Necronomicon escrita por Enki


Capítulo 1
Capítulo 1




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Desequilibrei e quase cai de costas sobre o esqueleto de exposição do salão de ossos. O morto vivo a minha frente avançava sobre mim com ferocidade. Pelos deuses, como aquele cheiro era ruim. Carne humana em decomposição. O pior não é quando já faz muito tempo que a pessoa morreu e a carne da foi decomposta, com diversos buracos dilacerados no corpo. Não. Pior mesmo é quando o defunto tem poucos dias. Todos os fluidos corporais começam a sair por toda parte a qualquer movimentação ou pressão feita. A criatura deixa rastros viscosos de sua passagem por toda parte. O cheiro de putrefação impregna no ar. Sem falar na movimentação, que ainda é plena. A criatura consegue andar normalmente e com velocidade, não fica mancando como todos costumam pensar. É horrível. E o surto dos zumbis tinha começado a pouco tempo, então era obviamente mais difícil lidar com eles.

A dias, chegavam notícias de pessoas mortas retornado da terra. Essa manhã, a torre negra entrou em alerta quando aqueles zumbis ergueram-se do cemitério. Eu vi pela janela gradeada a horda de zumbis se aproximando da construção e matando todos os magos negros no caminho. Aquilo não era uma invocação comum. Para levantar um exército de mortos daquela quantidade era preciso uma magia poderosa. Mais que isso. Nem os outros necromantes conseguiam controlar os zumbis. Aquilo era magia pesada. Obra de um ritual ancestral encontrado apenas no livro dos mortos, Necronomicon. Eu não sabia o quanto aquilo ia durar, mas resolvi me preparar para o pior. Corri para juntar minhas coisas. Uma mochila com uma muda de roupas, alguns itens para viagem, artefatos mágicos escolhidos às pressas e minha sacola de dinheiro. Sai para o corredor em busca de alguma rota de fuga. A correria estava grande lá fora. Todos desesperados, sem saber para onde ir e fugindo para qualquer lugar. Eu não poderia descer, não com a horda de zumbis lá embaixo. Minha única opção então era subir para o observatório estelar, no alto da tore. Corri por escadas tumultuadas. No caminho, encontrei algumas pessoas no chão. Foram derrubadas e pisoteadas pela multidão. Agora Estavam mortas e marcavam o piso com uma poça de sangue. Parei para socorrer um dos corpos. Era um amigo meu, Célio. Fazíamos pesquisas juntos, ele era um bom colega. Merecia uma morte descente e um enterro devido. Segurei seu braço e passei pelo meu ombro. Iria carrega-lo para fora comigo e, quando estivéssemos a salvo, o enterraria.

Voltei a subir as escadas de pedra até alcançar o Salão dos Ossos. Entrei. Deveria haver alguma coisa aqui que pudesse me ajudar. Eu tinha subido, mas ainda não sabia como sair da torre. Deixei Célio deitado em um banco e observei o salão. O altar, as estátuas do Cisne Negro, arauto da morte, as caveiras por toda parte, mas nada que fosse de grande ajuda. Os cetros e cajados mais poderosos que tínhamos já tinham sido roubados. Tudo o que restara foi um crânio desconhecido no altar. Vi um corvo passar pela janela e pousar sobre o crânio. A mensagem estava clara. Peguei o crânio e pedi:

“Vamos, me ajude.” Apertei o osso entre as mãos. “Fale comigo. O que eu devo fazer?”

Sem resposta.

Olhei outra vez para o altar. Havia um pergaminho perto de onde o crânio fora depositado. Guardei o crânio em minha mochila e peguei o pergaminho. Antes que pudesse ler, porém, escutei um som rastejante atrás de mim.

Então me viro e encontro Célio em pé a minha frente. A pele morbidamente branca, o sangue ainda pingando no chão, olhos vazios e gemidos ininteligíveis saindo de sua boca. Ele avançou sobre mim, tentando morder minha carne. Que estupidez. O prédio sendo atacado por zumbis e eu querendo carregar um morto para enterra-lo. Amaldiçoei-me mentalmente por minha idiotice.

Agora lá estava eu no salão de ossos, afastando a cabeça do bicho de meu rosto. Empurrei-o para longe, virei e peguei o fêmur do esqueleto atrás de mim. Quando voltei para o morto vivo, ele já estava em cima de mim outra vez. Bati com o osso em sua cabeça e ele caiu no chão. Subi em cima dele e continuei batendo até amassar o crânio. O sangue já frio espirrou em cima de mim, manchando meu rosto e minha camisa. Só quando tive certeza de que a criatura não se levantaria outra vez, parei de bater. Olhei para o osso em minha mão coberta de sangue e depois para o que um dia foi um colega.

Ah, eu sabia o que fazer com aquilo.... O sangue começou a adentrar em minha pele. Com um arrepio me percorrendo a espinha, o líquido vermelho desaparecia pelos meus poros. Um vazio escuro dentro de mim sendo finalmente preenchido, logo me sentia revigorado. Mais calmo, eu pensava com mais clareza Eu tinha essa estranha habilidade de me fortalecer do sangue humano. Era como roubar a força vital de uma pessoa. Às vezes, até mesmo os conhecimentos e lembranças poderiam vir, mas, para isso, eu mesmo precisava ser o assassino. Já matei algumas pessoas vez ou outra, mas não tinha tempo para pensar naquilo agora. Olhei para o corvo que continuava lá, me observando do altar. Pena que eu tinha absorvido todo o sangue de meu colega. Precisaria de um pouco agora mesmo. Levantei e peguei um facão em minha mochila. Furei meu dedão com a ponta da lâmina e aproximei-me do animal. O pássaro não parecia assustado, me deixou segurá-lo sem se incomodar. Com o dedo sangrando, fiz um círculo de feitiçaria nas costas da ave. Coloquei-a no chão e me afastei, esperando que o encantamento surtisse efeito.

O corvo deitou e começou a se contorcer. Arrastava-se e revirava-se bicando seu próprio corpo, como se tentasse retirar algum verme que caminha em suas entranhas. Aquilo deveria doer muito, quase senti pena do animal. Vi o pássaro crescer de tamanho e a medida que ele aumentava, seu bico e suas penas ganhavam um brilho metálico e uma coloração dourada. Era ouro puro eu sabia. O corvo já estava maior que um cavalo quando pulei em suas costas. Grasnando, ele abria as asas e derrubava tudo ao redor. Desesperado por espaço, ele seguiu para janela, mas já estava grande demais para passar dor ela. Ainda assim, ele avançou, derrubando a parede de pedra que o bloqueava, e voou.

A horda de zumbis ainda fazia o caos lá embaixo. Eles não repararam quando o enorme pássaro negro alçou voo no alto da torre, nem se importaram quando os blocos de pedra da parede destruída caíram sobre alguns deles esmagando-os em alta velocidade. Muito menos perceberam que eu fugia do ataque pelos céus. A podridão daqueles corpos acumulava-se e contaminava o ar de modo que pude sentir o cheiro deles mesmo metros acima do chão. Sorri. Eu tinha escapado do ataque. Mas para onde eu iria agora? Passara minha vida inteira naquela torre. Amigos, não tinha. Família? Nunca conheci, era adotado. Meu tutor, o necromante que me colocou naquela torre. Ele tinha viajado alguns meses atrás, nunca estava por perto. Ele sempre fazia essas viagens, passava meses fora e quando voltava, não me contava onde estivera ou o que fizera. Eu não perguntava também, não tinha nenhum interesse. Vivendo mais sozinho do que com ele, pouco ligava para o que ele fazia ou deixava de fazer. Éramos estranhos um para o outro. Se eu partisse em busca dele, não saberia nem por onde começar ou que cidade visitar... As outras cidades aliás. O que teria acontecido com elas? Eu sabia que o levante dos mortos não era local já que as notícias sobre isso chegavam a algumas semanas. Contudo, me perguntava se havia sobreviventes em algum dos casos. Quer dizer, precisava haver, certo? A notícia não teria se espalhado pela boca dos mortos, eles não têm consciência para conseguir falar. Fora isso, me perguntava até qual poderia ser a extensão daquele surto? Não poderia ter atingido todo o reino. Nenhum necromante, vivo ou morto, tinha esse nível de poder. Mas a quantidade de zumbis que tinha cercado a torre, era um número muito maior que a população de algumas cidades. Talvez, um caso local poderia facilmente se alastrar. Um feitiço como esse poderia ser apenas de contaminação, para transformar os mortos sem exercer controle sobre as criaturas. Mas isso seria muita burrice do conjurador, uma vez que ele também seria um alvo dos monstros. Sem falar que, desse jeito, o controle poderia ser tomado necromantes, o que não foi o caso na torre. Não. Tinha que ser algo local. Uma invocação simultânea em algumas cidades no máximo.

Tinha decidido. Eu iria atrás de um lugar não infestado. Assim eu poderia ter sossego. Do contrário, eu teria que ficar o tempo todo em alerta, sem dormir, comer ou descansar direito, sempre preocupado com um possível ataque. Aliás era assim que eu teria que ficar até encontrar uma cidade a salvo. Dava preguiça só de pensar o quão trabalhoso seria tudo isso, mas não tinha outra opção. O que faria depois de encontrar essa cidade prometida eu também pensaria assim que estivesse bem. Até lá meu objetivo era claro: Sobreviver.

Demorou ainda algumas horas até que o corvo pousasse. A Torre Negra já estava a muitos quilômetros de distância, ela não seria mais um problema. Agora eu estava na beira de um lago em meio a uma floresta. Cansado, o pássaro aterrissou e eu desci dele bem a tempo. Meu feitiço já passava de efeito e a ave voltava ao seu tamanho normal. Bom, não exatamente normal. Na verdade, ele acabou ficando um pouco grande, do tamanho de uma águia eu diria e suas penas e bico continuaram de ouro. Mas ele estava em casa e estava bem, então não me importava os pequenos efeitos colaterais. Ele caminhou um pouco e depois alçou voo em direção as árvores. Seu ninho deveria ser ali, na floresta.

Sozinho, fui ao lago lavar o rosto e, depois, adentrei a floresta também em busca de abrigo. Sentei em uma raiz parando para descansar. Começava a ter fome. Apoiei-me no troco e fechei os olhos pensando que logo teria que caçar. Não tinha trago comida.

Acordo com o som de galhos se quebrando. Quando abro os olhos, vejo uma pessoa remexendo em meus pertences. Droga, não era para eu ter dormido. Levantei e peguei a minha faca, mas ele foi muito mais rápido. Devia estar atento a mim porque no mesmo instante ele levantou, se afastou e sacou uma espada.


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