Doce escrita por Ditto


Capítulo 1
Doce


Notas iniciais do capítulo

miau.



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Eu perdi o gosto por doces. Nunca fui daqueles viciados que não vivem sem açúcar, mas eu costumava apreciar uma sobremesa de vez em quando. A maioria das pessoas parece sentir-se feliz ao comer um doce, até mesmo procuram o açúcar como consolo quando estão deprimidos. Todavia, eu, com o passar do tempo, perdi completamente a capacidade de gostar de qualquer coisa doce. Doces passaram a me enojar, se tornaram pastosos e indesejados em minha boca, enjoativos ao extremo, me fazem desgostoso.

Não sei quando ou porque aconteceu, um dia simplesmente reparei que fazia um bom tempo que eu recusava todos os doces que me eram oferecidos. Também percebi que me tornei cada vez mais amargo à medida que o doce desapareceu de minha vida. As coisas estavam indo em perfeita sincronia com meus planos e o mundo estava ao meu lado. Tecnicamente, não havia motivos para descontentamento, meu único inimigo estava morto e a equipe de investigação inteira confiava em mim cegamente. Ainda assim, por alguma razão patética, eu me sentia cada vez mais vazio e solitário.

Verdade seja dita, se eu já era uma pessoa fria, me tornei uma pedra. Gélido e inflexível, atuando em cada sorriso e tornando públicas apenas emoções inexistentes. Fingindo viver, somente por viver, mantendo os ideais acima de mim mesmo. E longe do açúcar. Só a visão de um bolo já era o suficiente para me causar mal-estar. Bolos parecem remeter à festas, alegria. Hipocrisia, mentiras, jogos de sociabilidade. E doces. Quanta ironia, e novamente os doces suprimem os sentimentos. Quase chego a ter inveja de quem consegue se sentir melhor só de comer um pedaço de chocolate. Para mim, doces não são sinônimo de felicidade de forma nenhuma. Aliás, até tornaram-se sinônimos de infelicidade, já que além de terem tornado-se uma substância indigerível, me remetiam automaticamente a alguém indesejável. Alguém que mesmo depois de morto, não perdera o hábito de me perseguir. Difícil acreditar, que depois de todo o esforço para me livrar de tamanho estorvo, eu descobri que ele se imortalizara, deixando suas impressões gravadas a fogo dentro mim. Como se já não bastasse o sofrimento patético que se discorria quando ele era vivo. E eu ainda vejo sua figura pálida quando fecho os olhos, ainda escuto sua voz ecoando em qualquer silêncio, ainda sinto seu gosto tomando conta da minha boca. Doce. Tão doce quanto absolutamente tudo o que ele colocava na boca.

Ele era, por metáfora incomum, um doce. Não era meigo, gentil ou sequer se preocupava em ser delicado com as pessoas. Mas era viciante, depois que se experimentava não era mais possível parar e, de tanto comer, fazia sentir pesado e enjoado. Terrível. Prejudicial. Ainda assim, como um doce, derretia-se ao toque, despia-se de toda a sua armadura de indiferença e insensibilidade. E, ah, sim, o prazer sádico que havia em ser o único que via seu lado vulnerável. Sua voz, geralmente monótona e controlada, apenas para mim, fazia os sons mais deliciosos. Gemidos afeminados, gritos repletos de dor e prazer, pronunciando meu nome sofregamente, desesperadamente, apaixonadamente.

A verdade é que eu amava machucá-lo, feri-lo, controlá-lo. Se, na maior parte do tempo, o mundo era dele e ele tinha o controle e obediência de todos nós, então quando estivéssemos sozinhos, o controle seria meu. Se na frente de todos ele gostava tanto de me humilhar e me atingir, na intimidade eu descontaria cada segundo dominando-o e o fazendo implorar por mais. Nos odiávamos. Gostávamos de ferir um ao outro com palavras e de qualquer outra forma que nos convinha. E às noites eu o possuía por completo. Gostava de vê-lo meu, parte por vingança, parte por nem eu sei bem. E ele gostava de ser meu, sabe-se lá por que razão doentia. E aquilo fazia parte do nosso jogo de poder.

E estávamos mal.

Ele me fazia mal. Me confundia e distraía dos meus objetivos, dos meus ideais. Assim como um dependente químico, resolvi me abster da droga que me desvirtuada. Suas ações eram um risco para o meu reinado e sua presença era um risco para a minha mente.

Cheque mate.

Acho que não o desapontei se, no último segundo, deixei que confirmasse suas suspeitas sobre mim. Foi um pouco de vitória para ambos, sendo a ele que se descobrisse certo e não levasse a dúvida para o túmulo, e a mim que o fizesse engolir meu triunfo em seu último suspiro.

Confesso que esperava esquecê-lo, que sem sua presença eu me sentiria mais leve. Enganei-me, sinto me mais pesado a cada dia que passa. Não digo que me arrependo, muito pelo contrário, não é a falta dele que me incomoda, mas a falta de mim. Sinto como se, junto dele, a pessoa que eu fui também faleceu, e no vazio que deixou, a memória dele se instalou. Doce, amarga e impertinente.

Ah, tão doce...

Talvez eu já tenha mesmo doce de mais em mim.


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Notas finais do capítulo

Eee.... essa fic não foi betada. Se alguém viu algum erro, ou achou alguma coisa confusa, aceito correções ♥
OBRIGADA POR LER ATÉ AQUI. Se gostou, comenta, se não gostou, comenta também ♥ Quero saber tudo (ノ◑ヮ◑)ノ*:・゚✧



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