Arco e Baquetas escrita por Stella


Capítulo 3
Mi


Notas iniciais do capítulo

A música de hoje é Take on me (A-ha).
Boa leitura!

16/02/2015



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– Eu acho que está ótimo. – opinou Malu, olhando novamente para a partitura escrita a lápis.

– Não está não. – disse Felipe, suspirando – Mas vai ter que servir. Eu não tenho tempo pra isso, agora. Eu tenho que estudar pro meu teste.

– Que teste?

– Eu fui indicado pra ser o spalla da orquestra.

– Isso é incrível! – Malu exclamou, parecendo genuinamente animada.

Felipe achou estranho que ela tivesse ficado feliz por ele.

– Amanhã a gente entrega o trabalho pro professor de composição. Eu espero que ele nos dê a nota máxima. Eu aceitei todas as suas sugestões. – disse Felipe, pegando o arco do violino.

Malu entendeu que aquele era o jeito dele de dizer que, se eles tirassem uma nota inferior a dez, a culpa seria dela.

Felipe começou a tocar a música que tocaria no dia do teste. Franziu as sobrancelhas imediatamente. Aquilo não estava soando nada bem. Provavelmente, por causa daquela garota. Malu o deixava desconfortável. Graças a Deus tinham terminado aquele maldito trabalho em dupla, e agora ela voltaria a bater em tambores gigantes em alguma sala do conservatório, bem longe dele. Ou ao menos, era o que ele esperava.

Mas Malu continuava lá, segurando aquelas baquetas que lhe eram inseparáveis e olhando pra ele com aqueles olhos verdes enormes.
Por que ela ainda estava ali? Eles já tinham terminado o que tinham para fazer. O trabalho estava concluído. Aquela garota podia muito bem dar o fora e nunca mais voltar.

Felipe parou de tocar. A frustração por não conseguir tocar direito só contribuiu para que ele se irritasse ainda mais com a presença dela.

– O que é que você está olhando? Nós já acabamos a droga do trabalho. Por que você ainda está aqui?

Mais uma vez, ele a estava tratando mal e ela parecia não dar a mínima.

– Por que você toca assim? – ela perguntou, curiosa.

– Assim como? – Felipe perguntou de volta, quase gritando.

Como se tivesse alguém atrás de você pra te chicotear a cada nota errada.

Ele largou o arco na cadeira. Respirou fundo, contou mentalmente até dez. Não conseguia se livrar daquela sensação. Era como se estivesse irritado com absolutamente tudo. O violino parecia pesar toneladas toda vez que ele o posicionava no ombro.

Aquilo era difícil demais. Conciliar o colégio com seis horas diárias de violino era uma loucura. Ter a mesma rotina sempre o esgotava. Dormir tarde, acordar cedo, escola, conservatório de música, voltar pra casa, estudar para o vestibular, estudar mais violino, fazer dever de casa, dormir tarde, acordar cedo…

Talvez estivesse começando a enlouquecer. Tudo bem, pensou Felipe. Talvez no hospício ele tivesse um cronograma mais flexível.

Malu olhou nos olhos dele com atenção. Ele parecia estar desmoronando em silêncio. Completamente só.

– Ei, Felipe. Eu acho que a gente devia dar uma volta. Sabe, espairecer um pouco. Não faz bem ficar tanto tempo preso nessa sala. Talvez, se você conseguisse relaxar…

– Dá o fora daqui. O som da sua voz me irrita. - ele a interrompeu - Vá embora e nunca mais volte a me incomodar.

Felipe voltou a tocar, pressionando o arco contra as cordas do violino com uma força brutal. As notas soavam como guinchos, mas ele continuou, evitando olhar para a garota que o encarava boquiaberta.

Antes que Malu finalmente saísse da sala, ele a olhou de relance e pela primeira vez achou que ela parecia um pouco triste.

Enquanto caminhava pelos corredores do conservatório, Malu pensava que talvez não pudesse mesmo ajudar Felipe. Afinal, ele claramente não queria ser ajudado. Pensava também no que os outros músicos falavam sobre ele. Diziam que ele era egoísta, grosseiro, arrogante e incapaz de ter uma conversa civilizada com qualquer pessoa.

Bem, seria mais fácil simplesmente acreditar nisso e manter distância dele. Ele não era problema dela, afinal de contas.

Mas Malu não conseguia se livrar da imagem do olhar dele. Só conseguia pensar que aquele garoto devia ter sérios problemas e ninguém pra ajudá-lo a passar por eles. Ele parecia terrivelmente solitário. Talvez aquele olhar de desprezo e aquele tom de voz irritado fossem só uma fachada que ele construiu pra se esconder.

Ou talvez ele só fosse um babaca, mesmo. Ela não sabia nada sobre ele.
Sentiu-se meio perdida entre tantas suposições. Como de costume, a música a ajudou a se encontrar.

Naquela tarde, quando Malu voltou pra casa, encontrou seu pai na garagem, lavando o carro. Uma música tocava em volume altíssimo. Era uma daquelas canções dos anos oitenta que o pai dela adorava porque o fazia se lembrar de quando ele era jovem. Malu riu ao vê-lo curtir a música de uma forma nada contida, mais berrando que cantando.

"You’re shying away", berrava o pai dela, "I’ll be coming for you anyway". E então ele reiniciava o refrão com dose extra de energia.

Malu sorriu. Pensou na expressão tensa e irritada de Felipe.

Por que desistir de alguém tão rápido? Talvez ele só precisasse de alguém que o aceitasse.

Ok, Felipe estava se afastando. Mas ela voltaria pra ele de qualquer jeito.


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