Chovia. E não era apenas uma chuvinha qualquer. Gotas grossas e pesadas caíam na rua fracamente iluminada pelos postes de luz. Não havia ninguém do lado de fora, pois ninguém era louco o bastante para estar fora de casa depois da meia-noite, ainda mais com uma tempestade daquelas. Apenas poucos carros e ônibus passavam de tempo em tempo, apressados para chegarem ao seu destino. Além disso, ventava. Era possível ver as árvores balançando fortemente, lutando para não serem arrancadas de suas raízes. Era possível ver também folhas, jornais, sacolas plásticas e caixas de papelão deixadas do lado de fora pelos moradores voando pela rua.

Aquela rua era tipicamente um bairro residencial, cheio de casas e sobrados e que eram ocupadas predominantemente por famílias de classe média. Bem aquele tipo de família no qual os pais saem cedo para trabalhar, os filhos saem para e escola e todos voltam no final da tarde para aproveitar a noite juntos. E com toda aquela chuva, era normal que essas famílias ficassem dentro de casa sentadas na frente de suas lareiras, assistindo televisão e tomando uma boa xícara de chocolate quente.

E era por isso que não havia ninguém na janela para ver o impossível bem diante de seus olhos.

Um túnel. Um túnel formado por uma luz branca e brilhante que repentinamente se formara ali, bem no meio da rua. Sua origem era desconhecida, mas se alguém chegasse bem perto, conseguiria ouvir um grito vindo de dentro dele, um grito de mulher que ecoava ao longo daquela luz e que parecia se aproximar cada vez mais e mais. E se esse alguém ficasse por mais um tempo, veria um corpo caindo bruscamente em direção ao asfalto.

O corpo era nada menos do que uma garota. Confusa, ela abriu os olhos, mas percebeu que não conseguiria ver nada com toda aquela chuva caindo em seu rosto e encharcando seus cabelos loiros.

– O que aconteceu? – Perguntou ela levando a mão à cabeça que doía por conta da queda.

Ela se esforçava para lembrar-se de qualquer coisa que acontecera antes de cair de cara no chão, mas nada lhe vinha à mente. Era como se aquele túnel lhe tivesse sugado toda a sua memória. Sem saber o que fazer, ela se levantou para ver se reconhecia aquele lugar, sem sucesso. Nisso, saiu andando na tempestade que parecia não cessar.

Algum tempo depois, ela não sabia por quanto tempo já estava caminhando, mas sabia que era o bastante para fazer seus pés doerem, ainda mais por conta das pesadas botas que calçava (por que diabos estou vestindo isso?). Além disso, estava encharcada e com muito frio, e os poucos carros que ainda passavam na rua jorravam grandes poças d’água nela, deixando-a mais molhada, se é que isso era possível. Tinha que encontrar um lugar seco para ficar logo.

Viu um ponto de ônibus logo à frente. Não era o melhor exemplo de lugar seco, mas já era alguma coisa. Ela apressou o passo e sentou-se em um dos bancos de metal gelados. Sua cabeça girava. Milhares de pensamentos a rodeavam, mas nenhum deles respondia suas dúvidas.

– Onde estou? Que lugar é esse? Como vim parar aqui? – Perguntava para si mesma repetidamente como se isso ajudasse a obter alguma resposta.

Mais confusa do que antes, a garota soltou um longo bocejo. Sem pensar duas vezes ela deitou-se, ocupando os bancos restantes, sem se importar com o fato deles serem extremamente duros. Talvez fosse melhor pensar em todas aquelas questões quando estivesse mais seca e aquecida. Ela não sabia muito bem o porquê, mas sabia que a chuva e a escuridão não durariam para sempre, não podiam durar.

– Quem sou eu? – Murmurou ela pouco antes de cair no sono.