Camélia escrita por SatineHarmony


Capítulo 5
Perguntas/Respostas




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Shion espalhou os papéis sobre sua escrivaninha, de forma bagunçada — não, ele não era uma pessoa desorganizada, porém possuía seus próprios métodos de trabalho. Selecionou alguns que lhe pareceram interessantes, e os ordenou de um jeito que apenas ele entendesse o padrão. Shion estava lendo as observações dos professores e alunos das escolas de No. 6, buscando determinar quais eram as áreas deficientes. O investimento adicional já lhe estava disponível, agora só bastava aplicá-lo onde era necessário, e todos ficariam felizes — pelo menos, era isso que Shion esperava.

Um punho bateu contra a madeira da porta do escritório, e esta foi aberta em seguida. Shion levantou seu olhar dos documentos à sua frente, prestando atenção em quem entrara no cômodo:

— Kensei-san — abriu um sorriso convidativo —, por acaso você tem boas notícias para mim?

— Sim. — o homem mais velho disse em um tom satisfeito, e começou a folhear os papéis que trouxera consigo: — Nós possuímos voluntários suficientes para organizar três grupos de sete integrantes cada. Eu sei que a quantidade de interessados não é proporcional à propaganda toda que fizemos, mas serei sincero: eu esperava que apenas uns cinco se voluntariassem. — admitiu.

— Eu pensei o mesmo. — Shion concordou, com uma careta. — Mas vinte uma pessoas são suficientes, creio eu. Claro que seria ótimo se tivéssemos mais, porém... A maioria do pessoal trabalha ou estuda, então é compreensível que não queiram se ocupar mais ainda. — deu de ombros. — Agora estou curioso: dos interessados, qual é o percentual de habitantes do Distrito Oeste? — apoiou o queixo em uma das mãos, focando-se totalmente em Kensei. Este franziu os lábios, enquanto dava uma rápida lida nos seus papéis:

— Mais da metade. Apenas seis moram aqui na cidade, e, desses seis, quatro possuem alguma ligação com o Distrito Oeste. Somente duas pessoas realmente não aparentam ter algo a ver com tudo isso. Quero dizer, elas não registraram conhecer ninguém do Distrito Oeste, e se voluntariaram por livre e espontânea vontade.

Shion riu do tom de voz desconfiado de Kensei:

— Estas são pessoas altruístas. São cidadãos que têm consciência de seus deveres e direitos. Não os julgue, Kensei-san; pessoas desse tipo ainda existem. — sorriu de forma agradável. — Amanhã, reuniremos todos para organizarmos os horários, as rotas etc. — voltou sua atenção aos documentos dispostos sobre sua mesa, no entanto, parou de fazê-lo ao lembrar-se de algo: — Mais alguma coisa, Kensei-san?

— Na verdade, sim. — o homem separou um papel da sua pilha, e colocou-o sobre a escrivaninha, para que Shion pudesse vê-lo: — Você pediu que eu recolhesse as informações dos voluntários para fazermos suas fichas, porém um deles se recusou a responder as perguntas.

Shion observou o formulário em branco à sua frente. Apenas uma das lacunas fora preenchida — Nome: Nezumi. Ele tentou reprimir um sorriso, mas falhou completamente. Voltou seu olhar cheio de felicidade para Kensei:

— Dê carta branca a este. Ele será muito útil para nós.

Shion não notou o desgosto estampado no rosto do homem mais velho.

* * *

Tudo estava finalmente correndo bem para todos — o quadro de Inukashi havia se estabilizado, Nezumi agora estava ocupado com seu voluntariado, Shion estava vendo os frutos de seus investimentos. Karan estava feliz pelo simples fato de todos estarem felizes, e se Karan estava feliz, então também estava Rikiga.

Nezumi e Shion começaram a passar a maior parte do tempo livre que tinham no laboratório. Nezumi portava de um dos livros que pegara da rica biblioteca localizada no segundo andar, e Shion fazia uso do seu microscópio, tentando descobrir mais sobre o vírus que definhava Inukashi.

Observando a edição de O Príncipe Feliz e Outras Histórias em suas mãos, Nezumi percebeu que ele estava familiarizado até demais com os riscos sobre a capa, as páginas amareladas e seus rasgos. Franzindo o cenho, virou-se para Shion, e este o respondeu antes mesmo que proferisse a pergunta propriamente dita:

— Sim, esse é o seu livro. Eu resgatei toda a sua biblioteca do Distrito Oeste, depois que o muro da No. 6 caiu. Era claro o seu zelo pelos seus livros, e eles eram muito importantes para você, portanto eu os conservei. — Shion disse, como se fosse algo óbvio. — E eu não tive a oportunidade de ler todos durante o período em que morei contigo, então aproveitei para lê-los também. — em nenhum momento Shion tirou seus olhos das oculares do microscópio. Nezumi franziu a testa com isso, surpreso, porém logo engoliu em seco:

— Obrigado, Shion. — sinceridade estava claramente presente em sua fala. Shion deu de ombros:

— Não há de quê. — começou a girar o parafuso micrométrico do microscópio enquanto falava: — Eu sei que você faria o mesmo... — Shion interrompeu-se com uma exclamação de surpresa: — Uma enzima! E o que você faz?... Oh! — sua boca formou um "o" perfeito, de tão pasmo que estava. Nezumi assistiu a um Shion atônito em silêncio, até que este finalmente pareceu recuperar-se de seu susto. Afastou-se do microscópio, e sua fisionomia ficou séria repentinamente, ao virar-se para o homem de cabelos azuis: — Se a Inukashi não estivesse doente por culpa desse vírus, eu diria que ele é fantástico.

Nezumi apoiou seus cotovelos sobre a mesa e curvou-se, mostrando interesse:

— O que você está analisando, doutor? — o título soou sarcástico em seus lábios. Shion revirou os olhos:

— Ler livros de fisiologia e saúde não torna ninguém um médico. Eu coloquei uma amostra do sangue de Inukashi numa placa petri, e descobri uma coisa muito interessante. — ele girou em sua banqueta, para poder ficar de frente para Nezumi: — Vírus, quando infectam uma célula, inserem seu DNA para poderem controlar o metabolismo. O material genético viral é copiado pela célula, resultando na proliferação do vírus pelo organismo. O vírus da Inukashi faz justamente o oposto.

— Isso é biologicamente possível? — Nezumi perguntou, observando a tensão clara no rosto de Shion.

— Bom, se você tivesse feito essa pergunta dez minutos atrás, eu responderia que não. — estalou a língua.

— Mas...? — Nezumi ergueu as sobrancelhas.

— Mas eu acabei de descobrir uma enzima que faz isso. — Shion suspirou, e levou uma das mãos ao seu cenho franzido, massageando-o. — Esse vírus introduz uma molécula de RNA viral na célula, e não uma de DNA. Esse RNA se torna DNA através da ação dessa tal enzima, infecta o núcleo do linfócito e o controla. Assim, o vírus se prolifera, e torna o sistema imunológico de Inukashi inútil.

— O quanto isso piora a situação? — Nezumi adotou um tom de voz calmo, como se quisesse transmitir tranquilidade a Shion.

— Muito. — Shion passou as mãos pelos cabelos brancos, frustrado. — O vírus é muito agressivo, é impossível criar uma vacina ou um soro com a tecnologia que temos.

— Soro e vacina nunca foram uma opção, Shion. Você mesmo disse, Inukashi não consegue produzir anticorpos eficientes justamente por causa do vírus.

— Eu sei, mas... — Shion abaixou a cabeça, fugindo do olhar de Nezumi. — Mas, mesmo que eu não consiga mais salvar Inukashi, eu queria que No. 6 não se tornasse vítima do vírus também.

Nezumi estreitou os olhos, notando algo novo:

— Você está mantendo um portador de um vírus desconhecido e invencível na sua casa. O protocolo não declara que o correto seria informar as autoridades?

Shion mordeu o lábio inferior, antes de responder, com um ar hesitante:

— Sim, mas Inukashi se recusa a ir a hospitais. Ele me fez prometer que cuidaria dele aqui em casa. E eu... — trincou os dentes, não terminando a frase. Vendo a feição perturbada de Shion, Nezumi franziu os lábios:

— E você suspeita de algo, por isso que não confia Inukashi às autoridades. — sua postura tornou-se pensativa, e sentiu as palavras de Shion penetrarem seu cérebro. Ele podia ter conhecimento zero em biologia, porém algo estava fora do lugar. — Então o vírus é tãoúnico por possuir essa enzima incomum?

— Tecnicamente, essa é uma das razões.

— E se essa enzima não existisse? Se o vírus infectasse a célula da mesma forma que os outros vírus "normais", isso faria o vírus ser mais comum? — Nezumi continuou seus questionamentos.

— Depende da sua definição de comum. — Shion informou, relutante.

— Eu digo comum como em natural.

Shion assentiu em silêncio.

— Só mais uma pergunta — começou Nezumi, parecendo chegar onde queria. —, seres humanos são capazes de criar enzimas?

— Enzimas aperfeiçoadas pelo homem são usadas em exames da medicina diagnóstica, aqui em No. 6. Não conheço casos de criação de enzimas, uma vez que as enzimas naturais são suficientes. Quero dizer, por que criar enzimas novas, se elas já existem naturalmente, e realizam seus processos no nosso organismo de forma correta? — foi retórico. — Talvez nós sejamos capazes de criar; eu acho que a engenharia genética evoluiu a esse ponto, mas, de novo, não faz sentido. — seus olhos arregalaram-se ao compreender o ponto de vista de Nezumi: — A não ser que você seja um insano que quer maximizar o poder de um vírus já existente.

— Exatamente.

Shion recolheu suas pernas, encolhendo-se sobre a banqueta na qual estava sentado. Abraçando-se, arfou ao notar no que eles estavam envolvidos:

— Não, não é possível... Quem?... Não é No. 6 — ergueu sua cabeça de repente, fitando Nezumi com confiança. — Não é No. 6 a culpada, eu me certifico todo dia de que ela continua honesta e correta. Eles não seriam capazes de coordenar uma pesquisa dessas, não...

Nezumi levantou-se, para ficar ao lado de Shion. Uma de suas mãos afagou-lhe as costas em movimentos circulares, com a intenção de tranquilizá-lo:

— Acalme-se, Shion, eu não estou culpando ninguém. Eu sei que, antigamente, eu seria o primeiro a julgar No. 6, mas eu acho que não devemos nos precipitar nesse caso. Nós devemos, antes, pesquisar. Procurar provas, simplesmente fazer algo.

Shion lançou um olhar determinado para Nezumi:

— Hoje à noite, nós vamos invadir a sala de arquivos da prefeitura.

* * *

— Você sabe que não é considerado invasão quando se tem a chave, não é? — Nezumi ergueu uma sobrancelha, irônico. Eles estavam no gabinete de Shion, para que este pudesse pegar o seu cartão de acesso.

— Nós nunca conseguiríamos arrombar a porta da sala, ela é feita de aço e possui sabe-se lá quantas travas. — Shion informou, enquanto procurava o objeto na primeira gaveta da sua escrivaninha.

— Bom saber que vocês confiam no seu povo a ponto de pensar que eles roubariam documentos do governo. — Nezumi bufou.

— Essas medidas de segurança são da época da utopia. Nós não nos preocupamos em tirá-las porque raramente alguém vai lá. — Shion respondeu, no entanto logo estalou a língua, irritado: — Eu jurava que tinha guardado o cartão aqui! — resmungou, tirando tudo o que tinha dentro da gaveta.

— Shion, pare, já deu pra notar que o cartão não está aí. — Nezumi deu um tapa em suas mãos, impedindo-o de continuar vasculhando entre os elementos jogados sobre o chão. — Eu procuro na segunda gaveta, e você na terceira. Nós não temos tempo a perder.

Nezumi encontrou o cartão debaixo de um mapa dobrado de No. 6, dentro da segunda gaveta. Ao ver o objeto nas mãos do homem de cabelos azuis, Shion murmurou:

— Eu realmente achei que o tivesse colocado na primeira gaveta. — insistiu. Nezumi estreitou os olhos:

— Você pode ser um completo desligado e distraído, Shion, mas eu confio nos seus métodos de organização. — sussurrou de volta, e Shion não sabia se considerava aquilo um elogio ou insulto. Ele estava prestes a contestar a frase confusa de Nezumi, quando este o puxou pela gola de sua camisa branca, e selou seus lábios juntos. Shion fechou os olhos no mesmo instante, e suas mãos encontraram os ombros de Nezumi.

A porta do escritório foi aberta.

— Oh! Eu não sabia que vocês estavam aqui, desculpem-me.

Ao reconhecer a voz, Shion afastou-se de Nezumi no mesmo segundo, virando-se para o homem em pé na entrada do cômodo.

— Perdão, Kensei-san, eu... — Shion piscou os olhos algumas vezes, tentando colocar sua mente em ordem. — Eu vim pegar os documentos dos investimentos para poder estudá-los em casa. — mentiu. De onde o homem mais velho estava, não era possível ver a bagunça feita durante a procura do cartão.

— Eu vim buscar o meu casaco. Eu o esqueci aqui. — Kensei justificou-se. — Enfim, boa noite, Shion. — deu um sorriso artificial. — E boa noite... Nezumi, não é?

— Boa noite, Kensei-san. — Shion correspondeu com educação, enquanto Nezumi permaneceu em silêncio ao seu lado. Assim que o homem retirou-se do escritório, Shion suspirou de alívio: — Essa foi por pouco. Mas foi estranho ele ter vindo aqui a essa hora.

— Talvez ele tenha vindo aqui pela mesma razão que nós dois. — Shion arquejou de surpresa com isso, e Nezumi continuou: — Shion, você tinha guardado o seu cartão na primeira gaveta.

— Ele... — a voz de Shion fraquejou, e ele baixou seu olhar para seus próprios pés, não sabendo ao certo como reagir a tal revelação.

— Shion? — Nezumi soou duvidoso. Quando o homem de cabelos brancos assentiu num sinal de que estava bem, ele prosseguiu: — Também há outro detalhe importante.

— Eu notei. — Shion finalmente tomou coragem de erguer seu rosto. — Kensei não estava segurando casaco algum enquanto falava conosco.

* * *

Shion passou o cartão pelo aparelho ao lado da porta da sala de arquivos. Quando o acesso lhe foi concedido, começou a apertar os botões que apareceram na tela touch.

— Se ele realmente pegou o meu cartão, então a entrada dele constará no histórico. — comentou, e, com mais alguns cliques, encontrou o que desejava: — Droga! — sibilou.

— O que foi? — Nezumi aproximou-se, tentando ver a tela. Nela era exibido uma sequência de fotos do Shion, e abaixo estavam escritos horários e datas. — Ele usou seu cartão, então o computador constou como se você tivesse entrado. — notou ele.

— Sim, mas o problema não é esse. Veja quantas vezes ele veio aqui. Uma vez por dia nas últimas três semanas. — Shion estalou a língua. — Existe uma medida de proteção que determina que um usuário só pode deletar um documento a cada vinte e quatro horas. Kensei está se livrando de algo grande, um assunto que está presente em vários arquivos diferentes.

Nezumi fechou os olhos com força por um instante. Isso era algo muito pior do que ele previra... A hora havia chegado. Inspirou fundo:

— Shion, eu tenho algo importante para falar. — declarou, lutando para manter sua voz uniforme. Shion virou-se para ele, com um olhar neutro:

— Kensei é o meu pai. Eu já sei disso. Eu sempre soube. — informou, seco. — Não se preocupe, Nezumi, eu consigo cuidar de mim mesmo. — sob seus olhos, a expressão controlada de Nezumi desabou, dando lugar a traição e surpresa. Ele se recompôs rapidamente:

— Entre na sala, não podemos nos dar ao luxo de conversar no corredor. — disse, e assim fizeram. Uma vez dentro da sala de arquivos, Nezumi lançou um olhar frustrado a Shion: — Como você soube?

Shion deu de ombros:

— De fato, eu tenho nenhuma memória do meu pai durante a minha infância, mas minha mãe me contou histórias. Ele ganhou aquela cicatriz na sobrancelha esquerda quando foi acertado por uma garrafa de cerveja numa briga de bar. A cicatriz na mão é de uma facada que recebeu após ser pego trapaceando num jogo de pôquer. Devo continuar? Meu pai tem muitas cicatrizes, a lista é longa. Muitas cicatrizes e, convenientemente, Kensei também possui todas elas.

A dor presente na fisionomia de Nezumi tornou-se algo parecido com orgulho, e ele abriu um sorriso satisfeito:

— Eu subestimei você, Shion. — reconheceu seu erro. — O que levou você a dar um emprego ao seu pai? Você tinha algum plano em mente?

Shion coçou a nuca, ficando sem graça:

— Na verdade, eu não o reconheci na primeira vez. Ele estava na rua pedindo trabalho, e eu simplesmente não pude rejeitá-lo. — confessou, e Nezumi revirou os olhos:

Claro que você fez isso. Mas como se sente, sendo seu pai um possível culpado da atual condição de Inukashi? — testou o controle de Shion, e este simplesmente sorriu em troca:

— Todos são inocentes até que se seja provado o contrário. — seu rosto ficou sério: — Agora, vamos colocar mãos à obra. — determinou, virando-se para observar a sala pela primeira vez desde que entraram. As paredes eram brancas, com a logomarca de No. 6 no centro de cada uma delas. No núcleo do ambiente, um pedestal forte e metálico suportava uma tela touch muito maior do que a localizada ao lado da porta.

— Ninguém mais usa papel hoje em dia? — Nezumi soou insultado, enquanto seguiam até o aparelho.

— Papéis podem ser copiados, são fáceis de perder, podem rasgar, queimar... Aqui, se você pegar uma câmera ou qualquer dispositivo de cópia, um alarme soa, e a polícia aparece em questão de segundos. Os arquivos dessa sala são únicos. — Shion respondeu, e Nezumi revirou os olhos:

— A polícia aparece se eu segurar um celular nessa sala, mas ela está nenhum lugar à vista quando alguém do Distrito Oeste é espancado na rua. — riu, sem humor. Shion tocou em seu braço, como que para consolá-lo:

— Você está trabalhando para mudar isso, se lembra? — foi positivo, e então começou a clicar nos botões da tela. — Aqui estão todos os arquivos da área de Saúde. — gesticulou para a longa lista de títulos que apareceu. — Vou especificar a busca para "pesquisas científicas". — Shion comentou, enquanto acionava os comandos desejados. — Aqui está! "Glucocerebrosidase sintética para o tratamento da doença de Gaucher". — leu o título do documento que chamara sua atenção. Então se virou para Nezumi, com os olhos brilhando de entusiasmo: — A doença de Gaucher é causada por deficiência da enzima glucocerebrosidase. Ela é responsável pela quebra de um glicolipídio localizado dentro das células, e, quando não cumpre a sua função, resulta em doenças ósseas e aumento do fígado e do baço.

Nezumi deu uma risada cheia de escárnio:

— Nas ciências, pode-se tentar curar uma doença, mas um erro apenas é suficiente para criar algo mortal. — admirou, franzindo a testa. Curvou-se sobre a tela, tentando ver o conteúdo do arquivo aberto: — O que são essas faixas pretas sobre partes do texto?

Shion suspirou:

— Censura. Os chefes têm permissão para censurarem qualquer documento de sua respectiva área. Eu, por exemplo, poderia censurar informações dos arquivos da Educação. — respondeu, estalando a língua. — Mas eu nunca faria uma coisa dessas, claro. — acrescentou rapidamente. Nezumi estreitou os olhos, desconfiado:

— Quem é o chefe de Saúde?

— No momento é Fumiko-san, mas censura não é feitio dela. — franziu os lábios, pensativo. Sua postura congelou ao lembrar-se de uma memória desagradável: — Oito anos atrás... Quem era o responsável pela Saúde era Yoming-san. Merda. — sibilou. Nezumi ergueu as sobrancelhas, surpreso por ouvir Shion xingar:

— O que esse homem fez? — perguntou, e era possível sentir um tom ameaçador em sua voz.

— Yoming-san desviou dinheiro da reconstrução de No. 6. Eu descobri e o fiz ficar em prisão condicional, com pensão e bônus pelos seus feitos em prol da cidade. — levou uma mão à testa, preocupado. — Eu não verifico a segurança da casa dele há anos. Quero dizer, diante da proposta que eu fiz, eu pensei que ele estivesse satisfeito.

— Shion, existem dois tipos de ladrões: os que roubam por não ter escolha, e os que roubam pelo prazer de ter mais. Você certamente notou isso durante sua estadia no Distrito Oeste. — Nezumi falou de forma indiferente. — Esse tal de Yoming deve fazer de tudo para poder pôr as mãos em mais e mais dinheiro. Ele é... — interrompeu-se ao ligar os pontos em sua mente. Shion observou o seu silêncio com ansiedade. — Ouro. — disse, por fim.

— Ouro? — Shion franziu o cenho.

— Quando eu me encontrei com o seu pai pela primeira vez, ele me disse que estava vindo para cá, No. 6, porque descobriu que aqui tinha ouro no subterrâneo. Ouro e metais raros. — tentou lembrar-se da lista de metais que Kensei recitara quando se conheceram. Notando que não se recordaria, fez um gesto de desdém: — O que importa é que seu pai veio aqui pensando somente nisso. Yoming e seu pai são duas pessoas claramente com sede por dinheiro. Eles devem ter se encontrado e decidiram tornarem-se aliados. — concluiu.

— Sim, o meu pai deve ter buscado alguém interessado, e Yoming-san se ofereceu como parceiro. — Shion voltou sua atenção para o documento exibido na tela, pensativo. — Está vendo as primeiras páginas? Todas elas são relatórios das tentativas falhas da criação da enzima, porém um deles está censurado... Deve ter sido nessa vez que eles criaram, não intencionalmente, a enzima que transcreve RNA em DNA. Yoming-san provavelmente mostrou isso ao meu pai, e eles descobriram que possuíam a arma perfeita. E, apesar de Yoming-san ter sido expulso do Comitê de Reconstrução, meu pai possuía acesso a tudo por ser meu secretário. — suspirou de pesar pelo erro que cometera.

— Se esse documento apenas foi suficiente para nós confirmarmos nossas suspeitas, então quais devem ser os arquivos que seu pai deletou para Yoming? — Nezumi franziu o cenho.

— Eu aposto que foram as experiências para a junção do vírus com a enzima. Eles também devem ter testado o vírus em ratos de laboratório, antes de seguirem para cobaias humanas... — mordeu a própria língua, produzindo um som amargurado: — Por que Inukashi? Por que logo ele?... — perguntou retoricamente, com pesar. Nezumi deu um sorriso sarcástico:

— O que você acha de fazermos essa pergunta diretamente a eles? — sugeriu, revelando a fúria contida em seu olhar. Shion trincou os dentes, adotando uma expressão séria ao responder:

— Tudo vale a pena se a alma não é pequena.


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Notas finais do capítulo

Preparem-se, pois essa será uma nota longa (e importante!):
* Eu tentei explicar da forma mais simples como o vírus HIV funciona, e qualquer um que já estudou isso em biologia notou que eu deixei muuuitos detalhes de fora. Caso queiram entender mais um pouco como funciona, aqui está o ciclo dele: http://www.scielo.br/img/revistas/qn/v31n8/35f1.gif
* As enzimas sintéticas para medicina diagnóstica existem de verdade: http://www.isaude.net/pt-BR/noticia/6771/ciencia-e-tecnologia/enzimas-sinteticas-mais-eficientes-vao-favorecer-exames-de-diagnosticos
* Eu usei a doença de Gaucher como exemplo a partir dessa lista: http://www.ehow.com.br/lista-doencas-causadas-falta-enzimas-lista_7930/ Atualmente, já existe um tratamento para essa doença, e está disponível no mundo todo.
# Eu gostaria de deixar claro que adoro biologia, porém eu cometo MUITOS erros nessa disciplina (mais do que gostaria T-T), então caso alguém que está lendo isso pretenda ser (ou seja) da área de Saúde, por favor, ignore meus erros boçais. Eu sei que cometi muitos, mas foram necessários para conseguir adaptar a ciência à história.
* O caso de corrupção de Yoming que Shion cita é canon, e é uma das histórias contadas em Beyond. Disponível, em inglês, aqui: http://9th-ave.blogspot.com.br/2013/02/novel-no-6-beyond-chapter-3-c.html Sim, Yoming morreu no anime, mas não foi muito bem isso que aconteceu na light novel...
* Ok, eu reconheço que não faz sentido nenhum o Yoming comandar a área de Saúde (afinal, ele era um jornalista antes do muro ser derrubado), mas eu realmente tive de colocar isso na história, senão as coisas seriam muito mais complicadas para o meu lado :v
* "Tudo vale a pena se a alma não é pequena" Referência ao poema "Mar Português", de Fernando Pessoa (http://www.grijalvo.com/Citas/b_Pessoa_Mar_portugues.htm) Aqui, a palavra "alma" não significa necessariamente "espírito". Como Fernando Pessoa se refere aos navegadores portugueses que ousaram se lançar no mar sem saber o que estava por vir, "alma" remete a coragem, experiência e sabedoria. No contexto da fanfic, basicamente, Shion está dizendo que, depois de obterem conhecimento de tudo isso, eles não tinham nada a perder caso reagissem.
E é "só" isso! Mil desculpas pelas explicações confusas e falhas, mas elas eram necessárias para a história :s Até a próxima, e desculpa pelas notas finais longas.