My Little Runner escrita por Angie


Capítulo 22
Conhecendo os Cranks


Notas iniciais do capítulo

EU POSSO EXPLICAR.
Antes que rasguem a minha garganta, devo avisar que isso é crime e que podem ir presos, okay?
1- Primeiro eu fiquei de hiatus por umas duas semanas e meia, como havia avisado.
2- Antes que pudesse escrever qualquer coisa, fiquei doente. Estava com tanta febre que não conseguia me concentrar para postar nada.
3- Após melhorar, a semana de natal e ano novo surgiram, foi tudo meio corrido.
4- Meu vizinho que me fornecia net se mudou, portanto: FIQUEI SEM A MALDITA INTERNET POR DIAS.
Agora que as devidas explicações foram dadas e que a net voltou, não vou encher o saco de vocês, deixo isso pras notas finais. ❤



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Finos raios solares atravessavam as janelas quebradas do prédio, proporcionando uma iluminação quase macabra ao local. Camille piscou os olhos lentamente antes de abri-los por inteiro. Engoliu em seco, sentindo sinais da ardência da sede.

Ela estava deitada de barriga para cima, enroscada em uma pequena camada de lençóis. Os cabelos recém-encharcados pela chuva se espalhavam pelo chão, agora praticamente enxutos, seus olhos não revelavam nenhuma expressão. Conseguia ouvir vagamente a respiração dos amigos, indicando claramente que dormiam, entretanto não fez nem ao menos um movimento para verificar se estava certa.

Ficou ali, apenas observando as ruínas do prédio. Apesar da nova iluminação, o local ainda mantinha uma natureza horripilante. Camille fechou os olhos ao sentir o estômago se contrair com força, a sensação de fome a nauseando. Abriu-os novamente, procurando se concentrar em outra coisa.

Os detalhes. Foque nos detalhes.

O centro o teto estava aberto em uma enorme cratera, assim como o próximo, e o próximo e o próximo... Contou dez andares, cada um com rombos imensos indo em direção ao céu. Pegou-se imaginando como aquilo ainda não havia desmoronado. De onde estava era possível enxergar frestas de um azul tranquilizador, nem sinal das pesadas nuvens escuras da noite que passara.

De repente algo lhe ocorreu. Minho. Ela estivera tão zonza e apavorada que nem pôde ver como ele estava. Respirou fundo, já imaginando o que aconteceria; então se apoiou nos cotovelos para conseguir sentar. Como esperado, uma dor lancinante a atingiu, parecia moída de dentro pra fora.

Relaxe. Pensou.

—Vai se dar mal se tentar levantar. –Ouviu Newt resmungar de um canto a sua esquerda. Camille não deu ouvidos, sentando-se e cruzando as pernas. Todos ao seu redor pareciam igualmente acabados; arranhões misturavam-se no caos de suas roupas.

—Há quanto tempo estão acordados? –Perguntou, sem muito interesse, a ele e Thomas que se encontrava largado ao lado de Newt, seus olhos abertos.

—Mais ou menos o mesmo tempo que você. –Thomas respondeu coçando o queixo. Ambos pareciam tentar fazer o mínimo de movimentação possível.

Ela suspirou, massageando os próprios ombros com os dedos.

—O que aconteceu ontem? Eu senti como se o peso do mundo caísse sobre minhas costas.

—Levando em conta tudo o que aconteceu, eu diria que caiu mesmo. –Newt forçou um meio sorriso. –Bem, de qualquer forma, todos estão horríveis. Aliás, o que aconteceu com ele? –Indagou, com um sutil movimento de cabeça.

Camille não precisou se virar para onde Newt apontava, afinal, já observava aquele ponto há um tempo. Minho estava deitado de lado, os braços unidos rente ao corpo. Era possível ver rasgos na roupa onde queimaduras cobriam-lhe a pele. Não podia ser tão sério, logo curariam, mas ainda era um estado deplorável.

A garota se encolheu, lutando conta o desejo de abraçá-lo, ou mesmo afagar-lhe o rosto.

—Um raio quase o atingiu. –Thomas anunciou; tão tranquilo como quem escolheria o que comer no café da manhã.

Camille e Newt se entreolharam.

—Não faço a menor ideia de como permaneceu vivo. –Continuou. –Basicamente suas roupas incineraram, tentamos apagar o fogo, corremos feito loucos, ele quase desmaiou e, sabe-se lá como, consegui arrastá-lo pra cá. –Explicou o mais resumidamente possível. –É lógico que tudo é bem mais esquisito do que falei.

—Ta, e como diabos isso não fritou seus miolos?

—Quem se importa, ele está vivo. É isso que vale. –Camille contestou, apoiando o queixo na palma da mão.

—Vai saber, esse cabeção é mais duro que uma porta. –Thomas deu de ombros.

—É, e eu ainda posso te dar uma surra se quiser.

Camille quase surtou ao ouvir o repentino resmungo de Minho em meio aos muitos grunhidos de dor. A reação dos outros foi semelhante. Ele abriu os olhos lentamente, o que a fez pensar se estava acordado há um tempo, apenas balbuciando gemidos e coisas sem sentido, convivendo com as dores.

—Olha só você, novinho em folha. –Thomas assobiou baixinho, tentando não chamar a atenção de ninguém. Mas não parecia ter importância, a sua volta, muitos já acordavam lentamente.

—Talvez não nos meus melhores dias. –Balbuciou. –Cara, mas que mértila aconteceu comigo? –perguntou retoricamente enquanto sentava-se devagar, sentindo o coração bater forte contra as costelas e cada centímetro do seu corpo se contorcer em dor.

Gemeu baixinho antes de murmurar um palavrão.

—Pelo amor de Deus, para de se esforçar! Você quase morreu! –Camille repreendeu, agarrando os ombros do garoto como se a qualquer momento ele fosse se despedaçar.

Minho fez uma careta.

—Da pra ficar calma e me deixar respirar? Eu estou bem.

Ela o soltou, parte envergonhada, parte encabulada com sua grosseria repentina. O asiático engoliu em seco e murmurou um pedido de desculpas.

—Minha cabeça está girando como um carrossel. –esclareceu, dando um empurrãozinho amigável no seu ombro. –Mas como o nosso querido amigo tratou de esclarecer: Estou novinho em folha. Ainda poderia me levantar e chutar o traseiro de todos esses trolhos.

—Vejam só, ele voltou pra nós. –Newt gargalhou fazendo Camille sorrir.

É, parece que está de volta.

—Como se sente, cabeção? –Ainda perguntou, colocando os braços atrás da cabeleira cor de mel.

Minho pareceu pensar profundamente antes de responder.

—Como se um bando de búfalos houvesse me pisoteado após ser atropelado por um caminhão.

Todos assentiram, numa esquisita reflexão.

—Ao menos eles são bonitinhos. –Camille comentou após um tempo de silêncio. Os garotos a encararam sem reação. –Ou seriam carneiros? –Franziu o cenho, ponderando.

—Você está louca? –Thomas perguntou ainda a encarando.

—Bom, algum desses dois é bonitinho, só não me lembro qual deles. Isso não importa, então... –Ela esfregou as têmporas. –Tudo bem, acho que bati a cabeça com força... Isso ou estou enlouquecendo.

—Ou os dois. –Minho murmurou.

—Vindo do cara que quase torrou o cérebro ontem. –Ela rebateu.

—Não sou eu que estou falando de carneiros, sabe-se lá por que. –Passou a mão nos cabelos, bocejando.

—Ah, eu não sei. Aquela tempestade de ontem definitivamente não foi normal... Deve ter algo haver com toda aquela porcaria sobre o Sol.

—É, e ferrou com todo o clima. –Minho concordou. –Poderia ser pior, vamos torcer para não ver mais uma dessas belezinhas.

Camille estremeceu ao imaginar aquele horror piorando.

—E que mértila aconteceu comigo? –Indagou utilizando o jargão da clareira.

—Resumindo? –Newt coçou o queixo. –Você foi a última a entrar, e a única que se molhou. Um dos socorristas, aliás, o socorrista que restou disse algo sobre hipotermia. Não sei direito o que significa, mas pareceu que você iria morrer, não parava de tremar, mesmo depois de ter apagado.

—Maravilha, eu fico mal por uma noite e minha namorada quase morre, o que falta acontecer?

—Espera, disse... O socorrista que restou? –perguntou, ignorando o comentário sarcástico de Minho.

Newt suspirou penosamente, mas foi Thomas quem respondeu.

—Depois de uma mértila como a que vimos ontem... Não era de se admirar que coisas ruins acontecessem.

Em um surto de memórias, Camille de repente não estava mais lá, revivia a cena assustadora que vivenciara. Os raios se chocando contra o chão, os clareanos gritando de terror, os dois garotos dentro da cratera, o barulho ensurdecedor.

Mal ela percebeu quando enterrara o rosto nas mãos, apertando o cabelo entre os dedos com força, talvez a dor física ajudasse ou talvez só estivesse com raiva.

—Bom, não há nada a se fazer quanto a isso. –Minho anunciou. Ela sentiu-o acariciar sua nuca com suavidade, a ação se diferenciando de suas frias palavras. Ele também sentia muito, mas não queria demonstrar, não podia demonstrar. Ela sabia. Segurou sua mão livre entre as próprias, sem encará-lo. –Precisamos saber em que número estamos, arranjar mantimentos e darmos o fora daqui.

Newt o encarou totalmente incrédulo.

—Nossos companheiros morrem e é nisso que está pensando?

Minho imediatamente cessou o carinho. Sua mão se tornando pesada em suas costas. Camille trocou um olhar significativo com Thomas, sabiam no que aquilo iria dar. Mas o olhar do amigo insistia claramente para não se meter.

—Sim, é nisso que estou pensando. Afinal, alguém tem que tomar alguma atitude, ou quer que tenhamos o mesmo destino dos outros? Quer ficar esperando os cranks nos devorarem ou outra tempestade?

—Minho... –Ela começou, mas Newt interrompeu.

—Demonstrar a mínima compaixão talvez te mate, não é?

Minho ficou rígido, ela apertou suas mãos em volta da dele.

Agora não, por favor, agora não.

Olhando dos dois pontos de vista, ambos poderiam estar certos. Mas aquela não era a hora nem o lugar para uma briga.

—Acha que não sinto muito? É realmente nisso que acredita? Não se esqueça de que também passei os últimos anos com esses caras, mas se quer ficar aqui, acabar com sua vida e fazer a morte deles ser em vão, vá em frente.

—Isso meio que foi um pouco de compaixão.

—Olha só, e eu ainda não morri. –resmungou. –Nunca pedi para ser o líder de mértila. Se quiser ficar aí, boa sorte.

Ambos se encaram antes de Newt suspirar, sua expressão se abrandando.

—Onze.

—Como é?

—Onze. Foi o que nos restou. Tivemos sete mortos. Bom, Winston não iria sobreviver naquele estado mesmo...

Minho assentiu lentamente.

—Que seja, sinto muito.

—É, eu também sinto. –Minho balbuciou, mas não resistiu ao impulso de revirar os olhos.

—Mas... Achei que iriam começar uma briga. –Camille comentou antes que pudesse evitar.

—Acho que nem pra isso temos tempo... Ou energia. –Newt disse, apoiando a cabeça na parede e fechando os olhos.

—Ei. –Thomas chamou de repente. Não olhava para eles. –Odeio interromper, mas acredito que não estamos a sós.

A esta altura os clareanos, que despertavam pouco a pouco, entraram em alerta imediato. Olhando para cima, em um dos rombos no teto, um homem os encarava.

Camille arfou de surpresa, ficou paralisada por um minuto tentando compreender a cena. Os outros clareanos tinham a mesma reação, leves suspiros indicavam que prenderam a respiração com o susto. O homem possuía uma boa aparência, levando em consideração a situação na qual se encontravam, com olhos amendoados num rosto de traços hispânicos.

—Quem é você? –Minho gritou.

Antes que pudesse formular qualquer pensamento, o homem saltou da fenda do terceiro andar, caindo ileso à sua frente. Rolou em uma acrobacia inusitada, saltou e parou de pé abrindo os braços numa saudação, como se esperasse palmas.

—Meu nome é Jorge. –anunciou. –Sou o Crank que toma conta desse lugar.

O queixo de Camille quase fora ao chão. Aquele homem definitivamente não parecia um daqueles mortos-vivos ambulantes que correriam atrás deles até devorá-los, mas algo nele a fazia suar frio.

—O que foi? Alguns dias no deserto já os fez perder a fala? –Ele sorriu, num humor desconhecido. –Ou estão com medo de mim?

—Você é mesmo um crank? –Um dos clareanos estreitou os olhos.

O homem voltou a sorrir, mostrando os dentes.

—Não sou nenhum mentiroso, sou Hermano? Aliás, adoro uns olhos no café da manhã, por que não começam a contar quem são vocês e o que fazem aqui?

Camille engoliu em seco. Ele parecia ser um louco de pedra, mas sejamos francos, com tudo o que vira desde a clareira, não tinha dúvidas de que poderia estar falando sério. Olhou de relance para cima, sabia que deveria haver mais deles espreitando nos escombros.

—Nós deveríamos falar? –Minho arqueou uma sobrancelha, desafiadoramente. –Acho que você está em um belo problema amigo, ouvi dizer que cranks eram doidos alucinados. –caçoou. –Pelo que vejo, somos onze e você apenas um. Então talvez seja melhor começar a falar, Hermano. –Imitou.

Jorge ficou vermelho de raiva.

Oh-oh. Camille pensou.

—Não acredito que acabou de dizer isso, acabou de me tratar como um cachorro! –Falou entre dentes, Minho o olhou de lado, provavelmente analisando o nível de loucura daquele cara. –Peça desculpas. Tem dez segundos.

Como não demonstrou reação, ele começou a contagem.

—Um. Dois. –Seu tom de voz se elevava a cada número. –Três. Quatro.

Minho deixou que uma risadinha desafiadora escapasse de seus lábios.

—Peça. –Ouviu Thomas à sua direita num murmúrio nervoso. –Peça logo.

—Sete. Oito. –Jorge parecia prestes a acabar com o asiático. –Nove.

Camille olhou desesperada para os amigos.

—Desculpe. –Acabou dizendo, mas aquele fora o pedido mais sem convicção que ela ouvira na vida.

—Não acho que tenha sido sincero. –O crank retrucou, então fez o que Camille temia: Desferiu um chute na perna de Minho, provavelmente em uma das feridas, pois o garoto gritou em agonia, agarrando o ferimento com as duas mãos.

Camille não se aguentou, se colocando de pé num pulo e empurrando-o com força; o ódio começou a borbulhar dentro dela. Foi então que, num piscar de olhos, algo aconteceu. De repente a figura de uma garota saltou de cima de um dos rombos jogando-a contra o chão. Sua surpresa foi tanta que não houve tempo de reagir.

Foi tudo muito rápido, de repente Minho rolava no chão com Jorge, socando o rosto do mesmo. Num segundo Thomas o segurava para que não continuasse com o ato, então em outro várias pessoas, ou melhor, cranks, os rodeavam de todos os lados.

—Qual o seu problema? –Camille ralhou com a garota de olhos ameaçadores sobre si.

—Cale a boca. –Ela respondeu. Apontou uma faca afiada para sua garganta, único motivo pelo qual ninguém tentara ajudar, era arriscado demais.

Cerrou os dentes com força, tudo que queria era socá-la. Mesmo do chão conseguia ver os cranks sacando armas improvisadas, porém igualmente ameaçadoras, de suas roupas imundas. Pregos maiores que o comum, provavelmente retirados de uma ferrovia ou construção; facas de todos os tamanhos; pás quebradas e até cacos de vidro com manchas vermelhas nas pontas afiadas, Camille teve absoluta certeza de que não era trinta. Vencer aquele pessoal seria extremamente difícil, pra não dizer impossível devido às condições miseráveis em que se encontravam.

—Ta legal, espere um minuto. –Thomas falou com as mãos estendidas, levantando-se com cautela. –Não valemos de nada mortos, mas vivos... Posso te explicar tudo. Eu e você, dez minutos. Sozinhos. Leve quantas armas precisar.

—Dez minutos. –Jorge arqueou uma sobrancelha, refletindo. –Justo, tem este tempo para me convencer, caso contrário...

—Entendemos. –O cortou. –Dez minutos.

O crank apontou com o queixo para um corredor escuro. Thomas lançou um olhar significativo para os clareanos antes de seguir corredor adentro com Jorge em seu encalço.

Camille voltou sua atenção para a garota, ela possuía olhos amendoados e um cabelo escuro e comprido limpo como se houvesse acabado de lavá-lo, o que era algo absurdamente incomum ali. As perguntas que surgiram em sua mente a impediram de notar mais detalhes em sua aparência. Respirou fundo quando a crank tirou a faca de sua garganta e guardou-a em algum lugar no meio de suas roupas amarrotadas.

—Saia de cima de mim. –Ordenou com toda a firmeza que conseguiu reunir.

A outra sorriu em deboche.

—Se não o que? Vai chorar, olhinhos azuis?

Camille não sabia de onde estava surgindo tanta raiva. Talvez a culpa não fosse da garota, e sim de toda a pressão que estivera passando, precisava extravasar tudo aquilo.

—Melhor: Vou arrancar esse sorrisinho da sua cara.

Os cranks emitiram murmúrios, como se estivessem prestes a entrar no meio e cortar sua língua fora, mas a adolescente estendeu uma mão, como se dissesse para não se meterem. Camille sentiu a inquietação dos amigos, mas os cranks os impediam de passar, apontando suas “armas” afiadas e grotescas e encurralando-os no chão junto à parede.

—Adoraria ver você tentando.

Aí está. Era justamente a brecha de que estava precisando. Em um segundo as memórias dela e Minho no porão de armas da clareira lhe vieram à mente, aquilo parecia ter acontecido há um milhão de anos. Sem tempo de pensar duas vezes, ergueu o tronco, fazendo-a se afastar um pouco, então dobrou o joelho a atingindo no estômago com força... Mas não o suficiente para algum estrago, estava exausta devido à noite turbulenta. A garota se deixou surpreender apenas por alguns segundos antes de sorrir e saltar sobre Camille.

Os clareanos olharam desesperados enquanto os cranks riam e assobiavam de emoção ao verem as duas rolando pelo chão desgastado. A garota agarrara os cabelos de Camille com uma mão, a fim de lançar sua cabeça contra o solo, mas esta se prepara e chuta a lateral do corpo da adversária que afrouxa o aperto e solta após um empurrão.

A crank não se deixa abater e parte para cima novamente. Todas as instruções de Minho passavam-lhe pela cabeça como se ele as estivesse ditando em alto e bom som, conseguiu desviar de vários ataques, mas foi surpreendida ao sentir o punho dela atingir seu estômago em cheio. Cambaleou ofegante, as consequências da fome aterrorizante e do cansaço por todo o esforço da madrugada eram presenças constantes. A garota aproveitou os segundos de hesitação e voltou a chutá-la no estômago antes que pudesse tomar fôlego. A dor misturada com a fome a atingiu com força e ela caiu de joelhos, um gosto metálico tomou sua boca quando cuspiu sangue.

Em algum lugar ao seu redor ouviu os clareanos gritando algo, provavelmente tentando interferir.

—Achei ter ouvido você dizer alguma coisa sobre tirar o sorriso do meu rosto. –A crank debochou, mas era possível perceber que também estava ofegante. E perto, perto demais.

Atinja lugares sensíveis no seu oponente. Descubra seus pontos fracos. Ande trolha, faça alguma coisa. A voz de Minho em sua lembrança voltava a repetir. Afinal de contas, talvez aquele dia frustrante de treinamento tenha valido a pena.

—Pensei que isso seria mais diver... –Ela foi interrompida por um súbito movimento de Camille, que atingiu seu pescoço em cheio. Os cranks vibraram. A garota desabou no chão pelo impacto e Camille avançou, pondo as penas sobre sua barriga, prendendo-a ao solo. Guiada pela raiva, se preparou para desferir um soco na outra, mas seu punho parou a míseros centímetros do rosto da adversária.

Seu braço tremia de frustração. Por que nunca conseguia terminar?

Faça isso de uma vez por todas, droga!

Nunca hesite. Era o que a voz de Minho repetia em sua mente.

A crank teve tempo suficiente de ficar surpresa, Camille viu um brilho passar pelo olhar da outra, não era maldoso, diferente da primeira impressão que teve ao encarar Teresa. Mas então seu rosto se fechou em uma pose firme e ela, aproveitando de sua súbita fraqueza, a repeliu de cima de si. Camille sentiu uma dor aguda na bochecha, próximo à orelha ao cair de lado. E só então percebeu que a garota havia feito o que ela não pôde, com o punho fechado, socara-lhe o rosto.

Não revidou, sabia que aquilo havia acabado.

—Já chega. –Ouviu-a dizer, ambas permaneciam no chão, arfando. Ela segurava o pescoço com as duas mãos, onde Camille a havia atingido. Os cranks resmungaram de frustração, queriam mais.

Antes que alguém pudesse dizer mais alguma coisa, Jorge e Thomas reapareceram pelo corredor escuro, suas faces em completa confusão.

—Mas o que é que está acontecendo aqui afinal?

—A culpa foi minha, esqueça.

Jorge suspirou pesadamente, mas sua expressão se suavizou ao notar quem falara.

—Ta legal Brenda, levante daí, tenho um aviso a dar.

A garota, Brenda, obedeceu com tranquilidade, batendo a poeira das roupas. Camille fez o mesmo, sentia-se mais exausta do que quando acordou, mas Brenda também ofegava, o que era algo a se ficar contente.

—Muito bem. Eu e o cara de maricas aqui encontramos uma solução. –Anunciou. –Primeiro precisamos conseguir alimento para essas pessoas, estão parecendo um bando de zumbis.

Olha só quem está falando. Camille pensou com sarcasmo.

(C.L.) —Sei que parece loucura dividir o rango obtido a duras penas com um bando de forasteiros, mas acho que podemos contar com ajuda da parte deles. Deem-lhes a carne de porco e o feijão... Estou enjoado daquela porcaria. –Um dos Cranks riu baixinho, um garoto franzino e nanico cujos olhos oscilavam de um lado para o outro. - Segundo, sendo o grande cavalheiro bondoso que sou, decidi não matar aquele inútil que me atacou. (C.L.)

Camille soltou o ar aliviada, e só então percebeu que prendia a respiração.

—Mas não prense que se safou muchacho, vai receber uma punição.

Minho cruzou os braços, não demonstrava um pingo de medo.

—Ah é?

Jorge sorriu cínico, estava assustador.

—Você me esmurrou com os dois punhos. Então vamos cortar um dedo de cada uma das suas mãos.

Camille arregalou os olhos. Cortar os dedos? Os clareanos queriam protestar, mas algo na expressão urgente de Thomas dizia apenas para confiarem nele. Todos perceberam, portanto tudo o que puderam fazer foi ficarem ansiosos. Bom... Quase todos. Minho estava tão frustrado e irritado que não prestou atenção em Thomas, tampouco ficou quieto. Pelo contrário, levantou-se num salto, pronto para jogar Jorge no chão e começar tudo de novo.

Brenda imediatamente parou-o, a faca havia ressurgido em sua mão e com esta apontava para a garganta do asiático. Uma gota de sangue escorreu do lugar onde ela mirava. Minho não poderia fazer nada, mas sua expressão mostrava o quanto gostaria de quebrar aqueles cranks ao meio.

(C.L.) —O plano é o seguinte. –Jorge anunciou calmamente. –Brenda e eu vamos escoltar esses vagabundos até o esconderijo para que comam. Depois vamos nos encontrar na Torre, digamos, daqui à uma hora. –Consultou o relógio. –Isso quer dizer meio-dia em ponto. Traremos o almoço de vocês. (C.L.)

Agora Camille não entendia porcaria nenhuma. Não seria de vantagem alguma para ele escoltá-los apenas com a garota com quem lutara, ou talvez realmente quisesse ajudá-los. Não acreditava neles, mas decidira confiar cegamente no amigo. Afinal, não tinha a mínima ideia do que falaram quando estiveram a sós. Após algumas repercussões, finalmente os cranks concordaram, se animando apenas com a feliz compensação de assistir a punição de Minho quando chegassem
a tal torre.

—Ei. –Camille sentiu alguém tocar-lhe o ombro, chamando sua atenção. Desviou-se dos pensamentos turbulentos que invadiam sua mente e encarou Brenda. –Quero que me responda uma coisa.

Camille mudou o peso de uma perna para outra.

—O que foi?

—Por que parou? Quero dizer, bela escolha, essa de me golpear no pescoço. Isso aqui vai ficar bem dolorido. –Murmurou. –Mas por que parou?

Camille desviou o olhar.

—Não valia a pena.

—Ah não? –Brenda arqueou as sobrancelhas, deixando um ligeiro sorriso brotar em seus lábios. –Talvez tenha razão, não valia a pena.

—Claro, meu estômago e rosto perceberam isso. –Camille engoliu em seco, o gosto metálico do sangue ainda se misturava a sua saliva. Era estranho conversar com a garota com quem acabara de rolar pelo chão.

—Se fosse outro crank, estaria morta. Vou te dar um conselho: Acha que vai conseguir sobreviver nesse deserto assim? Pois se é o que pensa está enganada. Da próxima vez não hesite.

Abriu a boca para responder, mas Brenda deu-lhe as costas, indicando ao grupo de clareanos que a seguisse. Minho estava nesse grupo, virou-se para ela e seguiu em sua direção agarrando-lhe os ombros.

—O que foi que deu na sua cabeça? Viu a faca que aquela garota carregava?

A face da garota se contraiu em uma carranca.

—Como se você pudesse me dar lição de moral sobre brigas!

—Bom, eu só entro pra ganhar.

Camille ficou rubra.

—O que está insinuando? Acha que não conseguiria ganhar dela?

—Não é o que quero dizer, trolha. –Suspirou, ele não queria vê-la metida em problemas. –Você foi incrível, eu sei. Por que não terminou com tudo aquilo quando teve a chance?

Ela abriu a boca para responder, mas não sabia o que dizer nem para si mesma, quanto mais para ele.

—Enfim, isso não importa. –O garoto concluiu por si só. –Está bem?

Minho segurou seu queixo, de modo que pudesse analisar a mancha vermelha escura onde Brenda a machucara.

—Você cuspiu sangue, onde ela te atingiu?

Camille pensou em responder, mas então mudou de ideia. Apenas desvencilhou-se das mãos dele.

—Não precisa me tratar como se eu fosse de porcelana. –Dito isso saiu marchando em direção ao grupo.

Minho ficou sem reação, não sabia o que tinha dito de errado.

—Mas que... O que é que deu nela?

***


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Notas finais do capítulo

E então, com saudade da fanfic? Vou lhes confessar que estava, pra caramba! Enfim, me desculpem por abandonar vocês dessa maneira, mas ao menos agora estamos aqui.
Fico imaginando o que passa pela cabeça de vocês agora. Quero dizer, acho que ninguém pensaria na Camille e a Brenda rolando no chão e trocando socos. Sobre isso, eu nunca fui muito boa com cenas de lutas... Mas me esforcei bastante pra conseguir escrever isso daí e ter algum resultado legal, então espero realmente que tenha ficado bom.
Quanto ao casal do ano: Minho não acredita nas habilidades dela ou Camille está sendo paranoica demais? Talvez ela só esteja estressada com tudo, não é mesmo?
Vamos, vamos, estou ansiosa pela opinião de vocês! ❤