Regency — Interativa escrita por Clarity


Capítulo 3
♚ i


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a ligeira demora! Espero que gostem t(*u*t)



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...ou que minha mãe esteja a forçar em mim a essência de algo inexistente? Seria desrespeitoso que eu não aceite os termos de vida que ela tanto planejou para mim? Sei que está apenas fazendo o "socialmente aceitável", e que o faz com muito mais delicadeza e compaixão do que muitos outros, mas gostaria que nossa sociedade não fosse tão exigente"

Do diário de James Castamere, o Duque de Ravenscar, logo após uma discussão com sua mãe, Isobel Castamere, a Duquesa de Ravenscar, a respeito de seu matrimônio.

Já fazia um ano desde que o corpo de seu pai fora encontrado, sem vida, no escritório. Flácido, pálido, frágil, e principalmente, morto eram adjetivos que James jamais sonhara atribuir ao brilhantemente vivo Duque de Ravenscar. Os médicos alegaram a morte natural, o que acharam impossível contando o histórico nada doente ou a idade bastante precoce do falecido Duque. E agora ele era o Senhor do ducado; possuía mais terras do que achava possível administrar, mais dinheiro no banco do que o pai havia deixado para si, mais pretendentes do que aqueles que a mãe havia lhe selecionado um ano atrás.

Desde o falecimento do marido, Isobel havia ficado cada vez mais ávida para ocupar sua mente com algo senão aquilo, portanto, toda sua atenção, que antes já era bem considerável, foi para o primogênito, desviando suas obrigações de esposa especialmente para Jamie, afinal, não tinha mais um marido e todos esperavam que mulheres da alta sociedade dedicassem todo o seu tempo sendo mãe, dona do lar, esposa e, como sempre, uma dama. E estava levando a tarefa de encontrar para o filho uma esposa muito a sério,

— Senhorita Blackenburry.

— Hm —, inclinou a cabeça para o lado.

— Ela é adorável!.

— Ela fala 'mim querer' e não é nada agradável —, contestou.

— Tem razão — então Isabel deitou as mãos na mesa e estendeu a lista para o filho, — Olhe, James, quantas moças se debruçam em seus pés! Todas elas jovens, solteiras e de boa família. Doeria se fizesse o mínimo esforço para tentar apreciá-las? Ver nelas alguma coisa que lhe desperte a atenção e que deseje com você pelo resto da vida?.

— O resto da vida, mamãe. O resto da vida. Sabe quanto tempo isso é?! Um só rosto pra contemplar, um só braço para segurar, uma só mulher para amar?! —, suspirou, enterrando o rosto na mesa dramaticamente, —Não posso saber como isso funcionou para o papai.

Isobel sorriu-lhe tristemente, imersa em lembranças e pensamentos.

— Não funcionou, querido—, a mulher retirou o lenço do bolso do filho para conter as lágrimas. — Não funcionou com ele e não funciona com muitos, mas espero que tenha o mínimo de consideração por sua esposa quando não funcionar para você também e não deixe que ela descubra ou sequer imagine.

E depois disso James realmente acreditou que talvez ele merecesse passar sem a sobremesa, então se retirou para o quarto o resto da noite.

Ele não queria se casar, e as razões se resumiam não no fato de querer mais de uma esposa, mas porque jamais encontrara uma doce jovem com a cabeça 'boa', com quem pudesse dialogar livremente sem que ela revirasse os olhos e apenas assentisse, voltando para seu bordado entediante. Queria uma esposa de ideais e princípios, que soubesse além daquelas palavras ensaiadas frente ao espelho e escritas pelos pais. Espontaneidade e não mecanicidade.

E beleza. É claro que queria beleza! Uma moça bonita com quem pudesse desfilar na sociedade, orgulhoso, e com quem tivesse belos filhos e filhas por quem meros mortais se matariam para ter contato. Sim. Agradava-lhe a ideia de dispensar diversos candidatos para as filhas.

— Pode entrar—, estava jogado na cama com uma postura realmente deplorável, com a gravata e casaco de couro abertos, mas pouco se importava. Se fosse a mãe, bem, ela havia colocado-o no mundo, e se fosse o mordomo, aquilo não era nada pior do que já havia visto em noites diversas. Viu a pequena irmã adentrar o quarto com um sorriso no rosto,

— Hey, pequenina.

Líllian era simplesmente a criaturinha mais adorável que já havia conhecido. Tinha sete anos de idade, apenas, e havia nascido sem os sentidos da audição, mas Jamie simplesmente acreditava que aquela senhoritazinha era a sua razão única e específica de viver.

— Vamos dormir?—, moveu as mãos na linguagem de sinais que estavam aprendendo. Ela, no entanto, entendeu e moveu a cabeça negativamente. — Não? O que quer, então, pequenina?.

Ela segurou sias bochechas e as apertou, balançando de um lado para o outro que ele recuasse.

— Eu quero uma irmã—, ela fez os símbolos rapidamente.

— E como espera conseguir isso?—, riu.

Lílian fez um biquinho e cruzou os braços.

— Você se casa. Eu ganho uma irmã.

— Minha esposa?

— Sua filha—, ela fez uma expressão como se falasse a coisa mais óbvia do universo.

— Vou pensar.

Então ele se levantou com a irmã nos braços e seguiu até o quarto dela, colocando-a cuidadosamente sobre sua cama.

— Boa noite.

— Boa noite.

Quando deixou o quarto, o libertino inconsolável se vestiu propriamente e saiu na rua escura. Talvez fosse a um clube de cavalheiros, beberia grandes doses do melhor whisky escocês (afinal, tinha o sangue escocês nas veias), ouviria música boa com Frederick, seu melhor amigo, e talvez até tomasse alguma moça para si para passar a noite com ele em sua abandonada residência de solteiro. Seria uma noite perfeitamente agradável. Acordou o cocheiro, que preparou sua carruagem, e enquanto tinha um monólogo bastante profundo e interessante consigo mesmo, a carruagem parou bem ao lado de uma menininha de não mais que dez anos, andando sozinha, usando um vestido esfarrapado e um xale nos ombros que algum dia, em seu ápice de glória, seria branco, embora agora houvesse adquirido uma coloração encardida, amarronzada.

Aquela figura lembrava-lhe sua pequena Líllian, mais pequena e magricela, mais sujinha e esfarrapada, com um olhar duro e milenar no rosto, é claro, mas ainda assim lhe lembrava sua pequenina irmã. Deus sabia como aquelas estradas de noite eram perigosas para um homem, ainda mais para uma criança! Haviam homens, James sabia, que tinham apetites estranhos.

Como se fosse um maldito vidente, um grupo de senhores bêbados se enturmaram diante dela, com seus bafos nojentos e conversas escrotas, e arremessaram a cesta de rosas que carregava entre os dedos fracos. Algo subiu à cabeça dele.

— Tanner, pare aí—, bateu numa das paredes da carruagem.

— Mas, senhor...

— Você me escutou.

Jamie tinha a necessidade de salvar, era essa a verdade. A necessidade de salvar e necessidade do perigo. Fascinava-o sentir as correntes de adrenalina no sangue, a glória de fazer algo certo ou de salvar quem quer que fosse. Mas quando belas damas pareciam em perigo, sua total atenção era atraída. Mas naquele momento, não estava sendo movido por nenhuma razão ou motivo, era um instinto profundo e incompreensível.

Pulou para fora do veículo e se encaminhou na direção dos homens.

— Devolva-lhe as flores—, pediu.

Um dos bêbados riu.

— Saia agora e ficará impune, rapazinho.

— É!— Os outros gritaram em coro.

— Gostaria de lhes alertar primeiro que pratico o vil esporte do boxe.

— O marica acha que sabe bater!—, outro exclamou.

— É!—, gritaram em coro.

— Vamos ver.

Mas antes que aquele irritante grupo apoiasse a fala do outro, Jamie já tinha esmurrado a mandíbula do homem. Um outro, alto e corpulento, duas vezes maior do que James, pisoteou as flores no chão com maldade no olhar, enquanto a fogurazinha da menina tentava escapar. Não era sua briga, o jovem Duque sabia, mas sabia também que um dos pilares da sociedade masculina de irmandade se baseava no seguinte pensamento:

"Se fosse minha irmã, gostaria que alguém viesse em seu socorro". E geralmente iam com este mesmo conceito em mente. Talvez fosse isso que fazia com que as ocorrências de abusos em mulheres fossem tão baixas (embora realmente existissem).

Então parou um soco em seu maxilar antes que o homem o atingisse e chutou suas partes íntimas fazendo com que caísse em dor no chão. Recebeu dois murros na região da face, mas machucou os homens mais do que eles lhe machucaram. E, por fim, ficou cara a cara com o brutamonte que destruíra as flores, o sustento da menininha. O homem rugiu e pulou para cima dele, mas antes que pudesse machucá-lo, James segurou-lhe o colarinho e o pressionou contra a parede de forma brutal. Medo, ele percebeu, brilhou nos olhos do homem ao reconhecê-lo; acontecia que James, Jamie para os íntimos, era bastante conhecido por Londres, se nome geralmente associado a bebidas, festas, jogatinas e brigas.

—Ravenscar!—, exclamou,.

—Você deve estar brincando comigo—, riu, —Uma menininha—, forçou seu queixo a olhar para a figurinha que se escondia em suas pernas. —Cuja única fonte de dinheiro você destruiu.

O homem cuspiu no chão.

— Cheiravam mal—, ao ouivr a sentença, James pressionou sua cabeça contra a parede, apertando o colarinho ainda mais.

— Quanto tens no bolso?.

As regras de etiqueta que lhe foram aplicadas impediam-no, tristemente, que apalpasse-o por si só.

—Algumas libras—, rugiu contra a vontade.

— Dá-lhe.

— De forma alguma!

— Sabe perfeitamente quem sou—, James ameaçou, — Acha mesmo que não cumpro com minhas ameaças? Um Ravenscar sempre cumpre com suas palavras.

Seria “Ravenscar sempre paga suas dívidas”, mas sabia muito bem que ultimamente não era a verdade; o pai acumulara dívidas em casas de jogos, devia inúmeros amigos, e ao morrer, James as herdou. Estava lutando para combatê-las, mas pareciam infindáveis.

—E digo que farei da sua vida um inferno se tornares a repetir tais atrocidades.

Soltou-o, e viu enquanto o homem limpava os bolsos e jogava tudo em direção à menina.

— Demônios—, praguejou, — Maldito.

— Já fui coisa pior.

Enquanto ele fugia, James voltou-se para a menina e lhe deu mais algumas notas que provavelmente a ajudaria por alguns meses. Quando ela sorriu solenemente, meio tímida e envergonhada, ele o retribuiu.

— Obrigada—, sussurrou.

— Por nada—, passou a mão nos fios loiros, ajoelhando-se próximo a garota, que se recolheu, —Tens... Tens um lugar onde repousar?

— Não, milorde.

Ele fitou aqueles olhinhos grandes e negros, assustados e famintos, e não pôde resistir.

— Se quiser posso levá-la até Miranda Hall, minha casa. Se quiser, arranjo-lhe um emprego. Lady Ravenscar está sempre contratando.

Quase acrescentou o —não consegue não ser exigente—, mas decidiu que a mãe não gostaria nada.

— Qual seu nome, senhorita?.

— Frances—, informou-lhe com a voz fininha e recatada.

— Frances — repetiu — É um belo nome, Frances. Tem algum parente?.

Ela mordeu o lábio e balançou a cabeça negativamente.

— Onde dorme, então?

— Na rua, milorde.

Sentiu seu coração se apertar; reclamava tão facilmente! Chorava porque não havia chocolate suficiente na xícara ou porque Timms lhe escondia as bombas de chocolate para que não as devorasse antes das festas, e por vezes reclamava até da calça demasiado apertada e das botas que eram necessárias dois ajudantes de quarto para tirá-las dos pés, mas não sabia o que era a fome e miséria, realmente.

— Venha, Frances —, pegou sua mão, pequena e gélida e a guiou até a carruagem.

Ela se assemelhava monstruosamente com Líllian. Talvez, ele pensou, resolvesse o problema dela por querer uma irmã, mesmo que apenas uma amiga. Ele se compadecia das crianças pequenas, e ainda assim tinha a reputação de libertino incorrigível que tanto se esforçava para manter. Frances se encolhia, portanto, ele encontrou uma manta e jogou por cima de seus ombros ossudos, e quando chegaram em Miranda Hall, a criança já adormecia. Ele a pegou solenemente no braço, percebendo, assustado, que ela não pesava muito, contornou a cozinha e entrou na Área Noroeste da mansão e deixou-a com uma das criadas para que lhe arranjasse roupas e um quartinho, e ordenou-lhe que encontrasse algum trabalho fácil na mansão.

Entrou para o quarto e se jogou na cama, sem propósito, por quase meia hora. Foi aí que escutou a batida tímida de alguém na porta. Ele, prontamente, se levantou e fingiu estar lendo algo, murmurando um 'entre' baixinho. Viu então a silhueta da mãe quando esta colocou a cabeça dentro do quarto.

— James —, chamou, — Temos de conversar.

Nós sempre temos.

— É claro, mamãe.

Isobel cruzou o quarto, sentando-se enfim na cama, bem ao lado do filho, com uma expressão afetada no rosto.

— Hoje mais cedo fui... Fui até Valliard Castle —, brincou com os dedos nervosamente, ainda fitando o filho bem nos olhos.

— Valliard Castle? —, ele demonstrou súbito interesse. — Oras, por que não me disse antes? Como vai Daniel- digo, o Conde de Cleybourne?

Apesar disso, James ainda nutria profundo orgulho, e este havia sido ferido quando o próprio James escreveu para que Cleybourne comparecesse à festa de aniversário de sua mãe e ele recusara.

— Daniel vai bem, é um rapaz forte—, ela pigarreou, — Mas estou preocupada com ele, é claro.

— Naturalmente.

Lady Ravenscar soltou uma risadinha nervosa, tomada por um suspiro. Jamie conhecia aquilo: ela estava prestes a mentir. Ou lhe dizer uma grande verdade. Ou ambos.

— Bem, hm, sabe que precisa se cas-

Foi interrompida por uma súbita explosão de James.

— Por favor, mamãe! Não vamos mais tratar disso hoje.

— Mas eu ia dizer que ele precisa se casar—, fez um falso som de ultraje, — Bem, ele concordou que eu lhe apresentasse algumas moças. Passar uma temporada em Valliard Castle com elas para que ele se familiarize com elas.

O Duque a fitou, desconfiado.

— Ele?

Isobel ergueu as sobrancelhas.

— Sim, ele.

— E ninguém mais?

Ela virou o pescoço.

— Bem...

— Mamãe—, Jamie repreendeu.

— Mas....

— Mãe.

— Bem— lançou um olhar fulminante ao filho para que não a interrompesse novamente, — É para ele, mas, huh, se você quiser pode escolher uma para você.

James soltou um profundo suspiro.

— Por que eu iria?

— Oras, James Nicholas Phillip Willem Castamere!—, chamou seu nome completo, — Não seria prudente soltar muitas mulheres numa casa com apenas um homem lá! Alguém tem de me proteger!

— A Senhora bem sabe que Daniel não faria mal a uma mosca.

— Me proteger— piscou — Das moças.

Naquela mesma noite, Jamie ainda saiu de casa. Havia concordado com Lady Ravenscar, sua piedosa mãe, que a acompanharia até Valliard Castle e apresentaria as damas londrinas a Daniel. Sabia também que partiriam em algumas semanas e que aquela poderia ser a única chance de vê-las em um período relativamente longo. Elas, as moças de Jamie, como as chamava. As mulheres que tinham seu coração, aquelas que deixavam-no louco. Era um homem de não apenas uma, mas muitas. Muitas. Não era prudente, sua mãe lhe alertava, mas não conseguia resistir; todas elas exalavam um cheiro diferente, um toque diferente, olhos brilhantes e acinzentados, corações piedosos e ardilosos, pele cor de ébano e de marfim… Todas diferentes, de um modo ou outro. E todas suas.

Atravessou Londres à pé, com aquele buquê de forget-me-nots que a mãe cultivava nos jardins de Miranda Hall debaixo do braço. A primeira casa estava ali, Anna, colocou uma flor nas escadarias. A segunda, Anabella, colocou outra ali. Theresa, outra. Shiera, Clarissa, Johanna… Todas ganharam suas flores, avisando que ele estava pensando nelas. Gostava deste tipo de gesto, mesmo sabendo dos planos malévolos da mãe para si; faria com que se apaixonasse por alguma das moças do castelo, ele tinha certeza.

E ele se deixaria apaixonar.


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Notas finais do capítulo

Aí está Jamie, o duque que é completamente louco, impulsivo, libertino e cafajeste, mas que se preocupa com uma criancinha na rua xD
Próximo capítulo não sairá tarde, já que já o tenho pronto aqui. Ah, e já é pelo ponto de vista de uma das Selecionadas. Bem, bem, bem. Espero que tenham gostado e até mais! :D