Camélia escrita por SatineHarmony


Capítulo 2
Preto/Branco




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/590148/chapter/2

Entediada de encarar o teto branco, Inukashi virou o rosto para o lado, observando os arredores do seu quarto. Havia uma mesa com pilhas e mais pilhas de livros deixados por Shion, e uma dezena de fotos pregada numa das paredes — Inukashi com Shion, com Rikiga, com o outro Shion... Seus cachorros também apareciam em algumas fotografias, porém aqueles tinham sido os últimos a morrerem. Depois que a muralha de No. 6 foi derrubada, Inukashi decidiu dirigir um negócio mais "limpo" e honesto — por que se esquentar com calor canino quando cobertores, agora, eram disponíveis a todos? Portanto, nunca mais adotou nenhum cachorro, principalmente após notar como ela lidava mal com a morte deles — as partidas eram muito mais tristes sem as cantigas de Nezumi.

Seus olhos se desviaram da decoração do quarto para focarem-se na bolsa de soro vazia, ao lado de sua cama. Olhou para o relógio de parede — já era hora de Shion vir para repô-la. Tivera ele se esquecido? Avistando a porta aberta do cômodo onde estava, lembrou-se de que tinha sido por ali que Nezumi passara ao ir embora. Então ele encontrou Shion, concluiu. E eles se esqueceram de mim, que perfeito, notou com um suspiro frustrado.

Levantou-se com cuidado, apoiando-se no suporte de metal do soro, que ainda estava conectado à sua veia. Com passos hesitantes, atravessou o quarto lentamente. Apoiou parte do peso do seu corpo na soleira da porta, ficando extremamente cansada por cumprir aquele simples e curto trajeto. Inukashi mal tinha posto os pés no corredor quando viu Nezumi e Shion.

Nezumi estava sentado no chão, com as costas apoiadas na parede mais próxima. Entre suas pernas encontrava-se Shion, encostado no peito largo de Nezumi, e com a cabeça tombada contra o ombro deste. Seus olhos estavam fechados, e seu rosto exibia uma expressão despreocupada que Inukashi não via nele há anos.

Nezumi levantou seu olhar prateado da face pacífica de Shion, fitando Inukashi de forma ameaçadora. Levou um dos dedos aos seus lábios, ordenando silêncio — fale uma palavra disso para qualquer um, e você morre, Inukashi reconheceu o sinal.

Ela recuou seus passos, voltando para o quarto. Afinal, ela não era bem-vinda ali.

* * *

Karan quase deixou um tabuleiro de biscoitos recém-assados cair no chão ao ver Nezumi descer as escadas até a cozinha, segurando um Shion adormecido em seus braços.

— Nezumi! — exclamou, com um misto de surpresa e amor. Apesar de já ter se passado tantos anos, Nezumi ainda era capaz de notar a eterna gratidão exibida nos olhos castanhos da mulher.

— Onde fica o quarto do Shion? — perguntou, deixando claro que conversaria direito com ela após colocar o homem em um lugar apropriado.

— Ah, é claro. — Karan corou, parecendo só então notar o seu filho inconsciente. — Primeira porta à esquerda, no corredor ao seu lado. — apontou para a direção indicada.

Nezumi franziu o cenho enquanto andava pelo corredor. Ele se lembrava claramente da arquitetura da casa de Shion, e, por mais que ele estivesse morando no mesmo endereço, era impossível não notar como obras de expansão haviam sido feitas no lugar. A parte da padaria de Karan permanecia intocada, porém o segundo andar — que mais parecia uma ala hospitalar — definitivamente não existia antes.

Ele ajeitou Shion sobre a cama, dando um passo para trás para apreciar a visão dos seus cabelos pálidos espalhados pelo travesseiro, dos lábios entreabertos, da fisionomia calma. Nezumi segurou por um instante a mão de Shion, e franziu a testa — vinte sete anos e ainda mora com a mãe? O que você tem a me dizer sobre isso, Shion?, pensou, com um sorriso divertido.
Isso feito, fechou a porta do quarto atrás de si ao sair, voltando para a cozinha. Sobre a mesa, estavam dispostos inúmeros ingredientes, e Karan parecia estar mais ocupada do que antes. Ao ver Nezumi em pé, apoiado na soleira da porta, puxou uma cadeira da mesa, oferecendo-a a ele:

— Pode se sentar, Nezumi. — seu sorriso era caloroso e convidativo. — Eu decidi fazer o meu bolo de cereja, para comemorarmos a sua volta. — explicou-se, diante do olhar interrogativo que recebera. — Por acaso Shion desmaiou quando viu você? — sua voz denotava curiosidade.

— Você acha que ele seria capaz de fazer isso? — Nezumi perguntou, porém foi pura retórica. Eles ambos sabiam que era feitio de Shion fazer uma coisa tola dessas. — Não, na verdade ele caiu no sono.

Karan estalou a língua, e sua expressão tornou-se desaprovadora:

— Eu já falei para ele não trabalhar tanto assim. — suspirou. — Eu pensei que o volume de trabalho fosse diminuir depois que as obras do metrô Distrito Oeste-No. 6 foram finalizadas, mas Shion continua tão ocupado quanto antes.

— Mais tarde eu terei uma conversa com ele. — Nezumi a assegurou, e Karan riu do autoritarismo que emanava do jovem. A mulher interrompeu por um instante os seus afazeres, como se estivesse lidando com um dilema mental. Nezumi a observou em silêncio, paciente, até que Karan finalmente tomou coragem:

— Se me permite... Posso fazer uma pergunta? — hesitou, e o garoto assentiu prontamente para encorajá-la a falar: — Por que você está de volta? Quero dizer, por favor, não pense que não estou feliz em vê-lo de novo, Nezumi, é só que... É muito de repente, sabe? Você não nos avisou, nem nada. — Karan expressou-se com dificuldade. Quando ela concluiu, ele tentou contornar tal tópico:

— Da próxima vez eu tratarei de enviar uma mensagem antes de visitá-los. — seu tom era de piada, porém, por dentro, ele estava rígido e sério.

— Então você não pretende fixar-se aqui? — a decepção de Karan foi muito mal escondida.

Nezumi baixou a cabeça. Ele não conseguiria ser cem por cento honesto enquanto visse o par de olhos desapontados de Karan. Inspirou fundo antes de confessar:

— Eu vim aqui para honrar uma promessa que fiz a Inukashi. Eu estava nos arredores de No. 5 quando ouvi, de um dos antigos clientes dele, um rumor de que Inukashi tinha fechado o hotel porque estava seriamente doente.

Karan assentiu, muda, porém o seu silêncio dizia tudo de forma clara — então Nezumi não havia voltado por causa de Shion. Ela mudou de assunto, para aliviar o clima:

— Como você entrou aqui? Eu não o vi passar pela porta da frente.

— A janela do segundo andar estava aberta. — explicou, e ao perceber a constante confusão de Karan, acrescentou: — Eu escalei a hera para alcançar a janela. — Nezumi levantou-se para ajudá-la a tirar a semente das cerejas. Preferiu mudar de assunto: — Eu passei na frente da sua vitrine, e vi um menino no caixa. Aquele é o Shion?

— Sim. — Karan abriu um sorriso maternal. — Ele está com onze anos, acredita? Mas é tão maduro que, às vezes, esqueço que ele é só uma criança. Ele me lembra muito do Shion mais velho. — seu olhar perdeu o foco, e ela parecia estar pensando em voz alta. — Sou capaz de confiar o atendimento da loja a ele sem problemas. — comentou, num tom de júbilo.

— Bom saber que ele está tendo uma vida tão boa aqui. — as palavras de Nezumi eram recheadas de sinceridade. Lembrou-se de como Shion tinha resgatado o bebê durante a "limpeza" do Distrito Oeste, ignorando a baixa probabilidade de sua sobrevivência.

— Eu penso o mesmo. — Karan falou um pouco mais alto para que Nezumi a ouvisse por sobre o barulho da batedeira. — Mas ele anda um pouco triste ultimamente... Shion adora Inukashi de coração, e não é fácil vê-la naquele estado. — dessa vez, seu suspiro era carregado de melancolia e pesar.

Nezumi abaixou o volume de sua voz para um mero sussurro:

— Você sabe o que Inukashi tem? Eu já o vi passar fome no Distrito Oeste, já o vi resfriado, mas nunca o vi tão... — procurou palavras — ...Tão abatido.

Karan desligou a batedeira, limpou as mãos sujas de farinha no avental, e aproximou-se de Nezumi para conversar aos murmúrios:

— Essa doença é única, pelo que Shion me disse. Os sintomas não correspondem aos de nenhuma doença registrada... Shion estudou bastante Medicina para tentar descobrir mais coisas, no entanto estamos na estaca zero. Ainda. A única informação que temos é que o vírus ataca o sistema imunológico do corpo. Inukashi ficou resfriado por um tempo, e foi um inferno para curá-lo. Uns dias ele está ótimo, em outros, péssimo.

Nezumi estava prestes a responder algo, quando a porta da cozinha foi aberta:

— Querida, cheguei! — um Rikiga anunciou animadamente. O entusiasmo presente em seu rosto foi logo sufocado pelos seus olhos arregalados, ao notar a presença de Nezumi. Em seguida, sua fisionomia tornou-se irritada; seus olhos estreitaram-se de desconfiança, sua testa franziu de tensão. — Eve? — perguntou como quem confirma. Suas mãos apertavam o portal da porta com força, parecendo debater se entrava sim ou não no cômodo.

Por mais que sua voz tivesse mudado ao longo dos anos, Nezumi ainda era capaz de usar o tom de quando se apresentava no palco:

— Olá, Rikiga-san, como vai você? — ele soou estranhamente feminino. Karan decidiu interceder, antes que seu marido reagisse de forma exagerada:

— Rikiga, Nezumi passará um tempo conosco para acompanhar Inukashi. — ela explicou. — Não tem nenhum problema, certo?

Nezumi teve de reprimir uma gargalhada ao notar o tom quase ameaçador que Karan usara na última palavra — parecia que ela não estava tendo problemas em domar o alcoólatra, afinal. Rikiga resignou:

— Sim, Karan. — concordou, sem muita forma de vontade. Assim que a mulher virou de costas para voltar aos preparos do bolo de cereja, Rikiga puxou Nezumi pelo braço: — O que você está fazendo aqui? — questionou, irritado.

— Sua esposa já explicou isso a você. — Nezumi deu ênfase ao termo usado, fazendo com que o homem corasse de forma infantil. Então ficou sério: — Eu estou aqui por Inukashi. Você não irá me expulsar pelas desavenças que tivemos há mais de uma década, certo? — ergueu uma sobrancelha, desafiador, imitando a forma como Karan falara com ele instantes antes.

Rikiga balançou a cabeça em um movimento negativo, parecendo repentinamente cansado:

— Eu agora tenho um trabalho honesto no principal jornal da No. 6, consegui largar a bebida – tentou ignorar o revirar de olhos de desprezo de Nezumi —, e ganhei uma linda esposa e dois garotos que são praticamente filhos para mim. Eve, eu pensei que, depois de todo esse tempo, você também teria mudado...

Nezumi fez um gesto de desdém, dando de ombros:

— Fazer o quê? Eu não me canso de brincar com você. — mostrou um sorriso dissimulado a Rikiga. Este não relaxou, colocando mais força em seu aperto no antebraço de Nezumi:

— Pouco me importo com isso, porém não ouse brincar com Shion, — seus olhos escureceram. — Entendido?

Nezumi simplesmente deu-lhe as costas, voltando a assistir Karan com o bolo.

* * *

Nezumi estava participando de um jantar em família — mais especificamente, um jantar com a família de Shion. As curtas refeições que ele compartilhara com Shion e Karan antes de sumir da vida de ambos eram nada comparadas ao atual jantar. Havia mais pessoas, e diversas conversas paralelas ocorriam ao mesmo tempo. Nezumi permaneceria em silêncio, se Karan não insistisse em puxar conversa consigo — sendo um convidado educado, não hesitou em responder cada uma de suas perguntas triviais.

Ele teve a oportunidade de conhecer o Shion "Júnior" de verdade — de verdade porque, na última vez que o vira, ele era um bebê incapaz de pronunciar uma palavra sequer. Ele era tudo o que Karan descrevera, e mais um pouco. O Shion mais velho exercia, sem dúvidas, grande influência sobre o menino — aquilo era notável pelo seu jeito entusiasmado de falar, e às vezes calava-se, perdido em pensamentos. Aquele par de olhos também era muito observador, parecendo analisar todo tipo de informação das pessoas que via.

Shion apareceu no meio do jantar, com o cabelo branco desarrumado pela cama, e um rosto claramente sonolento. Ele reprimiu um bocejo ao desculpar-se por ter dormido tanto, mas não saiu incólume por Inukashi:

— Que isso, Bela Adormecida, está dormindo mais do que a cama? — caçoou, e Shion sorriu ao vê-la de bom humor. Parecendo lembrar-se de algo, verificou a bolsa de soro, que já havia sido substituído por uma nova. — Karan trocou para mim. — explicou ela, e Shion pediu desculpas novamente, por não ter cumprido sua tarefa. Inukashi deu de ombros, despreocupada.

Shion sentou-se ao lado de Nezumi.

— Você chegou na hora da sobremesa. — este comentou, vendo Karan levantar-se para buscar o bolo na cozinha.

— Desculpa por ter caído no sono em cima de você. — Shion sussurrou, e um leve rubor coloriu seu rosto pálido.

— Pare de se desculpar por qualquer coisa. — apesar de suas palavras terem sido ásperas, Nezumi as falou com delicadeza.

Shion assentiu, e pôs-se a colocar comida em seu prato. Isso feito, aproveitou que os outros estavam distraídos conversando, para falar com o homem que não via há tanto tempo:

— Nezumi, eu... — começou, mas foi interrompido:

— Não, Shion. Aqui não. — ele sorriu, parecendo divertir-se com algo. Diante da confusão exibida pelo outro, explicou-se: — Você realmente acha que conseguimos tirar a limpo mais de dez anos em uma simples conversa à mesa?

Shion pareceu considerar a opinião dele por um instante, e terminou cedendo:

— Mas não pense que você conseguirá evitar a nossa conversa. — avisou num sussurro. Nezumi riu, entretanto foi impossível não notar a seriedade na fisionomia de Shion.

* * *

Shion parou ao lado da banheira, retirando o seu jaleco e o resto de suas roupas. Dobrou-as de forma cuidadosa, e colocou-as no cesto. Enfim despido, posicionou-se dentro da banheira até sentir-se confortável — seu corpo estava inteiramente submerso na água morna e relaxante, sua cabeça estava apoiada na beira de porcelana. Suspirou, aliviado por finalmente ter a oportunidade de descansar.

Shion franziu o cenho ao ver a maçaneta girar e a porta ser aberta com facilidade por Nezumi — ele jurava que a tinha trancado... Bom, era ingenuidade da sua parte pensar que algo simples como fechaduras seriam capazes de impedir Nezumi. Ele lutou contra o rubor que insistia em aparecer no seu rosto, ao notar o olhar interessado do homem de cabelos azuis em seu corpo.

— Estou surpreso que você não tenha se coberto ainda, Shion. — comentou, andando pelo cômodo como se ele entrasse em banheiros ocupados todos os dias. — Parece que você realmente perdeu todo aquele seu pudor. — Nezumi deu um sorriso perverso. Sentou-se na beira da banheira, na extremidade oposta à qual a cabeça de Shion estava apoiada.

Dessa vez, o rosto do homem mais baixo ficou vermelho, e ele baixou os olhos, constrangido com a observação feita pelo outro. Tentando aparentar indiferença — e falhando completamente —, manteve-se imóvel dentro da banheira:

— Eu tenho quase trinta anos, Nezumi. Era-se esperado que eu amadurecesse nesse quesito, creio eu. — blefou, e por fim conseguiu olhá-lo nos olhos sem transparecer a vergonha que sentia. — Porém tenho de reconhecer que a sua presença está me deixando um pouco desconfortável. — admitiu. — Você não poderia esperar eu terminar o meu banho?

Nezumi estalou a língua de desgosto:

— Parece que é impossível ficar a sós nessa casa, agora que tem tanta gente aqui. Essa parece ser a única chance de conversarmos sem sua mãe ou Shion por perto. Nada contra aquele menino, no entanto ele segue você como se fosse sua sombra particular. — murmurou, descontente. — Não era você quem estava todo decidido a ter essa conversa durante o jantar? Então vamos conversar. — abriu um sorriso sarcástico.

— Você tem razão. — Shion cedeu, e Nezumi exibiu sua típica expressão de eu tenho sempre razão. — O que você quer saber?

Tudo. — declarou com simplicidade. — Comece com Inukashi; sua mãe disse que ele tem uma doença nunca vista antes. Explique isso. — a autoridade era notável em todas as palavras ditas por ele.

Shion levou uma mão à ponte do seu nariz, inspirando fundo para acalmar-se. Fechou os olhos com força, tentando abstrair a dor de cabeça que lhe era companheira havia algumas semanas.

— Se Inukashi ficar gripado, ele morre. Se ele ficar com herpes, ele morre. Se ele sofrer um corte sequer, o ferimento pode infeccionar e ele morrerá. — suspirou, dessa vez para reprimir um soluço que anunciava um choro iminente. — A saúde dele está extremamente delicada no momento. A menor das mazelas pode matá-lo, e eu não sei mais o que fazer. — confessou, e sentiu uma lágrima escorrer do seu olho direito.

Nezumi estava no mais pleno silêncio, observando as reações de Shion. O homem de cabelos brancos tentou lembrar-se das anotações que fizera desde quando Inukashi ficara sob seus cuidados:

— O culpado é um vírus. Ele invade os linfócitos e os torna inúteis, então Inukashi não tem como se defender de nenhum antígeno. Eu faço exames de sangue semanalmente, e a taxa de linfócitos dele cai cada vez mais. — mordeu o lábio inferior, e enfim tomou coragem para abrir os olhos. A primeira coisa que avistou foi um Nezumi portando de uma fisionomia preocupada, entretanto, ao notar que estava sendo observado, sua expressão tornou-se apática:

— Shion, eu não cursei Medicina. — Nezumi contestou, não compreendendo as informações científicas apresentadas pelo outro homem. Este deu um meio-sorriso como quem se desculpa:

— Os linfócitos são as células mais importantes do sistema imunológico, e são responsáveis pela nossa proteção. Se elas não funcionam, nós nos tornamos vulneráveis a qualquer infecção oportunista. O vírus está fazendo isso com Inukashi. — concluiu, secando mais lágrimas que transbordaram de seus olhos.

Nezumi abaixou a cabeça, não permitindo que Shion visse o seu rosto.

— Quanto tempo de vida você estima que ele tem? — foi direto ao ponto.

Shion deu uma risada sem humor:

— Até onde eu sei, amanhã ele pode morrer de gripe. A única coisa ao meu alcance é garantir que seus últimos dias sejam felizes, e que ele parta de forma agradável. — sua voz soou amarga. — Eu sou apenas um ecologista que leu alguns livros de Medicina, o que eu posso fazer? Eu não sou capaz de criar um pneumotórax, ou algo do gênero. — bufou de frustração.

O olhar de Nezumi endureceu diante da infelicidade de Shion:

— Então tudo o que resta a Inukashi é aprender a dançar o tango argentino.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

* Certo, por que diabos Nezumi e Shion falaram sobre "tango argentino" e "pneumotórax"? É uma referência a um poema do Manuel Bandeira, chamado "Pneumotórax":
—________
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três
— Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
— Respire.
..............................................................................
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
—________
Tango é uma dança que consiste na disputa de dominância, portanto, no poema, o médico está dizendo ao paciente que ele deve combater a doença o máximo que puder. É justamente isso que Shion e Nezumi também estão falando; eles estão de mãos atadas e não há como dar algum remédio a Inukashi porque sua doença é única. Portanto, a sobrevivência de Inukashi depende dela, e dela apenas.
E sim, na maior cara de pau, eu fiz uma referência à literatura brasileira. Fazer o quê? A maioria das citações em No. 6 são de obras europeias, e, desculpa, mas eu aprendi literatura /brasileira/ na escola, então... :v