Sete coisas para se fazer nos últimos sete dias escrita por River Herondale


Capítulo 1
Sete chances de dizer adeus


Notas iniciais do capítulo

Este é o primeiro conto! Espero que gostem :D



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BRIGTON - INGLATERRA

– Eleanor, pode vir aqui por favor?

Era hora da janta e mamãe me chamava, provavelmente para ajudar a arrumar a mesa com os pratos e talheres. Não demoraria muito para meus dois irmãos mais novos chegarem correndo reclamando de fome.

– E então, como foi a escola? – mamãe perguntou, me olhando atentamente.

– Normal. – respondi, quando na verdade queria ter dito que foi uma merda, que ter dezesseis anos é uma merda e que ser uma gorda imensa não facilita nem um pouco. Mas fiquei quieta como sempre.

– Você sabe que pode contar qualquer coisa para mim, não sabe?

– Sei, mãe. Relaxe, foi só mais um dia normal na escola.

Eu ficara sabendo que ela estava falando com minha diretora secretamente. Provavelmente ela sabe da Mae que tem como passatempo me provocar, e provavelmente sabe de River e meu amor platônico por ele.

Ouvi papai soltar um palavrão enquanto assistia TV. Como sei que mamãe odeia esse tipo de coisa, já foi correndo até a sala repreende-lo. Fui atrás dela.

Eis que vejo papai mudar de canal freneticamente, e todos os programas de todas as emissoras foram interrompidas para passar uma mesma mensagem que era repetida diversas vezes.

O mundo está acabando.

O jornalista fala calmamente que temos apenas sete dias até o fim do mundo. Diz também que faz quase um ano que os cientistas desconfiam da queda desse meteoro, mas agora é certo. Por fim diz que após uma reunião urgente entre os países da ONU, foi decidido que o mundo não poderia parar, mas mesmo assim nos dariam a chance de fazermos e tentarmos qualquer coisa que antes eles considerariam proibido. Eles também incentivaram que cada um de nós fizéssemos uma lista de sete coisas para fazer antes de morrer, e principalmente: aproveitar bem os últimos dias. Desesperar-se não era opção.

Posso dizer que nesse momento todos já estavam em completo desespero?

Mamãe começou a chorar descontroladamente, agarrando-se ao meu pai, que não gritava, mas mostrava total descrença em seus olhos. Ouvi meus irmãos descerem pela escada, assustados ao ver mamãe chorar daquele jeito desesperado, e sem entender a razão.

– Eleanor, o que está acontecendo? – Scott com toda sua inocência de garoto de oito anos me pergunta.

– Olhe a televisão. – respondo. Ainda não havia absorvido a notícia. Não queria absorver. – Onde está Toby? – perguntei sobre nosso irmão de doze anos.

– No quarto dele. – E então Scott se virou para provavelmente ver a televisão.

Subi as escadas e bati na porta do quarto de Toby. Ele jogava a bola de tênis dele na parede, e voltava a pegar com as mãos de volta, repetindo o processo.

Me sentei ao lado dele meio sem jeito. Às vezes era difícil sentar no chão com tanto peso. Ele olhou para mim com aqueles olhos escuros e fortes, mas vi sinal de fraqueza ali.

– Então é isso o fim.

– Você não está com medo? – perguntei. Toby é um garoto de doze anos muito bonito, alto como toda a família, os cabelos castanhos rebeldes e o semblante sério. Fico triste em pensar que esse menino nunca se tornará o adulto esperado. Ele seria um adulto muito belo.

– Não tanto. Quando acabar tudo vai, não é? Nada sobra.

– Teoricamente sim.

– Então não posso ter medo do que não vou viver.

Ele falava com uma certeza de um ancião, o que me assustava.

– A ONU disse que podemos fazer o que quiser agora. Sabe, nada de escola, nada de escovar os dentes, andar com roupa que a mamãe manda ou dormir cedo. Você pode fazer uma lista das coisas improváveis que faria caso não fosse morrer daqui uma semana.

Toby parou de jogar a bola e me encarou.

– Talvez esse seja o único alívio. Viver a vida como se cada dia fosse precioso. É sério que precisamos de um fim do mundo para perceber isso?

– E é sério que você só tem doze anos? – ironizei, e então fiz algo que raramente faria: o abracei.

– O mundo pode estar acabando, mas não preciso que me abrace, ok?

Rimos juntos e então fui para meu quarto.

Respirei fundo, e o ato de respirar pareceu algo muito grande. Não sei explicar, mas quando andei até minha cama e sentei, isso pareceu grande. E quando olhei para meu reflexo no espelho, fiquei assustada; eu sou gorda. E sempre me senti feia. Mas pela primeira vez na vida isso não fez diferença. Pela primeira vez não liguei se eu era gorda, ou se meu cabelo não era bonito como de Mae e suas amigas. Viver parecia algo tão grande que a sensação de que daqui sete dias tudo que eu tinha seria tirado de mim foi um peso muito forte para suportar. Comecei a chorar.

Minhas mãos tremiam quando alcancei um papel na minha mesa de estudos no canto do quarto. Comecei a rabiscar exatamente a lista de coisas que precisava fazer antes de morrer. Não foi difícil

Deixar claro aos meus pais que os amo, contar tudo o que já aconteceu na escola e fiquei calada e os abraçar longamente.

Ir na casa de Mae e ter minha vingança.

Usar o vestido de formatura que sempre sonhei, por mais que não vá me formar.

Comer sem remorso.

Dirigir algum carro em grande velocidade.

Cortar meu cabelo de algum jeito maluco.

Contar ao River meus sentimentos.

O último tópico é o mais difícil, no qual sinceramente não sei se faria. Quer dizer, gosto do River desde quando eu tinha quatorze anos e ele quinze. Parecia que o fato de ele ser um ano mais velho que eu era algo perturbador e complicado. Mas agora que está complicado. Não há mais tempo e esta é minha última chance.

Desci as escadas e papai e mamãe estavam acalmando Scott, que chorava. Fiquei triste em ver meu irmãozinho, e fiquei arrasada quando caiu a ficha de que ele iria morrer. De que tudo que conheço iria morrer.

– O noticiário disse mais alguma coisa? – perguntei para o papai, que havia se levantado quando me viu.

– Sim. A última notícia foi que agora não existe mais dinheiro ou posse. Ou seja, você pode pegar qualquer coisa do supermercado, shopping ou da casa do seu vizinho. Isso é uma barbárie, uma anarquia. – seu olhar era de reprovação.

– Vou sair um pouco. – disse por fim.

– Espera, onde você vai? É quase oito da noite, vai ficar aqui em casa, são seus últimos momentos com a família!

– Pai, não sei se você sabe, mas minha vida vai ser interrompida daqui sete dias. Eu sempre tive planos, ok? Planos que não serão realizados. O máximo que posso fazer agora é realizar pelo menos um deles. – Abri a porta para sair de casa. – Me desculpe.

Se ele ficar bravo comigo, sei que não será por muito tempo. Se tem uma coisa que o fim do mundo iminente nos dá é o poder de perdoar rápido.

Ou não. No meu caso eu precisava ter logo minha vingança.

Entenda: nunca foi magra. Quando eu era bebê minha mãe era obrigada a fazer dietas comigo. Aos três anos eu pesava trinta quilos, e isso é mais sério. Na minha família todos são altos, mas gorda? Bem, gorda só eu. O problema é hipotireoidismo.

O fato de não ser magra, do padrãozinho Barbie de beleza sempre complicou para mim. E Mae, a clichê líder de torcida fazia isso comigo. A sensação de quando ela pegou minha camiseta no armário e escreveu bem grande “River” apenas para me humilhar quando eu voltasse da aula de Educação Física foi uma das piores coisas que já senti. Não mais.

Peguei o carro do meu pai e a chave e acelerei. Ainda não tinha carteira de motorista, mas quem se importava? A vingança era tão antiga. Eu planejava ela cada dia em que ela me humilhava, eu aperfeiçoava a vingança cada dia em que ela me fazia chorar.

Parei na frente de um supermercado qualquer e liguei para o celular do meu melhor amigo. Ele sabia de tudo, ele sabia de como Mae me fazia mal e tenho certeza de que, se eu pedisse, ele ajudaria.

Depois de dois toques ele atendeu.

– Eleanor? El, tenho tanto o que dizer!

– Eu também, Nate, eu também. Você está na sua casa?

– Sim, estou.

– Posso passar aí? Tipo agora?

– Agora? Erm... Venha. Não temos tempo para cerimônia, não é mesmo?

Antes que eu fosse na casa de Nate, entrei no supermercado e peguei alguns produtos que seriam necessários para a vingança. Na verdade eu odeio a palavra vingança. Seria mais justiça.

Buzinei na frente da casa dos pais de Nate, e ele saiu correndo, como se cada segundo valesse muito a pena.

– Você não tem carteira de motorista. – ele disse enquanto fechava a porta do carro. Ele era pálido, quase doentio, e seu cabelo de tinha cor de esquilo. Não era alto, mas era magrelo.

– Eu sei, e daí?

– Eu odeio tudo isso. Quer dizer, as pessoas estão agindo como loucas. Você acredita que o terceiro ano vai dar uma festa para todos do colegial chamada “A Última Ceia, Mas Sem Jesus”? É doentio. Vai ser na casa daquele cara do terceiro, Jake, e dizem que vai ser regado de bebida alcoólica e drogas. Ridículo.

– Dá pra você ser pelo menos um pouco legal? Parece um velho reclamando.

– O quê? Vai dizer que você vai querer ficar bêbada também e injetar heroína?

– Me desculpe, mas estou pensando seriamente em experimentar tudo.

– Eleanor, e quem disse que isso significa aproveitar? Você poderia muito bem estar indo, eu não sei, em algum parque de diversões, abraçar seus pais e talvez assistir vários filmes que você sempre quis, mas sempre ficava adiando. Já pensou nisso?

– Já ouviu falar de que o proibido é mais gostoso? Então. – Eu parei o carro.

– Onde nós estamos? – Nate olhou para o lado. – Ai, meu Deus.

– Vai me ajudar ou não?

– Vai fazer a tal vingança que você me dizia?

– Eu já passei no supermercado, não vou voltar atrás.

– Eleanor, para. Isso é ridículo.

– Nate! Credo, vê se cria bolas.

– E o que quer que eu faça?

– Só fique vigiando, tudo bem? Eu já volto.

As luzes da casa estavam acesas. Tudo o que eu precisei fazer foi tocar a campainha.

Uma mulher loira e muito bem conservada atendeu a porta.

– Me desculpe, quem é você?

– Sua filha está? – eu perguntei demonstrando confiança. Mae apareceu na porta com tudo, e fechou sua mãe para trás, me encarando.

– O que você quer? – Mae era linda, loira, peituda e desejada. Sua confiança exacerbada apenas mostrava que estava com medo naquele momento.

Dei um soco na cara dela.

Eu era maior, mais forte. Ouvi a porta da casa dela ser aberta, e senti Nate me segurar enquanto eu tentava me soltar para bater nela de novo.

– Durante todos esses anos te aguentei. Todos os dias você me humilhando, me rebaixando. Pra quê? Você sempre foi a melhor. A mais bonita. Por que me diminuir se sou apenas um pedaço de merda?

– Você tem problemas? – vi que o nariz de Mae sangrava loucamente.

– Só responda por que, que eu vou embora! – a mãe de Mae a levantava pelo braço. Estava muito assustada para ter alguma reação.

– Quer a verdade? Então terá a verdade. Afinal, o mundo está acabando, não é? Não foi por isso que veio aqui? Engraçado como todo mundo ficou corajoso agora. Eu te humilhava porque você precisava ser humilhada. Tão horrorosa, não precisava viver. Você deixa o mundo feio, Eleanor. Essa sua cara de bolacha espinhenta, seu cabelo desgrenhado, seu tamanho. Parece um monstro. Não pense que eu fazia por pura maldade. Só acho que cada um tem seu lugar, e seu lugar era ser humilhada.

– Eu te odeio!

Deixei que Nate me arrastasse até o carro. Então Mae gritou:

– Nem se você tivesse mais a eternidade de vida o River te amaria. Ele é muita areia pro seu caminhãozinho! E eu não poderia deixar você pensar que tinha alguma chance com ele.

– Ele nem era seu namorado!

– Você não sabe de nada! Você não conhece River como eu!

Antes que eu pudesse responder, Nate acelerou o carro.

– O que foi aquilo? – Nate decidiu abrir a boca depois de alguns minutos em silêncio.

– Me deixe em paz.

– Você nem seguiu seu plano de vingança.

– Seria covardia demais. Eu precisava que fosse direto.

– Eu não te entendo.

Então ele parou na frente da casa dele e saiu do carro.

– A gente ainda vai se ver antes do fim do mundo? – ele perguntou.

– Claro. Amanhã mesmo.

– Tudo bem. Só não pire de novo, tá?

Eu sorri e pulei para o banco do motorista. Antes de ele ir, eu disse:

– Dirigiu muito bem.

– E não é que sou um exímio motorista?

– Se o mundo não fosse acabar, tenho certeza de que tiraria sua carteira no primeiro teste.

Ele sorriu triste, e então entrou na casa.

Voltei para casa, meus pais comiam bolo recheado de doceria. Estranhei.

– Onde você foi, Eleanor? – minha mãe perguntou enquanto enfiava uma quantidade honesta de bolo na boca.

– Dar uma volta.

– Não quero que se desespere, filha.

– Eu não estou desesperada! Só me deixe em paz.

Subo para meu quarto e não leva muito tempo para minha mãe vir atrás. Ela me entrega um pedaço grande de bolo.

– Não há motivo para dietas agora.

Pego o prato e começo a comer. Ela olha pra mim como se eu fosse um diamante.

– Onde conseguiu isso?

– Eu e seu pai fomos com o outro carro até o centro e pegamos alguns dos últimos deliciosos bolos da doceria. Você sabe, agora não precisamos pagar e provavelmente ninguém nunca mais cozinhará. Aproveite bem, são os últimos.

Enquanto eu comia e tentava sentir cada pedaço, minha mãe olhava todo meu quarto com atenção. Foi quando ela pegou o papel da lista das coisas para fazer antes de morrer.

– O que é isso, Eleanor?

– É só minha lista.

– Não acredito que você levou aquilo a sério!

– Mãe, e daí?

– E como assim River? Eleanor, é sério isso?

– Me deixa em paz! Vamos morrer, porra!

– Olha essa boca! E outra coisa, eu já cansei de ouvir que vamos morrer. Que coisa chata, eu já sei disso! Amanhã a gente vai decidir o que fazer.

Minha mãe fechou a porta, e eu nunca me senti tão estúpida.

Tentei dormir, mas não conseguia. Era quase seis da manhã e eu estava cansada de internet. O assunto era só um, e adivinha qual era! As listas das pessoas de coisas para se fazer antes de morrer eram bem inspiradoras, mas eu não me importava. Muito menos com as pessoas que só sabiam fazer piada com o fato de que nossas vidas estão por um tris.

Decidi não esperar mais. Foda-se. Peguei o carro do meu pai de novo e busquei Nate na sua casa. Como eu imaginava, ele estava acordado, assistindo uma maratona interminável de 007 na sala. Só precisei bater na janela e ele me viu.

– O que faz aqui essas horas? – ele me perguntou com pipoca nos dentes.

– Horas realmente importam? Quero dar uma volta com você.

– Já?

– É, já.

Tive que esperar ele escrever um recado para seus pais dizendo que iria sair comigo e então ele entrou no carro.

– Daqui seis dias vamos morrer.

– Estou cansado desse assunto.

– Mas é essa a realidade. Porra, Nate, qual é seu problema?

– Não. Qual é SEU problema? Eu apenas quero esquecer que vou morrer. Isso me deixa apavorado.

– Apavorado de quê?

– De quê? Eleanor, você sabe que sempre tive planos para a faculdade, e então casar e ter filhos um dia. E então manda-los para faculdade, e casá-los, e finalmente eles terem seus filhos. Deveria ser assim.

– Já disse que isso é a coisa mais chata do mundo?

– O quê?

– É um ciclo interminável e chato. As pessoas morrem sem fazer nada de interessante. Eu não quero ser uma dessas pessoas.

E então chegamos na estrada, e comecei a acelerar. Eu precisava dessa sensação de vento batendo no meu rosto, vindo pela janela. Eu precisava me sentir viva.

– Você está maluca! Eleanor, para!

Eu freei o carro com tudo, todo o impacto indo direto para a frente. Meu coração acelerou loucamente, Nate me encarava.

– QUAL É SEU PROBLEMA? QUER MORRER ANTES?

– Eu vi na internet que muitas pessoas já cometeram suicídio depois da notícia.

– Foda-se se as pessoas cometeram suicídio! Eu não estou mais te entendendo, Eleanor!

Ele abriu a porta do carro para sair. Eu não poderia deixar ele ir, não agora.

Segurei sua mãe e olhei para ele no fundo dos olhos. Engraçado que mesmo sendo melhores amigos não fazíamos muito contato físico.

E então ele me abraçou.

– Eu não quero morrer. Não quero... – ele chorava de soluçar. Nunca pensei que iria ver ele tão fragilizado antes.

Era estranho, sabe. Nunca gostei que tocassem em mim porque sempre me senti feia demais, gorda demais, grande demais. Conheço muitas gordinhas de bem com seu corpo, mas nunca fui assim. O bullying, a sociedade, e nunca consegui ignorar isso. Porém agora eu não ligava. Abraçar é tão bom, e eu confio muito em Nate.

Depois do abraço, ele fechou a porta do carro. Então me disse:

– Você fez aquela lista de sete coisas, não fez?

– Fiz. Mas não estou levando a sério.

– O que você colocou lá e quer realizar?

– Eu coloquei “Usar o vestido de formatura que sempre sonhei, por mais que não vá me formar”. Por quê?

– Eu vou com você.

– O quê?

– O mundo está acabando e eu quero ser seu par.

Eu sorri. Não tinha como não sorrir.

E onde vamos dançar?

– Que tal a festa da casa do Jake hoje de madrugada? Duvido que vai ter uma dupla mais elegante naquela noite.

– Você quer ir na festa do Jake? O fim do mundo está te fazendo mal mesmo!

Dirigimos até uma loja de vestidos de festa no centro da cidade. Estava abandonada, como o esperado. Foi fácil quebrar a porta de vidro e pular na loja.

Como sou alta e gorda é difícil encontrar um vestido para mim. Procuramos juntos na arara de números especiais, e estranhamente não me senti mal por isso. Só tinha dois vestidos que serviriam em mim bem, eram longos, um azul e outro vinho.

– Vou te esperar aqui fora. – ele me disse enquanto eu entrava no provador.

– Nem vai querer me ver só de calcinha?

– Eu ainda acho que respeito é legal ter, mesmo que seja fim do mundo.

Mostrei a língua para ele, provocando e me vesti.

O único que ficou bom foi o azul. Era bonito, mas não muito jovial. Mesmo assim, me senti ótima.

Quando saí do provador, Nate estava me esperando. Seu olhar de surpreso fez tudo valer a pena.

Foi quando notei que ele usava um terno azul escuro.

Estava lindo, e combinava com meu vestido. Nate não parecia aquele moleque magrelo mais, parecia um homem. Ternos fazem isso, né?

– Madame?

– Sir?

Enganchei meu braço no braço dele e caminhamos pela rua assim. Parecia que éramos bilionários chiques da década de cinquenta, considerando que meu vestido não era muito moderno.

Voltei para casa antes do almoço, meus pais conversavam com Scott que parecia muito perturbado. Não queria incomodar, então subi para meu quarto.

Até que ouvi barulhos do quarto de Toby e fui ver qual era o problema.

– Toby?

– Eu te amo, Eleanor, mas vai embora.

– Toby, o que está acontecendo?

– Nada. Só me deixa sozinho.

Tentei me aproximar dele, mas quando fui tocar no seu ombro ele gritou:

– EU DISSE PRA IR EMBORA!

Toby é um menino tão calmo que me estranhou. Decidi sair.

Mamãe nos chamou para almoçar e disse que iríamos comer em algum mercado. Basicamente a quantidade de pessoas que optaram por morar em supermercados foi tão grande que virara um ponto de encontro.

Enquanto eu comia um saco de Ruffles, Toby se sentou ao meu lado. Ele comia pera.

– Me desculpe se fui grosso com você.

– Tudo bem, Toby. Sei que não deve ser fácil.

– É sério, El. Desculpa. Mas é muito difícil pra mim encarar tudo isso.

– Relaxa, irmãozinho.

Depois de nos abraçarmos ele me disse:

– E gostei do vestido. Está muito elegante.

Esse menino era de ouro. Não queria acreditar que teria tal fim.

Era madrugada e fui buscar Nate com o carro do meu pai para irmos na festa de Jake. Ao chegarmos lá, uma surpresa: todos os adolescentes da escola se reuniam na casa, que estava destruída. Nunca vi tantas pessoas nuas em conjunto também. Não era estranho ver algum menino sem cueca bebendo cerveja ou uma menina esfregando seus seios no rosto de meninos.

– Eu não sei se quero continuar aqui.

– Calado, Nate. Sei que seu pau está duro depois de ver aquela menina pelada ali.

Nate me deu um tapinha no ombro, e eu ri dele.

– É só que me sinto meio ridículo com este terno.

– Relaxa, você não terá uma reputação para ser destruída mesmo.

Pequei um copo em cima da mesa e bebi em um só gole a bebida que queimou minha garganta.

Não demorou muito para eu me sentir muito bem no lugar. Todos elogiavam meu vestido, me davam bebidas. Um menino até me tirou para dançar minha última valsa.

E foi quando eu vi River sentado na escada.

Eu reconheceria aquele cabelo loiro comprido de longe. Ou a intensidade irritada de seus olhos azuis, e como eles passam desespero se você olha demais. Não pensei direito quando me sentei ao lado dele no degrau da escada apertada.

Meu quadril quase ocupava o degrau inteiro, e eu encostava nesse. Se não estivesse tão bêbada provavelmente não faria isso.

– Como está lidando com o fim do mundo?

– Como todos. Fazendo coisas estúpidas. – a voz dele era rouca e ele usava uma camiseta do Nirvana. Eu sabia que seu sonho era ter uma banda de rock.

– Você comeu alguma carne? Quero dizer, sei que é vegetariano, mas...

– Não. Isso é completamente fora dos meus princípios. – o tom da voz me dizia que a pergunta o ofendera.

Eu já estava constrangida. Eu já estava confusa. A única saída era clicar no botão do foda-se. Soltei tudo que pude:

– Olha, eu sempre gostei de você, River. Eu sei que não sou magra ou linda, mas o mundo está acabando e o que eu só queria era poder beijar você.

Ele me olhou julgando, e doeu. Doeu porque ele se levantou e me deixou para trás e sem resposta. Mesmo assim o silêncio respondeu: não.

Eu estava arrasada. O que eu pensava mesmo? River parecia um artista dos anos 90. E eu me senti tão monstruosa, tão ridícula. Eu vestia um vestido de festa! Qual era meu problema? Me tranquei no banheiro antes que alguém visse minhas lágrimas.

O mundo está acabando. Tudo que eu conheço irá acabar e isso ainda parece mentira. Pra mim eu ser gorda seria irrelevante, já que vamos virar pó e sombra. Mas por que isso me afeta tanto?

Queria que o mundo acabasse agora.

Foi então quando ouvi a voz de meu melhor amigo atrás da porta:

– Eleanor, sai daí! Vamos embora.

Nate sempre estava lá. Nate sempre me salvava. Quando Mae sujou minha cadeira com tinta vermelha para parecer menstruação ele limpou a carteira enquanto eu chorava no banheiro de vergonha. Quando Mae escreveu “River” na minha camiseta ele que me consolou, dizendo que todos eram ridículos. Nate que me mandava cartas em anônimo no dia dos namorados para eu não me sentir carente nesse dia.

Nate.

Abri a porta e fiz algo que nunca pensei em fazer; beijei Nate. Beijei forte, sem me importar com todos que viam. Eu queria passar meus últimos dias com ele.

¨¨

Faltam três dias para o fim do mundo. Nate e eu estamos juntos. É tarde demais? Talvez. Mas é o tempo que sobrou. Hoje decidimos fazer mais uma loucura da minha lista. Vamos cortar o cabelo loucamente.

Com a máquina de barbear eu raspei o cabelo de Nate, deixando apenas um tufo em cima da cabeça. Não conseguia parar de rir.

– Ótimo, vou morrer parecendo um panaca! – ele disse quando olhou-se no espelho.

– Pelo menos não vai ter fotografias e nem história depois disso. Dá para acreditar que estamos vivendo o fim da história da humanidade?

– Eu estou me sentindo muito ridículo. Mas agora é sua vez!

Quando vi estava de franja e meu cabelo cortado na altura do queixo. Era um corte tão novo, mas que me senti incrivelmente bem.

¨¨¨

Falta uma hora para o fim do mundo.

As notícias que rodam é que milhões de pessoas já se mataram ou tiveram ataques cardíacos em relação ao estresse. O governo não divulgou, mas em vários sites independentes da internet disseram que o impacto do meteoro em nós seria momentâneo, e que a dor seria semelhante a passar correndo por uma fogueira. Não sei se estou preparada.

Nate está do meu lado, e seguro a mão dele. Meu pai tenta parecer corajoso, mas sei que tem medo. Minha mãe abraça Scott que em nenhum momento parou de chorar e repetir que não queria morrer. Por fim Toby, que está com os braços cruzados, sua camiseta preta dos Star Wars, a qual já enjoei de ver ele vestindo, e soava certo ele morrer vestindo-a. Parecia inquebrável, e a única coisa que eu queria era poder salvá-lo de todo o mal que ele teve que aprender a ignorar.

Muitas pessoas decidiram esperar a morte juntos no píer de Brigton. Os pais de Nate estavam abraçados e sussurravam palavras doces um para o outro. Foi quando Nate também me abraçou.

– Fez tudo da sua lista?

Havíamos feito mais do que tinha na lista. Juntos nadamos pelados na praia de Brigton, como tantos. Dormimos no freezer do mercado e roubamos câmeras instantâneas de lojas do shopping. Mas havia uma coisa que não tinha feito.

– Não disse aos meus pais que os amo.

– Por quê?

– Parece que... se eu disser isso... – nesse momento eu já chorava. – Minha ficha finalmente vai cair, e vou perceber que vou morrer.

Ele me apertou mais forte, e dessa vez eu não me senti gorda demais para os braços finos dele.

– Agora é a hora.

Então abracei meu pai com toda a força.

– Pai, obrigada. Obrigada por mostrar-se sempre forte, e por não ter entrado em pânico. Saiba que te amo tanto, e que você é meu herói.

Os braços de meu pai envolta de mim era tudo.

– Filhinha... – eu poderia jurar que ele chorava. – não sou herói. Não posso te salvar dessa.

– Mas já me salvou de tantas outras. E essa ninguém pode se salvar.

E então fui atrás de minha mãe.

Abracei ela e Scott ao mesmo tempo. Eu queria dizer alguma coisa, mas ela colocou a mão na minha boca.

– Shhh, Eleanor. Não precisa dizer nada, eu sei. Também te amo. – e nos abraçamos novamente. Scott então me perguntou:

– Vamos nos ver no céu, não é? Isso não é um adeus?

O que eu poderia dizer para ele?

– Vamos sim.

– Então até daqui a pouco, El. Espero que tenhamos belas asas de anjos.

E em meio de minhas lágrimas consegui rir.

Por último foi Toby. Antes que eu chegasse perto ele me abraçou.

E não dissemos nada. O silêncio foi o que ficou entre nós, e mesmo assim eu entendi tudo. Não precisávamos de palavras.

Voltei para Nate, que falava com seus pais. E então ele me beijou, e seu beijo tinha gosto de lágrimas. Ele sussurrou no meu ouvido:

– Queria ter tido mais tempo com você. Queria que fossemos para sempre.

– Nós vivemos o para sempre. – respondi de volta, nos braços dele.

E uma luz forte surgiu, e senti a temperatura aumentar. E então acabou.


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Notas finais do capítulo

Eu comecei a escrever dia 22 de janeiro, e já tenho mais contos prontos. Como esse foi o primeiro eu confesso que não ficou tão profundo quanto outros que virão. Fiquem ligados, hein!Reviews? :D