After escrita por Ero Hime


Capítulo 3
After the funeral




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Me lembro de ter chegado em casa e chorado. Muito. Como nunca chorei antes. Soluços, trêmulo, o ar me faltava. Depois, comecei a gritar. Sakura estava ao meu lado, chorando em silêncio, deixando que eu extravasasse minha raiva, toda a angústia e a dor. Junto com os gritos, houve a quebra de alguns porta-retratos e vasos. Eu os mantinha principalmente por conta de Hinata – que achava que davam um ar aconchegante ao ambiente. Mas agora eu já não os tinha mais. Porta-retratos e Hinata. Então, nada mais importava. No final, acabei no colo de Sakura, que me acariciava no alto da cabeça e sussurrava palavras de conforto enquanto eu lastimava em cima de seus ombros.

As pessoas sempre diziam que o tempo cura qualquer coisa, até mesmo as dores mais profundas. No entanto, passados alguns dias, minha dor não pareceu diminuir. Ela só aumentou mais. Era como se a realidade estivesse chegando, e a perspectiva de cada manhã tornava mais duro de aceitar a verdade eminente: ela não estava ali. E nunca mais estaria. O buraco em meu peito parecia grande demais para cicatrizar, e sangrava, por Deus, como sangrava.

Eu já não vivia mais. Comia porque era obrigado, e não ia para a faculdade, tampouco para meu emprego de meio período em uma cafeteria qualquer. Eu apenas não via mais motivação. Estava juntando dinheiro para comprar um anel de noivado, grande e brilhante, como Hinata sempre sonhara em ter. Faria um pedido memorável, com flores e discursos. Eu a veria lacrimejar e me bater por tê-la feito passar vergonha, mas ela aceitaria, e nós nos beijaríamos. Depois que nós formássemos, faríamos a cerimônia e compraríamos uma casa de verdade em um bairro de classe média alta, para finalmente termos nossa própria família.

Mas Hinata não se casaria comigo. Não aceitaria meu pedido, não me beijaria nem tentaria me bater. Não se mudaria comigo para uma outra casa, nem teria uma família comigo. Porque ela não estava mais aqui.

Deus, como dói.

Três dias se passou – eu achava que o tempo não cessaria mais. Mas três manhãs, e três noites se passaram, e eu sobrevivi a todas elas. Quando eu me levantava, do lado direito da cama, sentindo-a fria ao meu lado, eu avistava a grande janela de vidro. Havia um prédio cinza contra ela, e ele sempre parecia o mesmo. Como se estivesse parado no tempo. Eu me sentia como aquele prédio. Eu queria parar no tempo. Eu queria ter mais tempo também.

Meus amigos estavam preocupados. Eu estava como um maldito zumbi. Mas nenhum deles entenderia minha dor – não até passarem por ela, e eu não desejaria isso, por mais egoísta que fosse. Eu simplesmente queria ser esquecido, apagado da vida, levado como uma folha pelos ares, até não houvesse resquícios da minha existência. Eu apenas não conseguia passar por aquilo. Eu não era forte o suficiente. Poderia até achar que era, mas não era. Não mais.

Eu já sabia o discurso. Hinata não teria gostado de me ver naquele estado. Ela gostaria que eu seguisse minha vida, que continuasse sem ela, que não me abatesse. A mesma ladainha, mas era só uma droga motivacional que não servia para merda nenhuma. Eu nunca mais vou saber o que Hinata teria querido, porque ela não está mais aqui. Eu estava trabalhando em aceitar isso – e eles teriam de o fazer também.

Depois da dor, vinha a raiva. A frustração constante com a vida. Eu estava em um permanente estado de fúria incontrolável. Quebrava todos os móveis e chorava pelos cantos. Não queria conversar com ninguém, porque isso só me fazia querer quebrar sua cara. Eu gostaria de bater em cada maldita pessoa que vivia e respirava, porque elas estavam ali – e minha Hinata não. Apenas não era justo – e eu estava mergulhado demais na minha própria dor para pensar diferente.

Apesar de tudo, eu estava adiando o máximo que pude. Eu não suportaria. De alguma forma, nada tinha realmente acabado, não enquanto seu corpo estivesse zelando no hospital – eu não tive coragem de resguardá-lo. Quando seu caixão descesse por aquela cova, eu finalmente teria que enfrentar de que ela se fora, para sempre. Estaria coberto de terra e grama, e seu corpo viraria algo feito de ossos e poeira. Ela desceria para uma eternidade escura e morta. Tanto quanto ela. Era uma porra de metáfora estúpida. Eu não aguentaria. Não seria capaz. Durante todos os meses que lutamos juntos, eu me fiz de destemido, mas a verdade era que eu não passava de uma pilha de papéis, frágil e inconstante. Sem Hinata, eu não era nada. Eu não estava preparado para lhe dizer adeus. Não ainda. Nunca estaria realmente.

Mas então, no quarto dia, Sasuke veio até meu apartamento, dizendo que o enterro seria no dia seguinte, no cemitério da cidade, onde todos de sua família haviam sido enterrados. Eles pagaram tudo – um último tributo. Hinata teria um belo túmulo, de mármore branco, com uma estátua de anjo sobre ela. Algo suficientemente digno para ela – mesmo que nada o fosse. Eu não concordei, mas a missa de sétimo dia seria na sexta-feira, e eles precisavam que ela fosse enterrada. Eu não acreditava em Deus, particularmente, mas Hinata me obrigava a ir à Igreja vez ou outra.

Só esperava que ela estivesse em um lugar melhor agora.

Resgatei um velho terno. Preto era – ironicamente – a cor que melhor me representava naquele momento. Porque eu também havia morrido, no momento em que aquelas máquinas pararam, e seu coração bateu uma última vez.

O lugar estava cheio – Hinata era uma pessoa de muitos amigos. Todos a amavam, e todos sofriam. Mas não como eu. Eu não chorei, afinal. Recebi abraços e mensagens de conforto, mas era como estar em um coma. Eu não sentia nada, não via ou falava. Apenas estava ali, fisicamente. Seu caixão era belo e refinado. Dentro, seu corpo. Briguei para que me deixassem ser o único a vê-la antes de pregar o caixão. Seus pais estavam arrasados, no canto. Sakura, Sasuke, Ino, sua irmã, Hanabi, Gaara e Temari. Seus colegas de faculdade e de trabalho. Professores e amigos de infância. Todos de luto. Eles sabiam, ao menos um pouco, o que era aquilo. Aquele sentimento angustiante.

Hinata estava linda em um vestido branco de mangas brilhantes. Seus olhos estavam fechados, em paz. Ela era apenas um anjo, dormindo, à deriva de seus sonhos, como eu costumava observar nas manhãs de sábado. Suas mãos, postas uma sobre as outras. Sua boca ainda brilhava, mas sua pele era branca e gelada. Havia uma de suas tiaras em sua cabeça. Eu fiquei grato por aquilo. Me abaixei e depositei um último beijo sobre seus lábios frios e duros. As lágrimas finalmente chegaram, e com elas, os gritos e os soluços. Sasuke me afastou e me abraçou.

Caminhamos juntos na frente do caixão. Sua mãe havia desmaiado, e seu pai havia a levado para casa. Eu sentia que poderia cair a qualquer instante. A grama era bem verde e viva – um tanto irônico para um cemitério.

Palavras, discursos, flores. Hinata sempre adorara flores. Rosas brancas eram suas favoritas, junto com as peônias e lilases. Seu caixão descia devagar. Eu não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. Meu corpo inteiro estava inerte. Sonhávamos em nunca enterrar um ao outro. Morreríamos juntos, na velhice de nossas casas, lembrando de nossas memórias juntos em uma varanda qualquer. Em partes, estávamos certos.

Nós morremos juntos.

Estava feito, afinal. Depois de seu enterro, nada mais lhe restara. As lembranças logo seriam esquecidas, as roupas, vendidas ou doadas. Seu perfume acabaria, o som de sua voz se misturaria ao ar e evaporaria, junto com uma risada. Marcavam ali o início de seu esquecimento, mas não para mim. Depois de seu funeral, entretanto, ficou mais claro para mim do que jamais antes. Hinata se fora, e, consigo, levara parte de mim.


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