Uma canção de esperança escrita por Lu Rosa


Capítulo 29
Vinte e nove




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Lucille abriu os olhos e fitou o teto. Que surpresas o dia de hoje iria lhe trazer? Ela sentiu vontade de chorar ao lembrar do momento em que aquele que ela via como um capitão nazista era na verdade seu marido disfarçado. Como alguém podia representar tão bem? Mudar totalmente de personalidade e de aspecto. O que mais ele lhe escondera?

Sem que ela pudesse controlar, as imagens de todas as vezes que eles se encontraram. Cada toque, cada palavra. E o beijo que ele lhe roubara. Não estava louca, pensou com alivio. E não estava reagindo como uma mulher sedenta de carinho, derretendo-se a cada toque dele como uma cadela no cio. Seu corpo reagira a ele, por que ele sempre fora o seu dono. O homem que lhe abrira as portas do amor. Aquele cuja marca estava em sua pele e nem com a presença de outro em sua vida se apagara.

Mas o que seria da vida deles? Ele estava disfarçado, infiltrado no ninho nazista. Era o homem de confiança do comandante Von Gorthel e ela não poderia se aproximar dele. Ela já sentiu o preconceito das pessoas apenas por estar junto dos nazistas, imagine se envolver com um deles. E Julian? O que diria a ele? Seu relacionamento com ele estava acabado. Nunca mais poderia pensar nele como homem. Nunca mais o receberia em sua cama. Teria que pensar em algo para dizer a ele. Se bem que, nos últimos meses, ele estava distante. Há muito tempo eles não dormiam juntos, o que a fazia pensar que talvez Julian houvesse encontrado um novo amor.

Lucille levantou-se da cama, espreguiçando-se. Abriu as cortinas da janela espiando para o dia que se iniciava. Soldados passavam em grupos, provavelmente a procura de judeus ou qualquer outra pessoa que os nazistas considerem abaixo deles.

Contrariada com tudo aquilo, Lucille afastou-se da janela e saiu do quarto.

Na escada, um cheiro de comida invadiu suas narinas e ela percebeu que estava faminta.

Ela desceu os degraus e encontrou Julian já sentado à mesa.

– Bom dia!

Ela enrolou-se mais no penhoar.

– Bom dia. Você não dormiu em casa? - ela perguntou servindo-se de café.

– Sim. Mas não quis incomodar você. Eu dormi na sala mesmo.

– Devia ter subido. O sofá é muito desconfortável.

– Eu me acostumei a dormir em lugares piores, Lucille. Não se preocupe. Um teto sobre minha cabeça e paredes para evitar o frio é o tudo que poderia desejar.

Os dois ficaram alguns minutos em silencio comendo, perdidos em seus próprios pensamentos.

– Julian, eu...

– E o que você vai fazer hoje? - ele a cortou.

A moça olhou surpresa para ele

– Eu não tenho nada especial hoje. Claude ainda está preparando um novo espetáculo, então temos alguns dias livres. Vou ficar em casa. Talvez ir visitar alguma loja, fazer compras... E você?

– Tenho um encontro com um recém-chegado da Alemanha. Dizem que é uma lenda entre os membros da Resistência na Europa. Um judeu que conseguiu escapar da Alemanha, mas sempre está voltando para lá. Uma pedra no sapato dos nazistas.

– Cuidado, Julian. É de se estranhar que tal pessoa tenha tanta sorte. Será que ele não luta dos dois lados?

– Impossível. Ele odeia qualquer coisa relacionada ao nazismo. Parece que toda família dele foi levada para um campo de concentração. E eles foram traídos por alguém que confiavam.

– Nossa! Que mundo é esse em que amigos denunciam amigos? Não há mais honra em ninguém.

– A palavra de ordem é tentar sobreviver, Lucille. Nossa situação é ruim, mas pela Europa há situações piores.

– Eu ouvi na rádio. Na clandestina, é claro. - ela completou.

– Bem, depois desse encontro, vou ao orfanato ver Nanette e depois voltarei ao acampamento. Devo ficar longe por alguns dias. Você ficará bem?

– É claro. Eu sempre fico. Sou apenas mais uma na multidão. O que pode me acontecer? - ela tomou mais um gole do café.

***

Hanna abriu os olhos e olhou para a menina adormecida ao seu lado. Ela era tão frágil... Seu instinto maternal despertou para aquela garota. Se tivesse chance um dia, a levaria para morar consigo. E claro que teria que deixar Otto, nunca confiaria uma criança perto dele novamente depois do que vira na madrugada.

Ela levantou-se com cuidado para não acordá-la. Foi até a janela e abriu as cortinas. Um dia de outono descortinava-se à sua frente. As folhas marrons nas arvores conferiam uma beleza a parte a já linda vista dos telhados de Paris. Uma pena que ela não tivesse com quem compartilhar tanta beleza.

A moça se afastou da janela com um suspiro. Pegou o atiçador da lareira para remexer os pedaços de lenha que ainda queimavam para aquecer o quarto. Mas mantendo-o perto do corpo abriu a porta do quarto. Ela olhou para ambos os lados e uma das criadas a viu.

– Bom dia, senhora. Deseja algo? - a jovenzinha perguntou.

– Ah sim! - Hanna olhou para ela, escondendo o atiçador atrás das costas. - É... Diga a Clara que eu já acordei e peça para que me tragam meu café da manhã. Ah, avise que eu estou com uma convidadazinha. Então me traga leite, geléia e alguns pãezinhos doces. Obrigada.

A criada fez uma reverencia e saiu para atender sua patroa.

Alguns minutos depois, Clara batia à porta. Hanna a abriu, fazendo um sinal de silencio com o dedo sobre os lábios e indicando a pequena adormecida.

– Aposto que há muito tempo ela não se sentia tão protegida. - comentou Clara separando as roupas de sua patroa.

– É. Sabe Nannau se eu pudesse eu construiria um orfanato, só para cuidar dessas crianças.

– Ah, minha querida... Você tem um coração de ouro como sua mãe. Mas lidar com crianças abandonadas é mais difícil do que parece. Nem todas são como Joanne. Elas são rudes, desconfiadas. A vida as deixou assim.

– Mas com carinho e amor, Nannau, eu tenho certeza que as conquistaria.

– Quem sabe você não consegue realizar esse sonho. Afinal você está tomando as rédeas da própria vida. Há algum tempo atrás, o episódio de ontem nunca aconteceria. Você colocaria as cobertas sobre a cabeça e choraria junto com a vítima.

– Eu era tão covarde... Mas depois de conhecer Lucille, as crianças do Orfanato eu passei a lutar pelo que eu acredito. - Hanna pegou uma toalha das mãos de Clara e se dirigiu ao banheiro.

– E está fazendo um ótimo trabalho, mas tenha muito cuidado com seu marido. Ele não esquecerá que você tirou o seu brinquedinho. - Avisou Clara terminando de preparar a roupa de Hanna.

A menina sentou-se na cama, olhando assustada em volta.

– Olá querida. Bom dia. Dormiu bem? - perguntou Clara sentando-se na beira da cama.

A pequena esfregou os olhos e disse.

– Não foi um sonho? Eu realmente dormi aqui?

– Sim, criança. - Clara confirmou. A senhora Hanna a salvou de um homem cruel e a trouxe para cá.

– De quem é essa casa?

– É minha. - declarou Hanna saindo do banho. - E aqui, nesse quarto, você estará segura. Nannau, por favor, veja se nosso café já está pronto. Depois iremos comprar um vestido bem bonito para você.

Clara voltou alguns minutos depois com a bandeja repleta de bolos, pães e um bule de café e uma jarra de leite. Colocou sobre a mesa da varanda.

– Venham meninas. O café está posto.

Enquanto Joanne era servida por Clara, Hanna pegou somente uma xícara de café e começou a tomá-la em silencio. Reparou em como a menina levava pequenos pedaços a boca, revelando uma boa educação.

– Diga-me Joanne. O que seus pais faziam antes da guerra.

– Eu sempre ia com minha mãe a um hospital. Papai curava os doentes. Eu e mamãe íamos sempre levar o almoço para ele.

– Então seu pai foi recrutado para ser médico de campanha.

– Acho que sim senhora. E então ele morreu, a mamãe morreu e eu estou sozinha. - o lábio inferior da menina tremia dela querer chorar

Mais uma família desfeita pela guerra, pensou a moça com tristeza.

– Mas agora você não está mais sozinha. Você tem a mim e a Nannau, e logo terá novas amiguinhas para brincar.

A menina olhou para ela como se estivesse escutando uma história fantástica. Um conto de fadas.

– Vamos. Termine o seu café. Depois eu vou dar um banho em você e vamos comprar vestidos.

A menina retomou o seu café e Hanna foi continuar a se preparar.


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Notas finais do capítulo

Se apaixonaram pela Joanne? Ela é fofa, não é. Aguardem meninas, mais emoções vêm por ai. Beijos



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