A última lição escrita por Jude Melody


Capítulo 1
Capítulo único




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Os raios de sol castigavam a areia da praia, fortes como haviam estado todos os dias que ela passara naquela selva maravilhosa. A água do mar sussurrava baixinho, lambendo a areia como se quisesse aliviá-la do calor.

Jane suspirou, segurando o chapéu em suas mãos delicadas. Sabia que Tarzan a observava com uma expressão triste. Sabia que, no fundo de seus olhos, uma pequena esperança faiscava. A esperança de que ela reconsiderasse sua decisão.

Mas aquilo era impossível.

— Depois disso tudo, Londres vai parecer tão pequena... — ela murmurou.

— Vou sentir saudades, Jane — ele respondeu no mesmo tom de voz, mas com um toque suave de dor e consolo.

Ela ergueu a cabeça para olhá-lo nos olhos. Encontrou aquele brilho verde que a hipnotizava com tanta facilidade. Abriu a boca. Queria dizer alguma coisa. Qualquer coisa. Qualquer cosia que aliviasse a dor naqueles lindos olhos.

Mas e quanto à dor nos olhos dela?

— Senhorita Potter! — O berro do capitão do navio soou suave como um tiro.

— Está bem! Já estou indo — Jane insistiu, desanimada.

 Voltou-se para o homem que a encarava sem entender o porquê daquela partida. Esforçou-se para olhá-lo nos olhos. Estendeu a mão.

— Bem... Acho que é hora de dizer adeus.

Tarzan suspirou e estendeu a mão também. Mas, em vez de segurar a mão de Jane, ele a tocou com delicadeza, fazendo com que todos os dedos se alinhassem. Palma com palma, indicador com indicador... O cumprimento do primeiro encontro. O gesto que significava muito mais do que a maioria das pessoas da Inglaterra seria capaz de compreender.

A lembrança fez com que Jane se perdesse em pensamentos. Logo estava viajando por todos aqueles dias que dedicara ao aprendizado do “homem da selva”. As horas que gastara ensinando-o a ler e falar, os slides que mostrara, as constelações que apresentara, os desenhos, os...

— Adeus. — A voz dele despertou-a dos devaneios.

Jane sentiu que estava em seu limite. Quanto mais ficasse ali, mais difícil seria entrar no bote e iniciar sua viagem de volta para a Inglaterra. Sem se preocupar em fixar na mente uma última — e doce — imagem de seu amado, correu em direção ao bote e colocou o chapéu sobre os cabelos.

Com todos a bordo do pequeno barco, a viagem de volta para a Inglaterra teve início. Jane, olhando sempre para frente, deixava para trás aquele que aprendera a amar em tão pouco tempo.

— Adeus, Tarzan! Adeus! — disse seu pai, acenando em direção à praia. — Ah, eu vou sentir tanta falta desse rapaz.

Jane continuou perdida em pensamentos. Fitou as mãos sem realmente vê-las. Lembrou-se do ataque dos babuínos. De como Tarzan surgira do nada para salvá-la. De como a carregara em seus braços fortes e depois a levara em segurança para o acampamento.

De como ele a olhara como uma expressão que misturava alegria, curiosidade, espanto, inocência... De como tocara sua mão... Naquele momento, ele finalmente percebera que havia outros iguais a ele.

E uma parte dela estava feliz por ela ter sido a primeira humana que ele conhecera direito. A primeira depois de uma curta estadia com os pais, uma estadia tão curta, que ele não se lembrava deles com clareza.

Ela tentou colocar as luvas. Uma mão segurou a sua.

— Jane, querida — disse seu pai. — Meu coração diz que você deve ficar.

— Papai, por favor! Já conversamos sobre isso! — ela retrucou. — Eu não poderia ficar. Eu... Meu lugar é na Inglaterra com o senhor, com as pessoas e...

Uma brisa tomou de suas mãos a luva que ela tentava vestir e a atirou na areia da praia. Jane virou-se. Seus olhos logo encontraram os de Tarzan. Ele segurava a luva, mas fitava a jovem com expectativa. Como se esperasse que ela fizesse... Alguma coisa.

— Mas você o ama — disse seu pai, com a sabedoria de alguém que de fato vivera todos os anos de vida.

Ela dirigiu seu olhar a ele, como que se perguntando se ouvira certo.

— Volte, Jane.

Ela pensou em rebater de novo. Dizer que era uma ideia absurda que beirava a insanidade. Ela? Uma garota que vivera a vida inteira na Inglaterra? Largar tudo o que tinha para viver na selva com o homem que aprendera a amar? Viver entre gorilas e guepardos, caçadores ilegais e elefantes, aves exóticas e macaquinhos que adoravam desenhos?

Desistir de investir em uma bela vida profissional? De estar sempre em contato com as novas descobertas? De viajar para os outros continentes? De um dia casar com um lindo vestido branco? De passar longas tardes com as amigas em um piquenique no parque? De ter toda uma longa vida perguntando-se o que teria acontecido se tivesse feito uma escolha diferente?

Ela hesitou.

Quantas aventuras maravilhosas poderia viver se ficasse? Quantos perigos enfrentaria se não voltasse para casa? Quantas coisas nunca vistas por outros humanos poderia descobrir? Quantas coisas dos outros continentes jamais iria ver? De quantas oportunidades abriria mão? Quantas coisas iria largar para sempre? De quanto iria desistir?

Ela pensou nos momentos com ele. Na lições, nos desenhos, nas horas de conversa agradável... Pensou na sensação de balançar nos cipós. Livre...

Ela abriria a mão de bens matérias luxuosos, das tardes de fofoca entre amigas, dos livros, de um cabelo lindo e maravilhoso todos os dias, de viagens a outras partes do mundo...

E tudo isso por quê?

Porque tudo de que ela mais precisava estava lá atrás, esperando-a nas areias da praia. Não os lindos animais que poderia desenhar, ou a liberdade de dançar por entre as árvores, ou os grandes lagos de água fresca e faiscante.

Ela só precisava dele. Porque sabia que ao lado dele estaria segura. Porque sabia que ao lado dele seria feliz. Porque sabia que ele fazia dela completa. Porque sabia que, se fosse embora, ficaria para sempre presa ao passado. Porque... A Inglaterra não era tudo? Não tinha sido seu lar por tantos anos? Sim, aquele país sempre seria uma parte muito importante de seu ser.

Mas ela amava Tarzan.

Jane sorriu e abraçou o pai em despedida. Ele riu e tocou seu rosto em um último gesto de carinho. Ela ficou de pé no barco... E se atirou na água.

O chapéu voou de sua cabeça, e os cabelos dançaram ao vento, livres, e dali em diante afastados para sempre de um secador. Ela segurou o vestido enquanto se deslocava pela água.

Ao se aproximar de Tarzan, sentiu que fazia a escolha certa. Ela já havia lhe ensinado quase tudo de que ele precisava saber. Quase tudo.

Ela se atirou em seus braços, e os dois caíram na areia. Abriram sorrisos bobos, uma felicidade pura e sincera como a de uma criança. Jane fechou os olhos, envolveu seu amado pelo pescoço e o beijou. A última lição.

Ela abriu os olhos. Afastou-se de Tarzan, envergonhada. Pegou a luva de volta e começou a balbuciar, tentando não parecer tão... tão tolamente apaixonada.

— Obrigada. Obrigada por pegar minha luva...

Ele estendeu a mão de novo e tocou seu rosto. Suavemente, puxou-a para mais perto de si. Segurou seu rosto com as duas mãos. E a beijou.

“Talvez... A última lição... Tenha sido, na verdade, para mim...”, ela pensou, ao se afastar dele com uma expressão ainda mais tolamente apaixonada que a última.

— Ah... — Jane finalmente se deu conta de que eles não eram os únicos na praia. Com um pigarro, indicou os gorilas que observavam o casal com sorrisos espertos e maliciosos. Tantor erguia-se atrás deles, enorme, ruivo e curioso.

Tarzan tomou sua mão e puxou a jovem para mais perto do grupo. Passou-a para Kala, que lhe sorriu como se já a reconhecesse como filha e depois a levou em direção a Tantor e os outros gorilas.

Jane percebeu que Tarzan estava bem atrás dela. E, mesmo sem olhá-lo, sabia que ele estava sorrindo. Porque ela mesma não conseguia parar de sorrir.

Inspirando fundo e olhando todos ali presentes com ternura, ela pronunciou as palavras que marcavam a sua nova vida:

— U-u-i-e-u!

E se deu conta de que ainda havia muitas lições pela frente.


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