Mischief escrita por Liv


Capítulo 17
Se o amanhã nunca chegar


Notas iniciais do capítulo

GALERA, POR FAVOR LEIAM AQUI! ♥
Bem, eu literalmente dei meu coração para esse capítulo. Eu passei três dias inteiros escrevendo e reescrevendo e estou completamente esgotada, pois derramei muitas lágrimas, fiquei com os dedos doendo e uma terrível dor de cabeça por passar a madrugada inteira na frente do meu computador.
Só estou dizendo isso porque espero do fundo do coração que gostem desse capítulo e que ele signifique para vocês o quanto ele significará eternamente para mim.
Eu dedico esse capítulo completamente para a minha leitora MARAVILHOSA Sigyn que recomendou a história com tão belas palavras que me fizeram uma autora completamente feliz e orgulhosa e também espero mesmo que ela goste do capítulo porque ela ressaltou alguns pontos em que eu poderia melhorar como autora e fiz o possível para ouvir cada um deles e colocar nesse capítulo.
Mas é claro que também dedico a vocês porque eu estou escrevendo essa fic há muito tempo e perdi vários leitores queridos, mas também ganhei leitores novos e permaneci com alguns que sempre estiveram comigo desde o começo da fanfic.
Mesmo as pessoas que só leem até os que sempre comentam ou os que comentam às vezes eu agradeço infinitamente vocês por tudo. Pelo apoio, carinho e espero poder retribuir tudo isso em minhas palavras, pois vocês são todos incríveis.
Enfim, acho que um capítulo gigante merece uma nota gigante, não acham? HAHAHAHAH
UMA ÓTIMA E INCRÍVEL LEITURA, PESSOAL



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"Porque eu perdi pessoas que eu amava em minha vida

Que nunca souberam o quanto eu as amei

Agora eu vivo com o arrependimento que meus sentimentos nunca foram revelados

Então prometi a mim mesmo dizer o que significam para mim

E evitar a circunstancia de não haver uma segunda chance

Se o amanhã nunca chegar ela saberá o quanto eu a amei?

Será que eu entendi mostrar todos os dias de todas as maneiras

Que ela é a única para mim?

E se meu tempo aqui estiver completo

E ela tiver de enfrentar o mundo sem mim

Será que o amor que eu a dei no passado

Será suficiente para durar se o amanhá nunca chegar?"

—If Tomorrow Never Comes (Garth Brooks)

.

 

Aquele era o primeiro dia inteiro que passara em Asgard desde que haviam retornado na noite anterior. Enquanto deixava Rayon despedir dos mortais e explicar a razão de seu surto, que na verdade era apenas uma desculpa para que eles a deixassem partir sem muitas perguntas, pois ela não sabia realmente porque surtara daquela forma.

Loki chamou Thor antes que os dois fossem embora e pediu para que ele ficasse mais um tempo e fizesse a ele um favor. Estar no corpo de Frandal era até que uma vantagem, pois sabia bem que Thor, sendo com era, não desconfiaria de um velho amigo. O deus das trapaças pediu ao irmão que procurasse por seu cetro, alegando que tanto ele sentira-o em algum lugar e o outro concordou, dizendo que havia algo de errado, mas ele só não pensara que seria o cetro de Loki.

Convencer Thor não fora uma tarefa muito difícil, afinal, ele também se preocupava que o cetro caísse nas mãos erradas. O irmão prometera que falaria com Stark e que procuraria o cetro a qualquer custo. Depois de uma longa conversa acertando os planos sobre uma possível localização do cetro, Loki e Rayon finalmente deixaram Midgard.

Assim que chegaram ele ordenara para que os guardas trancassem Rayon em uma das celas e que não a libertassem sobre nenhuma ordem a não ser a dele próprio. A ordem fora clara, pois a garota que estava na cela não era Rayon realmente. Era apenas uma ilusão então ele precisava se certificar de que ninguém encostasse nela.

A verdadeira Rayon estava escondida em seus aposentos até que ele achasse o momento certo para libertá-la sem causar um espanto no povo, mas sabia também que não demoraria muito, pois ela era querida por muitos asgardianos. Ao mesmo tempo que era odiada por muitos outros.

Loki lembrava-se bem da primeira vez que fingira ser Odin. Aquele fora definitivamente o melhor dia de sua vida. Ele estava sorridente e lembrava-se até de ter elogiado seu irmão Thor. Vejam só, que ironia. Mesmo depois de tanto tempo sendo rei de Asgard o trabalho não tornara-se difícil ou cansativo. Loki sabia que estava sendo um bom rei, sabia que tudo o que fizera até aquele momento seria do agrado de seu pai, mas era apenas provisoriamente. Ele tinha um plano maior para tudo aquilo. Não planejava ser um rei patético como Odin fora. Loki queria ser maior, conquistar mais e ter muito mais. Quando chegasse a hora certa, ele executaria seu tão sonhado plano e se revelaria. Faria cada um que o menosprezou sofrer ao ver sua grandeza. Tais pensamentos só aumentaram ainda mais o humor do deus das travessuras naquele dia.

Ainda que estivesse tão feliz havia algo que atormentara seus pensamentos ao longo de todo aquele dia e ele estava começando a se irritar por não conseguir mandar tal coisa ir embora. Havia algum problema com Rayon, algo que ele não podia controlar, mas ele precisava confiar nela. Por mais que seus instintos tivessem medo de fazê-lo, ele precisava.

O sol já estava se pondo quando ele e seus guardas deixaram a Bifrost. Passaram algumas horas negociando com os outros reinos, algo que ele costumava fazer em curtos períodos de tempo, afinal, todo rei necessita de aliados.

Assim que pisou novamente no palácio mandou que seus guardas se retirassem e retornassem para seus postos. Loki conhecia bem cada corredor do palácio de Asgard, lembrava-se de correr com seu irmão por dias seguidos até que Odin ordenasse que aprendessem a lutar e parassem de agir como crianças. Eram boas lembranças, algo que ele jamais esqueceria. O tempo em que ele se achava igual a Thor. Tão filho de Odin e Frigga quanto Thor.

Seus pensamentos o levaram para uma noite festiva em sua infância. Odin havia acabado de retornar de Jotunheim e trouxera consigo alguns gigantes de gelo como prisioneiros. Loki nunca tivera a certeza de que Laufey estava morto, mas ele sempre preferira ignorar o caso, pois os gigantes sempre o apavoraram.

O deus riu ao lembrar-se de tal pensamento. Sua inocência quando criança o fizera temer os gigantes de gelo, mas a terrível ironia do destino o fizera um deles. Ele colocou uma de suas mãos em encontro com sua testa e afagou as têmporas enquanto mantinha os olhos levemente fechados e continuava sua caminhada, deixando-se levar por suas próprias memórias.

Depois de andar por mais um tempo ele sentiu que o local onde estava ficara mais escuro. Assim que abaixou a mão e abriu seus olhos notou exatamente onde estava assim que sua respiração se acelerou. Loki encontrava-se agora no topo da escada que levava para as celas, no subterrâneo do palácio. Não era possível visualizar a grande porta de madeira no final da escadaria, pois a escuridão estava muito densa, apenas alguns degraus.

Loki olhou para o lado e sentiu-se como uma criança novamente, vendo os gigantes de gelo passarem por ele, sendo levados direto para a prisão. Ele também lembrara do último gigante que vira. Havia algo errado com ele, suas algemas estavam mais largas que as outras. O menino arregalou os olhos ao notar que ele havia se soltado das algemas e estava fingindo continuar preso. O gigante captou o olhar de Loki e olhou o profundamente. Todo o corpo do menino tremeu e ele encolheu-se contra a parede enquanto o gigante escondia as mãos.

Depois daquilo, Loki correra de volta para a festa, tentando ignorar o que acabara de ver. Talvez o gigante ainda estivesse preso, pensava ele. Talvez Loki houvesse apenas imaginado tudo.

O deus fechou os olhos e bateu levemente sua cabeça na parede. Forçando-se a voltar para a realidade. Ele ignorara aquela lembrança por muito tempo, ignorara a vergonha e o medo que sentia dela, pois, naquela mesma noite, uma criança e um guarda foram mortos por um gigante de gelo e ele tinha a absoluta certeza de que sabia qual deles era. A criança era o filho de um dos mais importantes membros da guarda de Odin, seu nome era Raymond. Thor lhe contara após o ocorrido que o gigante fora morto pela filha de Raymond e os dois ficaram especulando a noite inteira sobre como seria possível. Thor passou o resto das semana treinando arduamente, enquanto dizia que queria ser capaz de matar um gigante de gelo um dia. Quantas ironias ele possuía em seu passado, não?

Loki conhecera a garota no enterro de Raymond, que morrera bravamente em meio da batalha contra os gigantes de gelo, mas seu funeral fora realizado um dia após sua morte, junto com o de seu filho. Ele provavelmente tinha uns doze anos naquela época. Toda a Asgard estava lá, todos mostrando um semblante triste e, por muitas das vezes, lágrimas em seus rostos escorriam, mas não na filha de Raymond. Mesmo que houvesse duvidado que ela pudesse ter matado o gigante de gelo, ele começou a acreditar naquela história quando vira a menina no enterro de seu pai. Seus cabelos castanhos estavam presos em uma trança e ela usava um vestido azul profundo. Os olhos dela não possuíam nenhuma lágrima e seu rosto não apresentava nenhum semblante de tristeza, apenas uma perturbadora frieza.

Frigga aconselhara a Thor e Loki para que fossem falar com a garota, pois eram ambos príncipes e era o certo a fazer. Ao se aproximarem da garota, Loki viu que Sif estava ao seu lado, segurando uma de suas mãos. Ela ainda possuía cabelos dourados naquela época. O irmão mais novo se apresentou e abraçou a menina, dizendo que sentia imensamente por sua perda.

Assim que Loki se aproximou ele sabia a coisa certa a dizer, mas simplesmente não conseguiu fazê-lo.

—Não parece triste, senhorita. –Comentou ele, fitando a menina. Os olhos azuis de Sif fitaram-no e ela praticamente o matou mil vezes apenas com um olhar.

Um sorriso fraco se formou no rosto da menina e ela ergueu seus olhos. Dois olhos cor de mel, tão brilhantes e tão frios, mais penetrantes e confiantes do que qualquer um que ele já havia visto.

—Já derramei lágrimas o suficiente, majestade. –Disse a menina- E não importa quantas mais eu derrame, nenhuma delas os trará de volta.

—Tem razão, mas não se feche para a dor ou ela a consumirá. Sinto muitíssimo por sua perda.

E dito isso, Loki virou-se, surpreso em como ela provavelmente escondia toda a agonia que sentia simplesmente acreditando que não adiantaria de nada chorar. Assim que se afastou suficientemente da multidão, Loki sentiu um aperto no peito. Agora aquela garota estava sozinha e a culpa era dele. Ela ficaria só, pois ele tivera medo demais para alertar o guarda sobre o gigante de gelo. Ele era fraco.

Naquela noite, Loki fez exatamente o que a garota fizera. Ele não chorara e nem se lamentara, pois isso não os traria de volta. Aquela fora a primeira vez que Loki mascarou a dor e ele o fez novamente e novamente, até que toda aquela dor que estava presa dentro de si o consumisse e se transformasse em raiva.

E fitando aquela mesma escadaria tantos anos depois daquelas mortes, o deus se perguntou se a dor havia feito com a garota o mesmo que fizera com ele. Depois do enterro ele não voltara a ver a garota e confessava ter esquecido da existência dela após esconder a lembrança dos gigantes. Estaria ela ainda viva? Talvez ele pudesse perguntar para Sif, já que ela estava com a garota no velório de seu pai.

Loki sacudiu a cabeça. Por que ele iria querer saber onde essa menina estava? Para poder se desculpar? Depois de todos esses anos? Uma risada seca tomou o palácio e ele simplesmente virou-se para ir embora. Ele nem se lembrava do nome da garota. Lembrava-se somente de seus... olhos.

Ele parou e olhou de soslaio para trás. Para a escadaria. A escadaria onde um menino morrera. Onde ele passara para ser preso após a batalha de New York. A mesma escadaria que levara Rayon até ele.

Sentiu seus olhos arderem e sua respiração acelerar-se novamente enquanto ele negava com a cabeça o pensamento que tomava conta dele. Não podia ser. Não podia ser! Ele negaria tudo, negaria até a morte, mas ele reconheceria os olhos, a postura e os cabelos de Rayon em qualquer lugar.

Lembrou-se de quando chegara em sua cela. O guarda que cuidara dele naquela noite estava cansado demais para não responder as perguntas que Loki fizera sobre Rayon. O homem dissera que ela perdera o pai. Dissera que ele era um guerreiro e que também perdera o irmão mais novo, mas ele simplesmente havia achado toda aquela informação inútil. Em nenhum segundo passou por sua cabeça que Rayon pudesse ser aquela garotinha.

Mas ali, parado no topo daquela escada, tudo começara a fazer sentido. Loki sempre soubera de onde vinha sua frieza, mas jamais se perguntara de onde vinha a de Rayon. Jamais perguntara sobre sua família ou sobre seu passado.

—Não... –Sussurrou ele enquanto passava suas mãos pelo próprio rosto em sinal de desespero.

Ele não contaria. Não se achava capaz de contar ou de tocar nesse assunto que ela provavelmente levara muito tempo para superar, mas aquilo não era o pior de tudo. Se Rayon algum dia soubesse, ele sabia que ela o perdoaria, mas ela jamais o olharia da mesma forma. Loki se perguntava como era possível que depois de todo o mal que ele fizera com ela, ela continuasse ao seu lado. Frigga era assim e Thor também era. Não importava o que ele fizesse, jamais desistiam dele, mas Rayon era maior que isso. Ele se sentiu vazio sem ela durante todos aqueles meses e por mais que ela tenha dito que os dois poderiam viver um sem o outro ele não queria isso. Em todo o tempo que ela esteve longe ele se arrependeu por não tê-la abraçado mais, a beijado mais e por não ter dito o que realmente sentia.

Aquele seria seu eterno fantasma. A perda de Frigga o assombraria até sua morte e ele tinha certeza disso. Ele tivera tantos momentos para dizer que amava sua mãe e jamais o fizera. Frigga nunca fora como Odin. Ela o amava exatamente como amava Thor. Sempre cuidara dele, sempre estivera ao seu lado e sempre o apoiara, mas ele simplesmente batia com a porta em sua cara todas as vezes.

E ali ele se perguntava. Se Rayon não tivesse sobrevivido ao acidente na casa de Jane, ela teria morrido achando que ele se importava com ela? Teria morrido pensando que ele não a amava?

Na noite em que ela descobrira seu disfarce ela dissera que mesmo que ela o amasse, isso não a impediria de mata-lo, pois ele estava sendo um idiota. Ainda que fosse em um surto, ela dissera as palavras. Ela dissera naquele surto absolutamente tudo o que sentia por ele e dissera novamente na noite anterior. Então por que ele nunca fizera o mesmo? Loki sinceramente não sabia se conseguiria viver com a culpa de perde-la sem ter dito, sem ter mostrado e feito o que deveria.

Ele não cometeria tal erro de novo. Ele a protegeria de qualquer mal que surgisse em seu caminho, pois ela fizera isso com ele. Rayon provavelmente jamais admitiria, mas estava sozinha, mesmo com Sif e com os outros ela continuava só. Loki passara tempo demais se lamentando com a própria solidão que acabara não notando a dela. Ele se fechava mesmo para ela. Tivera medo de se apegar demais e simplesmente perde-la, mas ela havia o ensinado que valia a pena. Rayon sempre valeria a pena.

Distanciou-se da escadaria, assim como distanciou os pensamentos do passado de sua mente enquanto apressava cada vez mais seus passos. Ele passou pela varanda e fitou o céu escuro e estrelado, provavelmente passara mais tempo perto das escadas do que havia imaginado. Passou por alguns de seus súditos, que o cumprimentaram e olharam curiosos para a pressa que o pai de todos andava.

Depois de percorrer salas e corredores suficientes a porta de seu quarto estava finalmente à vista. Seus passos se tornaram ainda mais rápidos até que sua mão alcançasse a maçaneta.

A porta rangeu levemente ao ser aberta e ele pôde enfim ver seu quarto novamente. Loki continuava em seu quarto, por mais que ninguém soubesse que ele o fazia. A ideia de dormir no quarto de seu pai parecia distorcida demais para ele. Depois de tanto tempo fora de casa ele ainda achava estranho voltar a dormir no próprio quarto.

Quando entrara lá pela primeira vez depois de tudo o que acontecera ele se assustara com o local. As mesmas paredes branco-peroladas, que pareciam mais uma espécie de cinza em sua visão. O chão de madeira escura com leves curvas de cor de mel. Seu guarda-roupa mais exageradamente espaçoso do que ele sempre precisou. Os mesmos detalhes dourados nos finos desenhos e maçanetas do mesmo. Sua estante da mesma cor que a parede sempre causava a impressão de que seus vários livros estavam simplesmente flutuando. A cama, que também fora outro exagero, já que ele nunca se vira como uma pessoa exageradamente espaçosa, possuindo grandes pilares da mesma madeira que o chão nos quatro extremos da cama. Os pilares se juntavam em um retângulo de madeira que ficava no fim de cada um, quase alcançando o teto. No meio desse retângulo sua mãe havia colocado uma cortina encantada, que refletia as estrelas do céu, para que Loki pudesse sempre dormir enquanto observava a imensidão do universo em sua volta. O criado-mudo ao lado da cama. Os travesseiros brancos com detalhes dourados que haviam sido bordados pela própria Frigga e a vasta coberta verde-musgo.

Tudo estava do mesmo jeito que Loki deixara quando deixara sua casa pela primeira vez. Era como se seus supostos pais tentassem preservar a memória de um filho que não existia mais.

A memória se esvaiu rapidamente de seus pensamentos quando se tocou de que Rayon não estava lá. As cortinas cinzentas voavam conforme o vento passava. Os olhos de Loki se arregalaram e ele correu até elas e abriu-as, correndo para a varanda mediana de seu quarto, que não possuía móvel algum a não ser uma cadeira e uma pequena mesa que ele utilizava para ler ou escrever alguma coisa. Quando finalmente olhou para baixo notou a grande distancia do chão. Se Rayon houvesse tentando pular ele não sabia dizer se ela...

—Ei! –Chamou alguém em tom baixo.

Loki virou-se e fitou seu quarto. Alguém ao seu lado pigarreou e atraiu sua atenção. Rayon encontrava-se ajoelhada, seus cabelos estavam jogados para trás e sua expressão era de plena confusão. Ele notou a razão ao fitar uma adaga em uma de suas mãos e deixou que um sorriso iluminasse seu rosto.

—Achou que alguém além de mim entraria aqui? É o quarto de um suposto morto, Ray, ninguém viria aqui. –Perguntou ele.

—Como vou saber? Você poderia ter um admirador secreto. –Retrucou ela, levantando-se e deixando a adaga em cima da cômoda em quanto sua outra mão permanecia sorrateiramente atrás de seu corpo.

—O que está escondendo ai, Ray? –Perguntou ele, dando um passo na direção da garota.

Rayon revirou os olhos e estendeu a mão para ele, revelando um livro de tamanho médio e de capa alaranjada e detalhes com folhas como as que caíam no outono, variando do vermelho ao verde. Loki fitou o objeto intrigado e voltou seu olhar para a garota em sua frente.

 -Por que está com esse livro?

—Você tem tantos... quis saber sobre o que você costuma ler, afinal, permanecer um dia inteiro trancafiada em um quarto é extremamente entediante.

—E a adaga? –Ao ouvir a pergunta ela olhou-o confusa enquanto sorria levemente.

—Atrás do guarda-roupa. –Disse ela.

—Tinha uma adaga atrás do meu guarda-roupa? –Perguntou levemente chocado.

—Tem uma espada também, mas estou bem com a adaga.

—Mas... –Ele pigarreou e sacudiu a cabeça- Rayon, por que estava olhando a parte de trás de meu guarda-roupa por sinal?

—Eu já disse, estava entediada. Olhei absolutamente tudo que se tem nesse quarto.

—Me sinto exposto. –Disse ele, fingindo uma expressão de mágoa e fazendo-a rir.

—Você me trancou em seu quarto, você se expôs para mim, Loki. Seu erro foi não pensar que eu aproveitaria o momento para descobrir mais sobre você. –Disparou ela com um sorriso confiante no rosto.

—Queria saber mais sobre mim?

—Claro, você não me fala muito. Eu tive que aprender a ler você, o que não foi difícil já que você e eu somos bem parecidos. E você sempre possuía livros na prisão. Costumava me falar deles, lembra?

—Achei que não gostasse.

—Eu tinha que parecer durona. Sabe como é. –Disse Rayon, dando de ombros e fitando o livro em suas mãos.

O sorriso de Loki se desfez em poucos segundos. Ele ergueu as mãos e tirou calmamente o livro das mãos da garota e colocando-o na cama. Rayon estava prestes a reclamar, mas ele negou com a cabeça, em sinal para que ela não dissesse nada. Seus olhos fitaram o rosto de Rayon enquanto ele entrelaçava seus dedos nos longos cachos de seu cabelo castanho, fitando cada curva que faziam enquanto seus dedos as acompanhavam. Agora ele finalmente notara que o cabelo de Rayon possuía mechas douradas em meio ao castanho e agora pareciam reluzir em suas mãos.

—Loki... tem algo errado? –Perguntou ela.

Os olhos do deus foram em encontro aos de Rayon e ele simplesmente sorriu. Seus olhos cor de mel se encontravam preocupados enquanto suas sobrancelhas estavam levemente curvadas para cima. Mesmo com seu sarcasmo, sua frieza e até sua grosseria, Rayon simplesmente deixava tudo de lado quando se preocupava com ele. Ela se importava e ele sabia disso, mas ele queria que ela soubesse que ele se importava também.

—Ray, eu preciso te dizer uma coisa, mas você tem que me prometer não dizer nada até que eu termine, tudo bem? –Disse ele calmamente.

—Mas eu... –Ela respirou fundo e assentiu- Tudo bem.

Loki encolheu sua boca até formar uma linha fina enquanto tentava controlar a própria respiração. Ele sabia que se demorasse demais para dizer, se pensasse demais, ele falharia. Ele guardaria novamente seus pensamentos para ele próprio e se fecharia então ele apenas fechou os olhos enquanto levava suas mãos para o rosto dela. Aproximou-se e tocou suas testas, pois ele temia não conseguir dizer se continuasse a encarando.

—Rayon, você cuidou de mim assim como minha mãe lhe pedira e por algum motivo você começou a se importar comigo. Você nem ao menos conhecia qualquer coisa boa ao meu respeito, mas simplesmente decidiu que havia algo bom em mim. Eu passei minha vida inteira sendo menosprezado, sendo deixado de lado ou até sendo ridicularizado porque eu jamais chegaria aos pés de Thor. Você me detestava e eu sabia disso, o que me fazia querer te irritar ainda mais, mas você simplesmente tinha sempre algo para retrucar de volta. –Ele respirou fundo mais uma vez- Eu traí você, machuquei você e quase a matei.

—Loki, eu...

—Eu sei! Eu sei que você diria que faria o mesmo, mas eu sei que você não faria. Você almeja o poder tanto quanto eu, mas eu sei que não iria querer me machucar. Eu juro, eu juro por nome de tudo que jamais tinha qualquer intenção de machucar você, mas eu estava com medo, Ray. Eu jamais consegui me apegar a ninguém. Jamais consegui deixar que alguém chegasse perto o suficiente, mas você me faz ignorar tudo isso porque eu confio em você. Não, mais que isso. Eu amo você, Rayon. Eu amo você com todas as minhas forças porque eu sinceramente não sei exatamente o que é amar alguém, mas eu me preocupo com você, eu preciso de você e estar longe de você me destrói. Eu te afastei tantas vezes, te empurrei para longe e me fechei, mas agora eu quero que você saiba que eu estou aqui, você não está sozinha e nunca mais irá ficar sozinha, está bem? Você tem a mim, Ray e sempre terá, porque eu pertenço completamente a você.

Quando Loki parou de falar ele notou que estava segurando sua respiração. Abriu calmamente seus olhos e afastou-se de Rayon. Ele não olhou para ela, apenas fitou o chão. Sua mente ainda processava o que ele havia dito, pois não era algo nada comum.

Cada segundo que ela passava sem dizer nada era simplesmente devastador. Ele tinha medo de sua reação, pois ela podia se assustar com tantas palavras vindas dele ou poderia se fechar como ele sempre fazia. Não aguentando mais fitar o chão, ele ergueu os olhos e fitou a garota em sua frente.

Os olhos de Rayon estavam arregalados e lágrimas estavam prestes a escorrer deles. Ela respirava rapidamente enquanto suas mãos repousavam ao lado de seu corpo.

—Rayon... –Ele sussurrou o nome dela enquanto dava um passo para frente, mas ela recuou. Loki sentiu um nó no estômago. Ela iria se fechar.

—Eu sei que você viu que o gigante de gelo estava solto de suas algemas na noite em que meu irmão morreu e que você não fez nada para impedí-lo.

—Como você...

—Eu sei que você estava se divertindo em fazer com que eu pensasse que estava louca quando você aparecia para mim e eu pensava que você estivesse morto.

—Mas eu não...

—Você já fez seu discurso, agora é minha vez. –Disse ela friamente. Loki engoliu em seco, tentando afastar o fato de que tudo o que ela dissera era simplesmente verdade e de que talvez o odiaria por isso- Eu sei que você fez humanos se curvarem diante de você para que você se sentisse o rei de todos eles e sei como adorou cada momento que fingiu ser Odin, manipulando todos os idiotas com seu plano infalível.

Por mais que ele quisesse e tentasse, não conseguia separar seus olhos dos dela. A fúria nas palavras de Rayon eram claras em sua expressão e ele não via como fugir disso.

—Mas eu também sei como a culpa acabou com você. Eu sei que você não disse nada porque tinha medo dos gigantes de gelo e como isso o destruiu ao saber que era filho de um deles. Que era um deles. Sei que mesmo que estivesse me manipulando, você o fazia porque não queria me deixar só. Sei que quando sobe naquele trono ou quando faz com que mortais ou qualquer um se curve diante de você isso o faz radiante, mas que você se sente mal com isso, pois teme que nunca irão amá-lo e respeitá-lo como um rei. Além de todas essas coisas eu sei o que estar longe de mim fez com você. Eu sei de todas as dores que você sentiu por isso.

Ela deu um passo para frente e segurou as mãos dele, mas sem tirar o contato visual por nem um segundo.

—Loki, eu vejo você. Eu entendo você. Eu escuto você e eu amo você. Eu vi os momentos que você chorava quando criança porque ainda tinha medo da ira de Odin. Vi como ser filho de Laufey o fez achar que era desprezado por ele. Loki, eu vi tudo. Vi suas mágoas, seus medos, suas inseguranças, sua raiva, mas acima de tudo eu vi sua solidão. Você disse que eu estava sozinha, mas eu nunca estive realmente. Você é quem estava só. Eu sinto muito por ter abandonado você, sinto muito por não ter te deixado explicar, sinto muito por... por simplesmente ser fria demais as vezes. Loki, você sabe por que eu entrava naquela banheira todos os dias? Porque em algum lugar na minha cabeça eu sabia que você era a resposta para todas as minhas perguntas e por mais que eu quase morresse, eu precisava te encontrar de novo. Mesmo sem lembrar de você, eu precisava de você.

As mãos dela soltaram as suas e seguraram o rosto do deus, afagando suas bochechas com seus polegares.

—Nenhum de nós dois vai ficar sozinho outra vez. Não vou deixar você porque mesmo quando eu queria mais que tudo acabar com isso e morrer você apareceu e de alguma forma entrou na minha cabeça e me fez lembrar de tudo. Muita gente diz que morreria pelas pessoas que ama, mas eu quis viver por você. Quando você entrou na minha cabeça, de alguma forma surgiu uma conexão e quando eu recuperei minhas lembranças eu, de alguma forma, tive acesso às suas. E eu vi você. Eu vejo você. Por baixo de qualquer sarcasmo, poder, ódio, vingança ou qualquer outra coisa, eu vejo você, Loki e eu amo cada parte que exista.

Rayon se aproximou ainda mais dele enquanto um sorriso se abria em seu rosto. Pela primeira vez, Loki não se sentira incomodado por deixar que alguém se aproximasse dele, pois ele queria que Rayon o visse. Ele queria que ela o amasse e ela o fez.

Ele puxou-a com os braços em sua cintura e colou seus corpos. Inclinou sua cabeça sobre ela e tocou os lábios dela nos seus. No dia anterior ele a beijara desesperadamente, pois a falta dela acabara com ele, mas agora ele a beijava com alívio. Alívio por estar com ela, nos braços dela e por saber que ela jamais sairia dali. Beijava-a, pois sabia que mesmo com tudo o que acontecera, ele ainda tinha Rayon e ele a amava por isso.


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Notas finais do capítulo

Por favor, fiquem super a vontade para dizerem o que acharam