Escola de Guardiões escrita por Tynn


Capítulo 14
Capítulo 13 - Encare seus medos




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Eu corri como um louco para dentro da floresta. A voz de Natália ficava cada vez mais próxima enquanto eu buscava-a com os meus olhos. A espada de Éron já estava na cor natural, o que facilitou muito, pois assim ela ficava mais leve. Levei uns dois minutos procurando pela curandeira, quando a vi encostada a uma árvore, com os olhos distantes.

– Natália, calma! O que aconteceu? – Perguntei aflito.

Ela, contudo, não me reconheceu. Estava em estado de choque, paralisada no tempo e espaço. Eu balancei o seu ombro o mais forte que podia, mesmo sabendo que iria levar um murro na cara caso ela saísse daquele transe bizarro, mas não tive êxito. A garota parecia presa em sua própria mente, bastante distante da realidade. De repente, escutei um murmurar e encontrei Jorge ajoelhado no chão, encolhido como um gato abandonado. Fui até ele e vi que o rapaz apresentava o mesmo olhar perdido de Natália. Havia alguma coisa muito errada ali e eu precisava descobrir o que era.

Arrastei Jorge até o lado da curandeira, de forma que os dois ficassem juntos, para não os perder de vista novamente. Eles não me respondiam nem pareciam capazes de me enxergar. Eu precisava ir atrás de Samyra, seja lá o motivo deles estarem nesse estado tão bizarro.

Andei um pouco, procurando pela rainha ilusionista, quando me deparei com uma cena ainda mais tenebrosa. Uma mulher de vestido verde soltava uma luz esbranquiçada nos olhos da minha amiga, deixando-a no mesmo estado de choque que encontrei os demais. A mulher misteriosa possuía as mãos finas como um graveto e a pele pálida. Eu preparei a minha espada, prestes a enfrenta-la a qualquer custo, quando a mulher virou-se para mim. Os olhos dela eram azuis.

– Olha só quem eu encontrei. O garotinho que gosta de correr por aí com uma espada mágica, não é?

– Quem é você? O que você fez com meus amigos? – Eu perguntei, irritado.

– Eu sou aquela que protege este bosque de pirralhos como vocês! Acha mesmo que eu, a Mística da Floresta Encantada, iria deixar vocês bagunçarem tudo e saírem de fininho? Não, não, meu querido! – Ela soltou uma gargalhada estridente e vi Samyra colocar a mão na boca, tampando um grito. A moça já estava enfeitiçada. – Vocês desceram do céu como anjos, mas desarmonizaram a Tribo Timbuá! Eles agora estão devotando uma divindade que não existe, porque acham que vocês são deuses! Oh, céus, o que vocês fizeram?

– Acham mesmo? – Eu imaginei uma estátua de mim mesmo, feita a bronze, apoiado numa espada e segurando um escudo. Balancei a cabeça para espantar a ideia, voltando ao diálogo. Apontei a espada para a Mística, minhas mãos firmes. – Nós iremos embora daqui! Deixe-me sair com meus amigos.

– Você pode ir, já que é impossível deixá-lo preso no meu encantamento. De alguma forma, você é especial. Eu não consegui aprisioná-lo. Mas os seus amigos ficarão aqui para aprenderem a lição! Enfrentarão seus maiores medos internos e se forem fortes o suficiente, talvez, e talvez mesmo, eles conseguirão sair vivo do encantamento. Eu duvido muito que isso aconteça.

Ela deu uma volta completa, o vestido verde esvoaçando com o vento, e desapareceu. Eu corri para Samyra e a segurei, antes que pudesse cair no chão por causa de algum susto dentro da sua mente. Arrastei a garota para perto de Jorge e Natália, que agora suavam muito e estavam cada vez mais pálidos, presos em algum pensamento terrível. Deixei os três lado a lado, observando-os sem saber como tirá-los daquele transe.

Se a Mística da Floresta Encantada estava sendo sincera, eles poderiam voltar a qualquer momento, bastava que fossem capazes de vencer seus próprios medos. Eu daria tudo para entrar na mente deles, poder estar lá, apoiando-os ou lutando contra seja lá o que estivessem fazendo, mas não podia. Peguei um pouco de água e molhei o rosto de cada um, vendo se despertavam. A ideia foi tão inútil quanto colocar o despertador no silencioso. O tempo parecia se arrastar e o meu medo de que eles não voltassem só aumentava.

Dei uma volta no local, observando que estávamos longe demais do riacho para que eu pudesse pegar mais água. Não queria deixá-los sozinhos. De repente, uma ideia surgiu na minha cabeça, uma ideia que poderia ser a maior loucura da minha vida, mas eu não iria ficar parado aqui vendo meus amigos desse jeito.

– Oh, criatura mística de sei-lá-o-quê! – Gritei, batendo palmas como se estivesse na frente de uma casa. – Eu tenho uma proposta para você! Aparece aqui! Eu não sei onde é a campainha.

Uma silhueta magra surgiu à minha frente. A mulher olhou para mim curiosa, quase que tentando entrar na minha mente.

– O que é? Vai deixar o seus amigos e ir embora? Não precisava me chamar para isso!

– Eu quero que você faça seu encantamento comigo, esse truque doido dos medos e tal. E, em troca, liberte o pessoal! – Falei corajosamente, por mais que minhas pernas estivessem bambas.

– Então você quer se sacrificar por eles? Hum... Que garoto valente! Ou não. O poder da mente é muito grande, eu acho que conseguirei entrar na sua cabeça se você me permitir. Vá, escolha uma dessas crianças ridículas e a salve!

– Uma? Como assim?

– Vai, escolhe logo! Quer aquela garota com o colar de safira? Ela parece ser mais bonita, vocês formarão um belo casal.

Nessa hora, eu fiquei vermelho. Em seguida, bati o pé.

– Quero que você salve todos! Não haverá troca alguma se você não libertar um por um. Não importa, triplique a sua macumba na minha mente. Eu só quero que os meus amigos fiquem livres das suas mãos!

A mulher deu uma gargalhada forte e depois olhou para mim, desafiadora.

– Seu pedido é uma ordem.

Ela foi até Natália, que ainda estava com a cabeça apoiada na árvore. A mística puxou algo dos olhos dela, fazendo com que a menina voltasse a respirar normalmente, os olhos agora serenos ao notar minha presença. Natália ainda parecia confusa, mas percebi que voltava a reparar a realidade. Contudo, não tive tempo de festejar, pois a luz esbranquiçada entrava nos meus olhos subitamente.

– Você irá enfrentar os seus medos do passado. – A mulher falou. – E verá o quão infeliz foi!

Eu me vi caindo em um abismo infinito. Meu corpo era arremessado para baixo como uma pedra, enquanto eu gritava sem saber bem por que. Estava no jardim da infância e a professora mostrava um desenho para meu pai, dizendo o quanto eu não havia aprendido a preencher os esboços no papel. Ela disse que eu teria dificuldade para aprender a escrever e que não estava pronto para passar de ano. Eu vi meu pai olhando para mim de cara feia, e aí surgiu a minha mãe. Ela me deu uma bronca, falou o quanto eu era inútil e imprestável. Não sei se aquilo foi verdade ou não, mas eu chorei. Não o bebê Marcelo, mas o adolescente solitário.

Estava eu novamente em casa. Dessa vez, papai chegou e disse que minha mãe foi embora. Falou coisas horríveis para mim e se trancou no quarto. Eu me vi só, e o pesadelo mudou para quando eu era maior e não tinha amigos; depois para quando fiz algo realmente malvado, enchendo-me de culpa. A voz da mística invadiu meus tímpanos.

– Agora, você irá sofrer no presente. O seu pesadelo virá duas vezes pior.

Um clarão e eu estou na Escola de Guardiões. Pâmela me bate sem parar. Natália olha para mim sem esperança e Jorge me trata como um ninguém. Até mesmo o diretor Bartolomeu parece incomodado com a minha presença. Então eu percebo tudo: Zeca não foi salvo. Eu o matei e ninguém mais confia em mim, nem mesmo meus novos amigos. Um novo clarão.

– O futuro será ainda mais assombrador. Você verá!

Estou diante de uma cidade destruída. Parece até cenário de uma região devastada pela guerra civil. Percebo que era Recife, a cidade onde eu nasci, e que tudo estava arruinado por alguma coisa sinistra. A cada passo que eu dava, via mais pessoas encolhidas no chão, sem ter aonde ir ou se esconder. Eu estava no meio da rua, sozinho, e todos se afastavam de mim. Vi um grupo de caras mal-encarados se aproximarem. Eu tive medo, mas eles não. Eles se curvaram e eu percebi, por fim, que estavam me saudando. Eu era o líder, o grande causador daquele futuro sinistro.

– Monstro! – A mística gritou, tirando-me do transe.

Eu estava de volta na floresta. Samyra, Natália e Jorge estavam bem, sentados perto do meu corpo soado e gelado. Olhei para a mulher sinistra, que me encarava assustada.

– Quem é você, criatura? De onde você veio? Saia da minha floresta agora mesmo, você é pior do que o pior dos ogros! Você vai destruir seu mundo e tudo o que está a sua volta. Saia daqui agora mesmo! Volte para o seu mundo, destrua-o sozinho! E leve seus amigos com você. Agora!

Eu não resolvi discutir com aquela maluca. Talvez ela estivesse com TPM ou coisa parecida. Consegui me levantar com a ajuda de Natália e saímos de lá correndo, mas os momentos que passei dentro de minha própria mente realmente me perturbavam. Nós saímos da floresta depois de corrermos um pouco e finalmente pude respirar aliviado.

– Vocês estão bem? – Jorge perguntou e todos concordaram.

Eu vi que a carroça com os escravos ainda estava ali; Samyra foi até lá, conversando com as pessoas aprisionadas. Eu me sentei no chão, ao lado de Jorge e Natália. Ela me encarou.

– O que aconteceu lá? O que você viu que deixou a bruxa naquele estado?

– Eu vi um Recife totalmente destruído, como se tivesse sido vítima de uma guerra. – Falei, tentando lembrar os detalhes. – E eu... Eu era o causador daquela destruição.

Natália e Jorge se entreolharam, aflitos. Eu me segurei para não chorar, mas parecia impossível. Algumas vezes, precisamos ser fortes para encarar nossos próprios medos e nos libertar deles.


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