Your Selection - Fanfic Interativa escrita por Soo Na Rae


Capítulo 55
Marie Mimeuix


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de agradecer muito a recomendação de Blue! *-* Boa leitura!



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Capítulo 54

Marie

“- Ela foi uma heroína, entenderam? Uma heroína” – O Último Olimpiano, Clarisse.

Émilie Simon - Chanson de Toilé

O navio deixou o caís com rapidez suficiente para salvar a pele de todos. Seu ombro começou a explodir de dor quase ao mesmo tempo em que o estômago ergueu tudo o que havia comido pela manhã e então vomitou na proa, o sangue lentamente esquentando ainda mais seu corpo, a roupa grudando ao corpo, até que finalmente estivesse completamente imóvel, caída sobre as estacas de madeira que o Sol aquecia. Sentia os raios em seu rosto, e isso a impedia de abrir o olhos, porém os vultos de pessoas lhe surgiam, muitas gemendo baixinho, como se estivessem vendo um monstro. Talvez realmente estivessem, Marie não duvidava.

Arquejou quando alguém tentou erguê-la, e assim foi devolvida ao chão, com a delicadeza que merecia um corpo que já pulsava todo o sangue para fora das veias. Sentia o pulso acelerado, entretanto as únicas pontadas de dor vinham entre as costelas, e toda vez que respirava, sentia como se os céus caíssem sobre seu peito e então a esmagassem. Lágrimas escorreram pelo canto dos olhos, mas não notou a existência delas, até que entrassem pela orelha e escorregassem até o ouvido, arrancando-lhe cócegas dolorosas.

Respirava com muita dificuldade, o pulmão estava aberto, talvez com uma bala negra bem entre os alvéolos. Tossia, engasgava, ofegava e tossia mais um pouco, como uma fumante. Abriram sua camisa, o sangue já a tornara praticamente parte do corpo. Sentiu a pele exposta, o vento leve e brisa do mar. Dedos escorregando pelo abdômen, arrancando-lhe arrepios que talvez a tivessem deixado feliz, mas que agora intensificavam a dor, sempre que tentava abrir os olhos e enxergar quem a tocava. Um pano molhado foi colocado sobre a ferida no peito, o seio era firmemente segurado, enquanto dedos vasculhavam o buraco que a bala causara. Poderia ter se sentido explorada, se as circunstâncias não fossem tão ruins. Por fim, quem a segurava soltou e se afastou. As mãos grandes e de dedos ásperos não estava mais lá e nem mesmo a figura negra e magricela. De repente outro vulto entrou em cena e este Marie conhecia perfeitamente. Sorriu, sentindo o peito doer a medida que os batimentos aumentavam e o sangue se esvaia com mais pressa. Nikolai segurou sua mão direita.

– Marie... – sua voz era chorosa, e Marie teria se sentido emocionada pela preocupação do príncipe, entretanto não via nenhum outro sentimento emanando por seu corpo, apenas o de que talvez aquela fosse sua última boa ação em vida.

Era certo que morreria. Afinal quem sobrevive com tantos buracos pelo corpo? Quem seria capaz de curá-la da falta de sangue, que agora formava uma poça grande pela proa do navio? Se Nikolai segurasse sua mão até o último momento, então teria valido a pena. Mas não queria apenas ele, queria outra pessoa, apenas para ter certeza de que tomara a decisão correta. Afinal viveu sua vida inteira enganando-se. A vida não fora feito para pessoas como ela, pessoas que esperam a vida inteira para finalmente terem seu espaço no mundo. Mas agora entendia. Sua infelicidade dependia da felicidade das pessoas, assim como o contrário. Aceitar era difícil, mas se sua vida era apenas uma ferramenta para sustentar a vida dos outros, então o melhor a fazer seria garantir a felicidade de quem amamos, certo? Se Abigail era feliz com Nikolai, então não se importava de ser infeliz com sua espera infinita, a espera de que de alguma forma as coisas mudassem, mesmo que para pior.

Então notou que sua vida inteira não fora uma espera, mas sim uma vida comum. Não tivera altos e baixos, não vivera intensamente, não sofrera o quanto deveria sofrer e não se alegrou o quanto deveria se alegrar. Essa era a vida que as pessoas não viam, a vida da maior parte da população humana, uma vida que passa e ninguém percebe. Nesta história, Marie é apenas o personagem secundário, que serve para levar os principais a seus objetivos, a refletir sobre si mesmos. E principalmente, a serem os principais. Mesmo que tenha passado a vida na esperança de que esta história fosse sua, chegava o momento que tinha de aceitar e sorrir para si mesma. Pois fizera um ótimo trabalho.

Marie! – Abby se curvou sobre seu corpo e encostou a testa sobre a sua. – Oh, Marie...

Esforçou-se para falar algo, entretanto nada saiu além de um som gutural que exigiu energia demais. Nikolai e Abigail a seguravam de ambos os lados, porém a sombra que a cobriu por inteiro foi Mikhail, quando estava ainda de pé. Ele se ajoelhou e tocou seus cabelos, deslizando os dedos. “Nem mesmo nos beijamos”, pensou, enquanto tentava enviar conforto a ele, mesmo sem conseguir focar sua figura nos olhos.

– Seus olhos são tão bonitos. – lembrou-se de tê-lo ouvido dizer, enquanto se curvava sobre o parapeito do navio japonês, há cerca de três dias antes. – Principalmente quando refletem a luz do Sol. Gosto de vê-la assim, parece estar refletindo o sentido da vida. Gosto de meninas que pensam filosoficamente.

Queria perguntar a ele se seus olhos ainda estavam bonitos, mesmo agora, quando o Sol refletia em íris imóveis em um rosto cadavérico e quase inexpressivo. Gostaria de saber se ele ainda gostava de suas reflexões sobre a vida e se, de algum modo, poderia ter transformado sua história para algo melhor. Não sabia se seu coração batia rapidamente para Mikhail, assim como batia para Nikolai. Mas também não sabia se teria outra oportunidade de se sentir amada. Pois ele se interessou, não? Em três dias realmente chegou a pensar que era a sua vez de parar de esperar e sentir o prazer de viver.

– Não... Não morra. – ouviu-o balbuciar, enquanto o Sol perdia sua intensidade, como se estivesse correndo para trás de uma nuvem. – Por favor, não morra.

Se fosse possível, ela não optaria por morrer, até porque viver significava uma esperança para a história, certo? Só poderia se aceitar com era e se sentir orgulhosa do que havia vivido, caso soubesse que não haveria o dia de amanhã. E ela sabia que só aceitaria morrer feliz consigo mesma. Se amar nunca foi um pensamento que passava pela mente enquanto refletia sobre o futuro. Marie nunca se amou de verdade, nunca encontrou algo pelo qual tivesse afeto, nunca soube de algo que gostava em si mesma. Desde a personalidade, até a aparência. Ela sempre se sentiu um espírito antigo e quase morto, preso dentro de um corpo jovial e belo. Sempre detestou isso, pois as pessoas só viam a casca.

Não morra, Marie! – ouviu-o gritar, e desta vez a dor no peito cessou, já não sentia aquela fadiga, como se as costelas se fechassem novamente e o pulmão voltasse ao normal. Nem mesmo notou que parara de tossir. Com certeza um milagre acontecia. E não sabia se ficava feliz ou triste.

Os soluços começaram com Abigail, e tomaram em seguida Mikhail e Nikolai, que foi mais reservado. Abigail agarrou sua mão esquerda e a trouxe até o rosto, tocando-se com seus dedos e tentando passar calor para eles, que agora, não tinham mais peso para Marie. Nikolai abaixava a cabeça, não queria olhá-la em seus últimos instantes. Nem mesmo ela queria ser olhada em seus últimos instantes. Mas infelizmente Mikhail ainda estava lá, segurando seu rosto com ambas as mãos, como se para fixá-lo entre os dedos, gravá-lo na mente e nunca mais esquecer. Poderia se sentir feliz por isso, se sentir honrada ou amada. Mas sentia-se apenas quase lá.

Quase.

Os cabelos louros se misturavam com o sangue, agora as veias estava praticamente vazias, se considerado aos litros de sangue já perdido. As pálpebras se fecharam se que percebesse e o calor nas bochechas passou despercebido, enquanto respirava finamente, como se um fio estivesse ligado pelo corpo todo e caso se movesse rápido demais, falasse ou respirasse, ele se romperia e então adeus vida. Os pés formigavam, de uma maneira que não percebeu até que os sons do mundo cessassem e os cheiros também. Não sentia mais o gosto metálico do sangue na língua, nem mesmo conseguia distinguir o formado liso dos dentes enquanto passava a língua por eles. Suspeitou que, caso a mordesse, também não sentiria dor. Então outra questão lhe veio: talvez não estivesse conseguindo mover a língua e nem mesmo essa sensação de incapacidade lhe aparecesse. Pois, pouco a pouco, o cérebro desligava os sistemas, e então parava de sentir o calor do Sol, parava de sentir os dedos da mão, os pés, a língua, os sons e os cheiros. E se encaminhava para aquele estado onde nada existe, algo em que nunca chegou a pensar muito, pois sempre esperou que fosse viver seu final feliz antes da morte.

Quando você não existe, é triste, pois todas as suas memórias, todos os seus aprendizados e sentimentos desaparecem. Seu corpo apodrece e sua alma... Sabe-se lá para onde vai. Não sentia medo de perder tudo isso, afinal não achava que tinha vivido uma vida digna para ser lembrada por gerações, nem que faria diferença a alguém. Sua morte, talvez, pudesse ajudar aos outros. Às pessoas que possuem seus finais felizes escritos nos destinos. Este é um dos grandes problemas daqueles que não vivem para serem o foco, mas sim o cenário. Aceitar sua insignificância e sentir bem consigo mesmo apenas por ser o que é e não ter outra utilidade além de manter a base na sociedade. Muitos morrem todos os dias, e muitos não terão seus nomes citados no jornal ou no noticiário. Muitos morrem por doenças, outros por acidentes. Alguns morrem de velhice, outros por assassinato. A morte sempre vem, quer queira agora, quer queira depois. E ela não vê pobre ou rico, principal ou secundário. Ela apenas vem, ceifa a vida e se vai, como um convidado indesejado que poucos percebem usufruir da festa, até que de repente o vemos fugir pela rua, já fora de alcance.

Talvez, em algum lugar, um dia, todos possam se encontrar e então pensar no que fizeram em vida e no que poderiam fazer agora. Talvez a alma simplesmente desapareça, assim como o corpo. Talvez ela permaneça viva em um outro lugar, um universo paralelo, onde Deus cuidará de nos. Marie preferia acreditar em Deus, a pensar que simplesmente desapareceria.

Queria ouvir a voz de Mikhail, Abigail ou Nikolai uma última vez, porém os ouvidos já estavam surdos, os olhos estavam cegos e não respirava. Pois o fio se rompera dentro de si. Mas tinha as lembranças. E com elas, ouviu a risada de Nikolai, arrancou olhares curtos e mortais de Abigail e se encolheu ao toque de Mikhail.

E então, Marie Mimeuix morre, e tudo o que ela pensou ou sentiu se desfaz e desaparece para sempre.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Beijos.



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