Drink Me escrita por Yuna Aikawa


Capítulo 1
Aqui não é o País das Maravilhas!




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                “Beba-me”. Lembro-me de ter lido isso antes de virar o conteúdo da garrafa na boca. Oh, erro meu. O líquido desceu queimando pela minha garganta e, ao final, um leve gosto de laranja preencheu minha boca. Senti-me tonta, então fechei os olhos e me deixei cair na grama fofa.

                Quando os abri novamente, eu já não estava mais no quintal. Não, era um lugar novo, diferente. Para começar, a grama era azul, o céu era verde e o tronco das árvores, roxo. Um coelho de pelúcia laranja saltitou ao meu lado e puxou um celular.

- Céus! São tortas e vinte! Vamos nos atrasar para o baile da Rainha de Espadas!

- Perdão?

- Olha a hora! Corra! Corra!

                Não sei o que me fez obedecer ao coelho. Talvez pelo fato dele ser da minha cor favorita, talvez pelo fato de eu sentir meu corpo leve. Não sei. Também não fazia idéia de onde eu estava indo, eu apenas corria, ainda com o gosto de laranja na língua.

                No meio do caminho, ou num pedaço dele, não sei, comecei a sentir meu corpo mole; as coisas a minha volta começaram a embaçar. Olhei para o lado, e lá estava mais uma garrafa. “Beba-me”, ordenou-me o rótulo. A bebida não tinha o mesmo gosto de fruta da primeira. Desceu queimando igual, mas deixou um gosto bem mais doce na boca, algo como cassis.

                O líquido me fez ver tudo diferente, de novo. As cores voltaram ao normal – quer dizer, eu espero que o céu sempre tenha sido azul – mas eu ainda estava perdida. Olhei a minha volta, mas nada do coelho de pelúcia, ao invés disso, encontrei um homenzinho usando uma cartola quatro vezes maior que o corpo dele.

- Com licença...

- O que você quer!?

- Desculpe-me atrapalhá-lo, mas...

- Me atrapalhar!? Eu não durmo há anos, menina! O fato de eu respirar já me atrapalha!

- Ué, mas por que o senhor não dorme?

- Não sei – Ele bebeu alguma coisa – Realmente.

- O que é isso? – Apontei para a garrafa.

- Café.

- É por isso que o senhor não dorme, senhor...

- Eu sou o Chapeleiro. Chapeleiro da Cartola de Madeira. Mamãe estava inspirada no dia.

- Então, senhor Chapeleiro, o senhor não consegue dormir por causa da cafeína – Sorri.

- Bobagem! Meu pai, Felisberto Philipino de Madeira, dormia tranquilamente depois de algumas doses de café.

- Ahn... Acho isso meio impossível.

- Minha querida, tudo é possível aqui! Agora, venha... Beba isso.

- Café?

- Long Island Iced Tea – Piscou.

                Eu não fazia idéia do que poderia ser aquilo, mas não hesitei em pegar a garrafa e virá-la num gole só. Já estava me acostumando com o calor que ecoava em minha garganta, e fiquei ansiosa para saber com qual gosto eu ficaria na boca dessa vez. Foi algo estranho, parecia refrigerante com chá de limão, mas era gostoso. Quando fui agradecer ao Chapeleiro, ele havia sumido.

                Olhei para trás e me vi de frente à uma lagarta gigante, preta, grotesca, que fumava um narguile e parecia fazer questão de soltar a fumaça em meu rosto.

- Olá, docinho.

- Olá, senhor – Tentei parecer educada, mas adoraria reclamar da fumaça.

- “Senhorita”, você quis dizer.

- Oh, perdão. A fumaça me confundiu um pouco, senhorita...?

- Lagarta.

- Certo, senhorita Lagarta.

                Ficamos em silêncio por alguns minutos, ela soltando a fumaça em meu rosto e eu torcendo o nariz com aquilo. Então, lembrei-me do que o coelho me falou.

- Com licença, senhorita Lagarta, saberia me dizer que horas é a festa da Rainha de Espadas?

- Paus.

- Rainha de Paus?

- Não, será a paus horas.

- Falta muito para isso?

- Agora são tortas e dois quartos. Faltam um oitavo e meio de abacate – Certo, eu já estava ficando confusa.

- E, em que direção eu vou para chegar à festa?

- Siga a trilha listrada. A Lebre lhe dirá a direção.

                Achei as instruções meio vagas, mas não era hora de reclamar. Voltei para onde eu encontrei o coelho pela primeira vez e fiquei procurando um caminho listrado. Uau, que surpresa, havia uma escada ao lado de uma árvore que era listrada. Resolvi subir, se o caminho não fosse aquele, pelo menos eu teria uma vista superior do bosque que me cercava.

                Já estava na metade da escada e nada da paisagem mudar. Parecia que eu não estava me mexendo, mas eu sabia que já havia subido bastante. Então, olhei para o degrau de cima, e lá estava ele, o coelho laranja de pelúcia, ao lado de uma garrafa redonda e azul.

- Senhor coelho! Como é bom vê-lo!

- Isso é relativo, minha cara. E meu nome não é Coelho, é Tic-Tac.

- Perdão, senhor Tic-Tac. Gostaria de ajuda com a garrafa?

- Por favor, eu não consigo abri-la.

                Tirar a rolha da garrafa foi muito fácil com meus polegares. O coelho tomou um gole e começou a subir numa velocidade incrível. Resolvi segui-lo. Virei a garrafa e, mais uma vez, o calor. O gosto era realmente muito ruim. Parecia álcool com mais álcool, como vodka e absinto. Não que eu tenha provado, claro, sou menor de idade, mas imagino que o gosto seja ruim e ardido assim.

                Bem, pelo menos a paisagem estava mudando. Eu subia e o chão diminuía, exatamente como deveria ser, mas as listras pretas e brancas da escadaria estavam me deixando tonta. Foi então que eu vi outra coisa listrada. Roxo e rosa, peludo.

- Com licença... Lebre?

- Eu lá tenho cara de coelho, menina? – O gato se levantou, encarando-me de forma ofensiva.

- Perdoe-me – Pedi humildemente.

- Tudo bem, todos que passam por aqui procuram a Lebre de Março. Uma pena ela estar de férias.

- Oh, isso é ruim! Por acaso o senhor sabe como eu chego à festa da Rainha de Espadas?

- Suba mais três degraus e pule na direção do cogumelo.

- O quê? Isso parece suicídio!

- Você não irá se machucar, dou minha palavra de Cheshire.

- O que é Cheshire?

- Minha raça, garota.

- Mas Cheshires não deveriam ser verdes?

- As fêmeas sim. Sinceramente, são horríveis, têm cor de vômito. Agradeço à Madusa ser macho todos os dias.

- Uhn, bem... Então eu vou indo, senhor Cheshire.

- Não se esqueça: três degraus, exatamente.

                A medida que falava, suas listras roxas iam sumindo. Logo em seguida, as rosas deixavam o local, ficando apenas os olhos e o seu sorriso assustador, que me seguiram por dois degraus, depois sumiram.

                Okay, era só pular, não é? Olhei em volta e percebi que os degraus anteriores haviam sumido. Olhando melhor, achei uma mancha vermelha no chão. “Deve ser o cogumelo”, pensei.

                Isso mesmo, eu pulei.


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