My Little Runner escrita por Angie


Capítulo 11
Algo iria acontecer. Ela já sabia disso.


Notas iniciais do capítulo

Eu sei que vocês querem me matar e eu queria pedir mil desculpas com toda a sinceridade. Mas aqui vai uma explicação plausível: Primeiro eu perdi totalmente a inspiração, por isso admito que fiquei enrolando de início para escrever. Segundo: Quando a inspiração voltou com TUDO a net deu problema, e a única coisa que eu poderia fazer era responder comentários pelo tablet. Finalmente resolveram o problema da internet e cá estou eu, toda envergonhada, pedindo desculpas. Espero que não fiquem tão bravos e que não parem de comentar, pois são eles que me animam a continuar (não que eu esteja exigindo comentários, não mesmo!).
Pra compensar eu fiz um super capítulo para vocês, acho que até exagerei por que ficou ENORME. Mais de 5.000 palavras (Recorde!) E espero que não se cansem de ler, nem que vão lendo devagarzinho :p



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/595743/chapter/11

Os gritos ensurdecedores já inundavam os ouvidos de todos na fazenda. Haviam colocado Thomas em um dos quartos da Sede, onde era analisado pelo socorrista Clint. Ele trocara de lugar com Jeff, e o mesmo ficou encarregado de olhar, hora ou outra, como Alby estava se recuperando no quarto ao lado.

Newt dava ordens para que todos voltassem aos trabalhos, a testa franzida evidenciando a preocupação pelo amigo.

Teresa permanecia em frente ao aposento em que Thomas se encontrava, dessa vez ninguém contestou, estavam mais preocupados com a recuperação do amigo que em implicar com a garota. Seu semblante parecia um misto de raiva e temor. Ela se surpreendeu ao sentir a mão de alguém tocar seu ombro, porém não se virou, já deduzindo que fosse Camille. Os dedos eram mais finos e o punho menor que da maioria dos garotos ali. Não restavam dúvidas que era uma garota.

Nenhuma das duas falou nada por alguns segundos até Teresa cortar o silêncio.

—Não deveria ir para o labirinto junto dos outros corredores?- Perguntou, pouco se importando com a resposta. Sua voz não tinha nenhum resquício de emoção.

—Conversei com o Minho, achei melhor ficar aqui hoje. - Camille confessou. Puxou uma cadeira, se sentou e lançou um olhar significativo para Teresa.- Achei que talvez... - limpou a garganta- talvez você precisasse de uma amiga agora.

—Não acho que tenho amigos aqui além do Tom.

Camille não contestou, se limitou a dar um sorriso triste e murmurar:

—É uma pena que pense assim.

—Desculpe. - Teresa balbuciou depois de um minuto- Sei que só quer ajudar.

—Tudo bem. Você só está preocupada.

Teresa olhou inquiridora para Camille.

—Já te disseram o quanto você é...

—O quanto eu sou...?- Incentivou.

—Não sei, compreensiva? Doce, quem sabe. Por que mandariam alguém assim para junto desses garotos grosseiros?

Camille deu uma risadinha.

—Vai saber. Acho que sou apenas diferente. –Deu de ombros.

—No meio de tanta confusão, conseguir sorrir é uma dádiva. –Teresa comentou.

—Você aprende com o tempo. –Camille enrolou uma mecha de seu cabelo entre os dedos, como se de repente fosse algo muito importante a se fazer. –Um sorriso pode dizer muita coisa, mas também esconder.

Um grito cortou o ar, fazendo as duas garotas se encolherem. Não de medo, mas de pura repulsa. A transformação estava ficando cada vez mais intensa.

—Ele foi estúpido. Muito, muito estúpido. - Teresa cerrou os punhos.

—É... Mas já aconteceu, não adianta remoer.

—O que vai acontecer com ele?- Perguntou num fiapo de voz.

Camille suspirou.

—Quem sabe? Nós usamos o soro sempre que alguém é picado por um verdugo. Normalmente a pessoa fica o dia todo agonizando e na outra manhã vemos os resultados. Alguns... Alguns não resistem –Engoliu em seco- Queria que houvesse outra maneira.

—E se resistirem? Depois, voltam ao normal?

—Ninguém nunca é o mesmo após ser picado. Pode voltar ao normal, mas sua mente, seu olhar tem uma sombra; coisas que veem após a transformação que os perturbam. É algo inevitável.

—Transformação... É nessa fase que o Thomas está, certo?

Camille assentiu ao mesmo tempo em que outro grito, quase desumano, invadiu o ar.

—Quantas pessoas você já viu assim? Eram amigos?- Teresa questionou tentando desesperadamente esconder a preocupação que sentia por Thomas.

—Eu... - Comprimiu os lábios e franziu o cenho. - Eu não me lembro. Toda vez que tento pensar em algo assim sobre a outra clareira minha cabeça dói como se fosse explodir. Apenas algumas coisas são claras; eu me lembro de perder minha melhor amiga para os verdugos. Mas não sei se consegui arrastá-la de volta para a clareira ou se ela foi picada e não resistiu. Ela era muito próxima a mim então consigo dizer várias coisas de que me recordo, não muito nitidamente, mas consigo, porém o que eles deixaram mesmo foi a dor. A dor e os gritos. –Fechou os olhos, como se fizesse uma prece silenciosa.

—Então, talvez seja uma coisa boa não ter que recordar.

—Não vejo nada de bom no que esses criadores nos fazem passar.

—Cruel é bom. - Teresa murmurou, meio que inconscientemente.

—O que disse?- Franziu o cenho.

—Nada... Esqueça, continue. –Teresa estranhou a própria fala.

Camille ainda a olhou de modo questionador por alguns segundos antes de continuar.

— Por pior que pareça, por outro lado eu gostaria de saber. Tenho uma dívida com a memória dela, não posso me esconder o tempo todo. Não posso fugir da verdade.

—Você tem uma maneira estranha de pensar.

Camille se permitiu soltar um risinho.

—É, já me disseram isso.

***

Mesmo com o clima de desânimo e preocupação; Minho, cumprindo seu dever de encarregado, teve de dizer umas palavras animadoras aos outros corredores, por mais que ele próprio não estivesse em seus melhores momentos.

Depois de muito falar, todos voltaram às suas atividades normais. No fundo Minho sabia que não encontrariam nada de novo, porém não era hora para desistir, ainda mais estando tão perto de sair daquele lugar.

Só precisavam de uma faísca para acender a chama da determinação de cada um deles, e estava disposto a encontrar uma.

Foi com esse mesmo espírito que o asiático percorreu cada corredor, estes que conhecia tão bem.

Nos últimos dias o garoto vinha se sentindo desanimado, para não dizer impotente.

Sim. Minho se sentia impotente.

Normalmente essas duas palavras não se encaixariam na mesma frase, afinal quem diria que o melhor corredor, mais experiente e mais forte de toda a clareira poderia se sentir assim?

Mas era exatamente essa palavra que descrevia o sentimento dele em relação aos últimos acontecimentos.

É claro que não deixou transparecer aquilo para os outros clareanos, mas em seu íntimo tudo o que conseguia pensar era em uma maneira de resolverem seus problemas. Já não bastava um grupo de verdugos virem para aterrorizá-los todas as noites, os muros não estarem se movendo mais e um código maluco e totalmente sem noção que possivelmente os tiraria dali não fazer absolutamente nada. Agora Thomas resolvera dar uma de herói suicida e estava passando pela transformação.

Aquilo era muita informação de uma vez. Até mesmo para Minho.

De uma forma meio que inconsciente seus pensamentos eram tomados por alguém. Ou melhor, uma garota, leia-se: Camille. Ultimamente ele vinha se sentindo mais estranho que o normal, mais protetor, mais cuidadoso. No meio de tantos problemas ela conseguira arrebatar o coração do garoto. Coração este que apenas os amigos mais próximos sabiam que existia, no modo figurado da coisa. E, meio que pouco a pouco, um sentimento mais forte estava se formando. Ainda não conseguira decifrar totalmente o que era; só sabia de uma coisa: Que a protegeria a todo custo, que não iria perdê-la.

Balançou a cabeça a fim de tirar todos aqueles pensamentos da mente. Agora, mais do que nunca, precisava se concentrar. E todos os seus instintos lhe diziam para seguir em frente.

***

Já estava começando a ficar tarde quando Newt finalmente apareceu. A preocupação estampada em sua face era evidente até para os menos perceptíveis. Ele parou de frente a porta do quarto de Thomas e fez sinal para Camille que se levantou e aproximou-se.

—Como está a situação?- Newt perguntou.

Camille lançou um olhar de esguelha na direção de Teresa antes de responder quase num tom sussurrante.

—Ela está impaciente e querendo vê-lo logo. Estou tentando acalmá-la; sabe-se lá qual pode ser sua reação. O primeiro contato com a transformação pode ser horrível; - Estremeceu de leve. - E quanto ao Thomas... Bem, ainda não entrei na sala, mas só pelos gritos...

—Eu sei. –Newt suspirou. - Eu bem sei de toda essa mértila.

—Temos outro problema. –Camille constatou. –Onde o colocaremos à noite? Quer dizer, no estado em que ele está, ficar aqui pode ser perigoso.

Newt ponderou por alguns segundos antes de responder.

—O amansador. Sim, o bom e velho amansador.

—É claro. –Camille bufou. –Eu concordo com a parte do “velho”, aquele chão é do tempo das cavernas! E olha que eu nem lembro direito o que isso quer dizer.

—Que escolha temos?- O garoto deu de ombros. –Mas o que você queria? Costumávamos colocar os “rebeldes” lá- disse fazendo aspas com os dedos. –“Oh, caro senhor desordeiro, gostaria de uma cama macia para passar a noite?” - Fez uma voz zombeteira.

Camille teve de rir.

—Ah, cale essa boca Newt.

***

Minho voltou para a clareira num ritmo de caminhada, tomou um banho rápido e se pôs a andar na direção da Sede. Antes mesmo de entrar escutou o barulho de uma discussão. No corredor do andar superior a voz de Teresa se exaltava.

Subiu rapidamente as escadas, porém foi barrado por Newt que apareceu a sua frente.

—O que está havendo aqui?- Minho perguntou impaciente.

—Teresa está discutindo com Clint.

—Isso eu já percebi trolho. –Revirou os olhos. –Quero dizer por que estão discutindo?

Newt suspirou se lembrando do ocorrido.

...

Ele entrou no quarto onde Thomas fora colocado, fechando a porta atrás de si com cuidado. Clint, que anotava algo em um bloquinho de papel levantou o olhar para encará-lo, mas só por alguns segundos antes de voltar a analisar Thomas.

Newt resolveu seguir o exemplo do socorrista e analisou o estado do amigo.

As veias saltando da pele como teias de aranha, fios esverdeados, esticados e rígidos; o corpo encharcado pelo suor; a respiração totalmente disforme; os olhos num tom avermelhado injetados de sangue querendo saltar das órbitas, como se tivessem vontade própria. E o pior, os gemidos de dor e os gritos oportunos, desesperados.

—Que burrice Tommy, que burrice você foi fazer. –Newt murmurou mal humorado.

Clint começou uma conversa num tom de voz baixo sobre como o corpo de Thomas estava reagindo. Foi quando a porta se escancarou, Newt se virou em uma fração de segundos dando de cara com Teresa.

—Não da mais para esperar! Preciso vê-lo.

Logo atrás vinha Camille, a expressão desesperada em seu rosto, era como se pedisse uma desculpa silenciosa.

—Não pode entrar aqui. –Newt se colocou em frente ao corpo de Thomas, impedindo a visão de Teresa.

Ele lançou um olhar aborrecido para Camille e ela mexeu os lábios de forma que ele entendesse: “Talvez seja melhor deixá-la ver”

Teresa cruzou os braços, determinada a não sair dali enquanto não visse o amigo.

Newt pensou por alguns segundos antes de suspirar.

—Ta legal, mas foi você que pediu. -Deu passagem para ela.

A imagem de Thomas fez Teresa arregalar os olhos, deu dois passos involuntários para trás.

—Isso... Ele está... Isso é desumano! –Ela disse, a voz carregada de surpresa e temor.

—Essa é a transformação Teresa. –Camille andou para perto da cama de Thomas. –Uma coisa horrível, eu sei. – Comprimiu os lábios.

Clint suspirou.

—Ta legal, acho que tem gente demais aqui. É melhor todos sairmos do quarto.

—Você não vai fazer nada!?- Teresa o olhou, totalmente incrédula. –Que espécie de socorrista você é?

—Sou um socorrista, trato feridos, mas não faço milagres. Já demos a cura para ele, o jeito é esperar.

—Esperar!? Olhe o estado dele, você precisa fazer algo!

—Como o quê, por exemplo? Eu estou aceitando sugestões. –Clint passou a mão pelos cabelos.

—Teresa, não há mais nada que possamos fazer. –Camille disse com a voz estranhamente calma.

...

—E assim, aqui estamos numa discussão. –Newt finalizou a explicação.

Minho bufou.

—O que essa trolha esperava? Que um milagre surgisse do além?

—Eu estou ouvindo. - Teresa disse com raiva- Posso ouvir cada palavra de vocês.

—Então deve ter entendido que não podemos fazer mais nada. –Minho cruzou os braços.

Teresa não respondeu. Passou por eles rapidamente e desceu as escadas pisando forte.

—Lá se vai a esquentadinha. –Newt comentou e deu dois tapinhas nas costas de Minho. –Eu vou ver como as coisas estão indo, o Thomas está naquele quarto ali, caso queira dar uma olhada.

Apontou com o queixo.

O asiático suspirou e olhou por uma das janelinhas da Sede, a mesma coloração sem graça tomava conta da clareira. Olhou em seu relógio e percebeu que daqui a algumas poucas horas a noite já daria início. Andou até a porta do quarto que Newt lhe apontara e girou a maçaneta.

Como esperado Camille estava lá dentro, de pé ao lado da cama em que colocaram Thomas. O olhar e os lábios contorcidos de preocupação. Minho parou e observou o amigo em uma figura pálida se contorcendo.

—Não acredito que ele fez essa burrice.

Camille saiu de seus devaneios como se só naquele momento percebesse a presença do namorado no cômodo.

—Hm? Minho, você já voltou?

O asiático bufou.

—Não espertinha, ainda estou lá.

Ela revirou os olhos.

—Não estrague o clima de preocupação, ok?

—Sim, senhora. –Ele levantou as mãos com um sorrisinho irônico.

Ela sabia que ele só estava fazendo piadinhas para aliviar o clima, mas mesmo assim só conseguiu lhe dar um meio sorriso, voltando seu olhar para Thomas.

Minho a abraçou por trás e escorou seu queixo no ombro dela. Nenhum dos dois falou uma palavra, apenas ficaram ali observando o amigo por um tempo indeterminado até Camille quebrar o silêncio.

—Como foi a corrida?

—Normal, no fundo eu sabia que não encontraria nada.

Eu imaginei. –Ela murmurou. –E quanto a amanhã? Ainda vamos correr?

—Para falar a verdade, não sei.

Ela revirou os olhos.

—Você é o encarregado, deveria saber.

—Qual é Cammie, me dê uma folga.

—Bem, talvez você mereça uma mesmo. - Deu uma risadinha.

—Talvez? –O garoto fingiu indignação. –Eu fui para o labirinto hoje, você que ficou aqui.

—Pode ser... Mas fui eu que tive que ouvir a Teresa reclamando e insistindo para ver o Thomas.

—Mudei de ideia, prefiro o labirinto.

Ela conseguiu soltar uma risada.

—Não seja tão mal. Ela pode ser legal quando você a conhece.

Ele suspirou.

—Que seja. Toda essa mértila está me deixando louco.

—Talvez todos nós sejamos loucos. Quem sabe um dia possamos acordar e perceber que tudo não passou de um sonho. –Ela riu secamente, mal acreditado em suas palavras. - No fim, cada um de nós acaba levando um pouco de loucura consigo.

—Meu Deus... –Minho murmurou. – Minha namorada é Shakespeariana, seja lá o que isso signifique.

—Hahaha, engraçadinho. Sempre tem uma respostinha, não e?

—Nas horas mais oportunas. –Ele sorriu.

—Só você para me fazer rir estando de frente para o Thomas nesse estado.

—O que eu posso fazer? Sou irresistivelmente engraçado.

—É, e convencido também.

Outro grito de Thomas os fez estremecer.

—Como eu odeio isso. –Camille disse, a voz num tom tristemente solitário.

—Você dizer que odeia coisas? Então é sério mesmo.

—É só que... Eu fico tentando me lembrar do por que eu quis ser corredora ou o porquê a encarregada me escolheu. Cheguei à conclusão de que talvez eu apenas quisesse ser mais forte. No fim, ser uma corredora me fez presenciar várias coisas, porém não é isso que me faz ser melhor. Toda vez que penso o quanto evolui vejo algo assim acontecer. –Apontou para Thomas. –E me sinto estranhamente mal e impotente.

Minho pareceu pensar um pouco antes de responder.

—Acho que não é questão de força. Qualquer um deve sentir algo, você mesma me disse. Os verdugos, a transformação, toda a loucura... Não conheço uma pessoa que não se sentiria impotente ao presenciar isso e saber que tudo que pode fazer é esperar.

Ela não disse mais nenhuma palavra, apenas continuou a olhar para o amigo.

Minho encostou o nariz na curva do pescoço dela e inspirou profundamente.

—Sabe que não tem que ver isso, certo?

—Eu sei. - Ela murmurou em resposta. –Melhor sairmos daqui.

Como se prevendo suas ações, a porta se abriu revelando Newt e mais dois garotos com ele.

—Hey, -Newt falou- Temos que levar o Tommy para o amansador. Minho fique aqui e nos ajude com isso.

—Claro, tanto faz. –Deu de ombros, tirando seus braços que permaneceram em volta da cintura de Camille.

—Deixo isso com vocês. –Ela disse. –Preciso comer alguma coisa.

Deu um selinho rápido em Minho e saiu.

—Bem, - Minho passou as mãos uma nas outras. –Quem quer segurar a cabeça?

***

A noite se arrastou lenta, como em todas as outras anteriores. Dessa vez os verdugos levaram Zart, e mais uma vez tiveram que riscar o nome de outro clareano em uma lápide.

Camille estava sentada na grama da fazenda, em um canto um pouco afastado das mesas no centro. Mastigava lentamente um sanduíche simples que Caçarola preparara com alguns pães que restaram dos suprimentos. O pão estava seco e dormido, então ela bebia um suco de laranja para amenizar o sabor.

Por falar na fruta, o cozinheiro organizou grupos para catarem todas as plantas comestíveis em bom estado, não demoraria para que muitas estragassem com a falta do Sol.

Quando terminou o sanduíche Camille ficou bebericando o suco enquanto, com um dos dedos, desfiava um fiozinho rebelde em seu suéter. Permaneceu assim por alguns minutos antes de Teresa se aproximar e sentar-se ao seu lado na grama.

—Oi. –Ela disse.

—Oi. –Camille respondeu.

Ambas ficaram ali observando a movimentação da fazenda; uma brisa leve agitando o cabelo das duas.

—Estou preocupada com o Tom. –Teresa murmurou.

—Todos estão. –Camille comentou- Olhe pelo lado bom, ao menos ele parou de gritar e se contorcer.

Teresa fez uma carranca.

—É, mas em compensação ele não acordou. Está lá parado, só sabemos se vive por causa dos batimentos do coração.

—Isso varia de cada um. Alguns acordam de imediato, outros demoram um ou dois dias para se reestabilizar. Vai dar certo, você vai ver.

—Odeio esse seu otimismo. –Teresa resmungou e Camille riu.

—Ei, eu posso te fazer uma pergunta?

Teresa arqueou uma sobrancelha.

—Você já fez. –Deu de ombros- Pode; claro.

—É que... Você pode achar meio estranho, mas...

—Mas...?- Teresa incentivou-a a continuar.

—Você não me é incomum. E eu tenho a impressão de que já te conhecia. Eu queria saber se por acaso, no fundo de uma última lembrança restante, você se lembra de algo que possa explicar isso?

Camille e Teresa ficaram se encarando profundamente até uma delas resolver quebrar o silêncio.

—Também tenho essa impressão. –Teresa confessou. – O que é um alívio, pois eu achei que só eu sentia isso. Porém não tenho a mínima ideia de como nos conhecemos.

—Mesmo? –Camille se inclinou um pouco para frente e apoiou os cotovelos nas pernas cruzadas, em pura animação.

—Sim. Quer dizer, vai que nos conhecemos mesmo, e daí? Não muda nada da nossa situação.

—Hm. –Contorceu os lábios, desapontada e voltou para sua posição normal. –Pior que você tem razão.

—Acha que éramos amigas?

—Pra ser sincera... Acho que não.

Teresa franziu o cenho.

—Por que não?

—Sei lá, você é irritante. – Camille riu.

—Olha quem fala... –Murmurou.

—E o Minho?

—Minho? O que tem ele? –Camille perguntou, estranhando a repentina mudança de assunto.

—Quero dizer, vocês ainda conseguem ficar juntos mesmo com tudo isso acontecendo. Não te incomoda saber disso?

—An... Acho que não, por que me incomodaria? –Perguntou; as sobrancelhas unidas de tanto franzir o cenho, por pura confusão.

—Qual é, fala sério. –Teresa arqueou uma sobrancelha. –Vai me dizer que não percebe o quanto namorar com ele no meio de todos esses problemas pode ser egoísta.

Camille cruzou os braços desafiadoramente.

—E o que tem de egoísta em estar apaixonado por alguém? Se puder, por favor, me esclareça aonde quer chegar com essa conversa.

—Você nunca pensou se ele só não está com você por causa de tudo isso que aconteceu? Quero dizer, é uma boa forma de esquecer os problemas, ter alguém para se apoiar.

Camille bufou; claramente incomodada com o rumo que a conversa seguia.

—Teresa, eu sei que você pode não estar falando por mal. Mas só peço que não se meta na minha relação com o Minho, afinal não é da sua conta.

—Se você diz... –Teresa levantou as mãos em sinal de paz. –Eu só estava curiosa.

—É claro que estava. –Camille murmurou.

Mesmo tentando disfarçar, o que Teresa lhe dissera ficava palpitando em sua mente. Mal prestou atenção na corrida daquele dia, nem precisava mesmo, afinal nada mudou desde o dia anterior. Tomou seu banho e vestiu a camisa de Minho. De alguma forma aquilo a fazia pensar e relaxar mais um pouco. Porém, mesmo enquanto comia perto da fogueira, seus pensamentos eram invadidos pelas perguntas de Teresa.

—Será que eu estou sendo mesmo egoísta?

—An?- Minho perguntou, suas sobrancelhas se arquearam mostrando a dúvida.

—Ah, nada não. Só estava pensando alto.

—Você está estranha hoje. –Ele comentou. –Não que não seja estranha sempre, mas... Ei!- Ele reclama ao receber uma cotovelada dela, porém não forte o bastante a ponto de doer.

—Não me chame de estranha. –Ela riu.

—Mas e então, vai me contar por que está toda pensativa assim hoje?

Ela olhou para as próprias mãos e as remexeu nervosamente.

—Você não acha que o que nós estamos fazendo é... –Limpou a garganta. –Errado?

Minho franziu o cenho.

—Errado? Como assim errado?

—Quando eu digo “nós” quero dizer eu e você; será que não é egoísmo da nossa parte ficar juntos e até rir e brincar enquanto os outros estão cheios de problemas?

Minho pensou por um segundo.

—Não, não acho errado. Não estamos sendo privados dos problemas. A mesma angustia que os outros sentem, nós também sentimos. A diferença é que eu tive sorte de tê-la aqui, e eu não vou desperdiçar cada momento da minha vida com problemas. Isso é egoísta da minha parte? Bem, pode-se dizer que sim. –Deu de ombros, mas ainda assim sério.

—Eu sei, mas ainda assim...

—É isso que você quer? Que sejamos só amigos? Já vou avisando que não vai dar muito certo.

—Não é isso que eu quero, claro que não. É que eu estava conversando com a Teresa e...

—Teresa? –Minho interrompeu, cruzou os braços. –Vai dar ouvidos para aquela garota idiota?

Camille revirou os olhos, não conseguia entender o porquê de tanta implicância com Teresa.

—Eu sei que não vai muito com a cara dela, mas estávamos conversando e ela acabou meio que... Insinuando que estávamos sendo egoístas e tudo o mais.

Minho bufou.

—Ah, claro. Então ela e o Thomas são muito diferentes de nós. –Ironizou- Quem sabe eu seja egoísta mesmo, mas o que eu posso fazer? Fingir que não acontece nada entre nós? Fingir que não tenho uma vontade louca de te beijar, ou que não te acho extremamente sexy com a minha camisa? –Ela corou e ele riu. –E claro, como você fica linda vermelha.

Ele sorriu, aquele sorriso pelo qual ela tanto suspirava, e naquele momento Camille soube que não importava se era egoísmo ou não, só sabia que queria ficar com ele, que precisava daquilo. E se sentiu uma imbecil por ter duvidado disso, mesmo que por pouco tempo.

Camille se aproximou do rosto dele e passou o polegar pela sua bochecha, antes de depositar um beijo em seus lábios. Calmo e casto. Antes que se aprofundasse, a garota se afastou. Minho gemeu de reprovação, claramente querendo mais.

—Ei, volta aqui. –Ele resmungou.

Ela ignorou os protestos de Minho e puxou um cordão que era sempre escondido pelas blusas que usava. Era feito com fios negros e uma pequena pedra presa à ponta, com um tom de branco azulado, como uma pedra da lua.

Minho olhou para Camille como se ela tivesse feito a coisa mais absurdamente idiota do mundo.

—Me diga que você não parou o nosso beijo apenas para pegar um cordão. Aliás, onde arranjou essa coisa?

—Sei lá. – Camille deu de ombros. –Eu já estava usando quando cheguei aqui.

—E...?

—E que eu pensei comigo mesma: Eu já tenho algo seu. –Apontou para a camisa- Então é seu direito também ter algo meu.

Dito isso ela enrolou o cordão em volta do pulso dele e sorriu. Um sorriso sincero e infantil, mas especial.

—Sem contar. –Continuou- Que como eu já apareci na clareira com ele, isso me faz pensar se eu já o tinha antes. Talvez fosse algo especial para mim, algo da minha vida antes de acabar nesse lugar. Por isso não mostrei para ninguém. Mas agora estou te dando para que você saiba que minha vida faz parte de você agora, isto é, se aceitar.

Ele ficou a olhando por alguns segundos antes que um sorriso tímido surgisse em seus lábios.

—Você sabe que já aceitei antes mesmo de me entregar cordão algum. –A puxou para um abraço, simples e aconchegante. Porém para eles foi bem mais do que isso. –Obrigada. –Ele murmurou.

—Não precisa agradecer.

—Então quer dizer que agora eu posso ter meu beijo?

—Hum... Não, melhor não. –Ela falou forçando uma pose séria. –Precisamos de ordem e disciplina.

—Não posso ter ordem e disciplina enquanto te beijo?

—Ah... não.

—Por que não?

—Porque não.

—Isso é masoquismo.

—Ah é? –Ela arqueou as sobrancelhas. –E por quê?

—Bem, pra começar eu sei que você está fazendo charme, no fundo está louca para me beijar.

—Estou? –Ela segurava o riso.

—Lógico. –Ele deu de ombros. –Mas é normal, eu até entendo. Como não se apaixonar por mim?

—Quer que eu faça uma lista? –Dessa vez Camille não resistiu e teve que rir.

—Resumindo? Se me negar um beijo isso automaticamente significa te negar um beijo meu também. E como eu sei que você quer, isso acaba sendo uma espécie de masoquismo. –Sorriu triunfante.

—Como chegou a essa conclusão genial? –Ela sorriu irônica.

—Estou aprendendo com você princesa. —Replicou com um sorriso tão, ou mais, irônico que o dela.

Oh Deus, por que ele tem que ser tão sexy? Ela pensou.

Não demorou muito tempo para que se beijassem; beijo este que por ironia do destino não durou muito tempo.

—Vocês dois ai, chega de agarração. –Newt apareceu de repente.

—O que é isso, complô contra mim? –Resmungou e Camille riu.

***

Duas noites se passaram e como sempre mais dois nomes foram riscados. Finalmente Alby se recuperou e Thomas acordou; depois de todos pensarem que ele estava morto pelo menos umas trinta vezes. Claro que foi a melhor notícia que tiveram em dias. Rapidamente ele convocou uma reunião do conclave. Camille ficou de fora, já que não era a encarregada. Em um dia normal ela ficaria até revoltada, já que fora encarregada na outra clareira, mas não naquele.

Por mais que os outros estivessem felizes com a volta do amigo, e ela não era exceção, estivera estranha o dia todo. Tinha uma sensação ruim. Algo que sabia que aconteceria; que precisava acontecer. Só não sabia o que era; não ainda.

Mesmo depois da reunião do conclave acabar, de todos estarem desorientados e ao mesmo tempo animados. Mesmo quando Minho, Thomas e Newt se aproximaram ela ainda estava no mundo da lua.

—Cammie! –Thomas bateu as mãos uma nas outras em frente ao rosto de Camille.

—Hum! Oi?

—Ouviu o que eu disse?

—Claro... Que fomos escolhidos desde pequenos, vigiados por cientistas e que os criadores querem vencedores, para completar uma etapa ou sei lá. Mais alguma coisa?

Os três ficaram sem reação.

—E você não está surpresa? Nem com o fato do nosso nome ter sido apenas um apelido que eles inventaram para nós? –Newt perguntou incrédulo.

—Surpresa? Bom, é claro que sim. –Suspirou. –Mas não há nada que possamos fazer quanto a isso.

—Supostamente, somos mesmo inteligentes. Por isso fomos escolhidos.

Camille se permitiu soltar uma risadinha.

—É, isso eu já poderia deduzir. Continue.

Assim, Thomas, Newt e Minho lhe explicaram tudo que Thomas se lembrou. Lógico que ela ficou surpresa com algumas coisas e revoltada com outras. Até achou que Teresa e ele estavam ficando meio insanos quando lhe contou que podem falar um com o outro telepaticamente. Mas depois acabou acreditando, por mais que achasse tudo aquilo uma loucura. E, quando finalmente lhe explicaram como sair da clareira de uma vez por todas, teve que sorrir.

(P.S.: Para quem não se lembra da explicação toda, veja o capítulo 49 e 50 do livro).

Mas uma coisa aconteceu; aquela estranha sensação a dominou novamente. Seu sorriso desapareceu. Um momento de vertigem tomou conta de seu corpo e ela largou a maçã que mastigava pela metade na mesa.

—Ei, você está bem?- Minho perguntou, o cenho franzido.

—Eu... Estou. Apenas perdi a fome.

Dito isso ela se levantou e saiu para a Sede em passos apressados.

Minho começou a se levantar também, mas Newt o segurou pelo braço.

—Ei cara, a Cammie é uma das pessoas mais equilibradas que já conheci aqui. Ela não ficaria assim à toa. Se quiser um conselho, acho melhor deixá-la um pouco sozinha.

Minho olhou para a direção em que ela seguiu, mas acabou cedendo e voltou a se sentar. Se perguntando o que se passaria na cabeça da namorada naquele momento.

A noite chegou; todos ainda murmurando sobra o que Thomas lhes contara no conclave, logo a notícia se espalhava. Mas para Camille, parecia tudo ainda mais sombrio, tudo ainda mais perturbador.

O que está acontecendo comigo? Ela perguntava para si mesma. Por que estou com essa sensação estranha?

Depois de todos dormirem ela ainda permanecia acordada, não conseguira pregar o olho nem por um minuto. Os lamentos roucos dos verdugos foram ouvidos e todos imediatamente acordaram. Permanecendo num silêncio ensurdecedor.

Os barulhos mecânicos, como engrenagens estavam cada vez mais claros. Quanto mais eles se aproximavam mais a sensação ia crescendo dentro de Camille. De repente o barulho parou. Nem um lamento, nenhuma engrenagem. Todos se entreolharam confusos.

Aconteceu rápido demais, ninguém poderia dizer ao certo o momento quando janelas da Sede explodiram, levando com si boa parte das paredes. O desespero tomou conta dos clareanos, muitos deles saíram correndo e gritando, um tumulto incontrolável. Três verdugos estavam ali. Todos com suas enormes pinças prontos para o ataque.

Eles avançaram e logo a maioria já estava fora da Sede, correndo feito loucos. Mas havia algo diferente naquele ataque. Eles não se importaram com os outros. Simplesmente não se importaram.

Eles avançavam, sim. Mas todos em uma única direção.

Eu sabia. Camille pensou consigo mesma. De alguma forma, por alguma razão. Eu sabia que isso iria acontecer, e sabia que tinha que ser hoje.

Não demorou para que todos percebessem que os verdugos não estavam interessados neles, e de repente pararam de correr e observaram o que os monstros mecânicos faziam.

Era como se não existisse mais nenhum clareano ali. Mas uma coisa estava bem clara para todos. Já sabiam exatamente por que os verdugos não iam atrás de mais ninguém.

Eles queriam Camille.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que não tenham se cansado der ler nem me abandonado. Amo vocês