Uma canção de esperança escrita por Lu Rosa
Notas iniciais do capítulo
Pronto! Agora meu coração quebrou. Meninas, preparem os lencinhos...
De mãos dadas com Joanne, Hanna entrou numa loja de aparência simpática. Ela tinha uma aparência jovial, para não amedrontar a menina. Clara acompanhava as duas. Poderia dizer que eram avó, mãe e neta passeando e fazendo compras se não fosse o traje esfarrapado de Joanne e seus pés descalços.
A vendedora foi ao encontro das três com um sorriso até reparar nos pés descalços de Joanne. A esperta menina reparou na mudança e encolheu-se atrás de Hanna.
– Bom dia! - cumprimentou a moça. - Queremos ver vestidos e sapatos para essa mocinha aqui.
– Nossa loja é bem exclusiva... - a vendedora disse com ar de superioridade com se querendo dizer: "Vocês tem dinheiro para comprar aqui?"
– Sim, eu estou vendo. E é por isso que ela nos foi recomendada. Quero vestidos e sapatos. Sou Hanna Von Gorthel e acredito que você saiba o que esse nome significa. - pela primeira vez Hanna estava fazendo uso do medo que o sobrenome do marido representava apesar de não gostar dele.
A expressão da vendedora mudou radicalmente. A postura superior mudou para um terror servil. Um suor brotou em sua testa e Hanna achou que ela fosse desmaiar. Por alguns segundos até pensou em pedir que a moça se acalmasse, mas então ela lembrou que a vendedora havia desdenhado Joanne sem ao menos conhecê-la por que a menina estava descalça.
– E então? Você vai nos mostrar um vestido muito bonito para essa linda menina. E sapatos também.
– É cla.. claro, senhora. Um minutinho. Por favor sentem-se. A senhora gostaria de um chá, um café? - ela ofereceu toda atrapalhada.
– Não. Obrigada. Mas você não perguntou à minha acompanhante?
A vendedora olhou para Joanne.
– Senhorita, gostaria de um suco, uma água.
– Não, obrigada. - a menina respondeu de forma séria.
– Então vou trazer os vestidos, só um momento. - E rápida se retirou para os fundos da loja.
Clara olhou para Hanna.
– Você sabe que foi horrível o que fez.
– Horrível foi ela mudar seu comportamento só por que Joanne está descalça. E meus pais sempre me ensinaram a não julgar as pessoas pelos seus pertences e sim pelo seu caráter. E não vamos mais falar sobre isso. Joanne já está assustada o bastante.
Clara olhou para sua pupila sem acreditar que aquela era sua Hanna. Ela estava se transformando em uma mulher forte e decidida. A promessa que ela fizera à mãe de Hanna estava prestes a se cumprir. Logo, logo Hanna seria capaz de cuidar dela mesma.
A vendedora voltou com três vestidos nos braços. Outra vendedora trazia caixas de sapatos.
Joanne não era uma menina acostumada a luxos, mesmo quando seus pais eram vivos. Então ela escolheu o menos enfeitado e um sapatinho preto. Mas Hanna pediu mais três vestidos do mesmo modelo, mais dois sapatos. Além de calcinhas e meias.
A menina que entrara na loja descalça e com roupas esfarrapadas, saia da mesma parecendo uma princesinha. As três entraram no carro e as vendedoras puderam respirar.
O carro rodou alguns metros e então parou em frente a uma loja de bolsas. Clara desceu e entrou na loja. Pouco tempo depois ela saiu trazendo uma pequena valise. Elas colocaram as roupas dentro da valise e o carro seguiu para o Orfanato Sagrado Coração de Jesus.
***
– Você está fazendo um ótimo trabalho, Desmonts, mesmo para alguém tão jovem.
– Obrigado, monsieur Cassel. Como o senhor pôde ver, nós e a Inteligência Britânica trabalhamos em conjunto e conseguimos tirar um grande carregamento de armas dos nazis. Meu contato, monsieur Favel acha que as forças aliadas na África vão ganhar mais tempo e quem sabe derrotar as forças do Rommel.
– Ah, não se fie muito nisso, meu jovem. Erwin é um ótimo estrategista. Não é como esses lunáticos. Ele sabe muito bem o que está fazendo. Conhece seu trabalho com ninguém e não busca glória ou fama. Somente vencer no campo de batalha.
– O senhor fala dele como se o admirasse, monsieur Cassel. - declarou Julian espantado.
– Rommel é um militar e age como tal. Ele não concorda muito com as ideologias de Hitler e seu séquito. Talvez eu o admire por isso. Ele não é como esse comandante, Von Gorthel. Esse homem é a criatura mais detestável da face da Terra. - o tom de voz de Cassel mudou totalmente. Agora ele falava rosnando, com um ódio profundo. - Von Gorthel fez uma coisa abominável em Berlim. Alguns empresários, industriais e banqueiros provocaram a suspeita, veja eu disse suspeita, de serem judeus. Von Gorthel conseguiu convencer Hitler de que eles armavam um complô contra ele. E Hitler então tomou a única atitude que conhecia. Mandou prender a todos sem investigação ou julgamento. E assim começou a perseguir todos que ele considerava inimigos. Judeus, estrangeiros, comunistas, ciganos... Todos. Minha família trabalhava para os Von Gorthel há duas gerações. Eu cresci juntamente com Otto Von Gorthel. Frequentávamos a mesma escola e quando ele se tornou o favorito de Hitler, começou também a perseguir os judeus. Poucas pessoas tinham conhecimento de que minha família era judia. Nós éramos muito reservados. Mas Otto Von Gorthel sabia. E ele nos denunciou. Fomos levados para o campo de concentração mais próximo. Durante o transporte, meu pai distraiu os guardas e eu consegui fugir. Não sei se estão vivos ou mortos.
Durante o tempo que Cassel contava sua história eles chegavam ao Orfanato. Julian queria mostrar alguns fatos de sua vida a Georg. Os dois haviam desenvolvido uma empatia mútua. Talvez por que os dois eram sobreviventes.
Ao entrarem pelo portão, Julian e Cassel encontraram Hanna, Clara e Nanette que vinham em sentido oposto. Hanna já havia deixado Joanne aos cuidados de padre Honoré e agora as duas conversavam a respeito das aulas de piano.
– Continue praticando, Nanette. Principalmente os movimentos da Sonata ao Luar de Beethoven e do Noturno de Chopin. Essas são fáceis. Você vai conseguir.
– Olhe Ana! É Julian. Julian! Julian! - Nanette saiu puxando Hanna pela mão. - Venha!
As duas se encaminharam para onde estavam os dois homens, mas Hanna empalideceu quando viu quem acompanhava o irmão da menina.
– O que essa mulher faz aqui? - perguntou Cassel
Surpreso com o tom do amigo, Julian olhou de Hanna para Cassel.
– Quem? Ela ?
– Sim. A cadela de Von Gorthel. O que faz aqui, mulher de nazista? Fazendo caridade para aplacar sua consciência?
– Não por esse motivo. Mas você deveria fazer para aplacar a sua. - ela respondeu.
– Ora.. A gata arranha. Ou eu deveria dizer... A víbora morde.
– Diga o que quiser Georg Cassel. Você não me conhece, não sabe nada de mim. Julga-me pelo meu nome.
Clara aproximou-se de Hanna protetoramente.
– Vamos querida. - mas Hanna soltou-se de seu abraço.
Julian e Nanette viam os dois se digladiando sem entender.
– Monsieur Cassel, por que fala com Ana desse jeito?
Georg voltou-se para Julian.
– É esse o nome que ela usa? Pois saiba meu caro Desmonts que essa é Hanna Von Gorthel, esposa do comandante Otto Von Gorthel, o anjo de Hitler.
Julian olhou para Hanna e, com um gelo no coração, ela viu a expressão do homem que amava mudar. Agora Julian a olhava como se tivesse nojo dela. Como se ela fosse um réptil asqueroso.
Rapidamente, ele puxou Nanette do lado dela.
– Tire suas mãos imundas da minha irmã.
Hanna ficou tão pálida com o ódio na voz dela que parecia ter se transformado numa estátua de mármore. Por um ou dois minutos ninguém se moveu. Só se ouvia a respiração rápida de Nanette que não entendia a raiva do irmão.
– Julian?
– Nanette, vá para dentro!
– Mas Julian, quero me despedir de Ana.
– Nanette, vá para dentro AGORA! - ele gritou com a irmã.
Nanette olhou para todos com os olhos cheios de lágrimas e correu para dentro.
– Você... Fique longe de minha irmã. Desapareça de nossas vidas, sua alemã nazista.
O grito dele pareceu acordá-la. Não, não era um pesadelo. Tinha sido reconhecida e o homem que amava queria matá-la se pudesse. Nada do que dissesse poderia aplacá-lo agora. Só o tempo mostraria a Julian o quanto ele estava errado em relação à ela.
– Você é um mentiroso.
Ele deu uma risada de escárnio
– O quê?! Você chega aqui, se infiltrando como uma serpente mentirosa e eu que sou o mentiroso?
– Sim. Você é um mentiroso, Julian Desmonts. Disse para mim que não era como os nazistas. Que não machucaria mulheres nem crianças. E é exatamente o que você está fazendo agora.
Alguma coisa na voz dela, talvez a resignação mortal ou talvez o brilho de lágrimas em seus olhos azuis fez com que Julian sentisse uma dor no peito.
Ela olhou para os dois homens e de cabeça baixa foi para o carro.
– Hum! Já foi tarde. Então, Desmonts me mostre o seu lar.
Julian olhou para Cassel e de repente desejou que um raio o fulminasse.
– Venha por aqui, monsieur Cassel.
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Meus dedos pareciam possuídos quando cheguei nessa parte. Eu não conseguia mais parar de escrever. A carga emocional era tanta que eu fiquei exausta. Será que Hanna perderá seu único e verdadeiro amor? Vamos aguardar e ver...