Uma canção de esperança escrita por Lu Rosa


Capítulo 2
Dois




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Imerso nas sombras Gerard Vermont observou a jovem correr pela noite parisiense. Foi um choque para ele rever sua esposa Lucille.

Ele precisou se controlar muito para não apertá-la em seus braços e matar a saudade de seus lábios doces e macios. Seu corpo reagiu de forma inequívoca à lembrança e ele encostou-se à parede tentando controlar as batidas de seu coração.

“Droga”, pensou. “Ele era do serviço de inteligência britânico. Não podia deixar suas emoções fluírem assim.”

Então, ele endireitou-se e começou a caminhar pelas ruas. Mas agora, as lembranças que ele adormecera inundavam a sua mente. Como a do dia em que se conheceram. Ele estava sentado no Café Anglais tomando uma xícara de chá como um bom inglês, quando uma moça passou carregando uma pilha de livros que parecia maior do que ela. Um homem apressado esbarrou na moça, fazendo que ela derrubasse tudo. Ele achou engraçado o modo dela bater o pé no chão, por que o homem não voltara para ajudá-la.

Ela se abaixou começando a recolher os livros. Ele se levantou do seu lugar e começou a ajudá-la.

“- É muita coisa para alguém muito pequeno, mademoiselle.

Ela o fitou com olhos semicerrados juntando os livros com energia renovada.

“- Não deixe que minha aparência o engane, monsieur. Sou mais forte do que aparento.”

Ela levantou a pilha de livros com a leveza de uma bailarina. E saiu caminhando lépida a passinhos miúdos.

Gerard sorriu e já estava voltando à sua mesa quando percebeu que ainda segurava um dos livros na mão. Era A Divina Comédia, de Dante. “Ora, ora, ora”, ele pensou. “A baixinha era uma erudita”

Ele colocou alguns francos sobre a mesa, fazendo um sinal para o garçom; e correu atrás dela

E como correu. Além de erudita, a moça era uma atleta, ele pensou. Porque andara vários metros com aquele peso em tão pouco tempo. Gerard virou uma esquina a tempo de vê-la terminando de atravessar a rua e entrar em um prédio de aspecto antigo porém bem cuidado.

Um grupo de crianças correu ao encontro da jovem. Ela deu um livro a cada uma delas. Mas houve uma que ficou sem. Ele sabia que o livro que ele segurava era o que estava faltando. Enquanto a jovem consolava a menininha, ele atravessou a rua caminhando ao encontro das duas.

“– Eu acho que isso pertence a você.” – ele estendeu o livro à menina, que ele via agora não era tão novinha assim. Tinha provavelmente uns doze anos

A garota recebeu o livro e agradeceu.

“- Obrigada, monsieur.” – e correu para junto das outras crianças.

Sua dama ergueu-se. Ela chegava à altura do seu peito. Mas tinha um jeito de empinar o nariz que ele achou deliciosamente divertido.

“- Bem monsieur, já fez a sua boa ação do dia.”

“- Ora mademoiselle, será que eu não mereço um agradecimento por essa boa ação?”

Ela olhou para ele desconfiada.

“- Um agradecimento? Como o quê, por exemplo?”

Ele fingiu pensar.

“- Seu nome e aceitar jantar comigo já seria suficiente. Por enquanto” – completou.

Ela baixou os olhos, ruborizada pelo olhar profundo dele. Gerard esperou ansioso pela resposta. A jovem virou as costas para ele, dando alguns passos. Ela parou. Virou-se e voltou os mesmos passos.

“- Meu nome e aceitar jantar com você?” “Somente isso?” – ela cruzou os braços sobre o peito.

Ele fez a sua expressão mais solene

“- Somente isso, eu prometo.” – ele ergueu a mão direita.

Ela o olhou meio de lado.

“- Está bem.” – estendeu a mão cumprimentando-o - “Sou Lucille Grangier.”

“- Gerard Vermont.” – ele apertou a mão que a jovem estendia.

E assim começou o romance entre o agente e a professora. É claro que Gerard nunca dissera a ela sobre sua real profissão. A Lucille dissera apenas que também era professor, mas particular. Seu pupilo havia ingressado em Oxford e ele estava sem nenhum aluno. A jovem aceitou as explicações sem pestanejar, mostrando o quanto era inocente e crédula.

Ele sabia que era errado envolver-se romanticamente com uma pessoa, mas Lucille era um sopro de vivacidade em sua vida. E quando tomou a decisão de casar-se com ela, comunicou seus superiores. É claro que eles não aceitaram muito sua decisão, mas ele saiu de Whitehall com o coração alegre e a alma leve.

Na primavera de 1938, eles se casaram numa cerimônia intima, somente com a presença da família dela e alguns amigos. Mas Lucille estava radiante como se estivesse se casando na própria Notre Dame.

A noite de núpcias foi como os dois imaginaram. Ele desfrutou de cada segundo na iniciação de Lucille nas artes do amor e ela, ainda surpresa com os mistérios revelados, tornava-se sensual e feminina a cada noite.

No ano novo de 1939, Lucille entrou em trabalho de parto, dando a luz a uma menininha. Eles lhe deram o nome de Clarisse. Mas a pobrezinha nascera com problemas respiratórios o que deixava o casal frequentemente preocupado. Com o passar dos meses, a saúde de Clarisse foi se estabilizando e ela tornou-se uma garotinha alegre e ativa.

Mas em setembro de 1939, Lucille e Gerard dançavam ao som de uma música no rádio quando a transmissão foi interrompida.

“Atenção, atenção.” – dizia o locutor – “O Reino Unido acaba de declarar guerra à Alemanha nazista em resposta à invasão covarde da Polônia. Atenção, atenção. A Europa está novamente em guerra” – o locutor ficou alguns minutos em silencio. – “Que Deus nos ajude.” – ele rogou.

Lucille e Gerard continuaram abraçados tensos com a noticia. Ela escondeu o rosto no peito dele, enquanto lágrimas silenciosas corriam pelo seu rosto. Ele abraçou forte a esposa, aguardando pelo telefonema que sabia que viria.

E o telefone realmente tocou, três dias depois.

Lucille voltava das compras com Clarisse, tendo na memória as expressões atarantadas e assustadas das pessoas. Os anos sombrios da Primeira Guerra ainda estavam bem vividos nas mentes das pessoas, principalmente dos mais velhos. Quando ela abriu a porta, deparou-se com Gerard acompanhado de outros dois homens.

“- Gerard, o que aconteceu?” – perguntou ela assustada. A jovem colocou Clarisse em uma cadeirinha e voltou-se para o marido.

Ele foi ao encontro dela.

“- Lucille, esses homens são os senhores Huntingdon e Cavendish. Eles são do governo inglês e querem a minha ajuda. Eu vou ajudá-los a decifrar algumas transcrições codificadas em alemão.”

“- Não há mais ninguém que possa fazer isso?” Alguém solteiro ou viúvo? Que não tenha uma família?”– perguntou Lucille, olhando acusadora para os dois homens.

“- Sentimos muito, Madame Vermont.” – respondeu um dos homens, o mais velho. – “Seu marido é uma autoridade nesse tipo de codificação. Não poderíamos entregar essa tarefa a mais ninguém.” Ela olhou surpresa para o homem.

Gerard segurou nos ombros de Lucille, virando-a para ele.

“- Querida, será algo muito rápido. Eu só tenho que viajar até Londres, treinar alguns técnicos e voltar. Você nem sentirá minha falta,”

Ela tocou o rosto dele com a mão. Sabia que Gerard não recusaria ajudar o governo francês contra a ameaça alemã.

“- Não importa os segundos que você levar, meu coração se quebrará de saudade no momento em que você passar por aquela porta.” – ela virou de costas pra ele. – “Agora vá com eles. Vá antes que eu me arrependa.”

“- A senhora está prestando um serviço ao seu país, madame Vermont”.

Ela sorriu irônica.

“- Vou me lembrar disso quando o inverno chegar e eu não tiver meu marido para me aquecer, senhor.”

Gerard pegou a maleta e se dirigiu para a porta. Mas antes de abri-la, ele voltou em seus passos, segurou-a em seus braços e a beijou longamente. Misturado ao sabor seus lábios dela, ele sentiu o gosto salgado das lágrimas que ela deixava cair.

Ele segurou o rosto dela nas mãos, olhando em seus olhos.

“- Não importa o tempo que leve, ou o que eu tenha que fazer nem quantos eu tenha que matar, eu vou voltar. Lucille, eu vou voltar!” – ele assegurou.

Ela o olhou assustada pela maneira dele falar. Era como se visse outro homem na sua frente, não o professor tranquilo com quem tinha se casado.

“- Vamos Vermont. Está na hora.” – falou um dos homens já abrindo a porta

Gerard deu um beijo rápido em sua esposa, foi até o bebê e lhe deu um beijinho no alto da cabeça. Pegou sua maleta e seguiu os homens sem olhar para trás.


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