My Little Runner escrita por Angie


Capítulo 17
Que se inicie a fase dois! Part. 3/3


Notas iniciais do capítulo

Oi trolhos, com saudade? Eu estava de vocês, o último capítulo que postei foi há uns dez dias, queria ter postado antes, mas quando eu estava com o capítulo quase pronto resolvi mudar tudo haushausa'
Enfim, gostaria muito, muito, muito mesmo que vocês comentassem me respondendo uma coisa: Como está ficando o rumo da fic? Quero dizer, está chato, monótono, cansativo, ruim...? Sou muito insegura com essas coisas, então... bem...
Aproveitem



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[...]

–Por quanto tempo mais acha que vão nos manter aqui? –Ela perguntou exausta.

Minho balbuciou uma resposta, murmurando algo parecido com:

– Só o que nos resta a fazer é esperar.

Ambos se encontravam em um dos beliches; Camille sentada de pernas cruzadas com as costas escoradas na parede, a cabeça pendendo para trás, seus olhos estavam semiabertos e sentia como se o mundo girasse a cada mínimo esforço. Minho não estava lá muito diferente; estirado na cama de qualquer jeito, a cabeça escorada nas pernas dela, os olhos fechados e os lábios secos, mesmo tendo água à disposição.

As coisas estavam indo de mal a pior. Depois de um dia e meio sem fazer ou comer nada tudo parecia desmoronar dentro deles. A única esperança que tinham era de que alguém viria buscá-los, sabe-se lá para o quê; essa era a certeza de cada um, pois depois de tudo o que já haviam passado não seriam deixados para morrer daquela forma. Ao menos era isso que acreditavam, tinham que acreditar em alguma coisa.

Por enquanto havia algo que, por incrível que pareça, os incomodava mais do que o que poderia acontecer depois.

Fome.

É como um animal perverso, persistente, com garras grotescas, querendo abrir caminho através de seu estômago. Aquela sensação era constante, a cada segundo de cada minuto de cada hora. Bebiam água, sempre que possível, das pias do banheiro, mas não adiantava para afugentar a fera. Ao contrário, sentiam que a fortalecia, potencializando sua capacidade de lhes causar um sofrimento maior nas entranhas.

Não paravam de lamber os lábios, andando para lá e para cá, como se a cada passo fosse uma luta terrível. Sonolência entorpecedora. Banheiro. Água. Arrastar-se de volta à cama. Sonolência entorpecedora... E por aí se seguiu.

Três longos dias se passaram desde a última vez que haviam comido algo; as esperanças já estavam se esvaindo. Podiam senti-la. A morte se aproximando à espreita. Como um convite de descanso.

Camille se virou pela terceira vez no beliche, dobrando as pernas em posição fetal e agarrando, com os dois braços, a barriga. Como se tentasse conter o animal furioso que roia suas entranhas. Havia passado a maior parte do tempo dormindo, estirada na cama, sabe-se lá por quanto tempo. Ela não tinha ideia, desmaiara duas vezes durante aqueles três dias e acordara, nas duas ocasiões, nos beliches. Não tinha o menor interesse em perguntar quem a colocara lá, mal tinha vontade de falar.

Reuniu todas as suas forças restantes para se levantar com dificuldade. Suas pernas bambolearam e ela quase caiu pela fraqueza, mas se obrigou a ficar ereta. Arrastou-se lentamente pelo dormitório até a porta que levava à área comum, a sala rodopiando ao seu redor.

Continuou, sem nem sequer olhar para frente, até que algo chamou-lhe a atenção. Esse “algo” era amarronzado, de um formato entre oval e redondo. E estava justamente rolando no chão até parar em seu pé.

Ela se agachou e segurou o que parecia ser um Kiwi.

–Isso é...

–Uma fruta, Kiwi. Já comeu? –Uma voz do outro lado do salão lhe fez pular de susto. –Aliás, bom dia Camille. Como passou durante esses três dias?

O queixo dela praticamente caiu quando ela viu aquilo.

Uma grande escrivaninha de madeira havia sido colocada junto à porta do outro quarto. Atrás da escrivaninha, um homem magro de roupa branca, sentado numa cadeira, apoiava os pés cruzados sobre o tampo.

Segurava uma página do livro que estava lendo entre os dedos. Um ligeiro sorriso passava por seu rosto, mas ela duvidava de que fosse amigável.

Mas, ah, ela sabia muito bem a quem pertencia aquele sorriso. Aliás, não esqueceria aquele rosto. O cabelo negro e ralo era repartido de lado sobre a careca muito alva; o nariz comprido era torto, ligeiramente voltado para a direita; e os olhos castanhos a deixavam inquieta.

Era o “homem –rato” que encontrara na base do CRUEL.

Sem contar o seu apreciamento por branco. Calça, camisa, gravata, paletó. Meias. Sapatos. Tudo branco.

Não que isso realmente importasse naquele momento.

–Vá acordar seus amigos, eles devem estar quase morrendo de fome. –Ele disse enquanto voltava a ler calmamente.

Ela poderia ter contestado ou feito o escambau, mas apenas correu, sabe-se lá de onde achara tanta força, de volta para o dormitório.

–Minho, Newt. Acordem! –Chamou enquanto chacoalhava os dois.

Minho nem sequer abriu os olhos, resmungou uma reclamação e disse:

–Vai dormir Cammie, estamos em uma condição bem miserável aqui.

Newt ainda a olhou, imaginando o porquê de tanta agitação, mas logo voltou a se virar para a posição anterior, de costas para ela.

–Vamos, levantem. Agora, agora, agora! – Repetiu, chacoalhando-os sem parar e meio que chamando a atenção de outros clareanos. –Vamos, vamos, vamos... –Ela continuou a falar numa velocidade frenética.

–Tudo bem, tudo bem! –Newt respondeu por fim, virando-se na cama para olhar para ela.

Minho soltou um longo suspiro antes de se sentar lentamente na cama passando a mão pelos olhos.

–O que é tão importante para nos tirar de nosso leito de morte? –Perguntou, mesmo que fraco, de modo zombador.

–Precisam ver isso. –Disse, já indicando para eles saírem.

Newt também se levantou, juntamente com outros clareanos que haviam escutado.

Um a um foram indo em direção à área comum, nota-se: arrastando seus pés, como zumbis.

Todos, sem exceção, ficaram de boca aberta ao se deparar com aquilo.

Frutas, verduras, pacotes, tudo empilhado pelo chão. E não foi apenas essa a surpresa, também sentiram um misto de alívio e confusão quando avistaram o homem-rato.

–Mas o que... Quem é aquele? –Newt apontou para o homem que nem sequer erguera os olhos do livro.

Os outros garotos a olharam esperando uma resposta.

–Eu o chamo de homem-rato. –Segredou para eles. –O encontrei uma vez quando estava na Base do CRUEL e, acredite, ele não foi nada amigável. –Ela fez uma carranca, em parte pelo desgosto de encontrá-lo novamente, em parte pela fome destruidora.

–Ei, você. –Minho chamou, o homem levantou o olhar rapidamente com uma sobrancelha arqueada. –É, você mesmo. O que está acontecendo aqui?

Como não obteve resposta o asiático se apressou em ir até ele, quer dizer, ao menos tentou.

A três metros da escrivaninha, chocou-se contra uma parede invisível. O nariz a atingiu primeiro, esmagando-se contra o que parecia ser uma fria superfície de vidro. O restante do corpo acompanhou o movimento, colidindo contra o obstáculo.

–Mas que porcaria mertilenta é essa? –Minho perguntou irritado, tocando a superfície novamente, para se certificar.

O homem-rato não esboçou reação. Apenas olhou para cada um deles, que pareciam extremamente confusos, e disse com uma voz monótona.

–Não adianta tentarem, isso está em toda a minha volta, impedindo que se aproximem. Não posso dizer nada até chegar a hora certa, portanto, sejam pacientes. –Sua voz estranhamente não foi abafada pela barreira invisível.

–Acho que já esperamos tempo demais. –Um dos garotos resmungou.

–Ainda temos quarenta e sete minutos antes de eu ser autorizado a implementar a Segunda Fase dos Experimentos. Por enquanto, - O homem-rato continuou. –Podem comer o quanto quiserem. E sugiro que aproveitem enquanto podem. –Apontou para a pilha de alimentos, antes de voltar-se para seu livro.

Poderiam ter feito mais perguntas, porém a fome falou mais alto que o raciocínio, e isso não era de se estranhar.

–Ah, quem se importa. Estou quase morrendo de tanta fome aqui. –Caçarola disse, antes de ir em direção à pilha e tragar uma maçã.

Os outros seguiram seu exemplo, alguns comeram tanto e tão depressa que tiveram de colocar a comida pra fora.

–Alguém me diga onde consigo um desses trajes. –Minho disse com um sorriso irônico apontando para o homem com a roupa, claramente, ridícula. –Coisinha linda, não acham? –Logo em seguida mordeu uma maçã.

–Se você diz, acho melhor não discordar. –Camille murmurou em tom brincalhão enquanto devorava uma pera.

Mesmo assim ainda não deixava de se preocupar. Estava acontecendo tudo de novo. O CRUEL estava de volta. Para falar a verdade, ela nunca teve a certeza de que haviam sido “deixados” pela organização. No fundo sentia que tudo aquilo, os salvadores, os cranks, as mortes, tudo aquilo fora planejado.

Lembrou-se claramente do que encontrara no sistema do CRUEL. Tudo indicava que já sabiam exatamente o que pretendiam fazer com os clareanos.

E apenas de uma coisa ela tinha certeza, não seria nada bom.

Uma onda de repentina tontura lhe fez titubear. Meio que instintivamente fechou os olhos, levando uma das mãos até a cabeça.

Algo que parecia se o resquício de uma lembrança nublou em sua mente. Fraca, sem cor, sem vida.

Precisamos de você Camille. Sabe disso.

Uma voz masculina, estranhamente familiar, falou dentro de si.

Ela deixou a fruta escorregar entre seus dedos, até rolar pelo chão. Já havia ouvido aquela voz antes, e sabia que aquilo era uma das lembranças a que vinha tendo. Mas estava acordada, como...?

–Cammie? –Minho chamou.

Sentiu seu rosto ser acariciado pelo tão conhecido toque masculino.

Só então ela pareceu acordar de seus devaneios.

Minho segurava seu rosto com delicadeza. Em sua face um semblante de pura preocupação.

Ela havia aberto os olhos, mas neles não se via nada da tranquilidade casual que o acalmava, apenas confusão.

–O que foi? – Ele perguntou. –Você estava rindo e de repente...

–Tudo bem, eu só... Achei ter ouvido alguma coisa.

O asiático franziu o cenho.

–Que coisa?

–Nada, nada demais. –Ela suspirou.

Como se sentindo ser observada, Camille varreu os olhos pelo aposento a fim de encontrar o possível observador.

A maioria na sala parecia pouco se importar com a existência dela naquele momento, se concentravam apenas em quanta comida conseguiriam comer para conter a fera dentro de si.

Balançou a cabeça com esse pensamento, Minho ainda olhava para ela com os olhos estreitos.

–Se está preocupada com algo, sabe que pode falar.

–Sim, claro. Apenas... –Parou abruptamente.

Sentado no chão como quem não quer nada, mastigando calmamente estava Aris. Ele olhava diretamente para ela. E o pior era que Camille tinha a sensação de que o garoto fazia isso já há algum tempo.

O garoto engoliu seja lá pó que for que estava mastigando, sorriu estranhamente e mexeu os lábios de forma que ela pudesse entender.

“Lembranças confusas?”

Sentiu um repentino nó no estômago. Deus um passo involuntário para trás.

–Ei, o que foi? –Minho tocou seu ombro.

Camille olhou para ele, a expressão em seu rosto só o fez preocupar-se ainda mais. Antes que pudesse perguntar novamente o que ela tinha, Camille virou as costas repentinamente e correu para dentro de um dos dormitórios, logo em seguida no banheiro, sem se preocupar em fechar a porta.

–Ei! Ca... –Minho começou, olhou para o ponto que ela fitava antes e tudo o que viu foi o tal garoto novo mastigando distraidamente com um meio sorriso no rosto. –O que esse trolho...

Minho largou de lado o que comia e correu na direção em que Camille viera.

Encostou-se no batente da porta, os braços cruzados enquanto a observava.

Camille estava com os dois braços escorados na pia, as costas dobradas um pouco para frente. Seus olhos permaneciam fechados enquanto gotículas de água do rosto recém-molhado escorriam pela sua face. Pingando ao alcançarem os lábios e a ponta do nariz.

–Quer me dizer o que está acontecendo? –Ele perguntou, sem demonstrar ironia ou sarcasmo, tampouco grosseria.

Camille respirou fundo, secou o rosto e virou-se para o namorado com completa sinceridade.

–Eu não sei.

Bem, é lógico que Minho, sendo Minho, não se sentiu satisfeito apenas com aquela resposta.

–Como assim não sabe?

–Apenas não sei... É a verdade.

–Tudo está muito confuso para todos nós, mas você ficou daquele jeito do nada. E mais, porque correu para cá depois de olhar para o Aris?

Camille remexeu os dedos nervosamente.

–Ele... Por um segundo pensei ter ouvido... –Parou, engolindo em seco.

–O quê? O que você ouviu? –Minho já estava com o cenho franzido.

–Nada. Eu estou bem. –Respondeu desviando o olhar; pensou que ele a acharia louca por estar ouvindo coisas.

Minho bufou.

–Não me pareceu ser “nada”.

–Ei, vocês dois. –Thomas apareceu repentinamente na porta. –Melhor virem para cá. O tal homem-rato deve querer falar alguma coisa agora.

Minho assentiu, ainda olhou para Camille em dúvida, mas ela apenas acenou para irem andando, no fundo aliviada por mudar o rumo dos assuntos.

–Conversamos sobre isso depois. –Ele ainda disse, num tom que não permitia discussões.

Sem mais opções, tudo que ela pôde fazer foi concordar.

Sabia que, pela teimosia e preocupação, Minho não iria esquecer aquele assunto tão facilmente. Ela apenas não o queria deixar mais sobrecarregado que o normal.

Encontraram todos na área comum, sentados de frente ao espaço em que o homem-rato se encontrava.

Ambos se sentaram perto de Thomas e Newt.

Camille ainda estava com o coração inquieto. Realmente não sabia o que estava acontecendo. Mas sabia o porquê da vertigem repentina.

Não tinha a mínima ideia de o porquê estar recebendo algumas memórias de volta. Tampouco estando acordada. Mas a voz da lembrança era nítida em sua mente.

Era a voz de Aris.

Aquilo não poderia perturbá-la mais que o suficiente, porém é claro que nada parece ser suficiente em quesito de complicações.

Olhou de esguelha para o garoto do outro lado da sala, porém dessa vez parecia distraído, como se há minutos atrás não houvesse encarado-a de forma estranha.

“Lembranças confusas?”

Ela quase pôde ouvir a voz dele falando.

Sim, sabia que já o havia visto em coma na clareira, e sabia que deveria conhecê-lo antes de tudo, afinal, lembrou-se de seu nome. Só não entendia o porquê de estar tão perturbada com aquilo.

Um pensamento lhe passou pela mente.

Como ele soube que eu havia tido uma lembrança naquele exato momento?

Inquieta, tomou a mão de Minho nas suas, segurando-a rente ao corpo.

Ele ainda reclamava de algo com Thomas quando o homem-rato finalmente resolveu fechar o livro; retirar os pés da escrivaninha, colocando-os no chão; arrastar a cadeira um pouco para trás e vasculhar em uma das gavetas.

Camille ergueu os olhos para enxergar o que ele havia tirado de lá. Uma pasta parda cheia de papéis misturados que logo se espalhavam tentando sair do espaço confinador. Ele a abriu e olhou para todos, como se só então houvesse se importado com as suas presenças.

– Obrigado por se reunirem de modo tão ordenado para me permitir dizer o que fui... instruído a dizer. Por favor, ouçam com atenção. –Ele disse com sua voz nasal.

– Por que precisa dessa parede? - gritou Minho.

Newt estendeu o braço sobre Thomas e alcançou o ombro de Minho, esmurrando-o.

– Cale a boca!

Por um mísero segundo Camille pensou que Minho iria revidar, ou ao menos encher Newt de xingamentos, mas em vez disso apenas revirou os olhos e silenciou. Ela soltou o ar devagar, temendo a confusão que poderia ter acontecido e o trabalho que daria para todos voltarem a escutar em silêncio.

–Vocês todos ainda estão aqui por terem uma vontade excepcional de sobreviver apesar das probabilidades, entre... outras razões. Cerca de...

–Ah sim, sobreviver foi a melhor parte. –Camille murmurou para ninguém em especial.

–... E mais o mesmo tanto para o grupo B. Vocês conheceram o garoto. –Fez um sinal de cabeça para Aris. –E também a nossa queridíssima Camille, que provavelmente deve ter lhes contado alguns detalhes a mais.

Todos perceberam o profundo olhar que o homem lançara para Camille, como se pudesse ler sua alma. Ela se sentiu exposta como se estivesse nua na frente todos com aqueles olhares inquietantes. Encolheu os ombros em uma postura impotente, mas logo se aliviou ao sentir os músculos rijos do braço de Minho envolvendo sua cintura de modo protetor, quase possessivo.

O homem-rato limpou a garganta antes de continuar.

–De todas aquelas pessoas, apenas uma fração sobreviveu para estar aqui hoje. Suponho...

A mente de Camille flutuou com as informações dadas pelo representante do CRUEL. Observou enquanto ele falava; a voz monótona, como se houvesse repetido aquele discurso para si mesmo umas cem vezes. As palavras vinham como punhal embebido em mel para ela. Ao mesmo tempo em que se sentia chocada e confusa com aquilo tudo, uma onda de doce reconhecimento pairou levemente em seu peito. Sabia que já deveria ter conhecimento daquilo, lá no fundo sabia. Já haviam lhe contado, repetido e repetido em sua infância. E como planejado pela organização, esquecera-se de absolutamente tudo. Portanto, sua surpresa ainda era a mesma que a de todos os clareanos presentes.

–... Tudo aquilo fez parte dos Experimentos, entenderam? Da Primeira Fase, para ser mais exato. Mas o artigo de que necessitamos ainda está perigosamente em falta. Portanto, tivemos de aumentar as apostas, e este é o momento da Segunda Fase. É hora de as coisas ficarem realmente difíceis.

–Quer dizer que fugir da mértila daquele labirinto foi a parte fácil? –Camille, com ar petulante, perguntou sem pensar. Estava com raiva de qualquer que fosse o motivo. Sentia raiva por não lembrar, ou por temer um dia ter feito parte de tudo aquilo pelo qual o homem falava.

O salão todo estava em total silêncio, só o suave som de suas respirações. O homem não percebeu o olhar de desgosto que Camille o lançava. Ou simplesmente resolveu ignorar, voltando calmamente a sentar-se.

(C.L.)–Vocês podem pensar, ou pode parecer, que estamos meramente testando a capacidade de sobrevivência de vocês. Se considerado de modo superficial, o Experimento Labirinto poderia ser erroneamente classificado dessa maneira. Mas eu lhes asseguro... não se trata apenas de sobrevivência e de vontade de viver. Essa é apenas uma parte do Experimento. O panorama dessa situação é algo que só entenderão no final. Clarões solares devastaram muitas regiões da Terra. Além disso, uma doença diferente de todas as anteriormente conhecidas pela humanidade tem aniquilado os povos... uma doença chamada Fulgor. Pela primeira vez, os governos de todos os países... os que sobreviveram... estão trabalhando juntos. Somaram esforços para criar o CRUEL, um grupo destinado a lutar contra os novos problemas deste mundo.Vocês constituem uma parte importante dessa luta. E terão todo o incentivo para trabalhar conosco, porque, é triste dizer, cada um de vocês já contraiu o vírus.

Ele ergueu rapidamente as mãos para amenizar o burburinho que já havia começado.

–Atenção, atenção! Não há necessidade de se preocupar: o Fulgor demora um tempo para se desenvolver e manifestar os sintomas. No entanto, ao fim destes Experimentos, a cura será a recompensa, e vocês jamais experimentarão os... efeitos debilitantes. Não são muitos os que podem pagar pela cura, vocês sabem. (C.L.)

Camille estremeceu com a afirmação do homem-rato. Até Minho estava tenso, pôde sentir o braço dele ficar mais rígido em torno de sua cintura fina.

Contraímos a doença? Mas... como? O que vai acontecer? Ela pensava em mil perguntas que poderia fazer, mas a força se esvaía de seu corpo, como se estivesse fraca demais para falar.

*Explicação completa no capítulo 11 do segundo volume Maze Runner*

***

Mais uma vez se encontrava deitada em uma das camas do dormitório. De barriga para cima, observava, sem interesse aparente, nenhum ponto em especial do colchão de cima do beliche. Para falar a verdade, seus pensamentos estavam muito distantes dali.

Refletia pela quinquagésima vez sobre as explicações e instruções recebidas há mais ou menos duas horas.

–Segunda fase, experimentos no deserto... –murmurou baixinho. –Passar pelo Transportal às seis da manhã. –Suspirou.

A monótona voz do homem-rato teimava em invadir seus pensamentos.

Essa fase começa oficialmente amanhã de manhã, às seis horas em ponto. Vocês vão entrar neste salão e na parede atrás de mim encontrarão um Transportal. A seus olhos, o Transportal vai parecer uma parede bruxuleante acinzentada. Cada um deverá atravessá-la até cinco minutos depois do horário marcado. Portanto, de novo: ela abre às seis horas em ponto e fecha cinco minutos depois...

–Aarhg! –Ela cobriu o próprio rosto com o travesseiro. Apertando o algodão entre seus dedos finos. –Encontrar uma mértila de saída para o exterior; seguir para a mértila do norte até encontrar a mértila de um Refúgio Seguro em duas semanas. E então finalmente terminar essa porcaria de mértila que chamam Fase Dois.

Quem olhasse pensaria que ela estava ficando louca. Bem, talvez um pouco. Cada um ali ganhara uma dose de loucura dentro de si.

É chegar ou morrer. A voz monótona mais uma vez falou.

É chegar ou morrer...

..Chegar ou morrer..

..Chegar ou...

Antes que pudesse impedir, lágrimas brotaram de seus olhos, escorrendo pela sua face. Suas mãos começaram a tremer enquanto apertavam o pano fino do travesseiro. Soluçava baixinho, seu peito subindo e descendo.

Mal percebeu quando um novo volume fez o colchão afundar um pouco mais. Nem quando fora carinhosamente puxada para cima, fazendo com que soltasse o travesseiro do rosto, revelando os olhos azuis acinzentados brilhantes e avermelhados pelas lágrimas. O lábio inferior tremendo ligeiramente.

–Minh... -Começou.

–Shh.. –Ele a envolveu num abraço apertado, acomodando-a calmamente em seu colo enquanto ela afundava seu rosto no peito dele. –Tudo bem, vai ficar tudo bem... –Ele murmurava.

–Nada está bem Minho, nada... –Camille tentou dizer em meio aos soluços contidos. Apertava o pano da camisa dele com tanta força que os nós de seus dedos ficaram quase brancos. Chorou baixinho, deixando rastros molhados no garoto, mas ele pouco se importou com isso.

–Eu sei, mas todos estamos juntos nessa. –Uma das mãos acariciava os cabelos da garota enquanto a envolvia com o outro braço. –Não tem problema chorar. –Ele murmurou beijando sua testa.

Depois de alguns minutos o fraco choro cessou. Eles ainda ficaram ali durante mais um tempo, sem dizer uma palavra sequer até Camille levantar a cabeça devagar e encará-lo de baixo. Minho já a olhava, esperando pacientemente, o que, claramente, não era uma reação comum do garoto.

Ela se sentiu extremamente patética, sendo tomada pela sensação de vergonha.

–Desculpe. –Murmurou, desviando o olhar novamente para baixo.

–Pelo quê? –Ele perguntou inocentemente.

–Por... Te fazer vir aqui comigo assim...

–Não me fez fazer nada. –Ele disse por fim. –Vim porque quis. –Ela levantou novamente o olhar, deparando-se com um meio sorriso nos lábios do asiático. Ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha e acariciou seu rosto. –Como está se sentindo?

–Aliviada. –Ela admitiu, por fim.

–Maravilha. –Ele deu um risinho descontraído.

Ela acabou por sorrir também.

–Obrigada. –Balbuciou fechando os olhos.

Minho beijou-lhe a testa; os cantos dos olhos ainda úmidos, um de cada vez; a ponta do nariz; o queixo e, por fim, tocou-lhe suavemente os lábios.

Ela abriu os olhos lentamente, estendeu a mão para tocar-lhe o rosto, acariciando e contornando-o, o queixo, o pescoço até tocar a nuca. Passou os dedos por onde deveria estar a tatuagem.

–E então... –Começou suavemente. –Pensou sobre o que Newt disse?

–Não há o que pensar, já dei minha resposta.

Mais cedo, antes de todos deitarem, haviam preparado fardos grosseiros com os lençóis para transportar a comida e as roupas sobressalentes que haviam aparecido nos armários. Parte dos alimentos tinha vindo em sacolas plásticas que, agora vazias, serviriam para o transporte de água, amarradas com tecido rasgado das cortinas. Ainda nessa tarefa Newt, juntamente com outros clareanos, tentaram convencer Minho a ser oficialmente o líder. Mas este recusara de imediato.

–Sabe que o CRUEL não faz nada por acaso. –Ela o repreendeu. –Você é o líder, está mais do que claro.

Minho bufou e revirou os olhos.

–Melhor dormirmos logo. Temos um dia cheio amanhã.

–Mas...

–Assunto encerrado Cammie. –Ele declarou, com um olhar que dizia que não responderia mais nada.

Ela suspirou exasperada, afinal, tinha mais cabeça dura que Minho?

***

Camille estava envolvida num sono profundo, quase tranquilizador, quando se sentiu ser chacoalhada de leve, como se alguém tentasse acordá-la.

Ainda de olhos fechados ela resmungou algo parecido com:

–Me deixa dormir...

O som de uma risadinha irritante fez sua consciência dar sinais de vida.

–Ta na hora de levantar bela adormecida. Esqueceu de colocar o despertador?

Com um suspiro Camille abriu os olhos, vendo Minho de pé ao seu lado. Os cabelos recém-lavados, havia acabado de tomar banho e vestia as roupas que apareceram nos armários na noite anterior. Usava um coturno masculino marrom escuro; calça jeans azul acinzentada; o novo relógio no pulso e, ainda, sem camisa.

Camille sentou-se na cama se deparando com aquela visão. Os músculos definidos dos braços, as marquinhas fundas de um abdômen malhado; os cabelos molhados pingando em seus ombros. Minho exalava masculinidade.

Camille se pegou admirando o garoto, mordeu inconscientemente o lábio inferior. Minho arqueou uma das sobrancelhas para logo após erguer o canto dos lábios num sorriso presunçoso. Camille conhecia bem aquele sorriso e sabia o que viria a seguir.

–Sei que sou gostoso Cammie, não precisa ficar mordendo esse lábio para me provocar.

Ela sentiu o rosto esquentar.

–Eu não estou... Ah, cale a boca seu metido. –Ela cruzou os braços e virou o rosto para o lado.

Ele reprimiu uma risadinha.

–Que horas são? –Ela perguntou tentando desviar o assunto.

–Cinco e quinze, por aí. Aquele cara do CRUEL disse para passarmos pelo transportal às seis horas, então... –Ele jogou um bolo de roupas para ela, que só então percebeu que carregava algo nas mãos. –Um dos trolhos pegou isso por engano. –Riu. –Não sei não, ainda acho que estava tentando passar para o outro lado da força, se é que me entende.

Camille bufou já se levantando e dando uma rápida olhada nas roupas deixadas para ela.

–De qualquer forma, se apresse. –Disse e pareceu se lembrar de algo mais que importante. Cruzou os braços teimosamente. -E pode ir trocando logo esse shortinho pela calça jeans porque já deu desses trolhos ficarem olhando para suas pernas.

Agora foi a vez de Camille arquear as sobrancelhas.

–Ah é? E qual o problema com as minhas pernas?

–Essa é a questão. As pernas não tem problema algum, o problema é quem pode olhar para elas.

–Claro, e eu devo presumir que você é um dos que podem? –Ela perguntou; também cruzando os braços ainda com as sobrancelhas arqueadas.

–Claro. –Ele deu de ombros como se fosse a coisa mais normal do mundo. –Não um dos, mas o que pode. Não precisa que ninguém mais olhe para você.

Camille bufou.

–E você é um trolho possessivo até demais. Não me lembro de ter te dado permissão para isso. –Sorriu brincalhona.

Ele, como sempre, tinha uma resposta, mas ela já havia corrido para o quarto de Teresa/Aris, que seja, e entrado no banheiro, trancando assim a porta.

[...]

Faltando dez minutos para o horário determinado pelo Homem-Rato, todos os Clareanos estavam sentados em expectativa, a maioria segurando uma sacola plástica cheia de água, os fardos de lençóis ao lado. Camille, agora de banho tomado, estava em um dos cantos com Newt.

–Conseguiu convencê-lo? –Perguntou, dirigindo-se ao asiático que falava com Caçarola.

–Minho é a porcaria de um cabeção teimoso. –Newt respondeu bufando. –Mas no fim eu acabei convencendo-o de que se ele não fosse o líder aqui ninguém mais seria. E então, desorientados, todos acabaríamos morrendo.

–Nossa, que profundo. –Ela comentou contendo o riso.

–Parece que o novo líder vai falar agora. –Newt fez um movimento de cabeça apontando para Minho, que se dirigia aos outros.

–Quero só ver... –Ela murmurou, imaginando o que ele diria.

–Do jeito que é tenho certeza de que vai ameaçar bater em alguém. –Newt disse revirando os olhos.

–Bom; isso já era mais que óbvio. –Camille resmungou, voltando sua atenção para o asiático que já falava.

–... - Alguém mudou de ideia durante a noite? - quis saber Minho. – Fale agora ou se cale para sempre. Depois que a gente partir pra onde quer que seja, se algum trolho decidir que é um maricas e tentar voltar atrás, vamos dar um jeito de fazer com que volte de nariz quebrado e o traseiro quente.

Camille bateu com a mão na própria testa ao ouvir aquilo. Newt se lamentou em voz alta, fazendo com que Minho se voltasse para ele.

–Newt, está com algum problema? –Ele perguntou assustadoramente sério.

Newt pareceu desorientado.

–Ah... Não. Só estava admirando seus malditos conhecimentos sobre liderança.

Minho respondeu de modo bastante grosseiro, fazendo Newt ficar sem graça.

–Ei Minho, pega leve. –Camille resmungou.

–Não temos tempo pra esse tipo de plong Camille.

Ela bufou revirando os olhos.

Era pra liderar, não para ser o comandante grosseria. Pensou, e se controlou para não falar aquilo em voz alta.

(C.L.)- São seis horas em ponto - um dos Clareanos gritou.

Como se essa proclamação tivesse sido um sinal, o escudo invisível ficou opaco de novo, enevoando-se até se tornar uma grande mancha esbranquiçada. Uma fração de segundo depois desapareceu completamente. Todos observaram a mudança instantânea na parede à frente deles: uma grande parte dela havia se transformado em uma superfície plana faiscante de um cinza funesto e sombrio. (C.L.)

–Hora de ir! –Minho gritou, ajeitou o farto que carregava nos ombros, segurou a sacola com água na outra mão e deu ordens para que ninguém fizesse bagunça na hora de atravessar. Ele iria primeiro e Thomas por último, para se certificar de que todos haviam passado.

Minho se dirigiu para frente do Transportal. Sombras e redemoinhos nebulosos de diversas tonalidades fulguravam ao longo de toda a superfície fluida. Aquela coisa pulsava em meio a névoa, como se pudesse desaparecer a qualquer instante.

Camille se colocou ao seu lado rapidamente enquanto Newt e Thomas tentavam organizar os outros em uma fila.

–Vou com você. –Ela declarou.

–Não. Preciso ir primeiro, me certificar de que isso aqui é seg..

–Nem começa. –Ela o cortou. –Você é o líder e deu suas ordens, o que é muito satisfatório. Mas ainda sou sua namorada, então não venha com nenhuma grosseria para cima de mim.

Minho abriu a boca para retrucar, mas nada lhe vinha à mente. Sem opções, suspirou.

–Não temos tempo para discussão. Então acho que não há nada a fazer. –Ele disse vendo-a dar de ombros, como se confirmando. –Maravilha, pronta pra outra? –Perguntou.

Ela sorriu em resposta. Um sorriso que poderia até ser descrito como ousado, ou até mesmo malicioso.

–Meu amor, depois de tudo que já passamos? Acho que já nasci pronta. –Disse, e Minho teve de se controlar para não beijá-la ali mesmo.

Olharam para a parede nebulosa por mais um segundo antes de se lançarem portal adentro.

Experimento no deserto; lá vamos nós...


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Notas finais do capítulo

Minho como líder e namorado ao mesmo tempo? Shii... Será que vai dar certo?
Leitores fantasminhas, podem comentar que eu vou amar vocês ainda mais *-*