pegando o atiçador da lareira.

Alguns minutos se passaram e ninguém respondeu.

– Quem é? - Lucille perguntou novamente.

– Sou eu... Julian. - a voz respondeu pausadamente.

Com um suspiro de alívio, Lucille abriu a porta para dar de cara com um Julian completamente embriagado.

Ele deu um passo trôpego para dentro e quase caiu em cima dela. Lucille encostou o atiçador na parede para poder ampará-lo.

– Eu não acredito Julian Desmonts. Você está bêbado!

– Shhhh... - ele colocou o dedo sobre os lábios - É tarde, não fale tão alto.

Lucille teve vontade de rir com os trejeitos dele, mas ela o jogou no sofá e colocou as mãos na cintura fingindo irritação.

– Eu não acredito que você burlou o toque de recolher, me acordou às duas da manhã e ainda diz pra que eu não fale alto com você Julian?

Ele a olhou com ar aparvalhado.

– É. Shhh. - ele acenou para ela se aproximar. - Vou te contar um segredo. - Ele parecia buscar pela memória o que ia dizer. - Sabe de uma coisa, Lu... Lucille. Eu odeio essa guerra. Sabe por que? - a moça fez que não com a cabeça. - Por que as pessoas ficam separadas. Elas não podem ficar separadas. Por que se elas se amam por que tem que ficar separadas. Ah e elas contam mentiras, sabia? - Julian fechou os olhos como se sentisse dor. - Hoje, eu descobri que um anjo que eu conheci, na verdade é um demônio.

Lucille olhou para ele assustada. Será que...

– É verdade... Você não acredita em mim, não é. - ele tentou se levantar mas caiu para trás novamente. - Um demônio loiro, de olhos azuis.

A moça se afastou alguns centímetros colocando a mão sobre a testa.

– Por que seria um demônio, Julian.

– Por que ela é casada. E casada com um nazista. Então ela é nazista também, não é?

A jovem sentou-se ao lado dele.

– Não, Julian. Ela não é. Ela continua sendo um anjo.

Ele ficou em silencio ouvindo as palavras dela. De repente levantou-se num ímpeto.

– E você sabia! Você é mentirosa também.

– Julian Desmonts fale baixo ou, por Deus, vou dar um banho de mangueira em você lá fora. - Lucille levantou-se do sofá. - Sim, eu sabia. Ela já sofreu muito nas mãos do marido. Queria se matar. Então eu a ajudei. Dei um novo sopro de vida para ela. E você não devia julgar as pessoas. Aposto que você bebeu por culpa não foi?

Ele tornou a se sentar e deitou a cabeça para trás.

– Ela não podia ser... Por que ela é casada, Lucille? - perguntou ele já ficando sonolento.

– Quem pode nos avisar das armadilhas da vida, Julian? - ela ajeitou o corpo dele no sofá cobrindo-o com uma manta. - Durma, meu amigo. Amanhã tudo irá se resolver.

***

Mas, de manhã, as coisas não estavam melhores. Por que de ressaca por causa do vinho ingerido, Julian estava mais irritado do que nunca.

– Eu estava bêbado mas me lembro que você sabia da víbora nazista. - acusou ele enquanto Lucille tomava seu café da manhã.

– Se você esta falando da Hanna, o fato dela ser casada com um nazista não a torna menos humana. Então não se refira a ela nesses termos.

– Imagine o que nós não conseguiríamos se ela estivesse em nosso poder.

– Você se engana se pensa que Von Gorthel teria feito alguma concessão para ter a esposa de volta. Nós nos conhecemos por que ela estava chorando na Igreja cansada da vida que levava ao lado dele. Ela ia se matar, criatura.

– Bobagem! Ela deve ter todo o luxo que quer a custa do roubo do marido dela e de todo o bando dele.

– Eu a vi, eu falei com ela.

– Espera ai. Como assim falou com ela? O francês dela melhorou é verdade, mas há meses atrás devia ser inexistente.

Lucille suspirou e resolveu contar a verdade.

– Eu falo alemão. - ela declarou em voz baixa.

– Você o que?

– Falo alemão. E agora não espalhe isso. Meu pai aprendeu quando ficou prisioneiro na primeira guerra. Ele fez amizade com os soldados e aprendeu.

– Você seria de grande valia para a resistência.

– Nem pensar. Esqueça que eu lhe disse isso. Agora voltando o caso da Hanna. Acredite-me, Julian, ela não é nazista. Você a conheceu, viu o quanto ela era respeitosa com as amas, com padre Honoré e o quanto ela amava as crianças.

– Quero-a longe de nós, Lucille.

– Sinto muito Julian. Mas ela é minha amiga e por quanto tempo durar nossa amizade não permitirei que ninguém a destrate.

– Você é adulta, responsável por suas ações. Depois não se arrependa.

– Isso é uma ameaça? - perguntou ela incrédula.

– Não. É um aviso. Eu tenho respeito por você pelo que nós já vivemos juntos. Mas os outros não verão da mesma forma. Mas em relação à minha irmã, eu decido. Aliás já decidi.

O tom de voz dele deixou Lucille em estado de alerta.

– O que você fez, Julian? - perguntou desconfiada, levantando-se da mesa.

Ele demorou um pouco para responder. Por um momento Lucille achou que ele estava ferido. Mas cerrando os punhos ele virou-se para Lucille e disparou.

– Eu disse àquela mentirosa, com todas as letras, que nunca mais se aproximasse de Nanette ou de qualquer um de nós.

– Imbecil! Você é um cretino, Julian - ele se afastou diante da explosão dela. Lucille foi até o cabide pegou seu casaco e sua bolsa. - Você destroçou o coração dela! Ela não merecia isso, não mesmo. - ela saiu pela porta sem ao menos dizer adeus.

Julian sentou-se na cadeira com a sensação de ter matado um filhote de pássaro raro sem querer. E isso era a pior sensação do mundo.

***

Lucille nunca havia ido a casa de Hanna como ela também nunca havia ido à sua. Era engraçado, ela pensou, já eram amigas há algum tempo e nunca haviam se visitado. Ela sentiu um pouco de temor ao se aproximar da casa dos Von Gorthel, mas Hanna era sua amiga e se tinha que encarar a toca do leão, o faria de bom grado para ajudá-la.

Nunca perdoaria Julian pelo mal que causara a moça. E Lucille até tinha algumas suspeitas a respeito dos sentimentos de Hanna pelo rapaz, embora elas nunca houvessem falado a respeito.

A francesa tocou a campainha e aguardou. Um soldado que estava de prontidão veio até o portão.

– Pois não? O que deseja? - perguntou ele num francês com forte sotaque.

– Vim falar com madame Clara Berger. Sou da Igreja que ela frequenta.

O soldado a avaliou por alguns instantes. Lucille tinha uma aparência tão digna quanto uma jovem religiosa. Na pressa, esquecera-se da maquiagem, então seu rosto apresentava-se puro e límpido quanto de uma jovem noviça.

O alemão dirigiu-se para o portão e o abriu.

– Vá até a parte de trás da casa e toque a campainha. Fraü Berger irá atender.

– Obrigada, senhor. - Rapidamente Lucille cruzou o gramado indo em direção aos fundos da casa. Chegando na porta, ela tocou a campainha. Uma criada uniformizada atendeu a porta.

– Sim? Pois não?

– Estou aqui para falar com Clara Berger. Frequentamos a mesma Igreja. Sou Lucille Vermont.

A empregada pareceu mais desconfiada do que o guarda.

– Aguarde aqui. - e fechou a porta novamente.

Lucille começou a andar pelo gramadinho, reparando numa construção que ficava na lateral da propriedade. Sem saber porque, a achou sinistra e um arrepio a percorreu.

Clara veio ao seu encontro.

–Madame Vermont! - ela disse surpresa. - O que está fazendo aqui?

– Eu soube o que aconteceu com Hanna. Queria saber como ela está.

– Está inconsolável, madame. Acho que ela está até febril.

– Queria vê-la, Clara. Acha possível?

A senhora sorriu.

– É claro, madame. Minha Hanna ficará feliz em vê-la. Venha comigo.

As duas mulheres entraram na casa e subiram as escadas. Clara abriu a porta do quarto e Lucille lançou-se em direção à amiga deitada.

– Hanna.

A jovem alemã sentou-se estendendo os braços para frente.

– Lucille!

As duas se abraçaram e o corpo de Hanna sacudia como os soluços.

– Ele me odeia, Lucille! Ele me odeia.

– Querida, não fique assim. Tenho certeza que quando a raiva passar, Julian a perdoará.

A jovem olhou para a amiga surpreendida.

– Mas eu... Eu.. Não disse...

– Nem precisava. Ao longo dos meses eu raparei em como você ficava na presença dele. Julian Desmonts é um cego imbecil que não vê o amor que você tem por ele.

– Mas você e ele...

– Eu e Julian temos uma história. Eu fui professora dele e o tirei da rua junto com Nanette. Quando eu me casei, ele foi embora de Paris. Muito tempo depois eu soube que ele havia ido embora por que gostava de mim e não suportou me ver casada com outro. Mas isso passou. E tenho certeza que ele também nutre sentimentos por você.

Hanna olhou para ela como uma criança a quem lhe faz uma promessa.

– Você acha?

– Sim. E, embora não pareça, ele deve estar sofrendo tanto quanto você. Dê tempo ao tempo e tudo vai se resolver. - Lucille levantou-se da cama. - E agora, você vai se levantar dessa cama, ficar bem bonita e vamos ver o outono no parque. As folhas laranja e marrons formando um tapete no Jardin des Tuileries . Os músicos de rua tocando e as vitrines das lojas.

Ela foi até a janela e a abriu. Um sol fraco de outono inundava Paris com um brilho dourado. Por mais escura que fosse a noite, o sol sempre nascia de manhã. Tudo podia melhorar por pior que estivesse. Era nisso que Lucille acreditava.

Mas, mesmo nascendo a cada manhã, o sol se punha dando origem a uma nova noite...


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