O Chefe Da Minha Mãe escrita por Giolopes


Capítulo 6
Deslocada...




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Eu não sabia com agir. Se simplesmente sorria para disfarçar ou mostrava que não estava gostando de nada ali. Duas vezes nossos olhos se fitam, e eu tenho que afastar o meu para longe de seu olhar nublado. Ele sorriu enquanto olhava para mim. E por um momento aparentou sua idade, jovem, despreocupado e bonito, até perder o sentido.

Mal terminei os degraus e ouvi o salto da minha irmã se chocando ao azulejo da escada. Encarei imediatamente e a vi descendo sorrindo para todos, vestida em um vestido bem longo, devo admitir que ela, estava linda demais. Como eu disse a vida dela era perfeita!

Assim que ela terminou os degraus e se aproximou de nós sorrindo, seu noivo se ajoelhou e arrancou uma caixinha do bolso. Abriu a mesma revelando o belíssimo anel:

_ Dei-me a honra de ser minha esposa! – suas palavras saíram educadamente e minha irmã assentiu estendendo sua mão.

Revirei os olhos com tanto romantismo e encarei a Frida com os olhinhos brilhando incomodamente. Mirei meu pai e tempo perdido, ele também sorria como um bobo. E pela primeira vez fui salva pela minha madrasta, ela descia as escadas desfilando com seu vestido lindo e acabou com o beijinho do casal:

_ Vamos jantar? – perguntou a mesma sorrindo e agarrando ao braço do meu pai. Gritei aleluia mentalmente e caminhei até a mesa, me sentei ao lado de Frida e de frente para o mauricinho.

***

Olhando de fora até parecia uma família feliz. Todos sentados no sofá, bem bonitinhos, os mais velhos bebericando de suas bebidas alcoólicas e os adolescentes aqui observando o papo cabeça. Passei a observar minhas unhas enquanto Frida ria de algo que Carrie acabara de dizer:

_ Mag... – pra falar a verdade todos me chamavam assim agora. Encarei a garota que me chamava.

_ Diga. – respondi.

_ Porque está tão quieta? – perguntou minha irmã. Sorri falsa.

_ Você não teve o trabalho de me pedir para não estragar seu noivado á toa, maninha. – respondi irônica e me levantei indo até o armário de bebidas e me servindo de vinho.

_ Quem disse que vai beber? – meu pai perguntou tentando tirar o copo de minhas mãos.

_ Meu fígado. – respondi ríspida e virei o copo na boca.

_ Maggie não começa... – pediu Carrie e me virei para ela.

_ Imagina. Vou deixar vocês continuarem a fingir uma família que não existe e fazer boa imagem para o novo integrante. Afinal te disse que não estragaria seu noivado, não é?! – respondi irônica e me servi de mais um copo e dessa vez uísque. Os olhares na sala eram para mim. Que bom, ganhei fama.

_ Às vezes tenho certeza que você faz de tudo para estragar minha vida só pelo fato da sua, ser uma merda. – disse Carrie, irritada e sorri debochada.

_ Pense oque quiser querida maninha. – respondi virando o copo de uísque na boca e sentindo o ardor descer em minha garganta.

Coloquei o copo sobre a mesa de centro e sai caminhando em direção á porta de entrada, eu abri a mesma e senti o frio tocar minha pele. Sai e fechei a mesma logo depois.

Aqui não era minha casa e muito menos era minha família. Como posso me sentir tão deslocada e tão excluída de uma vida que um dia já foi minha. Numa coisa, Carrie tinha razão... Minha vida era uma merda!

Por outro lado, somos os roteiristas das nossas vidas, nós ditamos como ela acabara e o que quer que aconteça. Mais temos que querer de verdade e lutar com o nosso sangue.

Nossa mente é uma coisa não é mesmo?
O dia pode nos oferecer as oportunidades para sorrirmos, as situações podem melhorar, porém o que se passa em nossa cabeça as vezes toma conta de toda e qualquer faísca de bom humor que poderíamos desfrutar.
A coisa toda vai muito além de querer sorrir, parece forma-se uma barreira que corta o bem pela raiz toda vez que ele tenta dar as caras.
Mas isso é só uma questão de tempo, chega um momento do seu dia em que ocorre isto.
Essa coisa de refletir sobre as merdas do dia, de entender que poderia ter sido melhor.


Somos assim, é assim que aprendemos a valorizar. O homem é assim, nos fodemos, sofremos por experiência própria, primeiro, depois tiramos as conclusões antes já nos aconselhadas.
E o mais impressionante de tudo é que 70% de nossa dor e sofrimento são psicológicos. Não digo que não são reais, pelo contrário, por estarem dentro de nós, as sentimos como se fossem só o que tivéssemos diante dos olhos. Como se fossem tudo que vemos.
Nos cegamos com nossa própria dor, como se ela fosse digna de tanta atenção assim.

Talvez seja esta a prova da sua existência: o tempo altera o tamanho das coisas. Uma rua da infância, que exigia muitas pedaladas para ser percorrida, hoje é atravessada em poucos passos. Uma árvore, que para ser explorada exigia certa logística - ou ao menos um “calço” de quem estivesse por perto e com as mãos livres -, hoje teria seus galhos alcançados num pulo. A gente vai crescendo e vê tudo do tamanho que é sem a condescendência da fantasia.

_ Às vezes me sinto, um dos piores desenhos rabiscados em uma folha inteiramente amassada e jogada fora, às vezes me sinto de um jeito tão ruim que nem se eu escrevesse, mas de mil linhas conseguiria explicar isso, às vezes me sinto tão só que dá medo, angústia, depressão e solidão, às vezes me sinto uma pessoa fora de contexto deixando de ser eu para me torna outra coisa, que seja melhor do que tudo isso. – resmunguei sozinha, sentada na grama do jardim da enorme mansão. Eu precisava desabafar e como não tinha com quem, fazia isso sozinha.

_ E ás vezes nós colocamos tantas coisas em nossa cabeça. Que isso passa a ser um proposito ou uma meta e nos persegui todos os dias. – ouvi uma voz masculina e depois encarei o mauricinho desabotoando seu terno e se sentando ao meu lado.

_ É a única coisa que tenho de verdadeiro em minha vida. – disse desviando o olhar para uma arvore qualquer ali perto.

_ Errado. Você tem sua família que pode não ser lá das melhores, mais acredite não existe perfeição. – ele disse sorrindo fraco e retribui.

_ Então por que faz questão de ser? – perguntei o encarando de modo diferente. Era nossa primeira conversa civilizada.

_ E quem disse que eu faço?! – rebateu me encarando sorrindo amigavelmente.

Não respondi. Somente desviei o olhar para lua no céu e ficamos em silencio. A brisa noturna bateu em meus cabelos carregando-os com si. Senti algo tocar meu cabelo e me assustei ao perceber que era a mão dele:

_ Maggie Bernard, ok? – perguntei meio sem sentido, mais ele entendeu. Eu queria que ele notasse que eu não era a Carrie pra ficar colocando florezinhas em minha orelha.

_ Vai dizer que não curte flores?! – debochou e neguei sorrindo.

Sua mão se afastou de mim, toquei a pequena flor em minha orelha e sorri meiga, pela primeira vez para ele:

_ Mauricinho... – brinquei.

_ Achei que estávamos numa conversa civilizada, desastrada. – rebateu sorrindo e o acompanhei enquanto tremia de frio.

Ele sem mais e nem menos, retirou seu terno e colocou por cima de meus ombros, a brisa bateu despertando seu perfume em meu nariz:

_ Obrigada... – falei e ele assentiu.

_ Está tudo bem por aqui? – a voz da minha irmã soou atrás de nós. Encarei-a junto a Frida que sorria maliciosa não entendi por que e assenti fraco.

_ Melhor entrarmos. Aqui está frio! – disse o rapaz ao meu lado se levantando e me ajudando a levantar consigo.

***

_ Bom, eu vou indo... – disse o rapaz dando um selinho em minha irmã, apertando a mão do meu pai, abraçando a Frida, minha madrasta e sorrindo para mim.

_ Eu te levo até o carro, amor! – disse minha irmã incomodada com nossos olhares.

Encarei a cadeira que eu estava sentada antes dele ir embora. Droga, ele havia esquecido o terno! Peguei o mesmo e sai mais ele já havia ido embora e minha irmã voltava para casa, escondi o terno nas minhas costas e sorri disfarçadamente para ela:

_ Não conseguiu oque queria... – ela disse diabolicamente. Deparei-me um pouco confusa mais depois entendi.

_ É uma pena! – respondi irônica. Ela passou por mim como um foguete quente de raiva e suspirei cansada.

Começo a ficar nervosa ao ver que tiro a minha felicidade do passado, da nostalgia. Daquele tempo em que a angústia de não poder fazer coisas de “gente grande”, como sair de madrugada, e a alegria de fazer o suficiente para escapar das novas responsabilidades e dar brilho ao meu tempo, deixava tudo que era simples, valioso.

Eu podia ser o que gostaria: astronauta, um E.T. em cima de uma bicicleta, uma, detetive que escapava de tiros em câmera lenta uma, rock star que gostaria de quebrar todas as guitarras no palco. Subia em cima do telhado sem medo de quebrar as telhas, passava tinta na cara e dava susto na avó, colocava capa de chuva achando que era um casaco hiper cool para ser a tal “detetive” e a vassoura era a guitarra fodona. Meus amigos foram e são irmãos e crescemos com a inocência indo aos pedaços aos poucos e a distância física.

Somos maduros e ao mesmo tempo infantis, por trás do nosso autocontrole há um desespero infernal. Possuímos uma criatividade insuspeita: inventamos músicas, amores e problemas, e somos curiosos, queremos espiar pelo buraco da fechadura do mundo para descobrir o que não nos contaram. Todo o resto.

O amor é certo, o ódio é errado, e o resto é uma montanha de outros sentimentos, uma solidão gigantesca, muita confusão, desassossego, saudades cortantes, necessidade de afeto e urgências sexuais que não se adaptam às regras do bom comportamento. Há bilhetes guardados no fundo das gavetas que contariam outra versão da nossa história, caso vissem a público.

Todo o resto é o que nos assombra: as escolhas não feitas, os beijos não dados, as decisões não tomadas, os mandamentos que não obedecemos, ou que obedecemos bem demais - a troco de que fomos tão bonzinhos?

Há o certo, o errado e aquilo que nos dá medo, que nos atrai que nos sufoca que nos entorpece. O certo é ser magro, bonito, rico e educado, o errado é ser gordo, feio, pobre e analfabeto, e o resto nada tem a ver com esses reducionismos: é nossa fome por ideias novas, é nosso rosto que se transforma com o tempo, são nossas cicatrizes de estimação, nossos erros e desilusões.

Todo o resto é muito mais vasto. É nossa porra-louquice, nossa ausência de certezas, nossos silêncios inquisidores, a pureza e inocência que se mantêm vivas dentro de nós, mas que ninguém percebe, só porque crescemos. A maturidade é um álibi frágil. Seguimos com uma alma de criança que finge saber direitinho tudo o que deve ser feito, mas que no fundo entende muito pouco sobre as engrenagens do mundo. Todo o resto é tudo que ninguém aplaude e ninguém vaia, porque ninguém vê;

Queria ter mais dias do que provavelmente vou ter, por hora, tudo anda meio sem nexo, diga-se de passagem, as coisas não está indo bem. Eu não estou entendendo nada, pareço estar em terreno desconhecido, trancado como Anne Frank, sem ter muito como reagir. Estou confuso. Não sei o quanto isso tudo vai durar.

***

(11h36min)

Frida havia decidido ir embora. Ela percebeu que o clima em minha casa esse domingo não seria dos melhores e resolveu não interromper a família feliz (ironia). Lavei o rosto em meu banheiro e desci para cozinha na intenção de um café da manhã sozinha e em silencio. Mais errei de horário:

_ Eu sabia que você daria um jeito de chamar atenção. – Carrie disse assim que me sentei, só havia eu e ela na mesa. Mordi um morango e mastiguei bem calma.

_ Não peça pela minha presença se depois for reclamar... – respondi mastigando outro morango, só que dessa vez com chantilly.

_ Eu não reclamaria se você não vacilasse tanto. – rebateu batendo as unhas contra a madeira da mesa.

_ Como se você pudesse falar algo sobre vacilo. Você pensou no terrível vacilo de largar sua mãe e sua irmã só pelo fato de seu pai ter mais dinheiro e morar numa casa dos sonhos? – enfrentei-a jogando o que eu queria em sua cara. Cuspi as palavras mais bem ditas que eu poderia dizer.

_ Eu nunca larguei vocês por dinheiro... – ela respondeu ofendida.

_ Imagina. Só queria sustentar como sempre seu mundinho conto de fada e seu foco em ser perfeita. Não sei nem como alguns têm estomago para admirar-te! – continuei cuspindo oque estava engasgado em meu peito.

_ Perdi o apetite! Coma até morrer... – ela desejou se levantando e jogando o guardanapo sobre a mesa.

_ Com muito prazer, Barbie. – provoquei enquanto ela passava por mim, bufando de raiva.

Belisquei de outro morango e depois joguei o resto dele sobre a mesa. Eu também havia perdido o apetite. Talvez fosse melhor eu arrumar logo minhas coisas e voltar para o único lugar onde eu podia chamar de casa nas horas vagas.

Levantei-me e passei pela sala. Ouvi o som da campainha e fui atender. Abri a porta sem imaginar quem quer que seja. Encarei os olhos azuis que me observavam de cima á baixo e engoli em seco, envergonhada pela minha roupa (um short minúsculo e um moletom escuro).

_ Vou começar frequentar mais a sua casa. Se prometer andar sempre assim... – a voz dele soou sexy e senti minhas bochechas queimarem de tão coradas.


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