Lágrimas da Lua escrita por Policromo


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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A noite sorria-lhes, calorosa, ao exibir seu manto bordado de estrelas. Nunca vira tantas no céu, concluíra Lupin. Seus olhos cor de âmbar miravam, embevecidos, a imensidão tão inalcançável.

— E veja aquelas lá, Moony. — sussurrou Sirius, alegre, enquanto apontava duas estrelas, maiores que todas as outras. Lupin achou um gesto desnecessário, pois as localizara de imediato tamanho era seu brilho.

Debruçados sobre o parapeito da janela da Sala Comunal, os dois grifinórios observavam a chuva torrencial de estrelas que despontava no céu.

Sirius e Lupin ficaram acordados até tarde estudando para os N.I.E.Ms, cujos testes começariam em apenas dois dias. Na realidade, Lupin oferecera-se para ajudar o amigo, que estava com algumas dúvidas em Poções. No fim, todos os outros alunos já dormiam placidamente em suas camas. Ao notarem o absorto silêncio e virem as chamas da lareira tremularem tímidas a sua frente, Sirius notou a bela constelação formando-se na noite, e os dois correram para vê-la.

Uma brisa um tanto gélida percorreu os corpos e cabelos de ambos os garotos, mas nenhum deles pareceu se importar muito. De soslaio, Lupin quis observar os olhos cinzentos do outro, e viu que eles também brilhavam.

E então seus olhares se cruzaram.

Houve um silêncio abrupto, e os dois viraram a cabeça quase que instantaneamente. Seus rostos coravam à medida em que pensavam com ainda mais insistência sobre o que acabara de acontecer. Para Lupin, sempre o mais tímido, não conseguia parar de fazer a ponta de suas orelhas arderem tal era a vergonha que sentia. Olharia de novo? Não sabia ao certo. Mas faltavam poucas semanas para terminar Hogwarts, e não queria perder a oportunidade.

Sirius parecia ter pensado a mesma coisa, pois logo pôs sua mão fria sobre a de Lupin, que descansava preguiçosamente sobre o parapeito. Ele o encarou num sobressalto, sentindo um formigamento percorrer toda a sua espinha.

— Eu... Bem... — começou Sirius, que parecia ter desaprendido a falar. Seus lábios ficaram secos, e a voz saía trêmula. — Escute... Hã...

Recuperado do susto, Lupin esboçou um sorriso tenro.

— Não precisa dizer mais nada.

E mais uma brisa os acolheu.

o~O~o

Os olhos cinzentos e nebulosos de Sirius Black exclamavam uma dúbia exaltação. Suas íris percorriam as tantas cômicas calúnias escritas em mais uma edição de O Pasquim, enquanto um cigarro descansava entre seus dedos calejados e frios.

Após reler pela terceira vez seguida a meia verdade escrita no artigo sobre Cornelius Fudge, enfim ficara entediado. Não conseguia dormir, pensando em seu afilhado, Harry, que à esta altura já dormia em sua confortável cama no dormitório de Hogwarts... Ou assim esperava.

Levou o fumo à boca e inspirou a nicotina amarga, mas que era tão doce à sua existência tão sombria. Cansado, mirou o fogo bruxuleante dançar em meio às toras acumuladas na empoeirada lareira da sala. Suspirou pesadamente, a fumaça do cigarro esvaindo-se de seus lábios num sopro vazio.

— Mundungo trouxe para mim ontem — Uma voz ecoou no cômodo. Seus passos rangiam sobre a desgastada madeira do piso. Em poucos minutos, a figura alta de Remus Lupin apareceu, carregando consigo em uma das mãos uma garrafa com um grande rótulo escrito Uísque de Fogo - diretamente das Serras de Ogden e na outra duas taças de vidro. — Tive de pagar dez galeões por três garrafas. Essa é a última e estou compartilhando-a com você, então acho bom aproveitar.

— Mas pensei que você não gostasse de uísque. — observou Sirius, enquanto acompanhava com o olhar o licantropo sentar-se na cadeira ao seu lado. Em seguida, ele colocou os objetos sobre a larga mesa e fez uma pausa antes de responder.

— Mudei de ideia.

Lupin, optando por não usar feitiço algum, abriu a garrafa manualmente e serviu ambas as taças com o líquido levemente vermelho. Sirius ergueu uma das sobrancelhas e o encarou, segurando novamente o cigarro entre os dedos. As cinzas caíam discretamente no chão.

— Você está com cheiro de álcool - Aproximou-se mais um pouco para poder confirmar e assentiu a si mesmo em resposta. — Bebeu o conteúdo das duas outras garrafas?

— Estou... Precisando — respondeu-lhe um tanto envergonhado. — As missões na Ordem estão cada vez mais difíceis. Estou com um mau pressentimento — E encarou-o com um olhar significativamente receoso, mas logo voltou a atenção para sua taça. — Esqueça.

— Não, me diga. O que foi? — indagou Sirius, preocupado. Lupin suspirou pesadamente e calou-se. — Me diga! É sobre Harry? — Fez-se uma pausa. — Eu não acredito que não poderei protegê-lo outra vez... Eu...

— Não é sobre Harry. — respondeu-o abruptamente, pondo um fim à conversa. Sorveu um gole do uísque e fez uma careta de desaprovação, mas não tardou a bebê-lo outra vez.

Sirius, aborrecido, não tocou mais no assunto. Largou a guimba do cigarro sobre o cinzeiro e bebeu seu uísque. O líquido amargo desceu pela sua garganta queimando como ácido, mas isso só o fazia querer continuar.

Durante esses silenciosos minutos, Kreacher, o elfo doméstico, entrara no cômodo e murmurava, desgostoso, com um esgar a cobrir-lhe a face caduca.

— Deveria voltar à Azkaban, pois sim! Em nome de Merlim, Kreacher sabe como minha senhora ficaria furiosa se o visse. Ainda mais acompanhado por um sarnento lobisomem! Onde já se viu. Isso é um ultraje à família Black. Kreacher espera que ambos sejam mandados para Azkaban e fiquem lá até apodrecerem... — E saía, soltando várias outras frases agourentas aos dois.

A fresta da janela deixava entrar uma suave brisa noturna, acariciando a solitária Grimmauld Place, 12. As cortinas puídas dançavam em resposta, enquanto a chama que aquecia a sala oscilava ainda mais. Sirius lembrou-se daquela noite em seu último ano em Hogwarts, e instintivamente olhou para a janela. Entretanto, o vidro estava tão opaco pela poeira e fuligem que teve de levantar-se para abri-la mais e contemplar o cenário lá fora. Lupin apenas o observava.

O vidro estava emperrado, mas com algum esforço conseguiu levantá-lo um pouco. A janela pouco larga estava aberta quase pela metade, mas era o suficiente. Infelizmente, o céu não estava estrelado. Apenas uma lua vazia erguida na escuridão.

Lupin levantou-se também de sua cadeira, depositando suavemente sua taça sobre a mesa. Aproximou-se de Sirius e dobrou um pouco os joelhos para mirar melhor a paisagem. Pouquíssimas estrelas, quase nenhuma. Mas...

— Olhe só aquelas duas — apontou o licantropo, divertido. — À esquerda. Está vendo?

Sirius demorou um pouco para localizá-las, mas enfim as encontrou. Elas pouco brilhavam, mas o remeteu imediatamente àquela noite. Com um sorriso incrédulo, ele assentiu.

— Estou.

Ambos trocaram um olhar fugaz e caíram na risada. Uma risada rouca, um tanto baixa, porém feliz e aliviada. Uma lembrança genuína em meio ao caos. Sentiram um sopro suave percorrer o interior de seus corpos e mentes. Não se sentiam felizes assim há muito tempo.

— Sabe — refletiu Lupin, após Kreacher ter vindo vê-los outra vez para destilar, em murmúrios perfeitamente audíveis, uma outra enxurrada de injúrias. —, talvez aquelas estrelas...

— ... Sejam como nós dois. — completou Sirius, sentando-se novamente e enchendo sua taça de mais uísque. O outro fez o mesmo, e encarou-o com seus tristes olhos cor de âmbar. Algumas mechas de sua cabeleira castanha cuidadosamente penteada caíram sobre a sua testa, e ele logo as jogou para trás displicentemente.

— Talvez nossas vidas estejam... Sumindo aos poucos. — sugeriu ele tristemente.

— Sim, mas... Talvez. — Sirius disse, querendo parecer otimista.

— De qualquer forma, fico feliz de tê-las visto novamente. — Ele bebeu outro gole do líquido.

Houve outro silêncio, mas dessa vez nem Kreacher apareceu para interrompê-lo. Os dois homens ficaram sozinhos, juntos, mas no fim tremendamente solitários. As risadas alegres foram substituídas por leves suspiros de melancolia, pois agora a lembrança dos tempos felizes lhe pesavam os ombros.

Ambos queriam uma chance outra vez. Queriam viver realmente. Sirius arrependia-se amargamente por ter pensado que fora Lupin quem traíra os Potter antes de descobrir o verdadeiro culpado. Arrependia-se de nunca tê-lo procurado para se desculpar. Arrependia-se até mesmo das pequenas coisas, como não impedi-lo de passar o Natal com sua família ao invés de pedir para que ficasse com ele em Hogwarts. Ou por ter rejeitado grosseiramente seus conselhos nas aulas de Adivinhação, no quarto ano. Todas as pequenas e grandes coisas lhe doíam, e simplesmente não tinha coragem de dizê-las. Apenas queria que tudo voltasse ao normal. Que voltassem a ser felizes.

Desajeitadamente, Sirius levou uma das mãos ao rosto de Lupin, que assuntou-se com o movimento repentino, mas não fez qualquer objeção. Seus dedos frios percorreram suavemente as cicatrizes espalhadas por sua face alva. O licantropo esboçou um sorriso.

— Como nos velhos tempos.

— Como nos velhos tempos. — concordou Sirius, e aproximou-se ainda mais. Lupin fez o mesmo, e logo seus lábios se tocaram.

Todos os seus beijos eram como na primeira vez, pois todos provocavam as mesmas sensações. Mesmo depois de tantos anos, após aquela noite estrelada na Sala Comunal da Grifinória, Lupin sabia que Sirius sempre sorria durante o beijo, enquanto este sabia que Lupin sempre levava umas das mãos à sua nuca, provocando-lhe cócegas quando afagava os longos cabelos negros e desgrenhados. Ambos os corações batiam descompassadamente. Os pelos eriçavam, estupefatos com tantas emoções à flor da pele. O olhar apaixonado que trocavam quando separavam-se para recuperar o fôlego. As mãos que se entrelaçavam. Os sorrisos. A alegria em continuar vivendo.

Lupin sentia a aspereza da barba do bruxo enquanto saboreava o gosto do tabaco, que agora parecia-lhe estranhamente inebriante. Selaram os lábios mais uma vez, a respiração um tanto trôpega. E mais outra vez. E outra. Até que Sirius tornou a segurar o rosto do licantropo, dessa vez com as duas mãos. A vastidão cinzenta mirava aquelas belas íris castanhas, ambos imersos em sentimentos tão profundos. Lupin mordeu o lábio, reprimindo a dor. A imagem tão real que teve de Sirius morto recomeçou a latejar em seu peito. A felicidade sempre guardava seu efeito colateral.

Não suportando mais, ele chorou. As lágrimas solitárias caíam sobre seu rosto, uma por uma, mas extinguindo-se assim que alcançavam os dedos de Sirius. Este, quando o vira chorar após tantos anos, ficou tão aturdido que não conseguiu reagir. Mas, enfim, ele sussurrou:

— Seremos felizes, Moony. Você verá.

— Sirius... — disse entre um soluço e outro. Quando o bruxo o abraçou, ele pousou a cabeça sobre seu ombro e o som do choro ficou abafado. Sirius acariciou sua nuca e não parava de dizer o quanto o amava e que tudo ficaria bem. - Sim, eu também te amo, Padfoot. — Conseguiu dizer. Precisou ter dito. Sirius notou a urgência em sua voz.

Um silêncio reinou sobre o cômodo. Lupin sabia — e, no fundo, até mesmo Sirius — que aquela era uma despedida. Um profundo e eterno adeus.


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Notas finais do capítulo

Me deu um nó na garganta quando terminei de escrever essa cena final. Tudo culpa da J. K. Rowling.



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