Uma canção de esperança escrita por Lu Rosa


Capítulo 26
Vinte e Seis




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Conforme os meses passavam, planos iam sendo traçados. Mais homens eram recrutados tanto para as forças alemãs quanto para a resistência.

A máquina alemã de guerra continuava sua ofensiva. As forças britânicas no norte da África que, no final de 1940 haviam derrotado as forças italianas pelo controle na região da Líbia, estavam tendo dificuldade com a chegada do reforço alemão sob o comando do marechal de campo Erwin Rommel, um excelente estrategista.

A resistência continuava os preparativos para o ataque ao envio de suprimentos às forças alemãs na África. Por várias vezes Julian vinha à Paris para contatar Claude e sempre que podia passava no orfanato para ver a irmã.

Nesses momentos, ele acabava vendo Hanna que se tornara companhia constante da menina. Nanette adorava a moça. Graças a Hanna, a garota havia desenvolvido um talento para tocar piano que chegava à perfeição. Com esses encontros, Julian começou a perceber a jovem de maneira especial chegando até a ficar nervoso na presença dela.

Julho passou, e os dias começaram a ficarem mais quentes.

Apesar de receosos de perderem seus clientes por causa da apresentação aos nazistas em junho, o Le Moulin continuou recebendo frequentadores. Agora alemães visitando a cidade em férias e franceses do outras cidades frequentavam a casa noturna, atraídos pelo sucesso dos artistas. O que causou um profundo alívio em donos e funcionários. Em setembro, com a chegada do outono, o tom das folhas das arvores começou a ficar laranja e marrom e o grande momento chegara.

Como Gerard predissera, com o fator surpresa e com vantagem numérica, foi fácil para os partisans arrebatarem toda a carga e de quebra com alguns uniformes também. Nenhum dos lados sofreu nenhuma baixa e o trem com destino ao Mar Mediterrâneo voltou pelo mesmo caminho.

***

– Como isso pôde acontecer! – Von Gorthel bateu o punho fechado na mesa.

Diante dele estavam Gerard, que fingia estar contrito com o capitão Vaan Sucher estaria; o coronel Hans Rosenberg, o segundo no comando e o sargento Kroll que, nos últimos tempos, tornara-se um cão de guarda de Von Gorthel, acompanhando-o onde ele ia. Provavelmente o único que realmente estava tão irritado quanto o general ali na sala.

– Como um comboio de quinhentos soldados consegue ser atacado por um bando de bandidos?

– Segundo as informações senhor, além da desvantagem numérica, os homens foram narcotizados durante a noite. Nem perceberam o que estava acontecendo. – relatou Gerard.

Von Gorthel deu outro soco na mesa.

– E a situação só piora! E as sentinelas? Onde estavam?

– Eles foram os únicos que atacados senhor. – respondeu Rosenberg.

– Maravilha! Um pelotão devolvido à Berlim e caixas de armamento perdido. Vocês sabem o que isso significa? A repercussão disso no alto comando?

Nenhum dos três respondeu. Von Gorthel sentou-se pesadamente em sua cadeira gesticulando.

– Saiam! Saiam daqui! Kroll, você não. Quero falar com você.

Gerard olhou para o comandante e para o sargento. Depois fechou a porta da sala, permanecendo próximo à porta. Era uma atitude suspeita, arriscada de se tomar, mas ele precisava saber o que Von Gorthel teria para conversar com o sargento.

– Kroll, eu preciso de algo para me acalmar.

– O que o senhor deseja? Posso arranjar qualquer coisa. Cocaina, Heroina, Morfina...

Gerard franziu o cenho. Von Gorthel também era viciado em drogas? No que ele não era viciado?!

– Não. – ele ouviu Von Gorthel dizer. – Preciso de algo estimulante. Prazeroso para mim, entende?

– Ah, sim. Eu entendi, senhor. Vou procurar pelas ruas. Entregarei-lhe hoje à noite, senhor.

– Ótimo. Agora pode ir. Vou pensar numa forma de me explicar ao alto comando.

Kroll se perfilou e virou-se para sair. Gerard apressou-se em entrar em sua sala.

O sargento desceu as escadas até a saída do prédio. Começaria a procurar a mercadoria nas áreas pobres da cidade. Ele estava pensando onde começar quando sentiu um toque em seu braço.

– Sargento Kroll? – perguntou uma mulher de voz sussurrante.

Ele a olhou irritado.

– O que quer de mim, mulher? – perguntou rudemente.

– Não acredito que você não se lembre de mim? – ela reclamou um biquinho de amuo. Mas um sorriso melífluo brincou em seus lábios vermelhos. – Mas tenho certeza que se lembra de certa cantora que se apresentou para o seu comandante.

Kroll ficou interessado na coversa.

– O que tem ela?

– Eu sei de uma ou duas coisinhas sobre ela que o seu comandante vai gostar de saber...

Kroll olhou para a mulher e ofereceu o braço a ela.

– Então, porque não nos sentamos e tomamos um drinque, mademoiselle Mimi Blanc?

– Oh... O senhor se lembrou de mim! – ela fingiu alegria e surpresa. É claro que ele havia lembrado dela no primeiro olhar, mas a tratou como uma estranha. – Sim. Eu aceito o seu convite. E o senhor terá tudo o que deseja... Saber. – ela fez um ar provocante.

***

O relógio acabara de soar uma hora da manhã quando o grupo terminava a última garrafa de vinho.

– Já é tarde. Devemos ir, o toque de recolher já começou. – avisou Armand.

– É uma pena! – lamentou-se Justine. – Toque de recolher idiota... – resmungou oscilando da esquerda para a direita.

Lucille sorriu. De todos, Justine parecia a mais alterada pelo álcool.

Antoine segurou a esposa pela cintura para evitar que ela caísse.

– Obrigada pelas ervas, Lucille. Vão me ajudar pela manhã quando ela – indicou a esposa – acordar virada do avesso.

– Querido... Quem geralmente acorda assim é você. – respondeu Justine com a braveza dos embriagados

– É claro, meu amor. – concordou ele piscando para os demais.

Um problema cardíaco impedia Antoine de beber. A esposa Justine, por outro lado, era amante de um bom vinho.

– Uma pena Claude não poder ter vindo à reunião. Teria ficado bem mais animado com ele aqui.

– Realmente. – concordou Lucille. – Talvez outro dia ele se reúna a nós. Mas Elsie também não veio.

– Ela ficou resfriada, coitada – contou Armand. O sommelier havia bebido bastante, mas não apresentava nenhum sinal de embriaguez. Ossos do ofício, como ele diria.

Ela estava preocupada. Claude deu certeza que viria. Afinal, ele dissera que já estava com os documentos para Olga e Benjamim. Cada dia mais a polícia fechava o cerco contra os judeus. No dia da visita do capitão Vaan Sucher ao orfanato, Lucille ficara morrendo de medo que ele pedisse os documentos das amas. Pelo menos para isso a confusão com o sargento havia servido.

– Boa noite, Lucille. – desejou o trio descendo as escadas. A moça acenou para eles em resposta.

Ela ficou ainda parada alguns minutos na porta desfrutando do ara gelado da noite. Quando decidiu entrar, uma voz a interrompeu.

– Boa noite, madame Vermont.

A moça ficou estática na porta aterrorizada.

– Essa voz...

– Sim, seu salvador da noite

– Meu arrogante e prepotente salvador da noite. – ela respondeu sarcasticamente.

Ele deu uma risada.

– Fico feliz pela senhora ter gastado seu tempo para me dar esses defeitos. Significa que pensou em mim. – concluiu ele com voz profunda.

Lucille ficou feliz pela escuridão não denunciar seu rubor e o pequeno sorriso que se desenhou em seus lábios.

– Eu ainda tenho a impressão de que conheço sua voz. Antes mesmo do nosso primeiro encontro. O timbre é diferente, mas ela me é familiar.

– Talvez já a tenha ouvido em seus sonhos.

– Eu não costumo sonhar, monsieur. Já me deixei levar por um sonho uma vez e ele me foi arrebatado de forma cruel. Mas por que você sempre se mantém na escuridão? Gostaria de ver seu rosto.

– Meu rosto não é para ser visto pelos seus olhos. Nunca macularia seu olhar com minhas cicatrizes.

– Tenho certeza que elas são provas de coragem.

Ele deu uma risada sem humor e a moça estremeceu com a amargura nela.

– A tristeza permeia suas palavras, madame Vermont. Provas de coragem sempre vêm acompanhadas de perdas. A senhora já perdeu alguém que amava?

A situação era muito estranha. Ela estava na varanda de sua casa, no escuro, falando sobre perdas com uma voz sem rosto.

– Sim a guerra levou meu marido e na mesma época perdi minha filhinha. Meu marido nem era soldado. O avião onde ele estava foi abatido sobre o canal da Mancha. Não houve sobreviventes.

Ela ainda não conseguia falar sobre o assunto, mesmo depois de dois anos. Era como se a dor fosse uma brisa que soprasse nela de vez em quando.

Ele se manteve em silêncio, mas quando voltou a falar sua voz parecia estrangulada.

– Você passou por tanto sofrimento sozinha, se ao menos... – ele interrompeu-se bruscamente.

– Se ao menos o que?

Ele manteve-se calado.

– Lucille, Lucille... – ele sussurrou.

Ela se aqueceu com o tom carinhoso na voz dele, inundada pela certeza que já o ouvira falar assim. E como ele descobrira seu primeiro nome?

A moça deu um passo à frente. O desconhecido recuou. Ela deu outro passo, já descendo as escadas.

– Não se aproxime! Ainda não é o momento.

– Momento de que? – ela perguntou.

– Meu trabalho ainda não acabou. Eu ainda não estou livre.

– Livre para que? – ela insistiu descendo outro degrau.

Ele abaixou-se depositando algo no chão.

– Lembre-se de minha promessa, Lucille... Lembre-se de minha promessa. – ele se afastou.

Lucille abaixou-se para pegar o que ele deixara. Era uma rosa branca.


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