LXIV

REYNA

Nunca foi tão bom para Reyna se sentir aliviada. Só de pensar que por um bom tempo não teria mais que se preocupar com a dualidade que havia em seu coração até poucos dias atrás, entre querer se juntar aos seus amigos no Argo II e defender Nova Roma de Octavian, seu coração batia uns dez quilos mais leve.

O jardim de Baco estava lindo naquela tarde. Era quase impossível para ela descrever o quanto que se sentiu feliz por poder voltar a passar suas tardes à toa no meio daquelas plantinhas rasteiras aproveitando o sol e olhando toda a cidade por cima, altiva como uma Pretora deve ser.

Mas por um momento ela se sentiu nostálgica. Ficar parado num mesmo lugar não parece ser o tipo de coisa que um semideus faria algum dia de sua vida, mas em algum momento ela sentia que iria viver mais aventuras, era justo ter umas férias. Seus amigos Hazel e Frank estavam ali, e pensar no casal andando pela cidade a fez lembrar de Jason e Percy, ambos Pretores de Nova Roma, ambos tirados dela, os únicos meninos por quem ela já se apaixonou.

Você encontrará o amor onde menos espera. A voz da deusa Vênus ainda era nítida em sua mente, e ficar remoendo essa lembrança a fazia se sentir pior. Talvez ela nunca encontrasse o amor como os outros ou talvez... Já tenha encontrado e não o viu.

– Permissão para sentar, Pretora. - Michael Kahale, filho da mesma deusa do amor que esmagou seu coração dias atrás apareceu de surpresa no jardim. Reyna e ele foram treinados na mesma coorte, eram amigos desde criança, mas sua lealdade a Octavian o fez se afastar dela, ela seguiu com sua conquista de honrarias até se tornar Pretora. Ela debochou do pedido formal dele e disse para que ele se sentasse do seu lado. Ele a olhou nos olhos e deu uma bufada. - Desculpe. - ele disse.

– Pelo quê, exatamente? - Reyna desviou os olhos para a cidade.

– Você sabe. Me afastei de você para seguir Octavian. Você me ajudou muito e foi uma grande amiga. E eu traí sua confiança. - ele fechou os olhos. - Estou com vergonha do que fiz.

– O passado é passado, Michael. Não vale a pena ficar remoendo essas coisas. Octavian está morto agora e os deuses sabem o que ele fez e por quê. A justiça será feita no Mundo Inferior.

– Como posso acreditar nos seus conselhos para não remoer meu passado se quando você está sozinha você faz exatamente isso. - Reyna fechou os olhos e ficou em silêncio por um instante. - Eu conheço você, Reyna. Guardei seus segredos comigo. Sei do seu passado, lembra? E sei que você pensa em... Jason.

– Me apaixonar por Jason foi algo meio que fora do meu controle. - ela suspirou - Trabalhamos juntos por tanto tempo, e ele sempre foi tão inteligente, bonito e heroico... Mas ele nunca percebeu meus sentimentos por ele, então Juno veio com os planos da Profecia dos Sete e ele agora está bem mais feliz ao lado de Piper.

– Minha meia-irmã grega?

– Sim. E por falar na sua família, sua mãe conversou comigo logo depois do nosso cerco ao Argo II em Charleston. Ela me disse que eu só encontraria o amor onde eu menos esperasse, e isso me deixou chateada. - ela olhou para Michael. - Como vou me apaixonar por alguém que não seja um semideus? Não posso ter uma vida fora desse Acampamento. Eu sou Pretora de Nova Roma!

– E quem disse que não é um semideus? Você tem certeza de que entendeu o que minha mãe quis dizer?

– Se não foi isso então é o quê?

– Você já se apaixonou por alguém sem ser o Jason?

– Sim. Pelo Percy.

– Reyna, pense. O que eles dois tem em comum?

– São filhos dos três grandes... Já foram Pretores de Nova Roma como eu...

– Pare. Viu? É aí que está o problema. - Ela ficou intrigada. - Você sempre espera que o seu futuro namorado seja sempre um de seus colegas Pretores. Por que normalmente é isso o que acontece já que os Pretores são sempre um casal. Mas você se acomodou a isso e não abre a sua mente para a possibilidade de relacionamentos fora desse contexto. As leis mudaram, Reyna. A nossa vida mudou. Frank agora é Pretor, mas está namorando Hazel e vivendo junto com ela na casa da família dele. - Ele pegou as mãos dela com delicadeza, algo que não combinava bem com seu corpo troncudo de jogador de futebol americano. Mas ele ainda era filho da deusa do amor. - As leis não podem mais impedir sua felicidade, e nem a de ninguém. Você consegue compreender isso agora?

– Acho que sim. - ela soltou suas mãos das dele, com as feições um pouco triste. Michael ameaçou ir embora, mas ela o deteve lhe perguntando: - Michael, você já encontrou sua mãe alguma vez?

– Sim, algumas vezes. Por quê?

– E ela te disse onde você encontraria o amor?

– Sim. Ela me disse... - ele pegou sua mão outra vez. - Que eu encontraria o amor onde eu mais esperava.

– Que boa notícia. - ela deu um sorriso. - E onde você mais espera encontrar o amor?

– Em você. - O sorriso se transformou em uma feição de espanto no rosto de Reyna, ela olhou para ele e observou a luz do pôr do sol bater contra seu rosto. Michael era um garoto bonito, tinha uma pele meio escurecida, como grãos de café moídos e um corpo sólido e forte oriundos do pai mortal, um astro do futebol americano, tudo isso misturado à delicadeza e romantismo naturais inerentes aos filhos de Vênus. Além de ser um ótimo amigo. Ele se aproximou do rosto dela, pôs uma mexa de seu cabelo atrás da orelha e lhe deu um beijo suave na boca. Ela ficou tão paralisada que não correspondeu ao toque de lábios. Michael se assustou. - Desculpe, Reyna, não devia ter...

Dessa vez, quem o deteve foi ela. Ela se agarrou à seda de sua toga e o puxou para um beijo verdadeiramente apaixonado, com o uso da língua e de olhos fechados. Você encontrará o amor onde menos espera. Vênus estava certa, Michael também. A última pessoa em quem Reyna pensou em ter um relacionamento era o seu velho amigo de infância Michael. Mas ele estava ali agora, retribuindo seu beijo com paixão, pronto para lhe dar seu coração. E como ela mesma disse, não é bom remoer o passado. Quando se soltaram, Reyna já estava deitada na grama do jardim e ele com o corpo virado de lado e a cabeça baixa para beijá-la. Eles sorriram um para o outro e Michael disse:

– Posso te dizer que esse é um dos melhores dias da minha vida?

– Pra mim também é. - Ela olhou pra ele com olhos mais murchos. - Desculpa por não ter prestado atenção aos seus sentimentos antes. Fui uma idiota.

– Ah, não é bom ficar remoendo o passado, Reyna. - ele disse com deboche, e ela lhe deu um tapa no braço, mas ele acabou rindo da própria piada.

– Idiota! - disse Reyna, rindo, e então lhe deu mais um beijo. Michael pôs o seu corpo em cima do dela, e eles se amaram na relva até depois do sol se pôr, até se sentirem cansados o suficiente para irem dormir.