Uma canção de esperança escrita por Lu Rosa


Capítulo 10
Dez




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Lucille sentiu nos olhos a claridade do sol e os abriu. Sentou-se na cama, passando a mão sobre os cabelos desalinhados. Sentiu um aperto no ventre ao lembrar da noite que passara com Julian. Abandonaram-se em meio a gemidos e sussurros a noite inteira amando-se sem reservas.

Ela estranhou o vazio ao seu lado. Então pela porta aberta ela sentiu o cheiro de café fresco e adivinhou que ele levantara antes para lhe preparar o café da manhã. Embora se sentisse envaidecida com as palavras e com os gemidos dele na noite anterior, Lucille não deixou de se preocupar aonde isso iria levá-la. Por que ele já havia deixado bem claro que a queria ao seu lado, apesar das incertezas da guerra. E ela também não poderia usar esse motivo. A França estava ocupada, sim. Mas a vida continuava.

Ela foi para o banheiro do quarto tomar um banho e se preparar para mais um dia.

Um Julian muito feliz estava às voltas com torradas, café e, maravilha, manteiga fresca. Provavelmente padre Honoré dividia com ela a sua quota mensal.

Ele arrumou a mesa com todo esmero e até colocou uma rosa que ele encontrou numa caixa comprida. Tudo para o grande amor de sua vida. Quando os passos dela ecoaram das escadas, ele se posicionou junto à mesa.

Lucille apareceu na cozinha e Julian não achou que houvesse visão mais bonita pela manhã. Ele a olhava com olhos apaixonados e para ele Lucille estava envolta em uma luz dourada. Era até estranho para um homem que já vira a crueldade da guerra ainda ter um espírito tão romântico.

– Bom dia, bela adormecida! – ele a saudou com um sorriso.

– Bom dia, Julian. O que você andou aprontando em minha cozinha?

Ele começou a servi-la.

– O desjejum digno de uma rainha. Frutas, café, torradas quentinhas com manteiga derretida.

– Hum... Parece muito bom. – ela sentou-se graciosamente.

Os dois começaram a comer em silencio, perdidos em pensamentos. Julian foi o primeiro a quebrá-lo.

– Eu penso que seria muito cedo para irmos ao orfanato, não?

– É sim. Seria bom sairmos quando já estiver bastante gente nas ruas. Assim não chamamos atenção. Enquanto isso, eu vou procurar algum documento sem foto do Gerard e vamos dar um jeito nessa barba e nesse cabelo.

Julian olhou-a desgostoso.

– Então além de usar as roupas dele, vou ter que me passar por ele? – o rapaz levantou-se da mesa, indo colocar as xícaras na pia. – Não está tentando me colocar no lugar dele, não é? Por que eu não sou seu falecido marido. – ele pegou as outras coisas guardando-as enquanto falava.

Lucille respirou fundo para se acalmar. Se respondesse à altura, os dois acabariam brigando. A moça se levantou também e foi até ele.

– Não seja bobo. Eu sei que você não é Gerard. Ele era moreno. E você é loiro. Por isso preciso de um documento sem foto. – ela encostou-se nele sedutoramente. Ele a ergueu e a colocou sobre a mesa. Só de ela encostar nele já o deixara terrivelmente excitado.

Lucille deu um gritinho quando ele a ergueu. Sabia que ele estava pronto para possuí-la e seu ventre deu uma fisgada de antecipação. Julian encaixou-se entre as pernas dela. Ela o enlaçou pelo pescoço para beijá-lo. Era o que ele queria. E, no momento, era o que ela queria também.

***

Mais tarde, enquanto Julian tomava banho, Lucille procurava no guarda roupa, entre os pertences do marido falecido, algo que pudesse servir como um documento para Julian. Sentada no chão com uma caixa no colo, ela tentou ignorar o nó que se formava em sua garganta cada vez que pegava uma foto ou algum objeto que despertasse uma lembrança. Como um bilhete de um passeio de barco que eles fizeram em Le Havre. A lembrança lhe trouxe lágrimas aos olhos. Havia sido uma noite mágica. Eles amaram-se sob o sol quente e sob a luz da lua como ele prometera. E as coisas que ele lhe fizera... Lucille sorriu ao lembrar de como ficara escandalizada.

Ela tentou levantar-se e, ao se apoiar na base do móvel a tampa se soltou, revelando um fundo falso. Lucille viu uma caixa escondida. Pegou-a. Era um pouco mais pesada do que as outras e ela colocou-a sobre a cama. Ao abri-la, a moça viu algo embrulhado em tecido escuro. Quando ela abriu o tecido uma arma revelou-se. Ela abafou um grito com a mão, olhando apreensiva para a porta do quarto. Refez o embrulho rapidamente. Olhando na caixa, viu que havia vários documentos. Passaportes de vários países. As fotos eram de Gerald, mas com nomes diferentes. E havia documentos de outros homens. “Ou, ela pensou estremecendo, eram de Gerard, mas ele estava disfarçado.”

E por que ele haveria de se disfarçar, se era um simples professor?

Mas... E se a história que ele lhe contara fosse uma grande farsa e na verdade Gerard Vermont não existisse?

Ela guardou a arma na caixa e a fechou, levando-a para o esconderijo. Pegou a caixa com as recordações deles e começou a vasculhar atrás de um documento que não tivesse foto. Julian já deveria ter terminado e estaria procurando por ela. Fato que realmente aconteceu quando a porta se abriu revelando o jovem.

– Ah, você está aqui. – ele se inclinou para beijá-la. Lucille sentiu a maciez da pele dele e comentou:

– Ótimo! Agora você parece pelo menos uns dez anos mais moço. Nunca vão associar você a um maquis. Eu encontrei um documento adequado. Agora sim podemos sair. – estendeu o documento para ele

Ele o estudou atentamente.

– Estou fazendo isso por que estou com muita saudade de Nanette. – ele comentou.

Ela ignorou o azedume.

– E ela de você Julian. Foi muita maldade sua. – ela levantou o dedo impondo silêncio quando ele abriu a boca pra responder. – Você é a única família que ela possui e como ela ficou sem notícias suas foi de cortar o coração.

– A luta pela liberdade da França é maior que qualquer outro sentimento.

Lucille olhou horrorizada para ele.

– Maior do que a saudade de sua irmã?

Julian olhou para ela evitou responder. Lucille o segurou pelo braço e insistiu.

– Maior que o amor dela por você?

– Não. Mas é por ela. Por todas as crianças da França, Lucille. Por um futuro sem opressão. Sem uma nação querer ser maior do que outra. Pelos ideais de nossos antepassados. Por liberdade, igualdade e fraternidade. Não é por isso que nós sempre lutamos?

– E quantas viúvas e órfãos ainda serão resultado desses ideais? – ela respondeu com voz triste. Ela pegou a bolsa e um chapeuzinho num cabideiro. – Vamos?

Num silencio incomodo, os dois saíram do quarto.


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