Perdida em Crepúsculo escrita por Andy Sousa


Capítulo 2
Conclusões.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura e digam o que acharam, vou ficar muito feliz em ler! :}



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Trailer


"Na hora mais escura da noite,
Eu procurarei no meio da multidão,
Seu rosto é tudo que vejo,
Eu lhe darei tudo.
Amor, me ame com as luzes apagadas.
Você pode apagar minhas luzes.
Não temos a eternidade,
Amor a luz do dia está se acabando,
É melhor você me beijar
Antes que nosso tempo se esgote.
Tudo que vejo,
Dê-me tudo,
Amor, me ame com as luzes apagadas.
Você pode apagar minhas luzes."

XO - Beyoncé

~*~

Os minutos passaram rápidos e eu tinha o toque de recolher então me apressei para me arrumar e sair logo.

Cerca de quarenta minutos depois eu estava pronta e aguardava meu pai retirar o carro da garagem. Morávamos em um condomínio de classe média alta, mas apesar de bonita e espaçosa nossa casa era uma das mais simples. Eu jamais fora sequer convidada para adentrar as mansões ao lado, mas pouco ligava, era o costume por aqui, a vizinhança mais individualista que eu já vira.

Saí da garagem um pouco antes do portão automático fechar e me precipitei para o carro, ainda estava impressionada comigo mesma por ter conseguido me aprontar rapidamente, em geral eu precisava de muitos minutos mais que estes.

Meu pai havia ligado o rádio em sua estação de costume e dirigia calmamente cantarolando junto com a música. De repente me senti extremamente egoísta, independente do que havia acontecido eu sabia que passara dos limites, detestava brigar com ele e minha mãe e aproveitei o tempo livre para me desculpar.

– Sei que você e mamãe se sacrificam e muito por mim, pai. Sei que se estamos onde estamos hoje é por causa do enorme esforço de vocês em proporcionar algo melhor para todos nós. Desculpe se fiz pouco caso disto, eu agradeço, sou muito feliz, obrigada.

A esta altura a conversa já durava algum tempo e me senti mais cômoda de confessar o que sentia. Estávamos quase chegando a nosso destino.

– Um dia você terá sua própria família e entenderá melhor tudo o que fazemos.

Ele parou o carro bem na hora em que terminava de falar e fiquei muito grata por suas palavras, elas me reprovavam da forma certa, ao menos eu não perdera o humor para curtir a noite.

O ruído da música vinda da casa de Henrique era bem pronunciado, pude ouvir antes mesmo de meu pai abaixar o volume do rádio para se despedir. Vi que ele fez uma careta de reprovação, mas achou melhor não falar nada. Eu segui seu olhar e observei a construção ladeada por grandes árvores, o lado de fora estava vazio, mas iluminado por luzes coloridas que piscavam a pequenos intervalos de tempo. Dava para ver claramente, entretanto, pessoas do lado de dentro, algumas conversando, outras dançando. Fiquei ansiosa para entrar também e notei que minha mãe estava certa, fazia um tempo enorme que eu mal sabia o que era uma festa, eu sentia falta da liberdade de ser adolescente.

Virei-me de volta para meu pai e ao sondar seu rosto percebi que mesmo que concordasse em me deixar ir estava prestes a dar um de seus discursos de superprotetor e eu não disponibilizava de tanto tempo assim. Agradeci pela carona ao passo que abria a porta e me içava com pressa para fora.

– Espere Aneliese. Com quem você virá embora?

– Não sei ainda, talvez com o namorado da Rafaela, mas fique tranquilo, em último caso eu te ligo.

Ele não ficou tranquilo, eu podia ver, mas suspirou e assentiu.

– Faça isto. E tome cuidado!

– Está bem. – Sorri e acenei um adeus enquanto fechava a porta atrás de mim.

Ele religou o carro e eu comecei a andar, seguindo pelo caminho bem cuidado de pedras que levava até a entrada. Rajadas fortes de vento me pegaram de surpresa e me encolhi em minha jaqueta agradecendo intimamente por ter optado por usá-la, em geral eu não gostava de casacos, principalmente para sair. Enquanto caminhava notei que estava sendo mesmo uma noite incomum, este vento fugia à rotina das noites anteriores e com certeza esta era a razão para ninguém ter optado por ficar no jardim.

Estava quase na soleira, já podia ouvir as vozes mais altas até mesmo que a música, risadas e brincadeiras aumentaram minha vontade de entrar logo, mas ouvi algo que pareceu ser meu nome e por instinto me virei na direção do som só para confirmar que não imaginara demais; de pé a alguns metros de mim estava Alex e ele me fitava com olhar penetrante. Era tão estranho, eu praticamente viera por sua causa, pensara em um milhão de coisas sobre nós no caminho e agora ali estava ele. Por mais que sempre ouvisse comentários a seu respeito era a primeira vez em meses que nos encontrávamos, ele era alguns anos mais velho que eu e já cursava a faculdade. Eis um fator que sempre me intrigara: com tantas garotas ao seu alcance porque ele ainda insistia em me procurar?

Pelo sim, pelo não aqui estávamos nós, era um tanto difícil agir normalmente perto dele quando nosso encontro fora tão de surpresa... De onde ele viera? Estivera este tempo todo me esperando aqui fora?

– Liese, está tudo bem? – Ele perguntou enquanto convergia para perto de mim.

Não pude deixar de notar como estava mais atraente, isto não ajudava em nada a minha capacidade de raciocinar e minha resposta saiu sem pensar.

– Está sim, estava com saudades – deixei escapar.

Mas que idiota, Aneliese. Como ele não vai notar seu nervosismo se você se entrega dessa forma? Por sorte meu subconsciente pôde se aliviar ao ver que Alex rira e se aproximara de uma vez para me abraçar e me dar um demorado beijo na bochecha. Perguntei-me se eu já não estava lhe dando confiança demais quando eu mesma mal sabia o que estava havendo entre nós.

– Você está linda – disse ao se afastar, sem nunca deixar de fitar meu rosto. Murmurei um ‘obrigada’ e tratei de mudar de assunto. Se quisesse ter chance de conversar civilizadamente com ele eu teria de me livrar desse início embaraçoso. Depois de poucos minutos o vento se tornou forte demais para que fosse aconselhável continuar na entrada e nos encaminhamos de uma vez para o lado de dentro.

Só foi preciso dar alguns passos para o interior e já pude ouvir meu nome ser gritado enquanto um par de braços delgados me abraçava com energia.

– Liese, você veio!

Não pude evitar sorrir.

– Minha mãe teve compaixão de mim – brinquei.

Rafaela viera até mim com Henrique em sua cola e aproveitei para lhe agradecer pelo convite.

– Liese, você quer beber algo?

– Hmmm, um refrigerante está bom.

Alex se ofereceu para buscar e levou Henrique consigo, dando a Rafaela e eu a chance que queríamos para fofocar.

– Não acredito que você veio! O Alex não tira os olhos de você por nada – ela sorria, radiante.

– Ele está tão diferente, mais maduro.

– Muito mais gostoso...

– Rafaela!

Olhei furtivamente para o lado que ele havia ido e minha amiga olhou para mim com uma cara conspiradora.

– Tá bom que você não percebeu. Pra falar a verdade acho que formulei mal minha frase, é você quem não tira os olhos dele.

Eu quis muito ficar brava com ela, mas era impossível, o que eu tinha em discrição Rafaela tinha em atrevimento, mas desta vez ela estava mais que certa, rever Alex mexera comigo mais do que eu esperava.

O cômodo em que estávamos devia ser a sala, havia apenas um sofá posicionado a um canto o que dava grande espaço para o que parecia ser a pista de dança, a música estrondosa não parava, havia muitas pessoas junto de nós e elas dançavam freneticamente. O globo girava no teto e refletia três mil faíscas de luz por seus espelhos diminutos. O som aos poucos foi cessando e deu lugar a outra batida, quando reconheci a canção que iniciava quiquei animada no tempo que Rafaela soltava um gritinho histérico.

Não foi preciso mais que isso, ela pegou minha mão e me puxou para o centro, as duas já dançando animadas antes mesmo de encontrar um espaço no amontoado de gente. Aquela música nos trazia muitas lembranças e era raro ouvi-la tocar. Enquanto dançava notei ao canto um garoto que não me lembrava de já ter visto, eu conhecia muitos dos que estavam aqui hoje, mas não o reconheci. O fato era que ele olhava diretamente para mim, sem se preocupar em disfarçar como os outros, não fiquei muito à vontade, mas desviei o rosto decidida a ignorar.

Uma respiração quente em meu pescoço e um toque familiar em meu braço me indicaram que Alex havia voltado, me virei para ele e vi que seu rosto continha certa tensão. Ele me entregou a bebida e se curvou para falar comigo.

– Se importa se a gente for para um lugar mais calmo?

– Não, acho que tudo bem.

Segurei seu braço e deixei que ele me conduzisse para longe do movimento. Alex me levou acima, por dois lances de escada e aos poucos o ruído foi diminuindo, ele conhecia bem a casa porque era amigo de Henrique há anos, no local em que estávamos não havia ninguém, decerto era uma área particular. Havia várias portas em um largo corredor e ele me puxou para a segunda delas, dando-me passagem e fechando-a atrás de nós. Assim que acendeu a luz percebi se tratar de um quarto, me afastei um pouco dele e cruzei os braços, com uma das sobrancelhas erguida.

Alex suspirou.

– Não é nada disso, só quero conversar, este é o quarto de hóspedes e aqui será mais fácil. Não estamos invadindo a privacidade de ninguém, fique calma.

Eu não fiquei, mas também era a favor da conversa então deixei as reservas de lado. Ele andou mais um pouco e alcançou a porta no outro extremo do cômodo, era a varanda, eu coloquei a lata de refrigerante em cima da cômoda perto de mim e o segui, sentando junto com ele no sofá de couro que ficava em uma ponta. Estranhei que o vento enregelante não tivesse me alcançado e ao olhar melhor vi que o pequeno retângulo tinha paredes de vidro que impediam o ar de passar. Inteligente, pensei. Olhei para Alex e ele sustentava um sorriso presunçoso, sem dúvida já sabia como era cada centímetro daqui.

– Henrique aumentou o volume da música – disse ele após um minuto de silêncio – porque gosta de ver Rafaela dançar. Vocês duas estavam chamando bastante atenção lá embaixo.

Eu apenas dei de ombros me recordando do que acontecera há pouco. Com minha amiga eu me sentia segura e sei que dançávamos de maneira muito íntima, até mesmo provocadora, era natural. Mas Alex jamais se importara com isto.

– Eu gosto muito daquela música – não havia motivo para justificar, mas o fiz mesmo assim.

Alex olhou fundo em meus olhos.

– Eu sei – falou por fim.

O silêncio tornou a se pôr entre nós, ambos perdidos em pensamentos. Alex se lembrava das pequenas coisas, ele me conhecia bem, de um jeito que nenhum garoto jamais conhecera. Fora meu primeiro e único namorado e eu ainda me perguntava o porquê das coisas entre nós não terem dado certo.

– Alex... Porque você voltou a me ligar? Porque chamou justo eu para vir aqui com você?

– Porque de todas as garotas que conheci você é a única em que não consigo parar de pensar – revelou num ímpeto.

Fiquei calada, nunca o ouvira ser tão direto em algo, principalmente quando se tratava de sentimentos. Meu coração estava acelerado enquanto suas palavras surtiam efeito. Vi que ele passou as duas mãos pelos cabelos como fazia quando estava angustiado.

– Eu sei que fui um imbecil durante o tempo em que estivemos juntos, eu queria que tivesse sido diferente. – Aquilo parecia soar como um pedido de desculpas.

Não consegui tirar meus olhos dos seus, eu esperara por algo assim, quantas vezes devaneei com Alex dizendo que ainda me queria... Mas estranhamente agora que o tinha aqui em minha frente comecei a pensar que aquilo para mim talvez não fosse o suficiente; mesmo que ele se declarasse, será que Alex conseguiria me dar todo o amor que eu sentia que precisava? Mais do que isso, eu mudara e sabia agora que merecia ser feliz. Almejava grandes coisas, fantasiava com uma paixão sem fim, avassaladora e impossível de conter. Não sabia bem a razão, mas estava modificada. Poderia ele lidar com tudo o que eu me tornara?

– Alex, eu estou confusa, isto é muito inesperado. – Mordi o lábio, eu não tinha qualquer resposta para lhe dar agora. – Vamos voltar para junto dos outros, está bem?

– Liese...

– Olhe, eu só quero ter um tempo para pensar, tudo bem? Tudo está tão diferente, Alex.

Me levantei e comecei a convergir de volta para o quarto, ele me alcançou e puxou meu braço me fazendo virar e ficar de frente com ele.

– Tudo está diferente? Você não sente nada mais por mim?

– Alex...

Devagar ele me puxou para perto, colocou uma mão em meu rosto e o acariciou.

– Gosto quando você fala meu nome – confessou com um sorriso.

Ele moveu a mão para minha nuca e entrelaçou os dedos em meus cabelos, fechei meus olhos, eu me lembrava nitidamente como era ter Alex me tocando, eu gostava, ele sempre soubera muito bem o que fazer comigo. Abri meus olhos e vi que ele estava muito perto, eu sentia sua respiração em meu rosto, aspirava o inconfundível cheiro de seu perfume – o mesmo perfume de sempre, o aroma me transportou para anos atrás, para uma parte feliz e descomplicada de minha vida. Aquele garoto... Eu estivera perdidamente apaixonada por ele.

E só agora via que também sentira muita falta dele.

Não houve negativa de minha parte então Alex se aproximou até encostar seus lábios nos meus, eu podia sentir a excitação, meu corpo ansiava que ele o tomasse em seus braços de uma vez, mas no último segundo eu me retesei e dei um passo para trás. Foi um movimento involuntário, eu não entendia porque fizera isto e ao fitar Alex notei claramente que ele não gostara.

– O que aconteceu? – Sua voz mal disfarçava a irritação, e eu sabia que em parte ela era até compreensível. De qualquer forma eu não fizera por mal, quer dizer, porque afinal eu me afastei?

Não soube o que lhe dizer, minha boca abriu e fechou procurando pela explicação que eu não tinha.

Mas que droga, o que é que estava acontecendo comigo ultimamente? Eu parecia deslocada em minha própria vida. Minha cabeça pesou como se tivesse um milhão de coisas em que pensar.

Alex suspirou e se afastou um pouco, sua outra mão que estivera em minha cintura traçou seu caminho até a minha e ele entrelaçou nossos dedos com carinho.

– Vamos descer, Rafaela deve estar furiosa por eu ter roubado você sem mais nem menos, ela disse que fazia tempos que as duas não se encontravam em uma festa.

Entendi logo que ele apenas procurava uma maneira de se livrar do clima desconfortável e achei melhor não fazer objeção, mas tinha a suspeita de que o assunto entre nós não permaneceria inacabado até o final da noite, ele não costumava ser tão paciente, sua atitude agora se tratava de pura educação. Quando namorávamos uma atitude fria assim vinda de mim iniciava discussões sem precedentes.

O acompanhei em silêncio por todo o percurso de volta a sala - a música não parava, sempre alta e contagiosa - como se por mágica Rafaela apareceu no outro extremo, Henrique enroscado em sua cintura, quando me encarou eu a lancei um olhar significativo e ela logo entendeu, vindo ao meu encontro. Assim que chegou seus olhos faiscaram para baixo, para o ponto em que a minha mão e a de Alex se encontravam e ela conteve um sorriso.

– Vou procurar algo para beber – Alex anunciou e saiu.

A confusão perpassou o semblante de minha amiga e sem muita cerimônia reivindiquei sua atenção dizendo a Henrique que precisava falar com ela por um minuto. A reboquei para uma área mais tranquila onde podíamos conversar com calma e rapidamente lhe relatei tudo o que acontecera no quarto de hóspedes, mas achei melhor não dizer a ela todas as minhas razões, não queria que ela começasse a me dar sermão quando eu lhe revelasse que talvez não sentisse o mesmo por seu amigo, ela sempre gostara muito dele.

– Acho que ele não vai deixar barato, amiga. O Alex ainda está doidinho por você – observou quando terminei de falar.

– Sei disso – suspirei desanimada.

Ela se calou por um momento e quando tornou a falar seu tom já estava totalmente diferente.

– Mas você não escapou de um castigo de três milhões de anos para ficar deprimida em plena festa. Vem, vamos dançar.

Eu sorri de leve e concordei.

– Três milhões de anos – ri.

– Conhecendo sua mãe ainda estou achando pouco – brincou.

Eu segurei seu braço e deixei que ela me conduzisse de volta para a pista de dança, uma coisa que eu aprendera era que a vida era curta demais para que passássemos nosso tempo mergulhados em tristeza.

Eu tinha muito que agradecer a minha amiga, se não fosse por ela eu talvez tivesse tido certa dificuldade em aproveitar a noite, depois que havíamos recomeçado a dançar não havíamos parado mais. Ela havia mudado a playlist e agora, ao contrário de antes, todas as músicas que tocavam eram conhecidas. Com a atmosfera mais leve foi fácil me esquecer dos problemas e cheguei a dançar com Alex mais de uma vez sem me preocupar com as consequências, afinal era este o intuito de uma noite entre amigos.

A certa altura havíamos diminuído o ritmo e nos retirado do centro para descansar e conversar um pouco, Henrique não largava de Rafaela, ele e Alex gritavam coisas sem nexo um para o outro, às gargalhadas. Não pareciam muito cientes de minha presença então quando a próxima música começou e a reconheci tive tempo para disfarçar os vestígios de tristeza que eu sentia expressos em meus olhos.

As luzes piscavam de forma frenética e às vezes se apagavam por um curto instante, por algum motivo, sem nem mesmo pensar aproveitei a brecha da escuridão e saí de perto deles, quase correndo para longe. Quando me dei conta do que fizera pensei em voltar imediatamente, mas não pude ignorar a batida conhecida e as palavras que ecoavam altas naquela canção. Era como se eu estivesse estado submersa todo o tempo em que dançava e no único minuto em que parei a realidade me assaltou, exigindo seu lugar. O refrão melodioso soou com uma intensidade excessiva e foi demais para mim, encontrei o caminho para a porta de saída e segui, sem olhar para trás.

A diferença na temperatura foi absurda, não podia acreditar que aqui fora ainda fizesse tanto frio quando do lado de dentro mal se notava, estremeci violentamente enquanto começava a caminhar, mas não dei atenção, cruzei os braços e andei para longe a passos rápidos esperando que meu corpo se acostumasse com o vento. Estava tão concentrada em escapar que quando dei por mim já não avistava mais a casa de Henrique e nem podia ouvir mais nada.

Aquela música, eu a conhecia de cór, a ouvira tantas vezes que podia cantá-la de trás pra frente, mas isto fora há muito tempo, eu fizera questão de excluí-la de minha coleção e nunca mais tocá-la. Ela me lembrava demais meu passado com Alex, eu me recordava muito bem de ouvi-la em nosso primeiro encontro, quando nos beijamos pela primeira vez. Agora, entretanto quando olhara para ele tive certeza de que toda a magia que costumava estar presente em nosso relacionamento se fora. Talvez eu tivesse passado as últimas horas me enganando, eu estava triste e não conseguia reprimir isto.

Alcancei a esquina e continuei seguindo, meus pensamentos gritando em minha cabeça. Finalmente encontrara a resposta que não conseguira dar a Alex mais cedo: eu sentia saudades sim, de nossos momentos juntos, do que vivera junto dele porque havia sido bonito e inocente, mas era somente isto, saudade. Não havia mais nada daquele sentimento urgente que um dia habitara meu coração e só agora, anos mais tarde pude reconhecer se tratar apenas de paixão adolescente.

Eu pensava ainda estar apaixonada por ele, mas agora que via o quanto errara simplesmente não compreendia. O que acontecera comigo nestes últimos anos que me modificara tanto? O que havia me moldado em uma forma que eu pouco reconhecia?

Estremeci novamente, estava muito frio, olhei à volta e vi que já alcançava a avenida principal, o bairro em que Henrique morava ficava próximo ao centro, por isso mesmo a esta hora o movimento era intenso. Eu viera decidida a encontrar um táxi que me levasse para casa, não havia necessidade de ligar para meu pai e dizer que estava sozinha, não achava que aquilo contribuiria de forma positiva para meu castigo.

Por sorte não precisei andar muito, logo avistei o ponto mais próximo e havia ao menos três carros parados, à espera. O primeiro piloto com que tratei me informou que a corrida não sairia barata, mas eu só queria ir pra casa e tinha quase certeza de que esta seria minha última saída em meses, eu não faria muito uso do dinheiro de qualquer forma.

Enquanto seguia pelas ruas escuras quase podia sentir o vento passar veloz por nós, apesar das janelas estarem fechadas. Era a mesma cidade, era eu quem estava diferente. Meu celular vibrou no bolso de minha jaqueta e o atendi um pouco sonolenta.

– Alô.

– Liese, onde você está?

A voz de Rafaela estava aguda de preocupação e me senti culpada por ter saído sem ao menos me despedir.

– Eu vim embora Rafa, fiquei cansada – desculpa esfarrapada.

E claro que ela não se convenceu.

Foi isso mesmo que aconteceu ou você achou melhor fugir? Pensei que o clima entre você e o Alex havia melhorado, mas quando ele se desentendeu com o Christopher imaginei que as coisas tivessem piorado. Bem, só então me dei conta de que nem lá mais você estava – tagarelou.

– Eu... Como assim? Quem é Christopher?

– Christopher Hernandéz, você não conhece ele? Você não percebeu que ele não parou de olhar pra você? Com certeza o Alex percebeu, acho que isto contribuiu para que ele tivesse tentando te reconquistar de uma vez, Alex não gosta nada dele.

Minha cabeça dava voltas, era muita informação em um só telefonema e eu na verdade não estava entendendo nada. Lancei um olhar rápido para o lado de fora e notei que a cidade havia ficado para trás, nós estávamos em um bairro próximo à minha casa, logo chegaríamos.

Eu com certeza sabia de quem Rafaela estava falando, de fato Alex não largara de mim um só momento, mas saber que sua atitude não passara de ciúmes não foi lá muito animador. Pensei que ele quisesse ficar comigo e não marcar território, que coisa ridícula!

– Christopher Hernandéz... Não sei, acho que já ouvi este nome antes, mas agora não vou me lembrar onde – falei por fim.

O movimento do carro desacelerando chamou minha atenção, estávamos à porta do condomínio.

– Rafa, eu acabei de chegar, vou desligar e amanhã conversamos melhor.

– Você que sabe. Foi legal, de qualquer forma, mas queria que tivesse ficado mais.

Me senti um pouco boba por minha atitude que fora infantil, eu daria um jeito de recompensá-la depois.

– Sei disso, me desculpe. Mas fique descansada que não pretendo fazer desse bendito castigo um evento muito longo, assim que tiver chance nós sairemos novamente – prometi.

– Okay, se cuida, beijo amiga.

– Beijo – e desliguei.

Avisei ao motorista que iria andando a partir daqui, lhe agradeci, paguei e saí rapidamente, passei pela entrada e respondi ao ‘oi’ do porteiro com um aceno de cabeça. Segui pela calçada de cimento observando as moitas bem cuidadas e tentando debilmente encontrar um padrão entre elas. O vento que não cessara sacudia a copa das árvores e zumbia de um jeito pouco convidativo, eu apertei o passo e olhei para o céu notando que a noite estava escura porque mais uma vez as nuvens encobriam a lua e as estrelas. Como faltava um considerável caminho até minha casa parecia estupidez que eu tivesse despachado o taxista, mas a verdade era que eu teria de dar explicações a meus pais se eles vissem de que forma eu viera embora.

Finalmente alcancei o portão cinza escuro e só quando entrei me senti segura. Não havia nada de anormal do lado de fora, mas a madrugada me trazia uma sensação ruim, talvez porque eu notara que minha noite terminara em um belo desastre. Amanhã seria outro dia e seria melhor, disse para mim mesma.

Quando entrei tentei fechar a porta com o mínimo ruído possível, mas não consegui ser tão discreta como queria porque assim que comecei a ir à direção de meu quarto pude ouvir a voz de minha mãe me chamando e notei que ela estava no escritório. Me apressei e a encontrei sentada à escrivaninha com o laptop aberto e um monte significativo de papel ao seu lado, tudo com certeza relacionado ao trabalho.

– E então, como foi a festa? – Ela tirou os olhos da tela e me fitou por cima dos óculos de leitura, procurei por algum sinal de reprovação, mas não havia nenhum, sua face revelava apenas cansaço.

– Foi boa. – Minha mãe me conhecia bem demais e sabia que ela também não se convenceria com meu tom, fiz questão de mudar o foco da conversa. – E o papai?

– Dormindo – ela revirou os olhos e nós duas rimos.

Esperei que ela tivesse algo a mais para dizer, mas como o assunto morreu decidi informar que iria tomar banho e cair na cama, minha mãe me desejou boa noite e continuou suas tarefas. Não me demorei nada, agora a exaustão tomava conta de meu corpo, me deitei quase como um triunfo, parecia que aquele dia não acabaria jamais. Minha mente, porém, ainda estava alerta e contra a vontade começou a me mostrar filmes coloridos que ilustravam o que se passara comigo hoje. O assunto principal era Alex e como ele de repente se tornara página virada para mim.

Comecei a me revirar inquieta debaixo das cobertas e com pesar descobri que sentia grande falta de meus livros. O que eu faria sem eles?

Demorou uma década para que eu conseguisse acalmar meus pensamentos por conta própria, pensei em formas de recuperar os livros, de lê-los pelo celular se fosse preciso, mas a verdade era que este desespero me fazia ser incoerente, eu mesma queria me afastar disso um pouco, porque era perturbadora a influência que aquelas páginas causavam em minha vida. Eu devia ter me dado conta antes, eu estava literalmente viciada em Crepúsculo!

Bem, com tantas queixas vindas de minha família e amigos eu não devia estar surpresa com isso, mas achava esquisita minha fixação quando eu jamais demonstrara qualquer comportamento parecido com aquele antes. Era péssimo, eu sempre me ocupara em evitar as manias e agora tinha uma tão forte que fugia de meu controle. Exageros em geral não faziam parte de meus costumes...

Mas o mais intrigante era perceber que mesmo ciente do apego excessivo, da necessidade incomum o que eu ainda mais queria era ler. Eu não queria ter de me separar daquele universo que eu conhecia tão bem, aqui em casa, no ambiente familiar eu achava tudo lá fora estranho e alheio à mim. Eu me sentia bem em meu refúgio. Eu só queria poder continuar como estava.

Meu peito ficou apertado com o pensamento de nunca mais voltar a ler minha história preferida. Eu até mesmo sentia falta do cheiro e do formato daqueles livros em minhas mãos, era insano, mas era verdade.

Comecei a pensar nos personagens, Charlie, Jacob, Bella, Edward... Eles não eram fictícios para mim, na minha cabeça tudo se tornava real e concluí que eu não me reconhecia porque estava sem eles.

Me virei de lado e puxei meu cobertor, me enrolando nele e me encolhendo como uma bola. Eu era uma tola, logo reconheci as lágrimas fazendo trajeto por meu rosto. Como eu chegara a este ponto? Como permitira tal transformação em meu dia-a-dia? Sei que o lógico seria sentir repulsa, mas eu sentia apenas falta.

Eu precisava me afastar daquilo. Mas eu não queria.

Desejei com todas as minhas forças ser capaz de ter tudo que queria, depois de tantas emoções vindas em um só dia eu quis apenas me afastar, me esconder naquele mundo que acabara se tornando meu também. Eu quis fugir e me perder em Crepúsculo e simplesmente ser feliz sem ter que me preocupar com mais nada.


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Notas finais do capítulo

Logo que der posto mais, beijos!



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