Olhares Noturnos escrita por Maxine Evelin


Capítulo 1
Capítulo Único - Paranoia e Olhares Noturnos.


Notas iniciais do capítulo

May essa Creepypasta é para você, feliz retorno ao Brasil. o/

Um muitíssimo obrigado para Bruna Sobral e para o Rafael Assad, por sempre lerem meus contos e os criticarem até ficar perfeito. Vocês são os melhores leitores que alguém poderia pedir. :)

E a você que está lendo esse conto agora. Muitíssimo obrigado!



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Todas as histórias tendem a começar com uma cerveja no bar, as melhores histórias, as mais inusitadas, histórias de amor eterno que duram uma noitada. Histórias de amargura que terminam na sarjeta, com a cara inchada de tanto apanhar. Histórias do cotidiano, sempre envoltas na densa neblina alcoólica e nas risadas e conversas no bar.

E é em uma dessas noites que começa minha história. Estávamos em casa, eu e Mary, após uma bela noitada de vodka e uísque. Viemos tecnicamente arrastando um ao outro, entrelaçando as pernas, abraçados e balbuciando feito dois bêbados tagarelas. Ela era uma pessoa claramente mais nova que eu, deveria ter seus 20 anos, enquanto eu estava chegando na casa dos 30. Seu jeito jovial fazia me sentir imbecilmente feliz. Seus olhos vasculhavam meu pequeno apartamento e ateliê artístico, meus canvas e pinturas abstratas. Um olhar crítico intenso, que parecia querer consumir cada centímetro do meu lar.

Olhei para seu rosto moreno de sol e não pude conter um sorriso de excitação. Seus olhos âmbar e seu sorriso amplo de dentes lineares e sua voz aveludada de embriaguez. Tossi duas vezes e ela voltou a fitar meu rosto, embora meio turvos da bebida, seus olhos eram penetrantes como os de uma águia.

Artyom, está me ouvindo? Quer mais bebida? Perguntou Mary levantando a garrafa quase vazia de vodka Kushyova.

Ah, desculpe dei uma viajada aqui. Sim. Eu quero sim. Levantei meu copo e brindamos novamente.

Spasibo! Gritamos em uníssono e bebemos em longos goles, sentido o destilado fervendo garganta abaixo. Meu rosto logo esquentava e aquela sensação de calor e excitação percorria meu corpo, fazendo as pontas de meus dedos coçarem com o desejo de desbotoar seu sutiã, apertar seus seios e sentir a pele sob regência de meu toque.

Foi quando a luz de meu quarto apagou, um disjuntor na rua explodia com a sobrecarga geral e meu apartamento virava um puro breu.

Não podia ter vindo em hora mais apropriada.

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Era manhã quando acordei, um feixe de luz atravessava a velha persiana e repousava sobre meus olhos. Era meu despertador natural. Virei para o lado e lá estava Mary, dormindo feito uma boneca de porcelana, os cachos de seu cabelo emaranhados sob o rosto, o filete de saliva em sua boca, o cheiro de suor e o calor de suas coxas em minhas pernas. Não pude deixar de sorrir com a figura da garota que dividira a noite comigo.

Levantei-me devagar, arrancando um suspiro longo da garota, enquanto me vestia para sair do apartamento. Ela me assistia com olho turvo de sono e metade de sua face enterrada no travesseiro.

Onde você está indo? Perguntou Mary com sua voz arrastada.

Trabalhar, tenho uma sessão de fotos para fazer essa manhã no parque Voydianoy. Pode ficar se quiser. Tem leite, café e biscoitos na cozinha aqui do lado. Apontei para o balcão a esquerda e para o frigobar abaixo.

Você deixa estranhos na sua casa? Geralmente estranhos roubam. Perguntou Mary levantando o corpo, coçando o olho direto e sentou-se na cama.

Olha. Então simplesmente não roube nada. Sorri, enquanto pegava minha câmera Laica e checava os filmes dentro dela. Quando sair Mary, deixe a chave na portaria. Os porteiros já conhecem ela.

Você traz muitas meninas pra cá? Perguntou Mary girando o corpo exibindo o dorso nu e olhando diretamente para mim.

Não, não! Eu tenho tendência de perder minhas chaves, então eu sempre as deixo na portaria, aliás quem é que usa um chaveiro do Sonic, The Hedgehog, esses dias? Dei uma risada nervosa, se o segundo dia é para se causar uma boa impressão, esta foi por água abaixo. Com certeza.

Mary riu, e levantou-se. Estava completamente nua, e eu não pude deixar de admirar o corpo esguio dela. Sem a influência do álcool parecia ser mais bonita que antes. Realmente esbelta. Ela me deu um beijo na bochecha e um tapinha na bunda.

Vá logo gatinho, não vá se atrasar. Já são quase 10 horas. Você vai chegar atrasado, você marcou para as 10:30. Se correr pela avenida central, você chegará a tempo.

Um pânico passou como um choque em meu corpo, olhei para o relógio na parede e os leitor digital (sempre tive problemas com ponteiros analógicos) dizia que eram vinte segundos para as dez. Sai correndo para a porta, voltei e dei um beijo em Mary. Que ficou acenando monotonamente, e pegando o casaco de frio sai para o corredor correndo feito louco.

Depois de alguns minutos dei-me por pensar. Não havia contado sobre o horário do meu trabalho. Mas dei os ombros, mal lembrava da noite passada. Eu estava muito bêbado.

Cheguei em casa à noite, o porteiro entregou a chave a mim, e quando perguntei de Mary a ele, ele não soube responder, quando ele assumira o posto a chave já estava lá. Olhei meu celular e abri o WhatsApp, haviam algumas mensagens dela entrepostas em um grande texto.

"Oi Artyom! A noite foi ótima. Gostaria de te ver novamente. Peguei seu número com sua amiga no bar, então não se assuste com essas mensagens. Aliás, tomei um banho bem demorado. A torneira de água quente está desregularizada ou é aquecimento à gás? Demora muito para aquecer. Bem, obrigado pela noite, quando podemos nos ver de novo?"

Subi os últimos lances de escada ponderando sobre a noite passada, eu realmente não recordava de nada. A partir do momento que a luz desligara, era tudo literalmente um breu em minha memória. O que fosse o que eu tivesse feito, deveria ter feito formidavelmente. Nunca fui um cara de ser chamado logo no segundo dia. Muito menos nos próximos. O que quer que tenha acontecido aquela noite, deve ter sido muito bom.

Mas eu não lembro de nada.

Abri a porta de meu apartamento e olhei direto no pote de moedas. Geralmente ele ficava vazio e eu riscava aquela pessoa da minha lista, talvez por ser tão assim estava solteiro aos 28. Porém o pote estava cheio. Nem dei-me ao luxo de olhar seu interior, ele estava do jeito que havia deixado.

Tirei minha roupa de frio e fui até meu quarto. Estava um pouco bagunçado, mas não havia indícios de alguém ter vasculhado tudo e roubado alguma coisa. Desliguei a luz, sentei-me à escrivaninha e liguei meu computador. A luz neon verde do gabinete inundou o quarto escurecido e o monitor de 24 polegadas logo mostrava a tela de login do sistema operacional.

A primeira reação inconsciente foi abrir o Chrome e entrar no VK. E notar que já havia uma solicitação de amizade de Maryanya no topo da tela. Sua foto era linda, estava sentada de perfil em um banco, o vento levantava seus cabelos cacheados e exibia um enorme sorriso de alegria com seu rosto inclinado para trás

Sorri e aceitei seu pedido. Em pouco tempo uma janela de chat levantava, e ela falava comigo. Conversamos um pouco e disse que ia ficar ausente, a conversa morreu naquele instante.

Mary saiu do chat e eu fui fazer um café na cozinha. Quando voltei meu e-mail estava aberto e duas mensagens estavam na caixa de entrada, uma delas era propaganda dessas que você recebia sem querer ao fazer cadastro em sites alheios. A segunda era sem remetente. Usei o Kaspersky para verificar se havia algum malware, mas esse retornara limpo.

Abri o e-mail com cautela, porém não podia conter uma ansiedade estranha. Remetentes desconhecidos. Dentro do e-mail. Havia uma imagem de um grande olho vermelho, injetado de sangue. Como aqueles que sofrem hemorragias. Em letras cirílicas estava Я вижу тебя, но ты меня не видишь? Почему? Ou seja: Eu vejo você, mas você não me vê? Porquê? —

Estremeci, meus dedos logo correram a outra aba do navegador e pesquisei no Google algo como um vírus novo, ou um boato de algo assim. Alguém que mandava pegadinhas estranhas na Rússia esses dias. Mas não achei nada de relevante.

Cocei a cabeça e deletei o e-mail. Minha cabeça começava com uma fraca enxaqueca, latejante na têmpora esquerda. Inclinei na cadeira para trás, esticando meu corpo e espasmos tomaram conta de meu corpo. Não me sentia mal assim há muito tempo. Deveria ser um pré-resfriado, ou algo do gênero.

No VK, Mary havia perguntado há alguns minutos. "Quando podemos nos ver de novo?"

Voltei a olhar a tela do Desktop e abri o circuito de webcams que tenho instalado em minha casa. Eu não posso negar, embora tente acreditar nas pessoas, não consigo deixar de testa-las. Tenho diversas webcams em minha casa e o sistema funciona como uma central de vigilância. Se roubarem algo de valor, posso acionar a polícia e apresentar provas. Ou pelo menos essa é a ideia.

Voltei para a gravação da noite anterior, até o momento que acaba a energia. As duas câmeras de visão noturna falham, porém as outras três ainda ligadas ao no-break exibem no meio da noite, flashes disparados pela minha câmera iluminam partes da casa, como se tivéssemos brincado de esconde-esconde nus. Minha cabeça dói. Eu volto para o momento em que saia de casa. Maryanya volta a deitar em minha cama, aumento a velocidade em duas, quatro vezes. Depois de 4 horas, ela vira parece sorrir para a câmera e vai para o banheiro. Momentos depois sai do banho nua e abre uma gaveta, veste uma das minhas cuecas boxers e coloca o restante de suas roupas e saí de casa sem comer ou beber nada.

Fecho o programa, minha cabeça latejando com a força de um martelo batendo em uma bigorna. Entro no chat e respondo. "Amanhã."

No mesmo instante recebo uma mensagem de volta. "Ótimo! Te vejo as 20h". Fecho os olhos e durmo ali mesmo, estava cansado demais para ir para a cama.

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Recebi uma mensagem por SMS de uma amiga de longa data que sempre saia comigo durante a noite. Aquele tipo de amigo que adora uma farra e que sempre te chama para fazer as coisas juntos. Era esse tipo de amigo que era a Annika. Ela disse que estava tomando um café e comendo uma Zapekanka em um bar perto de minha casa. Não pensei duas vezes e sai de casa logo cedo para encontrá-la. Estava nevando pesado aquela manhã, mais estranho que o usual. Dobrei a rua e pude ver sua silhueta alta sentada ao lado da janela, tomando seu café em uma xícara larga, acenei para ela quando me avistou atravessando a rua e pus o meu melhor sorriso no rosto. Abrindo a porta, o cheiro de café e o quentinho dos aquecedores fizeram minha fome chegar e meu frio ir embora quase que na hora. Tirei meu casaco pendurando-o no cabide ao lado da porta e, puxando uma cadeira, sentei em frente a Annika que dava uma mordida em sua torta com prazer.

Conversamos um pouco sobre tudo, Annika era um tipo de pessoa especial, sempre aberta a todo tipo de assunto, por mais que ela não soubesse do que se tratava, ela tinha o dom de ouvir a pessoa. E quando você percebia ela já expunha a opinião dela sobre o assunto.

Então! O que aconteceu contigo anteontem? Perguntou Annika para mim. Seus grandes olhos azuis-claros fitando-me como olhos de um desenho japonês. Não me lembro bem quando a conversa chegou nesse ponto, mas respondi com uma certa dúvida em minha voz.

Como assim? Eu estava com vocês a balada inteira até que eu sai com a Maryanya. Fomos andando juntos até em casa.

Uhm? Maryanya? Aquela Maryanya que você vive falando? Que horas foi essa? Annika desviara o olhar e agora mexia lentamente o seu mocha. Um vapor quentinho subia em lufadas espiralantes.

Foi logo antes de nos despedirmos. Eu já estava com ela, estávamos muito bêbados aquela noite. Nunca pensei que o Gregory tomaria duas garrafas de vodka ao mesmo tempo. Aquele cara é um brutamontes. - Eu e Annika rimos, uma coisa concordamos, Gregory com seus dois metros e alguma coisa e seus quase cento e cinquenta quilos era um monstro.

Aí ai, Artyom. Realmente estávamos loucos aquela noite. Eu acabei tão bêbada que acordei do lado de duas meninas que pareciam irmãs gêmeas. Você acredita? Vindo de Annika, eu acreditava. — Talvez... Annika continuou Talvez seja por isso que não me lembre muito bem de você na balada.

Como assim? - Inclinei para a frente para dar uma garfada no que sobrava da torta de Annika.

A última recordação minha de você, foi de te ver sair do bar sozinho.

Nos despedimos com um beijo na bochecha e cada um seguiu seu caminho. Ela ia para Só Deus sabe aonde, para as coisas que ela costumava fazer e que nunca ninguém perguntava o quê. E eu fui caminhar no parque. No meio do caminho, a frase de Annika permeava sobre minha cabeça.

Sentei no banco, minha cabeça sentindo-se longe dali, em outra atmosfera. Eu havia falado sobre Maryanya para ela antes? Mas havíamos nos conhecido aquela noite. Não era possível. Somente não era possível. Olhei para minha bolsa pendurada ao lado de meu corpo e peguei minha câmera fotográfica. Olhei para sua superfície passando os dedos dormentes de frio sobre a textura de plastico rugosos da Laica. E comecei a tirar fotos. Tirar fotos da paisagem, das pessoas que caminhavam por ali, das flores. Do lago. Tirar fotos era uma forma de relaxamento que eu desenvolvi durante os anos, a cada clique, a cada flash, me dividia entre o mundo da racionalidade e o mundo ideal das lentes.

Somente parei quando a câmera chiou de estar com a memória cheia. A tela sensível a toque exibia a informação que o cartão de memória estava cheio. O mais engraçado é que o cartão demorava muito tempo para poder encher, somente se eu passasse uma noite inteira fotografando. Um estalido mental formou-se em minha cabeça, uma vaga lembrança de ter passado a noite tirando fotos de Mary em meu monitor. Minhas mãos tremeram, e comecei a voltar em meu histórico de imagens para procurar estas. Cada imagem era mais estranha que a outra, uma figura feminina borrada sorria na câmera, outra parecia gritar alguma coisa. Todas estavam irreconhecíveis. Uma mistura de efeitos bizarros de luz, sombra e desfoque.

Minha mente recusava a se lembrar daquela noite.

Eu não fazia ideia, mas minhas mãos tremiam a ponto de mal conseguir segurar a câmera, pensei que estava tendo algum tipo de ataque e olhei para cima. No céu nublado e cinza, manchas negras dançavam ao redor de minhas retinas. Manchas negras e vermelhas. Dançando em meus olhos como gostas de tinta na água cristalina.

Quando dei por mim, estava deitado em meu pequeno sofá em casa. Mary estava na cozinha ao lado, preparando alguma coisa na chaleira. Olhei para seu rosto sério, concentrada enquanto a faca picava pedaços de pão na bancada e abaixei a cabeça. Em minha mão esquerda, preso pela corda de segurança. Estava minha câmera fotográfica.

Ou o que sobrara dela.

Aquela noite foi estranha, Mary cuidava de mim. Disse que tínhamos marcado de nos encontrar no parque aquela noite e que me encontrara desmaiado no banco. Ela me carregara até o apartamento de carro, com a ajuda de um senhor que se predispôs a ajudar a me carregar até o banco traseiro. Eu negava a possibilidade de me deixarem no hospital de todas as formas, então ela resolveu passar a noite cuidando de mim, enquanto delirava no sofá.

A sopa que ela me dera era sem sal, dos tipos que eu costumava fazer e o pão tinha a rançosidade de um pão amanhecido.

Não reclame da pohklebka e tome tudo, você desmaiou, pois deve estar fraco. Então não reclame e tome tudo. Vamos. Um... dois… Mary sorria e levava uma colher cheia de sopa quente em minha boca. Tentei sorrir, mas minha mente parecia ter sido pisoteada por uma mula.

Mary. O que? Tentei começar, mas minha boca estava letárgica, uma sensação pastosa entorpecia minha garganta.

Shhh! Mary encostou o dedo indicador em minha boca, e olhou fixamente em meus olhos. Você, poderia por favor, parar quieto e tomar sua bendita sopa Artyom?

Calei a boca na hora.

Foi uma sorte ter encontrado sua amiga no caminho. Qual é o nome dela mesmo? Anna? Fannie? Monika? Mary pigarreou. Bem, ela me avisou que você não estava bem. Consegui sair correndo e te encontrar a tempo no parque.

O que aconteceu? As palavras saiam arrastadas como se estivesse bêbado. O que aconteceu comigo?

Não sei ao certo, me parecia uma convulsão. Ou o começo de uma, bem nunca irei saber, você veio berrando como uma criança birrenta do parque ate aqui para não te levar no medico, pois não teria dinheiro para pagar o tratamento. Mary deu uma risada irônica. Admito, foi engraçadíssimo.

Não entendi a graça. O que foi? Perguntei aumentando duas oitavas de minha voz, fazendo-a soar como uma gralha. Mary ria alto, e se sentou no sofá ao lado de meus pés e levantou a cabeça para trás, dando uma arfada longa. A parede deu um estalido oco quando o parietal da cabeça de Mary bateu contra ela.

Ela encolheu o corpo para frente e olhou-me com aqueles olhos de rapina cheios de lagrimas. Não pude controlar a avalanche de risada que veio subindo pela minha garganta. Daquelas que você pede arrego de tanto ri e os músculos abdominais parecem explodir de tanta contração.

Ei Artyom? Perguntou Mary dando umas batidas na parede. Não mora ninguém aqui do lado, não?

Minha cabeça latejava novamente.

Não lembro Mary, faz tanto tempo que não ouço nada de la. Acho que o vizinho

(ou vizinha)

se mudou há muito tempo.

Mary olhou para a parede, sem expressão. Apenas olhava para a parede.

Uma moeda por seus pensamentos disse em tom de deboche. Mary virou o rosto em minha direção e sorriu.

Vai ficar com essa moeda. Respondeu inclinando o corpo sobre o meu deitado no sofá. Encostou a cabeça sobre meu peito e ali ficou, apenas respirando fundo, quieta. Afaguei seus cabelos ondulados e minha cabeça doeu novamente em uma pontada violenta, fechei os olhos e quando percebia, estava acordando horas mais tarde sozinho.

Ergui meu corpo tomado por uma letargia tensa, as pernas bambeavam e cai de bruços no carpete, batendo meu ombro na mesinha de madeira na sala. Rolei de dor, e parei esticando os braços no chão olhando para o teto. Uma mancha de infiltração parecia formar um desenho de um grande olho verde desbotado. Senti um desconforto passar por meus membros e percorrer meu corpo como vermes que dançam dentro de um cadáver para se encontrarem em um festim, empelotando o estomago e intestino.

Me contorci no chão para encontrar um recado amassado deixada por Mary, escrito em sua caligrafia cursiva disforme.

"Vi que você tirou um cochilo pesado e tomei a liberdade de ir embora. As ruas esse horário são perigosas, depois eu volto Artyom."

Que beleza de encontro. Levantei-me e fui trancar a porta de meu apartamento. E a chave não rodou, puxei a maçaneta e a porta nem sequer se mexeu. Trancada. Girei a chave na outra direção e a chave continuava inerte. Soquei a porta duas vezes e a porta mal tremeu com meus golpes.

Abaixei a cabeça e pus-me a pensar se havia a mesma remota possibilidade de Maryanya ter copiado as chaves de casa e ter emperrado ela. Era minha paranóia batendo junto a enxaqueca em minha cabeça. Arrastei-me pelo carpete apoiando os braços na parede ate meu quarto. A dor era intensa, tao absurda que eu não pensava em nada mais a não ser fechar os olhos e dormir. Assim dito e feito, cai em minha cama e logo Morfeu jogava seu manto sobre mim.

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Na próxima manhã, minha mente estava recomposta e foi ai que as coisas estranhas começaram a acontecer. Ao despertar no teto acima de minha cabeça havia diversas manchas de mofo, todas em um formato ocular semelhante ao da sala que havia visto ontem.

Levantei meio estonteado, e meu estomago de um ronco alto e doloroso. Não havia comido nada desde ontem, exceto por uns dois pedaços de torta de Annika no bar. Fui ate o PC e apertei o botão para ligá-lo, depois de quatro tentativas, o gabinete tremia e as ventoinhas giravam com as luzes neon verdes iluminando o quarto escuro.

Chequei minha caixa de entrada de meu e-mail pessoal e três novas mensagens bizarras sem remetente estavam lá, destacadas em negrito. Uma delas, a primeira. Exibia fotos de uma menina loira na rua, ela caminhava na calçada descontraída. As fotos iam se aproximando, ate que ficam desfocadas, queimadas e cheias de ruido como se tivessem escaneado uma Polaroide antiga.

O e-mail acabava quando a menina estava andando pelo que reconheci ser a Estrada Treblelenishka, pelas arvores tortuosas que pareciam invadir a Estrada com seus galhos finos e secos como falanges esqueletais. A foto mostrando em um angulo pervertido, o quadril da menina de baixo para cima.

Fechei os olhos por um momento ponderando sobre o que poderia ser aquele e-mail. Com certeza era uma brincadeira de mal gosto. Alguém brincando com meu gosto artístico. Ou poderia ser alguém que estava errando e-mails. Algum assassino da mafia. Voltei a encarar a tela. Abri o próximo e-mail e o conteúdo deixou-me mais perplexo. As imagens eram claramente de uma jovem caucasiana loira, nua no que parecia ser um bosque. A garota, cuja face era sempre tampada parcialmente pelos cabelos loiros, estava amarrada em uma árvore. Seu corpo era coberto de hematomas e cortes, as fotos iam mudando de perspectiva a cada momento, fotografando a garota de diversos ângulos, hora de sua boca escancarada em um grito, hora de seu corpo encurvado ao receber um golpe do fotografo.

A foto termina com seu corpo ditado no chão, entre folhagens e terra úmida e um desenho de um Grande olho de sangue entre seus seios, descendo ate o umbigo. Estremeci, sentindo o corpo ser tomado por uma sensação de calafrio subindo minha coluna ate a nuca onde parecia que havia tomado uma mordida gelada. Com receio, abri o último e-mail.

Diversos olhos vermelhos desenhados, uns de giz de cera em papel, outros pichações em ruas mal preservadas, desenhos em carne fresca. Olhos sob cirurgia de conjuntiva. Olhares avermelhados e dizeres por todos os lados. “Porque não me percebes? Não possui os olhos para mim? Eu te vejo, o tempo todo”. Estremeci novamente e uma sensação de algo quebrar dentro de minha cabeça e depois escorrer, fez com que um calor percorresse minha face e esbugalhasse os meus olhos.

Com a mão direita começando a ficar dormente, cliquei para fechar a tela e um arquivo automaticamente era baixado e abria o Install Shield.

Eyes.exe.

Era este o nome do arquivo, parecia ser mais um dos tipos de malware criptografados que você vê por ai, mas a diferença era que tudo no sistema era trocado pelos mesmos desenhos gráficos dos olhos. Cursor do mouse, botões, menus, tudo estava em um aspecto sujo e sangrento. Um aspecto gore extremo, macabro. Os papeis de parede mudando de forma a cada segundo como se aquele olho gigantesco estivesse realmente vivo.

Tentei clicar no ícone de minhas câmeras para surpreendentemente, encontrá-las funcionando. O engraçado era que as interfaces do programa encontravam-se inalteradas. E as gravações do dia passado, diferente de alguns arquivos importantes, intactas. Porem, elas exibiam partes de um apartamento que não era meu. Dentro de um quarto uma mulher trocava de roupa, seu rosto não aparecia no angulo da imagem filmada. Sua pele era morena e seu corpo esguio.

Por um momento pensei em Maryanya, quando um outro homem um pouco maior entra na casa pela janela da sala, e devagar entra no banheiro. Escondendo-se atrás da cortina da banheira. Vestia uma jaqueta preta e calças jeans surradas. Seu rosto ainda uma incógnita escondida por uma touca e cabelo desgrenhado no rosto, distorcidos pelos ângulos estranhos das câmeras.

A mulher claramente atormentada com algo, gesticula como se reclamasse com alguém e entra no banheiro. Tranca a porta e arrastando os pés no tapete, sentou-se na privada, levando as mãos ao rosto, e começa a tremer, como se chorasse. Seu rosto uma bola de imagem distorcida, quanto mais eu tentasse ver sua fisionomia, menos eu enxergava. O homem sai de trás da cortina, em sua mão uma grande faca de cozinha. A mulher grita e eu grito junto.

Sinal e ruido. A imagem some, tomada por chuviscos de interferência. Uma outra tela abre, agora o homem arrasta a mulher pelo chão, ela se debatendo como um porco indo ao abate. Um rastro negro deixado por seus pés no carpete. As cores dissolvem-se de RGB para preto e branco. Cada pixel entendendo seu ponto, sua existência desaparecendo no como memorias póstumas de uma chama que antes ardia.

A tela escurecia somente para voltar como a imagem de um olho aberto, movimentando-se em um padrão rápido como um REM. Dei um salto em minha cadeira assim que minhas caixas de som ligaram sozinhas e emitiram um som de choro alto e esganiçado. Gritei de susto e bati o pé na tomada na parede, logo abaixo da escrivaninha. O monitor tremeu, as imagens desaparecendo e aparecendo em uma velocidade quase subliminar, tentando deixar em minha mente a marca infernal do olhar sangrento.

Pisquei algumas vezes vezes, e uma sensação de alivio se espalhou por trás de meus olhos, pegando carona na corrente sanguínea e relaxando os músculos esqueletais de meu corpo. Respirei fundo e levantei-me da cadeira, e fui caminhando devagar para a sala. Algumas de minhas canvas estavam destruídas pelo corredor, outras pinturas estavam manchadas com o mesmo desenho. Um grotesco olho vermelho.

O que estivesse acontecendo beirava a insanidade. Eu havia feito tudo isso? Meus pés afundavam em pedaços de telas soltos pelo chão, um cheiro forte de tinta fresca subia as minhas narinas junto ao cheiro de terra molhada e folhagens. Ao chegar na sala, cai de joelhos e um choro subiu a minha garganta, conforme uma dor de cabeça crescia e oprimia meu cérebro.

A sala estava coberta de tinta vermelha e desenhos de olhos. Quase em toda extensão da sala, olhos percorriam a parede, fixos e recentes. Cuja tinta ainda escorria formando padrões manchados que lembravam uma maquiagem sangrenta. Engatinhei ate a cozinha e la peguei uma faca larga e obliqua. Encarei meu reflexo sujo sobre a superfície da lamina e sorri.

Minha face assim como dedos, unhas e roupas estavam cheias de terra. Levantei-me com dificuldade, a dor de cabeça entorpecendo meus movimentos e bagunçando meu equilíbrio. Tentei abrir a porta de casa, mas novamente não obtive nenhum tipo de sucesso. Ao lado da porta estavam minhas botas, e minha jaqueta ambas sujas e abarrotadas de terra e galhos secos.

Balancei minha cabeça, e o telefone tocou. Uma, duas vezes. Deixei o peso de meu corpo ganhar de minhas pernas e escorreguei encostado na porta ate me sentar no chão. A caixa de mensagem tocou e uma voz masculina começou a falar.

Artyom? Você esta ai? É o Dmitri. Cara, se estiver, por favor, me atenda. Uma pequena pausa É a Annika, ela, ela esta no hospital. Seu estado é grave. O pessoal diz que foi uma tentativa de estupro. Cara, por favor, sei que você estava com ela ontem. Um chiado alto e um barulho de uma câmera tirando fotos fez com que a ligação fosse ficando distante. Ate o som tornar-se na sala um ruido branco misturado ao som de meu próprio choro.

Imagens das fotos que havia visto em meu computador. Eram todas de Annika, virei minha cabeça para o lado, e um enjoo forte fez-me vomitar uma tinta vermelha. Um lindo liquido rubro cheio de bolhas de ar. Minha cabeça doía cada vez mais, o telefone tocou novamente, era Maryanya. Ela dizia eufórica, que havia recebido uma mensagem do hospital sobre Annika e estava indo me buscar.

Minha cabeça parou de doer no instante que lembrei que Maryanya não conhecia Annika, e tomado por essa realização, preparei minha emboscada. O quer que seja, aquela mulher estava envolvida em tudo. Sentei em meu sofá e encarei a faca em minhas mãos. Aguardei sentado, os segundos contados em minha mente, até ouvir o barulho da tranca de meu apartamento mexer.

Não pude conter o sorriso crescente em minha face.

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Tinha sido uma longa noite para os detetives Olga e Igor. A casa estava uma bagunça, Olga olhava para o corpo no quarto, agachada,enquanto terminava o seu trabalho de Profiler. Sua prancheta uma mistura de teorias e rabiscos. Desenhos abstratos e linhas que conectavam o que ela chamava de "Fatos Cursivos", ou a linha temporal que ligava os atos antes, durante e após um crime.

Então Tovarishch, o que me diz desse caso? Disse Igor tomando um gole de água de uma garrafinha descartável. O rapaz é obviamente um lunático.

É isso o que você acha? Perguntou Olga fitando-o com um olhar azulado, frio como um iceberg.

Estou só dizendo. Igor levantou os braços e olhou para o corpo em decomposição na cama e tossiu enojado, trabalhos assim sempre o deixava enojado.

Artyom Poloshkaya Olga levantou-se alongando as pernas esguias debaixo da saia larga e olhou para o corpo em decomposição na cama Certamente matou essa menina, pelos tipos de danos e pelo seu testemunho desconexo estamos tratando de um esquizoide com uma faca de cozinha.

Poderia me explicar melhor o que aconteceu aqui? Perguntou Igor levando um cigarro a boca.

Não fume aqui. Irá estragar toda a cena do crime seu imbecil. Venha vamos conversar na sacada. Lá pelo menos, você poderá se matar sem foder com meu trabalho aqui. Disse Olga empurrando Igor para fora do quarto. O detetive não pode se conter em dar longas e altas risadas, sua companheira as vezes era tão rude, que ele as vezes pensava que ela era o homem do esquadrão.

Olga fechou a porta de vidro da sacada e olhou para o céu estrelado, era uma noite de céu limpo, sem nuvens ou luminosidade excessiva, as estrelas estavam brilhando forte e expandindo-se por toda a extensão de sua visão. Apoiou os braços no corrimão da sacada e começou a falar, sua voz saia lenta e baixa de sua garganta. Igor, puxou uma pequena cadeira e acendeu seu cigarro e fechou os olhos ouvindo o que a mulher tinha a lhe contar.

Este é um típico caso de perseguição seguida de morte. Pelo histórico descrito pela vizinhança, Artyom sempre foi um cara recluso em sua casa, ninguém ao certo sabia o que ela fazia. Ele tirava algumas fotos, mas não era um profissional, vivia de programações e freelances que encontrava por contratos na internet. Olga olhou para Igor e suspirou. Estava muito cansada aquela noite. A vitima era Maryanya Vodruzhiya, uma artista do mesmo nível, pintora e uma competente escultora. Como você pode ver pelos canvas, telas e tintas espalhadas pela casa. - Olga fechou os olhos e deu um pesado e longo suspiro. De acordo com os Fatos Cursivos, Artyom tornou-se um tanto quanto obsessivo em relação a sua nova vizinha. Imaginando sempre os dois como amigos, saindo por ai, tendo uma aproximação social que jamais aconteceria.

Aquele caso do cara que se apaixona loucamente por alguém intangível. Um tipo Platonismo? Perguntou Igor dando uma baforada no cigarro.

Sim. Uma espécie de Platonismo. Olga olhou para Igor que fumava seu cigarro, escutando atentamente o que ela dizia. O homem sempre fora um ótimo ouvinte. A história começa a ficar complicada quando de acordo com recibos que encontramos em sua casa, ele faz buracos na parede e instala câmeras nestes buracos e os conecta num pequeno computador em seu quarto. Sem saber, Maryanya era monitorada por esses buracos quase o tempo todo. Uma espécie de obsessão por meio de vigilância. Pela quantidade de proteína que havia espalhado em seu teclado, tudo indica que o rapaz se masturbava entre as sessões. Tentamos analisar o HD em sua máquina, porém está sobre ação de uma programação pesada, a esta hora está na capital sobre análise de nossos especialistas para ver se conseguem quebrar a criptografia intensa do programa.

Então as imagens dessas câmeras estão perdidas? perguntou Igor, levantando-se e se apoiando na sacada assim como Olga.

Não, mas creio que irá demorar muito para podermos usar como provas incriminadoras no tribunal. O que é uma pena. Olga suspirou novamente, um vapor branco saiu de sua boca como um jato. De acordo com o que o suspeito informou, havia olhos por todos os lados vigiando o que ele fazia, e o que iria fazer. Reclamou de dores de cabeças fortes. O que quer que esteja naquele HD iria mostrar como foi a cena do crime e iria facilitar muito nossas vidas.

Um caso de MPD? Multiplas Personalidades Dissociativas?

Possivelmente. Olga apontou diretamente para Igor De acordo com o que a vítima número dois, Annika Navarone, que ainda está no hospital pode depor, Artyom tinha a encontrado, um dia atrás contando sobre ele e Maryanya. Afirmando que os dois haviam saído juntos, e após terem se separado, ele a seguiu pelo bosque, arrastando seu corpo para dentro do matagal e abusando de sua pessoa. Ela conseguiu quebrar a câmera com que ele tirou fotos de si, porém desmaiou logo após receber uma pedrada na cabeça. O mais engraçado, é que naquele momento, ela o descreveu como se fosse outra pessoa. Como se fosse a própria vizinha em um ataque de ciúmes.

Então na mente dele, Maryanya era a pessoa que estava o perseguindo. Possivelmente devido ao estado do corpo que encontramos, ela já estava morta a uns dois ou três dias. E em sua mente ainda possuíam um affair. Igor olhou para a detetive ao seu lado e encarou seus olhos azuis profundos Meu Deus. Que doente.

Tudo se encaixa nos relatos do suspeito. Os olhos vermelhos, sendo a culpa de ter matado e assistir a cena do crime o tempo todo em seu computador. Os textos encontrados em seu quarto, as frases de “Você não me vê…”. Olga deu uma pausa e passou a língua sobre os beiços. O rapaz está em um estágio tão complicado que não discerne mais o que é real, e o que é fantasia. Muitas vezes o isolamento e a esquizofrenia causa essas alucinações na pessoa. Tudo indica que Artyom deve ter matado a menina em um desses seus surtos, e continuou vivendo em sua casa. O que alertou os vizinhos, ao vê-lo sair da casa de Maryanya um dia antes para ir se encontrar com Annika.

Você descobriu tudo isso com o pouquíssimo de evidencia que nós temos aqui? Você é uma pessoa e tanto Olga, puta merda. Essa sua técnica de Fatos Cursivos é fantástica. Igor deu dois tapinhas no ombro de Olga, o que arrancou daquela face austera, um pequeno sorriso.

Mas ainda assim, há uma parte que não consigo entender ainda. Quando chegamos aqui, arrombamos a porta e fomos atacados pelo rapaz com uma faca. Ele gritava que Maryanya era a culpada, e que ela estava chegando. E logo antes de você o derrubar e o incapacitar com o Taser, ele arregalou os olhos para a porta e sussurrou alguma coisa.

E o que isso tem a ver? Qualquer pessoa arregala os olhos ao ter alguns milhares de volts enfiados no rabo. respondeu Igor com um sorriso de deboche abaixo de seu bigode frondoso.

Não me pareceu isso, me pareceu que havia algo a mais. Algo que possivelmente não saberemos o que aconteceu. Era um olhar assustado, como se encarasse o próprio demônio.

Vamos tomar um café quente lá embaixo, você já trabalhou muito hoje Olga. Disse o detetive jogando a bituca de cigarro pela sacada e passando um braço ao redor da mulher. Você deveria ganhar um descanso.

Você acha?

Acho sim, vou ver isso para você assim que acabar esse caso.

Obrigado Igor. - Olga sorriu.

Uhm, Olga?

Sim?

Bom trabalho como sempre. - Sorriu Igor e entraram no apartamento novamente.

__________________________________________________________________

Ele estava em sua cela acolchoada, o mundo era agora uma mistura de poliéster barato, algodão e couro falso pigmentado em um branco cegante. Artyom estava encostado na parede entre duas quinas, sua boca repetia frases de um diálogo. Seus olhos perscrutavam todos os cantos da cela. Paranoia misturava-se ao suor em uma massa pegajosa, que descia pelo pescoço e sumia em sua camisa de força. Haviam colocado isso após tentar cometer suicídio com um garfo de cozinha de plástico durante o jantar, tentou dar três estocadas em seu pescoço, mas a qualidade era tão pobre, que havia se esfarelado antes de causar um corte em seu pescoço.

Sua mente regrediu para o momento que os detetives arrombaram a porta de seu apartamento. Maryanya havia aparecido na porta, e fizera o sinal de silêncio levando o dedo a sua boca. Ele conseguia ler seus lábios falando. “Ninguém irá me ver, somente eu te vejo”. Não conteve a urina que escorreu quente em suas pernas e gemeu, enquanto seus dentes batiam. Uma voz alta ecoou dentro do quarto, no qual toda noite gritavam que as luzes iriam se apagar. Artyom gemia alto e balançava a cabeça para os lados, não queria aquilo que estava por vir.

Das paredes, fendas abriam-se nos acolchoados e supuravam sangue venoso, escuro e fétido. O barulho de unhas arranhando o couro falso, fazia seu corpo estremecer. A parede em sua frente abriu-se no meio, estofados e algodão pendiam avermelhados. Como em um movimento peristáltico, da fenda surgiu um olho, cuja enorme íris amarelada tremia convulsionante. Um estalo alto e do centro da pupila, uma mão escura ergueu-se devagar, coberta de muco e músculos presos a seus dedos. A pupila dilatou-se e um corpo enegrecido caia no chão como uma criança recém-nascida, trazendo consigo gordura e vênulas pulsantes grudadas a sua pele.

Artyom engolia o ar, sufocando em seu pânico. A figura ergueu o dorso retalhado, apoiando-se em um de seus braços costurados, e fitando com os olhos brancos apodrecidos o rapaz a sua frente, forçou a boca costurada a abrir em um sorriso destroçado. Pele e carne caia no chão e balançava dependurada conforme o sorriso ia exibindo uma longa arcada amarelada. Maryanya começou a se arrastar, lentamente, deixando um rastro de podridão e sangue coagulado no chão acolchoado. Quando em dois cliques altos, a cela e os corredores apagaram-se em um completo breu.

Artyom sentiu o toque gelado em sua pele e travou em pânico. Sentiu a língua seca passando em sua orelha, sentiu o cheiro putrefato castigando suas narinas e ouviu atentamente o sussurro em seu ouvido.

Eles não podem me ver, mas você pode… Sempre irá me ver agora que estamos juntos Artyom. Sempre irá me ver meu querido. Eu te amo.

E ele pôs-se a gritar. E todos aqueles que eram atormentados o acompanharam com seus gritos de tormento aquela noite.


Arth fev/2015


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