O Som do Coração escrita por Vlk Moura


Capítulo 17
Parte 2: Capítulo 17 - The Funeral Of Hearts




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/592188/chapter/17

Até o dia do médico eu não saí de casa. Eu queria conversar com a Marina por vídeo, mas eu não estava pronta para contar a ela e eu nem poderia contar o que realmente acontecera já que eu não sei ainda o que realmente aconteceu, então me ocupei de tentativas frustradas de tentar tocar o violão, de tentar entender a matéria, e até de tentar ouvir música, mas como disse, foram frustradas.

Eu ainda não contei para Marco sobre minha audição, será que ele ainda me chamaria para seus passeios sabendo da minha deficiência? Tudo que eu quero agora é que um buraco negro se abra no meu quarto e me sugue para qualquer lugar no espaço, lá o som não se propaga, logo eu ficaria confortável em saber que tudo o que está acontecendo está com um SAP continuo e que não sou eu o problema.

Abriram a porta do meu quarto, eu me assustei com o vulto que vi no espelho, olhei extremamente assustada, eu estava até ofegante, Marco me olhou rindo.

– Você não tem mais saído, aconteceu algo? - obrigada por perceber agora, depois de tanto tempo que eu tenho algum problema, mas ainda é melhor do que eu ir... droga, não vira o rosto que continue falando, eu não sei o que você diz, para Marco, me olhe, me olhe, Marco - Por que você está chorando?

– Porque eu não posso te ouvir - falei, ele ficou me encarnado e riu.

– Não faça esse tipo de brinc... - ele virou o rosto novamente, o puxei, ele me olhou sério.

– Não estou brincando, eu não posso te ouvir - ele ficou calado, não disse nada - Eu... Eu... Me deixa sozinha, por favor.

Seu olhar foi suficiente para saber.

– Vai, Marco! Me deixa sozinha! - eu gritei, ele saiu do quarto meio tropeçando, meio me olhando, meio querendo dizer algo.

Fechou a porta e eu voltei a me enfiar nas cobertas, não queria ver ninguém. Minha madrasta entrou, ela me descobriu, porque mães são sempre assim, precisam enfiar seu nariz onde não foram chamadas? Se bem que minha única experiência com mãe é minha madrasta e minha tia que aparentemente deixa Pietro bem a vontade, inclusive para ele vir aqui em casa quando eu mandei uma mensagem dizendo que estaria ocupada demais para conversar com ele, mas por minha sorte ele veio para ver Marco.

– Ele estava vindo te chamar para uma festa.

– Mas como eu vou se não posso ouvir? Eu não... - puxei a coberta e cobri a cabeça - Me deixe em paz, quero ficar aqui e com um pouco de sorte eu viro poeira antes que alguém se lembre de mim.

Ela se levantou, pude perceber o seu espaço abaixado levantar, eu me encolhi ainda mais e tentei dormir.

Será que foi assim que Wilke se sentiu quando ficou em casa e ninguém foi visitá-lo, com a diferença que ele tinha o vídeo-game e os belos efeitos sonoros que poderia aproveitar, já eu estou trancada no meu quarto com livros que agora não parecem interessantes já que não posso mais encaixar suas histórias com boas músicas. Estou me sentindo como o Deus descrito em Funeral Of Hearts do H.I.M. "...god who's deaf and blind" eu tenho a visão, mas estou completamente surda, isso faria de mim uma semi-deusa, ou apenas mais uma patética fã tentando encontrar algo nas músicas para dizer que sou eu, provavelmente essa segunda opção.

Meu celular vibrou, embaixo do cobertor tudo foi iluminado, era uma mensagem do Wilke, é engraçado como o amor pode ser uma arma, mas não quero pensar nisso agora, quero perguntar para o meu pai se ele conseguiu a consulta que me prometera e se hoje posso comer algum sanduíche enorme para afundar minhas frustrações.

– Pai? - saí do quarto, ela já estava ali - Marcou o médico?

– Então é verdade, ela está mesmo surda? - meu irmão perguntou me olhando, eu me encolhi em mim mesma - Desculpa, Ya, não queria te fazer se sentir mal, eu apenas...

– Não se preocupe, só quero saber do médico e vou voltar para o quarto - ele estava com roupa de sair, iria mesmo a uma festa.

– Marquei sim, amanhã logo cedo.

Acordei com o vibracall do celular, me arrumei e tomei café, meu pai levantou pouco depois comeu e me levou para o carro, a madrasta cuidaria dos outros. Pelo caminho passamos próximos a casa do Wilke, eu o vi com a Sabine e isso mexeu comigo como eu nunca desejei antes, meu pai me sacudiu e eu o olhei.

– O que foi? - O que foi é que mesmo surda meu coração, infelizmente, não virou pedra, mas eu não diria isso.

– Sono, é o que acontece - falei espreguiçando e encostando a cabeça no vidro.

Chegamos ao médico, era o velho otorrinolaringologista do meu pai, ele era calvo no meio da cabeça e tinha dois tufos na lateral, igual ao Bozo, um enorme nariz vermelho, não sei se ele sempre fica com reação alérgica, sei que nunca o vi com o nariz em uma cor normal, o rosto cheio de rugas. É um bom velhinho.

Ela falava algo, mas era rápido e com a boca murcha por falta de dentes dificultava minha leitura. Por favor, me olhe doutor. Ele olhou, mas não falou nada, sorriu fazendo o que achei que era impossível acontecer, sua boca ergueu toda a bochecha caída e formou um sorriso. Pediu para eu ir a um banco, olhou meus ouvidos, suspirou, pediu exames, suspirou, falou algo par ao meu pai ficando de costas para mim, apenas parecia ser algo ruim pela reação do meu velho que arregalou os olhos me olhou tossiu e retomou a postura.

– É grave? - perguntei.

– É sim, Yara - o doutor falou lento - Seu ti... foi rompido nas duas orelhas.

– Meu o quê? - olhei meu pai. Ele digitou no celular, ah, tímpano, pera - O quê? - eu comecei a chorar - Quer dizer que eu não vou voltar a ouvir, é para valer isso, eu não vou... Pai, eu nunca mais vou...

– Calma - o médico segurou meus braços - Tem solução, quer dizer, não é cem porcento certo.

– Eu quero! - olhei meu pai - Eu faço, o que é? Remédios?

– Não, minha filha, cirurgia - meu pai falou.

Eu tenho pânico de mesas de cirurgia, quando era muito nova fui operada, mas digamos que a anestesia não foi tão bem aplicada, não que eu tenha sentido a dor, mas fiquei consciente e isso foi traumatizante.

– Não, não, não - olhei o médico - Tem outra solução, não tem? Fala, doutor - eu quase gritava e me agitava, eu só sabia que quase gritava pela vibração na minha garganta.

Não sei se o médico respondeu, mas meu pai me tirou dali pouco depois me enfiou no carro e minha crise de choro voltara. Cheguei no apartamento, Pietro chegava da escola ele pareceu dizer algo, mas passei reto, meu pai pareceu pará-lo, entrei passei pela sala, nem vi se tinha alguém, bati a porta, escorreguei por ela e fiquei sentada no chão chorando, mas que droga, é a única coisa que sei fazer agora. Meu celular tocou, olhei a foto da Marina, o joguei longe e continuei ali sentada, até dormir.

Acordei assustada com alguém batendo na porta. Bateu novamente, e de novo, droga.

– Me deixa! - gritei.

Bateu novamente e parou. Voltei a chorar, mas que droga. Ouvi algo bater e pareceu escorregar até o chão, fechei os olhos, os soluços ainda me tomavam, estou odiando tudo, estou me odiando, estou odiando meu cabelo, estou odiando meus dedos machucados pelo violão, estou odiando as roupas que ando usando, estou odiando meu sapato de salto, estou odiando a tinta das paredes do meu quarto, odiando meus poteres, estou... Uma leve batida na porta, eu podia senti-la, era bem embaixo na porta, era num ritmo que eu conhecia. Não era uma música mais sim código, algo tão antigo que eu ter me lembrado me fazia querer chorar ainda mais. Bati em resposta, a pessoa respondeu, me levantei e abri a porta, encontrei Pietro sentado e quase caindo conforme abri a porta, todos estavam ali em casa, meu pai e minha madrasta conversavam com os pais do meu primo enquanto Marco cuidava do Meleca.

Pietro se levantou, eu o puxei para o quarto, ele ficou me olhando em silêncio e então me abraçou, foi um abraço forte, foi algo aconchegante, ele me abraçou tão longamente que eu tive de nos afastar, eu o olhei, ele chorava, como assim ele ta chorando? Pensei que tinha vindo até aqui para me dar apoio.

Ele pegou o celular, digitou algo, sério mesmo que ele vai mandar mensagem quando veio me ver?

Meu celular vibrou, olhei, mensagem do meu primo.

"É verdade, você perdeu mesmo a audição?"

O olhei e confirmei, ele se assustou.

"Mas como foi isso?"

"Não sei, eu estava com o Juca e aconteceu"

"Ele te fez algo" o respondi por gesto negando "Se aquele idiota tivesse feito algo com você, eu acabaria com a raça dele" eu ri e o abracei novamente.

Nos sentamos e ficamos conversando por mensagem. Ele me perguntou por que não tinha contado a ele sobre isso, por que escondi dele que supostamente é meu melhor amigo, por que, por que por que.

Eu apoiei minhas mãos em seus joelhos, ele me olhou.

– Eu não contei para ninguém, nem mesmo para o Marco - ele pareceu confuso - Só meu pai e a tiazinha - minha madrasta, ela fica irritada quando a chamo assim e com o passar do tempo passou a ser algo carinhoso - sabiam disso, eu não queira que ninguém soubesse.

– A Marina está me metralhando perguntando de você, falando que você a está ignorando, e quer saber não importa o que aconteça, ela até ameaçou vir aqui te ver.

– Não! Ela não pode vir aqui, não importa o que aconteça, Pi, não deixe que ela venha aqui, eu nem sei qual seria a reação dela, não sei como me comportar na frente dele, por favor, me promete.

– Claro que sim - ele me abraçou novamente - Eu vou te proteger, Yara Rosa Mequelinni.

– Ai, não, se vai me chamar de Mequelinni me mata logo - ele riu.

– Mas como você está com tudo isso?

– Péssima - me joguei na cama - Horrível, eu não sei o que fazer, não sei como me comportar, não consigo nem sair sozinha.

– Certo - ele se levantou - Vem - me puxou - Vou te ajudar com o primeiro passo.

Ele me puxou abriu minha porta, pareceu gritar algo e só sei disso porque senti uma sensação estranha em minha orelha, eu o olhei, ele sorria e me abraçou fortemente, na sala todos me olharam, minha madrasta se emocionou, meu pai deu riso misturado de choro, Marco parou o aviãozinho que fazia com Meleca no meio do voo, meus tios sorriram para nós.

– O resto é com você. - ele se afastou e me deixou ali sendo observada por todos, meio sem chão, meio tonta, meio sem saber o que fazer.

– Isso que vocês estão assistindo é hóquei? - olhei na televisão - Que pecado assistir hóquei e não me chamar.

Me juntei no sofá.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que estejam gostando ^^



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Som do Coração" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.