Chapter ten -

Bellamy adorava seu café puro e mais amargo possível, assim como seu humor todas as manhãs. Justamente por essa razão, se sentiu verdadeiramente grato assim que o aroma familiar do café invadiu suas narinas antes mesmo que abrisse a porta de seu apartamento.

Ele jogou as chaves sobre a mesa da cozinha rispidamente, os músculos de seu corpo ainda doloridos demais para se preocupar em ser cuidadoso. O barulho fez com que seu companheiro de quarto desse um pulo, olhando-o com os olhos escuros levemente arregalados.

“Porra! Quer me matar do coração?” As sobrancelhas de Miller se uniam em desaprovação, e se o humor do Blake não estivesse tão ruim, ele poderia até mesmo rir da carranca irritada do outro. “Espere que eu seja promovido pelo menos.”

O riso amargo escapou pelos lábios entreabertos de Bellamy, e ele meneou a cabeça levemente ao puxar uma das cadeiras para se sentar. Miller o encarava como se um alien estivesse em sua frente.

“O que diabos aconteceu com você?”

Bellamy percebeu em seu timbre que ele estava tentando não rir, bufou.

“John Murphy aconteceu.” Ele deixou que seu peso caísse sobre o encosto da cadeira, desgostoso demais em ter que tocar no assunto.

“Murphy te deixou nesse estado sozinho? Wow, tenho que dar algum crédito pro bastardo.”

O Blake o censurou com os tenazes olhos castanhos, assistindo-o colocar uma caneca sobre a mesa e já puxando uma cadeira para se sentar de frente para o amigo.

A surpresa expressada no rosto de Nathan Miller estava piorando ainda mais seu humor, e se ele já estava com vontade de arrancar a cabeça de alguém, ver que sua desgraça causava tanto divertimento ao seu melhor amigo só piorou seu estado de espírito.

Não bastava sua própria irmã zombando de sua situação? Já não era suficiente a maldita Griffin machucando seu ego? De forma alguma aguentaria qualquer piadinha vindo do único cara que poderia chamar verdadeiramente de amigo.

“Nate, meia piadinha e você aparecerá no distrito hoje sem os dentes.” O Blake rosnou, pousando a caneca em seus lábios e inalando mais um pouco da forte essência do café antes de saboreá-lo.

Miller levantou as mãos na altura de seu rosto em rendição, o riso preso em sua garganta ao observar a raiva do amigo exalando de sua áurea.

“Achei que você não viria mais para casa…”

“Como se isso fosse algo ruim para você.” Bellamy permitiu que o sorriso ferino ganhasse vida, direcionando as íris castanhas repletas de malícia para o amigo, sentindo-se satisfeito ao vê-lo adotar um tom claro de vermelho em suas bochechas morenas. “Achei que você iria pra noitada, hoje é sexta feira, Nate.”

“Muito engraçado, Blake. Não tem noitada hoje, apenas um ótimo café e minha cama.” Disse em réplica, desviando sua atenção para a caneca com estampa dos Rogers em suas mãos. “O sargento perguntou sobre você. Nas palavras dele, a Inteligência não funciona como deveria sem o braço direito dele por perto.”

Os olhos de Miller reviraram em suas órbitas ao lembrar-se das palavras de seu chefe no dia anterior, detestando ainda mais ter que concordar com algo que inflaria ainda mais o ego sempre tão avantajado de seu melhor amigo.

Bellamy sorriu mostrando a carreira branca de dentes perfeitos, seu primeiro gesto verdadeiro naquele dia infernal que estava prestes a terminar, e Nathan quase se arrependeu de tal comentário.

Era tão difícil vê-lo sorrir daquela forma, tão sincero e satisfeito. Miller estava acostumado com o sarcasmo, a amargura, o ceticismo, mas nenhum desses estava presente ali. Era como se ele estivesse encarando um Bellamy que ele só via quando estava na presença de Octavia.

O verdadeiro.

Talvez fosse isso mesmo, ele sentia toda a satisfação do mundo ao ver que fazia a diferença para alguém, que ele era necessário e querido mesmo que fosse em seu trabalho. Nathan compreendia melhor do que ninguém a necessidade frequente de seu melhor amigo em ser insubstituível. A urgência que sentia em ser visto, reconhecido.

Mas diferente de Bellamy, ele tinha um pai para corresponder às expectativas.

“Você tem suas férias, eu não. Por isso, irei um dia antes da cerimônia e voltarei no dia seguinte.” Ele comentou, estudando a expressão aérea do amigo. “O dever me chama. Chicago não vai se manter segura sozinha.”

O Blake riu nasalado, como se tivesse ouvido a piada mais sem graça do mundo e então o olhou cético.

“Oh, sério? Tenho certeza de que nenhuma gangue cometeria um crime cruel e hediondo em sua ausência, Nate. Seria muito rude da parte deles, não acha?” Uma das sobrancelhas negras se arquearam sob os fios que caíam desgrenhados de seu cabelo.

Miller bufou, olhando para os pontos no braço do Blake.

“O chefe vai ficar muito feliz em saber que nos dois primeiros dias das suas férias você já conseguiu ficar todo arrebentado.” Miller disse com os cantos da boca criando vida em um divertimento quase cruel.

“O que eu posso dizer? Não consigo viver sem a aventura.” Bellamy deu de ombros, as íris negras se escondendo ao degustar o café em seu paladar. “Limites foram feitos para serem explorados, não acha?”

O rapaz meneou a cabeça inconformado.

“John Murphy não sabe o que o espera.” O Blake sorriu cheio de malícia ao se levantar, colocando sua caneca dentro da pia antes de se virar para encarar o amigo. “Nem mesmo a Princesa poderá salvá-lo dessa vez.”

***

Octavia Blake

9:37am

Você está atrasado. Ou aparece já com essa sua bunda por aqui, ou eu irei chutá-la assim que possível.

Bellamy olhou para o relógio pendurado em uma das paredes de sua cozinha. Realmente, atrasado. Muito atrasado, considerando que sua adorável irmã mais nova havia marcado a saída nove horas da manhã e ele sequer havia saído de casa.

Adoraria poder usar a carta 'passei a noite na esbornia, estou de ressaca, tive dificuldades em acordar', entretanto, a situação que se encontrava nos últimos dias não encobriria tamanha mentira. Seus medicamentos estavam longe de permitir o consumo de sua droga predileta. Se estivesse bêbado, ele diria que seria de antibióticos.

O moreno sorriu consigo mesmo, sentindo a leve ardência no braço lhe incomodar assim que colocou uma de suas malas sobre o ombro.

“Parece que uma ajudinha seria bastante válida, não é?” Miller comentou, a voz abafada pela caneca de café que estava pressionada em seus lábios. “Claro que Bellamy Blake é muito macho para pedir ajuda, o que é uma pena.”

Bellamy suspirou.

“Não tenho tempo pras suas piadinhas, Nate. O extinto assassino de Octavia está aumentando a cada segundo. Pode deixar de ser engraçadinho por um momento e me levar até o apartamento?”

Miller arqueou uma de suas sobrancelhas negras.

“E esse pedido vem seguido da palavrinha mágica?” O sorriso atrevido se criava em seu rosto ainda amassado pelo sono.

“Por favor?” Bellamy bufou ao revirar os olhos, assistindo o melhor amigo depositar a caneca já vazia sobre a mesa de centro ao se levantar.

“Tudo para assistir Octavia berrando em seu ouvido ao vivo e a cores.” Disse ao pegar as chaves de sua SUV, seu casaco e carregar uma das malas de Bellamy em seu antebraço. “Mas não fique mal acostumado, Blake.”

Assim que as portas do veículo se fecharam, Kanye West tocou no rádio em um volume alto demais para aquela hora da manhã. Bellamy viu o melhor amigo dar de ombros diante de sua carranca, abaixando o volume assim que Miller virou a chave na ignição.

“Seu gosto musical só não é pior que seu senso de humor.” Bellamy resmungou, apoiando o cotovelo na janela da porta e colocando seus óculos escuros.

“Oh claro, acho melhor não colocar gosto em pauta, parceiro.” Miller sorriu ferino, lançando um olhar repleto de escárnio para o amigo antes de voltar sua atenção para o trânsito.

Bellamy riu nasalado, bagunçando os fios negros ainda úmidos de seu banho matinal. O celular em seu bolso vibrava incessantemente, enquanto seu humor apenas piorava.

“Sabe que precisa contar para ela, não sabe?” Nathan se manifestou, os olhos negros presos na direção.

Bellamy o olhou por alguns instantes tentando compreender qual era exatamente o assunto da vez. As íris castanhas se esconderam por segundos quando sua mente assimilou perfeitamente o que seu melhor amigo queria dizer com 'ela'.

“Ela? Quero distância dela.” O moreno bufou, passando as mãos impacientemente pelas ondas negras de seu cabelo. “Honestamente? É desgastante.”

A carranca de Octavia entrou em seu campo de visão assim que o carro fez a curva que os guiava diretamente ao prédio onde o apartamento de sua irmã se situava. Miller estacionou o carro, pousando as mãos no volante antes de direcionar os olhos escuros desconfiados sobre o amigo.

“Você sabe que isso não é verdade. Ninguém desiste de um sentimento desses, não importa a dificuldade.” Ele destravou as portas, assistindo Bellamy soltar o cinto de segurança e olhá-lo com sarcasmo.

“Desde quando você se tornou tão sentimental?”

“Apenas conte a ela.” Nathan suspirou, voltando sua atenção para o rosto sarcástico de seu melhor amigo. “E vaze do meu carro, sua irmã está vindo em nossa direção.”

***

“Não vou, já disse!” Clarke persistiu, observando em sua visão periférica o sorriso petulante de Bellamy crescer em seu rosto a ponto de suas marquinhas de expressão aparecerem. “Não vou dividir um carro com essa criatura a viagem inteira.”

Octavia revirou os olhos claros em suas órbitas, bufando em meio a sua irritação perceptível.

“Não sei se você percebeu, mas não está muito no direito de reclamar, loira.” Ela pegou uma das malas da Griffin, depositando-a no porta malas do carro de Raven. “Já estamos atrasados, Lexa está esperando.”

“Por culpa do seu irmão, só para constar.” A Griffin vociferou, o cenho franzido transparecia seu desagrado. “Eu não vou, O. Não vou de Illinois até a Georgia no mesmo veículo que seu irmão.”

“Outch, Princesa!” Bellamy se manifestou pela primeira vez desde que havia chegado, pousando sua mão direita sobre seu peito dramaticamente. “Isso tudo é medo de mim? Se te conforta, eu não mordo. A não ser que você me peça…”

Clarke bufou, e Raven prendeu seus olhos nos azulados, puxando-a suavemente pelo braço até um ponto mais afastado.

“Clarke, por favor.” A morena rogou, as grandes íris escuras olhando-a com toda a doçura do mundo. Ela desviou sua atenção para Octavia, que discutia com o irmão como se fosse a mãe e ele o filho.

Era bastante raro, mas as vezes os papéis se invertiam entre os Blakes. Seria divertido de assistir se Clarke não estivesse se sentindo tão contrariada a ter que aceitar o pedido de Raven e a exigência de Octavia.

No final das contas, a Blake mais nova tinha razão: não estava em posição de escolher. Não depois do seu comportamento nos últimos dias. E também, ela nunca foi o tipo de pessoa birrenta ou reclamona.

Talvez estivesse mais afetada por toda sua situação atual do que imaginava.

“Rav, ele vai me deixar louca. Louca!” Os dedos se cravaram se entre os fios loiros de seus cabelos, e pela milésima vez Clarke suspirou. “Tudo bem, mas você vem comigo.”

Raven revirou os olhos, pousando a mão na cintura enquanto pendia o peso de seu corpo em uma perna.

“Está brincando?” Ela indagou ao arquear uma de suas sobrancelhas.

Clarke tombou levemente sua cabeça, um sorriso sutil pairando em seus lábios rosados.

“Eu tenho cara de quem está brincando, chica?”

Seus olhos se fecharam por um momento, e logo eles se abriram repletos de determinação. Raven envolveu seu braço no de Clarke e a arrastou até onde Octavia ralhava com Bellamy como uma velha rabugenta facilmente irritável.

“Tudo pronto, garotos! Clarke, eu, Bellamy e Monty no meu carro e o casal de ouro e Jasper no de Lincoln.” A Reyes sorriu abertamente, assistindo Octavia refletir o gesto.

O olhar de Bellamy encontrou o de Clarke, mas dessa vez não havia nenhum sinal de insolência ou libertinagem. Raven observou atentamente, vacilando seu olhar entre os dois e sentindo a loira se remexer desconfortável ao seu lado.

“Certo! Arkville, aqui vamos nós!” Jasper gritou empolgado, e Monty riu com a empolgação do melhor amigo.

Algo lhe dizia que aquela seria uma longa viagem.