Life is Good - A vida é boa escrita por Valdir Luciano


Capítulo 2
Capítulo 2 - Down


Notas iniciais do capítulo

Este é um capítulo que eu o considero longo. Existem acontecimentos que eu não poderia cortá-los e dividir em dois capítulos.
Neste, introduzi alguns personagens que nos seguirão daqui em diante. Espero que possam se identificar com alguns deles.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/598738/chapter/2

– Meu filho – disse Maria, pegando nas mãos de Daniel– Me diz uma coisa: O que você quer ser quando crescer?

Daniel fechou os olhos e imaginou-se num futuro não muito distante. Seu eu mais velho vestia um terno escuro e elegante. Seus longos cabelos castanhos tocavam a nuca. A armação preta do óculos o deixava com uma aparência séria, de um homem importante. E, nas mãos, um livro com a sua assinatura.

– Eu quero ser um escritor – disse ele, abrindo os olhos e sorrindo com aquela imaginação – Um grande escritor, autor de vários Best Sellers. Quero ser reconhecido no mundo, igual Drummond de Andrade foi.

Maria sorriu. Estava com um brilho nos olhos. Um orgulho que só as mães entenderiam. Tantas coisas boas passavam em sua cabeça naquele momento. Imagens do futuro de seus filhos, formados e com carreiras promissoras. Felizes e com todos os seus sonhos e objetivos realizados. Sentia que aquele era o seu propósito na terra: Ajudar a sua família a conquistar seus maiores sonhos.

Talvez esse fosse o propósito de todas as mães no mundo. Suas metas eram semelhante a dos nossos anjos da guarda.

Porque, talvez, elas fossem os nossos anjos o tempo inteiro. E o céu, portanto, sempre esteve mais perto do que se imaginava.

– Você sabe que pode ser o que você quiser – ela disse, com emoção na voz – Mas tudo depende da sua vontade de viver. Se você tiver disposição, atitude e muita, mas muita, fé, as coisas sempre vão dar certo. Se você desejar e fizer coisas boas não só para você, mas para os outros, coisas boas virão de volta.

Daniel soltou um ar de riso. Era tão bom conversar com sua mãe, principalmente sobre os seus objetivos e sonhos para o futuro. Porém, no mesmo instante em que ela o incentivava com conselhos, ele se perguntou qual era o sonho dela. Será que ela já o teria realizado? Ou faltava algo para que pudesse realizar?

Antes que ele pudesse perguntar, Maria já havia lido a pergunta apenas com um encarar de olhos, como se tivesse lido sua mente.

– O que eu queria ser quando crescesse – ela disse, surpreendendo-o – eu já sou, querido. Eu sou uma mãe. Uma abençoada mãe que teve duas dádivas do céu: Os meus dois queridos e amados filhos, Lucas e Daniel Oliveira Martins. As duas pessoas que eu mais amo nessa vida. E com vocês aqui do meu lado, eu não preciso de mais nada, a não ser desejar que vocês se deem bem nessa vida...

Lucas fitou aquela página do livro, mas sua mente viajava no tempo. Não se lembrava de muitas coisas do passado, mas com certeza era impossível esquecer-se dos conselhos de Maria, sua mãe. E por mais que aqueles conselhos ditos por ela no livro fossem da perspectiva de Daniel, ele sentiu como se fossem para ambos os irmãos, sem qualquer exceção. Porém, ao contrário do irmão, Lucas nunca dissera à mãe o que queria ser quando fosse mais velho. Percebeu que esse foi um grande erro, pois jamais teria a oportunidade de dizer.

Teatro, ele pensou como se estivesse falando com ela através do livro. Eu queria ser ator, mãe...

A impossibilidade de poder falar com ela pessoalmente fez com que o garoto fechasse o livro com brutalidade e o arremessasse a metros de distância, até que o objeto esbarrou-se na parede.

Daniel surgiu com duas canecas cheias de café preto. Ofereceu uma ao irmão e a outra pegou para si. E então, sentou-se no outro sofá e o encarou com descrença. Lucas, por sua vez, o contemplou com um meio sorriso. O seu irmão estava bastante mudado e crescido: Os olhos continuavam verdes e claros como os seus, mas o rosto estava mais fino, com uma barba por fazer bem desenhada. E os cabelos castanhos estavam mais longos, quase tocando os ombros. Certamente, estava quase parecido com o Daniel que queria ser quando era mais jovem.

Porém, agora, ele tinha trinta anos. Já era um homem responsável, maduro e com responsabilidades. É claro que morar sozinho com uma garota de vinte e três anos e não ter nenhum filho diminuía a responsabilidade para noventa por cento, que incluíam trabalho, estudo e escrita. Os dez por cento restantes eram dedicados às atividades de lazer.

– Não acredito que está aqui – disse Daniel, soltando todo o ar que estava guardado em seus pulmões.

– Não acredito que publicou um livro da nossa maravilhosa e perfeita vida – retrucou Lucas, com um sorriso sarcástico. A presença de Daniel o fez querer ser um pouco mais cínico do que era. Estava frente a frente com o irmão mais velho, mas não queria se sentir inferior. O orgulho era maior que o respeito – Sério, não podia ter contado uma história de terror que fosse de ficção? Não estou acostumado a ler meu próprio personagem dentro de um livro!

As palavras de Lucas foram as últimas por alguns segundos. Mas Daniel logo respondeu, depois de tentar não relembrar o passado:

– Eu só... Quis fazer uma homenagem à mamãe. Torná-la eterna.

Lucas deu um meio sorriso e baixou a cabeça. Não queria mostrar ao irmão sua expressão de tristeza e nostalgia ao lembrar-se de Maria. Embora fossem irmãos, não eram do tipo que conversavam sobre as coisas boas ou ruins da vida. Cada um tinha a sua discrição, seus sentimentos ocultos e, agora, suas próprias vidas para tomarem conta.

Mais um silêncio estava prestes a pairar sobre a sala de estar. No entanto, após tomar mais um gole daquele café morno, Daniel cruzou as pernas e o quebrou com uma pergunta que Lucas estava esperando desde que havia chegado naquela manhã:

– Por que está aqui?

– Saudades? – Lucas perguntou com desdém, como se nem ele mesmo soubesse a resposta certa para aquela questão – Respirar novos ares? Tentar uma vida nova? Só de passagem? (...) Sabe, Daniel, nem eu mesmo sei por que estou aqui. Esse é o grande mistério dessa temporada – ele riu com a última palavra dita.

Daniel sentiu um misto de raiva com curiosidade. Lucas já tinha vinte anos e provavelmente estava tocando a sua vida com trabalho e estudos. Com certeza, estava se relacionando com alguma garota linda e de futuro promissor. Sua residência, no Rio, estava perfeitamente conservada e segura com a ajuda do tio Marcos. E, por fim, estaria só de passagem pela cidade da garoa – São Paulo – para conhecer os pontos turísticos, adotar informações para estudo acadêmico e, claro, matar as saudades do irmão querido.

Mas é claro que tudo isso eram apenas probabilidades que jamais seriam confirmadas se o irmão caçula não o dissesse com suas próprias palavras.

Daniel ainda o encarava.

– E então? – disse.

Lucas mantinha os lábios fechados em um sorriso torto e falso que não passava alegria alguma ao irmão. Ele baixou sua cabeça por alguns segundos e quando a ergueu novamente começou a falar aquilo que Daniel queria ouvir:

– Estou de passagem por São Paulo à procura de algumas informações acadêmicas que possam me ajudar com os trabalhos da faculdade de dramaturgia. Também estou de férias do meu emprego de atendente no Starbucks e minha namorada, Josi, não pôde vir comigo. Deixei-a na minha casa em Copacabana... E o tio Marcos mandou um abraço. – finalizou com um esbanjar de dentes brancos.

– Formidável! – Daniel gritou aos risos, a ponto de bater três palmas. Sentiu-se realmente feliz com a trajetória de vida de seu irmão, ainda mais sabendo as dificuldades psicológicas que passou depois da morte de sua mãe – Eu estou muito feliz por você, meu irmão!

Logo, ele se levantou e foi em direção a Lucas. O puxou e o abraçou logo em seguida. Lucas ainda mantinha um sorriso torto, agora ainda mais falso do que nunca. Porém, aquele era o seu irmão. Fossem diferentes, fossem rivais, mas eram do mesmo sangue. E então, o garoto aceitou aquele afeto e seus braços o apertaram fortemente em um abraço caloroso, e as palavras ditas anteriormente sobre sua trajetória... Já haviam sido jogadas ao passado. O importante era que os irmãos Oliveira Martins estavam reunidos novamente!

– Desculpe interromper o momento “brothers & sisters”, mas o meu novo café vai esfriar se vocês não o tomarem – Jéssica surgiu do fundo da sala, agora bem mais arrumada com uma calça jeans clara e uma blusa de renda verde. Nas mãos, uma bandeja com duas xícaras – Eu poderia me juntar a esse abraço, mas eu teria que jogar esta bandeja no chão...

O momento afetuoso entre os irmãos havia acabado. Daniel estava se sentindo realmente contente ao ver que a vida de Lucas estava indo razoavelmente bem. Lucas, no entanto, já planejava em sua mente as próximas mentiras, e aquela história perfeita estava se tornando um grande monte de cartas empilhadas que mais cedo ou mais tarde iriam desmoronar.

– Eu preciso ir ao banheiro – Daniel afastou-se de Lucas e deu espaço para a aproximação de Jéssica – Querida, por favor, deixe o meu café em cima da mesa de centro.

Jéssica assentiu, colocando a bandeja sobre a pequena mesa da sala. Por uma fração de segundos, encarou Lucas dos pés a cabeça e, aparentemente envergonhada, afastou-se para sentar no outro estofado. Porém, o garoto havia percebido.

– Está com vergonha de mim? – Lucas tomou um gole do café. O ar quente saía de suas narinas e evaporava. Os olhos verdes profundos tentavam penetrar os olhos escuros da garota, enquanto o seu sorriso tentava dissipar o estranho clima de desconhecidos – Eu sou o irmão do Daniel. Sou o seu cunhado, Jéssica. Não sou um serial killer, ou uma testemunha de Jeová prestes a pregar sobre a bíblia para você.

– Desculpe – Jéssica arfou e riu de cabeça baixa, se sentindo uma boba por Lucas estar certo – É que eu sou muito tímida, e nunca havíamos nos conhecido antes. É estranho. Daniel me falou muito pouco sobre você. E na verdade eu só te conheço por causa de seu personagem no livro que ele publicou. Então... Você é um desconhecido para mim.

Lucas quase se engasgou com as últimas palavras dela. De algum modo, estava certa. Quem era Lucas Oliveira? De onde viera? Quais os seus planos para o futuro? E o mais importante: O que estaria fazendo em São Paulo, na casa de seu irmão?

Cruzando as pernas e distorcendo os lábios em um fino sorriso enigmático, ele disse:

– Se você leu o livro do meu irmão, com certeza sabe muito sobre a minha descrição física – ele riu -. Mas, sobre a descrição pessoal, você vai me conhecer melhor com o tempo. Não precisarei me apresentar. Gosto que as pessoas descubram os mistérios sobre mim... Eu sou curioso.

Os olhos escuros de Jéssica o encararam de forma profunda. Não era uma paixão. Tampouco excitação. Mas Lucas tinha algo em seus olhos e em sua personalidade que a deixava totalmente intrigada. Era como se ele sempre estivesse segurando uma carta na manga para usar no momento certo. Aquela aparência e modo de falar sarcástico... Era um dos fatores que a deixou completamente curiosa para conhecê-lo melhor.

Enquanto um lado de Jéssica se preocupava em conhecer o misterioso cunhado, o outro se perguntava o porquê dele aparecer justamente naquele momento, sem qualquer prévio aviso, ou data comemorativa que fosse justificável ao seu surgimento. Ela também começou a se questionar sobre a relação entre os irmãos, já que aquela era a primeira vez que estava frente a frente com o irmão mais novo de seu namorado, Daniel, com quem já estava há cinco anos.

Lucas percebeu a inquietação nos olhos da garota.

– Pode falar, Jéssica – ele disse, sorrindo de forma discreta – Eu sei que você tem muitas perguntas a fazer. Se você não as fizer, não poderei responder.

– A sua família – ela começou, sem hesitar -... Ela não tem um histórico muito bom quando se trata de união, não é? Pelo que eu li no livro, é meio que cada um para o seu lado, e depois da morte da sua... – Jéssica percebeu que estava levando aquele assunto pessoal longe demais, e acabou voltando a ficar em silêncio, sem terminar o que poderia ser uma frase, ou uma questão.

Lucas entendeu aonde ela queria chegar. Baixou a sua cabeça e juntou as suas mãos, como se tivesse tentando se segurar para não demonstrar qualquer tipo de emoção decorrente ao assunto na qual estavam entrando. Ao mesmo tempo, Jéssica se sentiu constrangida por abordar o tema “morte”, sabendo que aquilo direcionaria ao pior dia do garoto.

– Desculpe, Lucas – ela se levantou, secando as mãos suadas na calça jeans clara e tentando encontrar algum motivo para sair da sala. Olhava para a direita, para a esquerda, mas não sabia o que falar.

Lucas ergueu a cabeça, com um sorriso carismático.

– Relaxa. Você não disse nada demais. E, respondendo à sua quase pergunta: Sim. A minha família não tem um histórico nada bom quando falamos de união. Mas isso não foi exatamente depois da morte da minha mãe. O buraco é muito mais embaixo – ele também se levantou como se estivesse se preparando para ir embora – Quem sabe um dia eu não te conte um pouco mais sobre os mistérios que rondam a família Oliveira Martins? Tenho certeza que tenho muito mais a contar do que esse livro que meu irmão escreveu.

– Claro que sim – Jéssica sorriu, assentindo sobre aquela proposta – Por mais que eu e Daniel tenhamos cinco anos de namoro, é como se tivéssemos jogado fora toda a história da nossa vida antes de nos conhecermos. Meio que apagamos tudo.

– Eu invejo vocês – Lucas olhou para o teto da casa, emergindo ao passado que viveu – Não há Um dia sequer que eu não tente apagar o meu passado...

Os dois ficaram em silêncio. Jéssica observava Lucas paralisado, com o pensamento longe. A aparência abatida que demonstrava uma vida difícil, com um passado terrível. Era incrível como, em menos de duas horas de convivência, ela conseguiu sentir tanta carga emocional de tristeza. E em cinco anos de namoro com Daniel, nunca pudera compartilhar de seu sofrimento de perda. Era como se Daniel não tivesse qualquer indício de tristeza pela perda da mãe, pela separação da família, pela distância entre os irmãos, e pela vida deixada para trás no Rio de Janeiro. Para ela, Lucas se mostrou muito mais humano do que seu irmão mais velho.

– É. Quem disse que a vida é bela? – Jéssica jogou as palavras no ar, como se a reflexão não caísse apenas sobre o garoto, mas também para si mesma. Afinal, o seu passado também não fora dos melhores – Tenho um passado um tanto quanto conturbado para te contar também. Quando tivermos oportunidade, trocaremos sofrimentos. O.K?

Lucas riu, voltando a encará-la com seu sorriso torto.

– O.K. Mas não vamos mais repetir essa última palavra. Não quero que O.K venha a ser o nosso sempre, ta?

Jéssica soltou uma série de gargalhadas.

– Sério mesmo? Citações de “A culpa é das estrelas” não estavam na lista das minhas frases reflexivas. Mas pode deixar que eu não citarei mais O.K. Fechado?

– Fechado!

– Então, fechado! – ela disse.

– Fechado... – ele disse com desdém – Puta que pariu, menina – e riu, por fim.

Enquanto os risos eram constantes, Daniel surgiu com o seu celular nas mãos, presenciando aquela cena que, aparentemente, não era preocupante e nem estranha. Era apenas o seu irmão e sua namorada interagindo e rindo de algum assunto que ele não tinha ideia de quando começou, mas que ele haveria de encerrar naquele exato momento.

– Vejo que vocês estão se dando bem – ele disse, guardando o celular no bolso e se aproximando de Lucas com um sorriso de lábios fechados – Fico feliz por isso. Sério. Muito feliz. – olhou para Jéssica e, então, o sorriso se dissipou.

Realmente, não havia qualquer problema no irmão mais novo conversar com a cunhada. Mas Daniel não conseguiu conter a aparência sorridente por muito tempo. Agora estava sério, e encarava a sua namorada de modo como se a mesma fosse culpada por todo aquele momento de risos e descontração durante a sua ausência. Ele não queria demonstrar, e também Lucas jamais suspeitaria, mas Daniel estava se sentindo completamente inferior ao caçula, fisicamente. É claro que o irmão mais novo tinha certa vantagem por ter apenas vinte anos, e Daniel já tivera o seu momento de vaidade e badalação. Mas, naquele exato momento, ele não conseguia refletir a ponto de deixar a conversa entre Jéssica e Lucas dar continuidade.

– Amor, você vai se atrasar para a aula na faculdade – Daniel disse, com os olhos voltados para Lucas.

Jéssica não disse absolutamente mais nada. Deu-se conta dos indícios de ciúme do namorado e prontamente se retirou do local sem ao menos se despedir do cunhado. Lucas, por sua vez, continuou sorrindo com os olhos voltados para o irmão mais velho.

– Ela é muito legal – Lucas disse – Você tem muita sorte em estar com ela. Eu pensei que ela seria mais uma daquelas burras superfãs de escritores amadores... Mas eu me enganei.

Daniel soltou um ar de riso.

– Obrigado – disse, logo em seguida – Depois eu te conto como conheci ela. É uma longa história – Daniel ficou em silêncio e começou a caminhar lentamente envolto a mesa de centro da sala, com as mãos no bolso – Mas me diga – começou novamente -: Quanto tempo vai ficar por São Paulo com as suas pesquisas acadêmicas?

Lucas, de repente, retraiu o olhar. Por mais que todo aquele momento desde a sua chegada estivesse às mil maravilhas, toda a informação passada ao irmão era pura mentira. E deveria continuar sendo.

– Bom - Lucas começou -: eu preciso conhecer um pouco mais sobre a cultura paulista, visitar algumas emissoras, agências de moda, publicidade e escolas de teatro. A minha área é bastante abrangente e eu necessito de tudo o que envolve comunicação – ele tentou buscar mais explicação do que já havia dado. Mas resolveu finalizar – Resumindo: Preciso conhecer bem a cultura pop de São Paulo. Isso quer dizer que passarei alguns dias por aqui.

Daniel permaneceu em silêncio, pensativo, encarando o chão e com uma das mãos postas a punho fechado sobre os lábios. Era como se estivesse analisando todos os fatos, pesando-os na balança para ver se valia ou não a pena deixar o seu irmão mais novo habitar os dias necessários em sua residência.

– Tem algum problema em relação a isso? – Lucas perguntou, curioso – Se tiver, eu posso alugar um quarto em um hotel por aqui perto...

– Não, de maneira alguma! – Daniel exclamou, erguendo os braços e fazendo desaparecer toda aquela aparência pensativa e duvidosa – As portas da minha casa sempre estarão abertas para o meu irmãozinho trabalhador e estudioso! É uma satisfação tê-lo aqui conosco!

– Fico feliz em ouvir isso, de verdade – e realmente, era verdade. Lucas sentiu uma certa paz em estar em um ambiente aparentemente harmônico e familiar. Por uma fração de segundos, pensou que ali, naquela cidade, naquele lugar, haveria um recomeço. De tudo.

– Leve as suas malas para o quarto de hóspedes – Daniel disse, sentando-se no sofá e cruzando as pernas – Fica no andar de cima. Conheça a casa. Ela será sua por alguns dias.

– Obrigado, Daniel – Lucas agradeceu, dando um descontraído tapa no ombro direito do irmão – Mas eu só trouxe uma velha mochila.

Um breve silêncio rondou a sala. Daniel encarava Lucas com um brilho nos olhos. Aparentava estar procurando algo nas pupilas do irmão mais novo. Certamente, não encontrou.

– Quanto antes você desfazer suas roupas no seu quarto, mais tempo você terá para conhecer a cidade de São Paulo e seus pontos turísticos... – Daniel disse calmamente, olhando para o teto branco com um lustre de seis rosas pendendo da direita à esquerda de forma lenta, como se tentasse hipnotizar aqueles que a observassem.

– Você tem razão – Lucas assentiu – Muito obrigado pela estadia, irmão. Obrigado mesmo – Sorriu e saiu da sala em direção ao quarto de hóspedes no andar de cima.

Daniel não correspondeu ao último agradecimento. Continuava a observar o teto como se realmente tivesse sido ofuscado pelos movimentos do lustre. Porém, em seguida, inclinou sua cabeça para o lado direito, onde podia avistar uma das paredes da sala: Nada de especial. Continuava branca como sempre. O que o intrigou foi o objeto de capa escura jogado no solo daquele canto, cujas folhas dançavam com a brisa do ar condicionado da casa. Era o seu livro, o que publicara. Estava jogado, ignorado de forma tão odiosa que, aos seus olhos, era como se fosse uma blasfêmia.

Ele sabia porque o livro estava ali, e sabia quem o havia atirado contra a parede.

Respirou fundo. A expressão séria, mas pensativa.

– Bem-vindo, querido irmão – sussurrou.

L

Os pingos d’água tomavam lentamente a cidade de São Paulo, manchando e escondendo aos poucos a paisagem dos enormes edifícios comerciais e empresariais. Lucas Oliveira podia ouvir os milhares de passos que tocavam o solo de concreto da plataforma: Senhoras e senhores, adolescentes, crianças, pessoas especiais. Todos eles, misturados, seguiam seus caminhos pela direita, esquerda, subindo e descendo as escadas rolantes da estação Penha do Metrô. Era uma rotina diária, até mesmo para os gloriosos fins de semana, a qualquer hora, qualquer clima e independente do dia que fosse – até mesmo um feriado -. Os moradores da maior cidade do país trabalhavam e estudavam incansavelmente para buscarem uma estabilidade profissional e financeira. A concorrência era enorme, e a prova de tal teoria podia ser deduzida pela aglomeração criada com a simples e silenciosa chegada do trem com destino para o terminal Barra Funda.

ESTAÇÃO METRÔ PENHA... – a voz do maquinista soou em meio a ruídos – ...DESEMBARQUE PELO LADO ESQUERDO DO TREM...

As portas se abriram e, então, houve um choque de confronto entre os passageiros que queriam sair e os que pretendiam entrar: Empurrões, xingos, e a batalha pelo mínimo espaço dentro da máquina. Lucas ficou paralisado, apenas observando o que – para ele – era uma hilária cena entre pessoas que se comportavam como animais selvagens para marcarem o seu território. Era uma triste realidade, mas o jovem não queria conviver com aquilo. Então, esperou as portas do trem se fecharem e a locomotiva levar os vagões para a próxima estação. Ele esperaria pelo próximo e, talvez, um pouco mais vazio, veículo.

– Você não é acostumado com essa rotina, não é? – a voz feminina riu após fazer tal pergunta – Você é como um caipira que acabou de chegar na metrópole. Fala sério! Acha que está lotado agora? Isso é porque você não pegou o trem às 6h30min da manhã. Aí você veria o verdadeiro inferno que é o metrô de São Paulo!

Lucas não precisou olhar para o seu lado esquerdo para descobrir quem era. Aquela voz suave, mas harmônica, só poderia pertencer a uma pessoa, na qual ele acabara de conhecer naquele dia, mas era como se fossem amigos de décadas.

– Eu não sou um caipira, Jéssica... – ele tentou pronunciar o seu segundo nome. Mas não sabia.

– Mariz – ela completou – Jéssica Mariz. E você tem razão: Não é um caipira – fez uma pausa e o encarou – É um carioca caipira.

Os dois riram. Aquele riso com ênfase no sorriso. Um sorriso verdadeiramente cômico e vívido, direto da alma. Os olhos negros de Jéssica e os cintilantes olhos verdes de Lucas pareciam se refletir com aquele breve encarar. Era como se os dois tentassem encontrar algo um no outro. O piscar se tornou menos frequente, as pupilas focando cada vez mais umas nas outras. E enquanto o mundo girava, as pessoas corriam de um lado para o outro, os trens iam e vinham em disparada, aquele momento individual pareceu ter-se parado no tempo.

Os sorrisos haviam se dissipado.

Jéssica olhou para o seu lado esquerdo: Outro trem estava vindo.

– Vem comigo? – ela perguntou.

Fechado! – Lucas respondeu com um sarcasmo na palavra.

E, então, Jéssica soltou um misto de falsa-raiva com sorriso.

L

ESTAÇÃO BRESSER MOOCA... – a voz soou das estreitas caixas de som localizadas nos cantos do teto do vagão – AO DESEMBARCAR, CUIDADO COM O VÃO ENTRE O TREM E A PLATAFORMA... DESEMBARQUE PELO LADO DIREITO DO TREM...

Os assentos já estavam mais vazios. A maioria dos passageiros haviam descido na Estação Tatuapé do Metrô. Lucas e Jéssica permaneciam em pé, agarrando-se nas barras próprias para passageiros.

– Os assentos estão livres, agora – Lucas observou o ambiente, agora mais calmo – Seria uma boa se sentássemos, não? Um pouco de conforto seria o mínimo pelo valor que custa a passagem.

– Concordo.

Os dois, então, se sentaram. Lucas escolheu o assento com vista para a cidade. Ele gostava de observar a paisagem afora quando passeava com algum meio de transporte.

As portas se fecharam e o trem começou a percorrer o seu caminho com destino às próximas estações.

– Aonde você vai descer? – Jéssica perguntou.

O jovem observava o solo afora, num misto de grama, terra e pedras. Juntas, eram semelhantes a um grande borrão de tinta por consequência da velocidade do trem. E, quando sua cabeça foi erguida e ele encarou os prédios e casas abaixo das enormes nuvens escuras de chuva, observou que elas se afastavam lentamente de sua vista, como se estivessem se despedindo, indo embora para algum lugar que ele não conseguiria mais acompanhar.

A vida é tão passageira – a voz soou em seus ouvidos, enquanto as imagens capturadas por seus olhos eram trazidas à sua mente – Ela é tão rápida que se deixarmos para fazer as coisas que mais gostamos amanhã, talvez elas passem pelos nossos olhos e não voltem mais... A vida é passageira e adora pregar peças: Às vezes, existem oportunidades que passam por nós e conseguimos recuperá-las. Outras, não. É por isso, Daniel, que você precisa se tornar aquilo que você deseja ser. E, para isso, você precisa começar a colocar os seus primeiros tijolos, subir os seus primeiros degraus, escrever sua própria história, construir sua própria vida, alcançar o seu objetivo. A vida não para. Mas, um dia, nós haveremos de parar... Será que teremos alcançado os nossos objetivos quando aquilo que nos mantém vivos parar?

Lucas lembrou-se do diário de seu irmão, que ele havia queimado, onde continham centenas de pensamentos que, segundo o autor, eram de sua mãe. Mesmo que as palavras ali escritas fossem conselhos de Maria para o seu filho mais velho, Lucas podia ouvir a voz dela dizer as mesmas palavras para ele. E, cada vez mais, sua vida parecia não ter qualquer sentido, como se ela já tivesse passado tão rápido quanto Maria dissera. Os sonhos e objetivos já haviam se transformado em grãos de areia que voaram com o soprar do vento. E mesmo que a vidas as trouxesse de volta, talvez ele jamais as realizasse. Porque ainda lhe faltava a maior de todas as determinações:

A vontade de viver, que ele havia perdido há muito tempo.

– Lucas? – Jéssica disse novamente – Você está bem? Estou te chamando faz quase um minuto. Parece até que você teve um AVC.

– Eu não sei – ele disse vagamente, inexpressivo, ainda, aparentemente, observando a paisagem afora.

– O quê? O que você não sabe? Não estou entendendo.

Agora, Lucas estava se vendo através do reflexo da janela.

– Eu não sei para onde eu vou... – respondeu, quase como um sussurro.

A garota sentiu, logo após aquelas palavras ditas, um sentimento de tristeza e depressão. Engoliu em seco e, antes que pusesse sua mão direita no ombro dele, sentiu aquele corpo estremecer. E, por fim, lágrimas desceram dos olhos de Lucas.

Ela não conseguia entender o motivo pelo qual o garoto demostrou tamanho sentimento de tristeza. Não fazia nem um dia que haviam se conhecido, mas era como se ele fosse um amigo de escola que a conhecia desde o jardim de infância. Ela não sabia o motivo do seu sofrimento mas, ainda sim, conseguia entender que ele, assim como todos os seres humanos, também tinham motivos para chorar e ficarem tristes. Sentiu que estava pronta para ouvir dele muito mais do que apresentações cordiais e pequenos trechos de sua vida.

Estava pronta para ouvir a verdade.

– Você quer conversar? – Jéssica disse, sem tocá-lo – Eu sou uma boa ouvinte, acredite.

Os olhos vermelhos, ainda proliferando lágrimas, viraram-se para ela. A boca trêmula e as narinas arfantes.

– Eu... Sou péssimo em falar de mim mesmo.

Jéssica sentiu o alivio habitando o corpo de Lucas. Ele não precisava dizer uma palavra sequer: Rapidamente, ela abriu sua mochila e, de dentro, retirou um caderno e uma caneta. Sorriu e o entregou para ele.

– Então escreva – ela disse – Eu sou uma boa leitora.

Em meio a soluços e lágrimas, Lucas observou aqueles dois objetos que, uma vez, serviram como um meio para o seu desabafo.

– Mas daqui a pouco você não vai desembarcar? – ele questionou.

– Eu posso chegar atrasada na faculdade.

Lucas sorriu. E, então, pegou aquele caderno e caneta.

L

A garoa continuava, mas não foi o suficiente para impedir que os pássaros voassem de árvore em árvore, em busca de abrigo e comida. Os seus cantos podiam ser ouvidos ecoando pelo extenso parque da Luz, localizado na região central de São Paulo. Era uma área verde destinada a passeios e atividades de lazer, com equipamentos para exercícios físicos, lagos, bancos e a famosa Pinacoteca do Estado de São Paulo – o mais antigo museu de arte de São Paulo, construído com uma linda arquitetura que lembrava monumentos britânicos -. Toda a região central próxima da estação metropolitana Luz possuía traços britânicos, principalmente a própria estação, que era bastante comparada ao famoso Big Bem de Londres – um palácio com uma grande torre onde está instalado um relógio -.

Lucas observava, sentado sobre um dos bancos da praça, toda a imensidão daquele lugar. Uma área verde preservada que era sinônimo de respeito à natureza, e que as pessoas aparentemente cultivavam. Fazia alguns minutos desde que descera do metrô e deixasse Jéssica seguir com o seu caminho rumo a faculdade. Imaginou se tinha feito a coisa certa dentro do trem. Imaginou se o laço de amizade com a garota havia passado dos limites. Imaginou mil coisas.

Porém, o que mais rondava a mente dele era a questão que ele se fez quando decidiu sair do Rio de Janeiro para vir a São Paulo:

O que eu farei em São Paulo, na casa do meu irmão?

E essa questão era como um jogo de dominó enfileirado que, quando derrubado, resultava numa reação em cadeia: Muita questões surgiam.

Como conquistarei a confiança do meu irmão e sua namorada?

Como justificarei a minha permanência aqui?

E quanto mais questões surgiam, mais confuso Lucas ficava.

O que eu, realmente, vim fazer aqui?

De repente, por uma fração de segundos, a imagem de sua mãe passou em sua mente, assim como a paisagem da cidade passou por seus olhos dentro do trem. O seu coração ficou acelerado. A vontade de saber quem a matara era o maior de todos os seus desejos e era a respostas para todas as suas questões. Tudo, exatamente tudo, precisava leva-lo até aquela resposta. Ele, realmente, não sabia porque suas intuições o trouxera para outro Estado. Se o culpado pela morte de sua mãe estivesse vivo, com certeza estaria no Rio de Janeiro, onde ela foi morta. Mas, estranhamente, seu coração queria que ele viesse para o lugar onde o seu irmão mais velho morava. Talvez ele teria informações contribuintes. Talvez o livro que ele publicara teria. Talvez sua namorada tivesse. Talvez sua casa escondesse algo.

Talvez. Talvez. Talvez

Porque Lucas teimava em acreditar que alguma resposta poderia estar ali. Porque sua mente e coração queriam acreditar.

De repente, algo vibrou no bolso de sua calça: Ele retirou o celular e observou o ser que o chamava. Por alguns segundos, Lucas deixou o aparelho continuar vibrando, dando esperanças para Wesley Santhiago de que, a qualquer momento, ele poderia atender.

– Atende, Lucas – Wesley sussurrava, ajoelhado sobre a cama, com olhos desesperados – Atende. Você precisa atender.

Ele, rapidamente, se levantou e foi em direção à janela que dava vista para a Copacabana ensolarada. Observou, discretamente, a calçada de sua casa abaixo e avistou seu pai – em estado sóbrio – conversando com um homem fardado de policial.

Amor, você precisa atender, ele pensou.

Mas Lucas não atendeu. Após minutos contemplando o nome Wesley na tela de seu celular, ele bloqueou a chamada. No histórico, Lucas encontrou as inúmeras chamadas perdidas de seu tio Marcos.

– Desculpe – ele disse, retirando a bateria e o chip do aparelho.

Em seguida, ele avistou um adolescente – de aparentemente dezessete anos – caminhando distraidamente com o seu visível celular moderno com fones de ouvido plugado em suas orelhas. Ao mesmo tempo, ouviu a gritaria das mulheres uniformizadas de azul que vendiam chips de celular.

L

O auditório onde Jéssica Mariz estudava estava completamente cheio, em torno de cem alunos. O projetor transmitia as imagens de silhuetas pulando alegremente à beira do mar em um pôr do sol, enquanto o professor comentava o assunto em voz alta:

–... Viver. Existir. Ser algo, alguém. Conhecer. Reconhecer... Qual o significado de ‘Viver’ para vocês? – uma pausa de reflexão era feita, nessas pausas Jéssica buscava uma reflexão para os acontecimentos daquele dia, que estavam todos relacionados a Lucas: O seu aparecimento repentino à casa de Daniel, a bela aparência feliz e a trágica mudança de comportamento. Primeiro, ele se apresentou como alguém sorridente e seguro de si em tudo o que falava. Mais tarde, mostrou-se uma pessoa amedrontada, com incerteza de si próprio. Era como se estivesse traumatizado e com uma bomba relógio prestes a explodir. Seu sorriso era apenas uma camuflagem para esconder o verdadeiro sentimento: A dor.

Aquele não era o momento oportuno, dentro de uma sala de aula em pleno momento de estudo. Mas, talvez, não houvesse outro momento melhor, pois o seu namorado jamais poderia saber que ela e Lucas estavam se dando tão bem a ponto dele escrever uma carta de confissão para ela.

Rapidamente, mas discreta, Jéssica abriu o seu caderno teórico e virou as folhas para a última página: Letras de mão haviam preenchido aquelas linhas.

Logo de primeira, ela pudera avistar inúmeros erros de ortografia. Mas conseguiu entender o que a carta dizia:

03 de Abril de 2014.

Jéssica Mariz.

Eu acho que você deve ter percebido que eu sou um cara de múltiplas personalidades e comportamentos. Em nossa primeira conversa, eu mostrei ser um garoto divertido, sorridente, carismático e sincero. Eu te disse que era curioso e você iria descobrir sobre mim com o tempo. Eu só não esperava que esse tempo fosse tão curto...

O jovem que você viu chorando no trem... Sou eu. O verdadeiro eu. O triste. E acho que você deve saber porque eu sou triste. Afinal, você já leu o livro do seu namorado e sabe muito bem quem morre. E, infelizmente, aquilo não é uma ficção.

Eu queria superar o luto, a dor, a mágoa... Mas eu ainda não encontrei uma maneira melhor para esquecer... E por isso... Eu faço coisas de que não me arrependo, porque a vida não se arrependeu de ter levado a minha mãe. Então, eu roubo, minto, traio e, se precisar... Eu mato... Porque eu não tenho mais motivos para respeitar a vida que tenho. Mas... Por algum motivo, quando eu faço algum tipo de laço de amizade, eu começo a perceber alguns valores da vida... As paisagens em seus mínimos detalhes... As maravilhas... E a bondade nas pessoas... E, por uma questão de segundos, eu acabo me arrependendo de tudo o que fiz de errado nessa vida... E é por isso que eu sou infeliz. E pode ser que não encontre uma felicidade neste mundo, porque a única que tive já se foi...

Eu fiz parte de gangues, facções... Ajudei a roubar bancos, assaltei mercados, lojas e pessoas na rua... Eu trai o meu tio, pessoas próximas e... Queimei a minha casa... Porque todas as vezes que pisava lá só conseguia sentir a presença negativa da morte, e imaginar o quanto a minha mãe sofreu e sangrou porque algum tipo de ódio, amargura e maldade em alguém levou aquela bala perdida até ela...

Eu roubei carros no meio do caminho, motos... E hoje estou aqui, na casa do meu irmão, sozinho. Não trabalho. Não estudo. Eu apenas vago pelo mundo em busca de alguma resposta... Seja para a morte da mamãe, ou para o sentido da minha vida...

Eu sei que deve ser difícil entender. Mas você conseguiu ser, em um único dia, o que muitos não conseguem ser em anos: Conseguiu ser um verdadeiro amigo. E eu me senti no direito de te contar um pouco sobre a minha verdadeira vida.

Pode ser que eu não fique muito tempo na casa do Daniel, porque não sei quanto tempo essas mentiras continuarão em pé. Mas... Jéssica:

Obrigado.

De verdade.

Você não ganhou um cunhado. Mas, sim, um verdadeiro amigo.

Fechado?”.

Jéssica sentiu um misto de emoções que iam da tristeza até ao alívio de perceber o quanto uma simples conversa e um simples gesto de amizade pode fazer com alguém. A única lágrima desceu lentamente abaixo de seu olho esquerdo e foi rapidamente enxugada por ela.

– Jéssica! – o professor a chamou.

De repente, ela voltou a si. Olhou em volta e percebeu que não estava em sincronia com a aula. Claramente, todos haviam percebido.

– Poderia me explicar, em seu ponto de vista e em apenas uma palavra, o significado de Viver?

Levantando-se, prestes a jogar a mochila nas costas e deixar a aula, ela disse com firmeza:

– Ajudar.

E então, em silêncio, ela se retirou da sala.

L

Visitar parte do centro de São Paulo não fora uma boa ideia para Lucas. Se o intuito dele passear era conhecer alguns pontos turísticos, o seu desejo não fora realizado, pois os pensamentos que o atormentava o impediram de sentir o que as pessoas comuns sentiriam ao visitar tais lugares como a Pinacoteca do Estado, ou o Parque da Luz. As pessoas normais perceberiam que São Paulo não é apenas a cidade da garoa e da poluição, do trânsito ou da superpopulação. Também existia cultura e preservação do meio ambiente ali. Mas Lucas não havia enxergado. O que ele sentiu quando avistou tais lugares foi apenas a lamentação e o remorso das maldades que já fizera, e ainda fazia.

Deitado sobre a cama em seu pequeno quarto de hospedes, ele observava o teto branco para tentar espairecer sua mente, e voltar ao seu estado normal – o que sabia mentir, e falsificar qualquer informação verdadeira -. O seu novo e moderno celular vibrava com a chegada de mensagens de sua nova operadora. Mas ele não dava a mínima atenção.

Lucas se perguntava se fizera a coisa certa ao contar um pouco sobre sua verdadeira vida a Jéssica Mariz. Por mais que a conhecesse naquele dia, conseguiu ganhar sua confiança e sua amizade. Era estranho para ele, mas as atitudes da garota eram semelhantes às de Wesley Santhiago, e o sentimento que sentia por ambos eram iguais.

Agora ele pensava nos dois, e refletia em como ele tinha a incrível capacidade de iniciar laços de amizade com pessoas, sabendo que seria impossível levá-las um pouco mais adiante: Com Wesley, a grande dificuldade era a questão da homossexualidade que ainda não era bem vista pela nação brasileira, e Lucas era o tipo de homem que não gostava de relacionamentos discretos e escondidos para o resto da vida. Já, com Jéssica, por mais que ele conseguisse enxergar qualquer coisa além de amizade, a impossibilidade para isso chamava-se Daniel Oliveira Martins.

Luca conseguiu confundir ainda mais a sua mente. Se a intuição de vir para São Paulo era ajeitar as coisas, o que ele estava fazendo era juntar mais problemas.

De repente, alguém bateu à porta.

– Lucas – era a voz de Daniel – Posso entrar?

– Claro, mano – rapidamente, ele se ergueu e ficou sentado na cama.

– Desculpe te incomodar. Eu sei que você está cansado. Deve ter passeado bastante pela cidade. É linda, não?

– Lembra um pouco o Rio, com exceção das praias.

– Entendo.

O quarto ficou em silêncio. Daniel encarava Lucas com um meio sorriso.

– E então, posso te ajudar em algo, irmão? – Lucas disse, intrigado – Você não veio aqui só para perguntar se eu gostei da cidade, não é?

Daniel riu.

– Claro que não.

Ele sentou-se ao lado do irmão mais novo e continuou:

– É que o nosso tio Marcos ligou. – os olhos de Lucas cintilaram. Ele ficou pasmo, o coração acelerado – Na verdade, eu liguei para ele. Queria confirmar a sua versão da história. Mas, é estranho porque... Ele não sabia que você tinha vindo para cá... Não sabia que você tinha um carro próprio, não sabia que você namorava, que você tinha um emprego e que fazia faculdade...

Lucas se levantou lentamente da cama, dando passos para trás e erguendo as mãos em um ato para tentar se explicar.

– Mas não acabou, maninho – Daniel continuou em tom sarcástico – Ele me disse que os bombeiros apagaram uma enorme chama que se formou na residência onde você mora. E, segundo eles, as chamas podem ter sido acesas de forma proposital... Que estranho, não?

– Daniel...

– Agora, deixa eu te perguntar: Onde está sua namorada? Onde estão seus livros e cadernos de estudo? Aonde foi parar o carro que você deixou estacionado quando chegou? Onde estão os seus documentos, inclusive sua carteira de trabalho? O QUE ACONTECEU COM A CASA DA MÃE? POR QUE VOCÊ SAIU DE LÁ? O QUE VOCÊ REALMENTE ESTÁ FAZENDO AQUI EM SÃO PAULO... E O QUE QUER DE MIM?!

Lucas permaneceu calado. A aparência um tanto assustada, enquanto, das escadarias, Jéssica ouvia aquela discussão que parecia estar apenas começando.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado deste - longo - capítulo.
Por favor, comentem e, se estiverem gostando da história, compartilhem com os amigos e parentes e amantes de Fics Originais.

Obrigado!
Até o próximo capítulo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Life is Good - A vida é boa" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.