Your Selection - Fanfic Interativa escrita por Soo Na Rae


Capítulo 59
Príncipe Nikolai


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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Capítulo 58

Príncipe Nikolai

“Todas as paixões são instantes de paroxismo, seguidos de uma eternidade de fadigas” – Júlio Dantas

Child of Light – Off to Sleep

O corpo de Marie, após ser enrolado em mantas e amarrado por cordas, foi lançando ao mar, afundando no oceano, graças às pedras de carvão que o capitão Gilbert permitiu que usassem. Abigail não presenciou a cena, porém como príncipes ele e seu irmão tinham de estar lá. Mikhail tinha uma máscara de pedra misturada com o que Nikolai diria que é o semblante de seu pai: pacífico, inatingível. Um outro tipo de pedra, só que um pouco mais humana. Os céus exibiam as cores claras de um inverno que se curvava diante do funeral nada delicado. Os peixes se alimentariam dos restos de Marie e ela nunca mais seria vista, toda sua essência teria evaporado, mas continuaria, pois esses mesmos peixes a levariam a todos os lugares. Nikolai bateu levemente na cabeça, o que estava pensando? Ninguém queria ter o corpo mastigado por peixes. Mesmo as pessoas mais loucas. Algumas selecionadas soluçavam, porém não sentiu vontade de confortar nenhuma delas, pois todas as lágrimas não era mais que um pequeno lembrete de que o ser humano era falho, pequeno e tão inferior ao mundo em que vivia. Quem realmente chorava por Marie, não estava ali.

Não queria mostrar suas lágrimas, e tinha certa razão nisso. Quem conhecia Abigail sabia que ela era orgulhosa demais para demonstrar a fraqueza de seu âmago. Por isso, deu as costas às pessoas que o rodeavam, caminhou em passos largos em direção às cabines onde dormiam e alcançou o lugar onde provavelmente seria a cama de Abigail e Marie, junto com mais outras duas garotas. Bateu duas vezes, porém não ouviu soluços, nem mesmo o som de respiração. Talvez Abigail houvesse dormido.

Quando estamos prestes a sofrer dores que não se sentem fisicamente o nosso cérebro também reage de formas que os remédios não podem solucionar. Aquilo que mais no machuca internamente, é tratado com o tempo, isso é certo. Mas há outras escapatórias imediatas, ou ao menos mais rápidas. A primeira delas é o esquecimento. É comum que as pessoas tentem esquecer aquilo que as faz sofrer, como a perda de alguém que se ama. Fazemos isso como uma autodefesa, até que lembrar aquilo seja mais fácil. A segunda solução é dormir. Pois dormindo não sentimos nada e assim nos escondemos atrás da primeira solução, o esquecimento, embora seja um esquecimento forçado. A terceira solução, e a que ele normalmente recorria, era gritar bem alto e soltar seu animal interior. Correr, gastar as energias, simplesmente enlouquecer.

Mas, aos corações mais febris, há ainda uma quarta solução, e esta sem dúvidas não possui falhas: dormir para sempre.

– Abigail? – chamou, mas como não houve resposta, pressionou a porta e abriu-a com delicadeza. O quarto jazia em silêncio. Ela não estava dormindo. Sentiu a urgência se acumular no peito, e se Abigail estivesse experimentando a loucura? Não, ela não seria tão insana, não seria tão... Liberal. Percorreu os corredores com mais pressa que antes, abrindo cada por antes de constatar que as cabines estavam todas vazias. Restava apenas poucos locais para onde ela poderia ter ido. A Cabine do Capitão, onde ele e Mikhail estavam alojados, a Sala de Reuniões, onde a tripulação de Gilbert estava e o convés, porém tinha certeza que Abigail não estava no convés.

Passou a estibordo, saltando os caixotes, se contorcendo para não puxar cordas importantes. Conseguiu alcançar a Cabine do Capitão e não tentou escutar os ruídos, pois a emergência era tamanha que qualquer gentileza seria negada. Havia poucos locais para ir naquele navio. Se Abigail não estivesse em lugar algum, só haveria mais uma opção: o mar.

Entrou, erguendo o barulho da porta de madeira que batia contra a parede. Abigail levantou-se de repente de uma das camas, os olhos avermelhados e inchados, contrastando com sua pele pálida e a escuridão que a rodeava. Estava praticamente amassada. Literalmente. Suas roupas eram apenas figuras desmontadas, sem corte, como se estivesse se vestido de um grande tecido não costurado. Logo que sua visão se acostumou, notou que era na verdade os cobertores. Ela estivera dormindo. Suspirou, grato. Abigial coçou os olhos, porém não os desviou da porta, extremamente perturbada com o feixe de luz que adentrava a cabine. Nikolai teve a decência de fechar a porta.

Sentou-se ao seu lado, na cama, que lhe pertencia. Não compreendeu porquê Abigail estaria ali, talvez porque era um lugar mais espaçoso, ou porque poucas pessoas vinham até ali. Talvez porque não a lembrava de Marie ou porque ela simplesmente queria uma cama maior para dormir. Não saberia responder, mas parte de seu ser queria acreditar que ela estivera ali por ele, que andara a esmo pelo navio, até parar ali, em um reflexo involuntário de procurar segurança. Se fosse isso, ficaria feliz. Mesmo com tudo ao redor. Seria maldade?

– Estava dormindo?

– Sério, Nikolai? Ainda pergunta – lhe lançou um olhar sarcástico, mas acabou suspirando, exausta. – Estava dormindo, sim. – respondeu, embora fosse óbvio.

O silêncio era confortável e se instalou com rapidez. Ele chutou os sapatos e se enfiou debaixo das cobertas, porém Abigail se moveu para longe, até a ponta da cama, sem querer tocá-lo. Poderia ser uma autodefesa, isso significava que ela não viera ali em busca de refúgio por causa dele. O entristecia pensar que Abigail não queria procurar auxílio nele, talvez estivesse enganado sobre o amor, ou sobre os ingleses. Eram pessoas frias, pessoas que não gostavam de contato físico e muito menos de se expor aos outros. Suspirou, irritado, mas não se deixou abater. Finalmente tudo no mundo começava a dar certo. Finalmente ele havia aberto os olhos e ajudado seu primo, estava voltando para casa e por mais que Marie e muitos guardas estivessem mortos agora, ele ainda tinha seu irmão, ainda tinha seu pai e Abigail. O mundo estava uma loucura, mas eles ainda estavam bem. Era isso que realmente importava.

– Você não quer falar um pouco sobre sua dor ou sobre o que sente?

– Por quê? – ela perguntou, sem olhá-lo. – Não preciso dizer nada. Ela morreu, sim, morreu. Tenho de aprender a lidar com isso, com o fato. Já perdi muitas pessoas que amava por... Por amor. – ele piscou os olhos – Ela fez aquilo por mim. – de repente as lágrimas começaram a tornar seus olhos ainda mais vermelhos, como se fosse possível. O azul havia abandonado completamente as íris. – Ela entrou na minha frente, era pra eu estar no fundo do mar, agora mesmo. Era pra estarem todos tristes por mim e não por ela. – sua voz se elevou, como se estivesse gritando consigo mesma. Culpando-se.

– Abigail, a escolha não foi sua.

– Exatamente! Ela escolheu aquilo, como pôde? Como conseguiu fazer uma escolha tão... Idiota?! – seu rosto também se enchia de raiva, enquanto falava mais e mais alto. Nikolai tinha ciência de que aquilo era uma conseqüência de ver alguém que amamos morrer em seu lugar, porém pela primeira vez Abigail não estava culpando outras pessoas ou outras coisa. Estava culpando a si mesma e ao seu amor. – Eu faria isso por ela? Teria coragem, quer dizer, teria a loucura suficiente para fazer o que ela fez? Isso é o pior. Às vezes eu me pergunto se faria a mesma coisa que meus pais fizeram. Se algum dia sentiria amor suficiente para abrir mão de mim, ou das outras pessoas que eu amo, apenas pelo amor. É impossível! É doentio. O amor não retribui esse sacrifício. O amor é... uma droga!

– Sim, o amor é uma droga. E ela te vicia e te enfraquece, te torna dependente dela. Assim são as pessoas. – ele sorriu. – E sim, você faria isso por ela. Porque está chorando por ela e se culpando, ao invés de tentar aceitar que ela simplesmente escolheu isso, porque você não quer acreditar que Marie te amasse o suficiente. Você não quer sustentar este fardo. Você tem medo de amar como todos amam.

– Talvez.

– Talvez? – riu, cheio de sarcasmo. – É isso, Abigail. Agora, se você quiser desistir do amor, de novo, tudo bem. Mas eu não vou desistir de você. Porque já assinei os papeis de que minha esposa não será francesa e nem chinesa. Eu não irei governar, passarei tudo a Mikhail. Eu terei dinheiro e condições para te afastar de tudo o que te faz sofrer, menos do amor. Pois meu amor não se afastará nunca de nós. É impossível, entende? – riu mais uma vez – Você é louca de pensar que algum dia começará a amar as pessoas do jeito que todos amam. Você é louca, Abigail.

– Ah, é? – ela encolheu os ombros, frágil, pequena. Quebrada.

– Sim. Porque você já ama desse jeito. E é isso que te faz sentir tanto medo. Você só não percebeu ainda, mas se culpa pela morte de Marie pois não teve como salvar ela. Porque não conseguiu se sacrificar por ela.

– Eu falhei. – repetiu.

– Sim, você falhou. – sorriu, realmente feliz. Deitou-se na cama, e surpreendentemente, Abigail também se deitou, porém continuou a dez centímetros de distância. Aquele seria se castigo por estar feliz e sorrindo? Bom, era melhor que nada.

Não notou quando adormeceu, mas despertou ainda de tarde, com o cheiro de café emanando pelo quarto. Mikhail estava sentado diante de uma escrivaninha, o barco não balançava, ao contrário, estava bem sólido.

– O que houve? – coçou os olhos e notou o semblante sério de Mikha. Seu irmão levou um susto ao notar que ele havia despertado, mas logo abaixou os ombros e sorriu, um sorriso triste, aqueles que nós soltamos quanto realmente não queremos sorrir.

– Notícias. Notícias ruins. – ele empurrou a cadeira para trás. – Aportamos em Jonvec e continuaremos a viagem a pé até um rancho próximo, compraremos cavalos e sabe Deus como continuaremos.

– Não são notícias tão ruins. No final chegaremos em casa e veremos papai.

– Não são as únicas notícias – Mikhail pressionou a têmpora, algo que fez Nikolai se tornar mais alerta. Algo realmente, realmente, não estava certo. Seu irmão nunca ficava tão incomodado com “notícias”. Prendeu a respiração, até que Mikha decidisse falar – Não há casa. Nosso castelo foi queimado em um incêndio que começou nas cozinhas, por um acidente nas fornalhas.

– Mas papai...

– Não há papai. – só então Nikolai notou o marejado dos olhos de Mikhail. – Não há nada, Nikolai. Não há para onde voltar.

º º º

A caminhada já estava causando bolhas em seus pés quando finalmente chegaram ao rancho que falaram. Era um lugar precário e improvisado, com um celeiro-casa, onde não havia ovelhas, nem tratores, apenas uma janela de onde era possível ver o fogão e uma chaleira sobre o fogo. A luz emanava e a escuridão os tomava. A noite era fria, como se não fosse esperado, afinal era inverno. Puxou o casaco para mais perto do pescoço, enquanto observava as selecionadas que ainda estavam com ele. Desde quando elas viraram a Corte Real?

Abigail puxou o cachecol sobre o queixo, ligando nele um sentimento de alerta. Alcançou-a com o braço e apertou levemente sua mão, enquanto caminhavam. Abigail estremeceu, recebendo calor, porém não foi o suficiente para fazê-la parar de tremer. Abigail já era uma pessoa naturalmente quente, porém também sentia frio como qualquer um.

– Ficaremos bem. – garantiu, embora soubesse que não podia prometer aquilo. Abigail exibiu um sorriso pequeno. Ambos não estavam em seu melhor momento. Abigail perdeu uma amiga, ele perdeu seu pai. Olhou para Mikhail se soslaio, tentando captar qualquer sinal de tristeza, porém o irmão continuava rígido. Ele sabia passar coragem a seus seguidores. Por isso seria um Czar muito melhor, por isso era ele o rei. Ficaria feliz se a União tivesse Mikhail como líder. Agora só precisavam chegar a alguma corte para fazer a coroação. Talvez na Península, o lugar mais prático para se ir, afinal estava em paz. Ou a China, que também estava em paz e era muito mais perto, entretanto a China não era uma aliada certa. E se Isaac estivesse lá, poderia levantar suspeitas pelo Imperador Japonês.

Não podiam fazer a coroação no castelo russo, pois ele estava arruinado. A França ainda era instável, embora o castelo francês estivesse sobre domínio da família real, com um rei regente. Piscou. Mas quem disse que precisavam de um castelo e uma corte para fazer a coroação? Bastava um padre ou alguém de bastante poder para colocar a coroa sobre a cabeça de Mikhail. Ele mesmo poderia coroá-lo, já que pertencia a família real.

– Nós vamos para a península, eu já decidi. – disse Mikhail, quando deu a idéia. – Lá faremos nossa coroação.

“Nossa”. Nikolai ainda não dissera que iria abrir mão de sua parte do reino. Abigail não se importou com isso, e desde que ela estivesse feliz, também estava. Segurou ainda mais forte a mão dela. O calor que sentia não era humano, mas sentimental. Amava ela de uma forma que não conseguia explicar. Parecia que sempre foi assim. Desde a primeira vez que a viu, na mesa de café da manhã, encarando Mikhail. De certa forma, soube que era ela. Talvez fossem seus atrativos. Talvez ele gostasse de garotas inglesas com peles pálidas e olhos claros. Talvez gostasse da frieza e da seriedade de Abigail, ou do modo como ela olhava cheia de asco para as outras pessoas. Como se protegia, como escondia suas fraquezas, como era humana. Talvez fosse isso que mais lhe chamava atenção: ela era parecida com a mulher que papai descrevia, sempre que falava de mamãe. Responsável, a mulher mais linda do mundo e a melhor esposa. Ela sabia pôr ordem na corte e em mim. Todos sempre disseram: Nikolau governava a União, a Rainha governava Nikolau. Por alguns motivos e outros inexplicáveis, Abigial era a mulher que ele imaginava. A mulher por quem seu pai era louco.

– Obrigada, Niko. – Abigail sussurrou. – Você nunca vai poder me deixar. Nunca.

– Eu sei. – concordou – Mas isso foi uma ordem?

– Sim.

Sorriu. Ela era exatamente como a Rainha. Ou como a imaginava.


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Notas finais do capítulo

Beijos :*



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