"Então, este é quem eu sou

E isto é tudo o que sei

E eu devo escolher viver

Por tudo o que eu possa dar

A centelha que faz o poder crescer

E eu defenderei meu sonho se eu puder

Símbolo da minha fé em quem eu sou

Mas, você é o meu único

E eu devo seguir na estrada que se encontra a frente

E eu não deixarei meu coração controlar minha cabeça"

–Immortality (Celine Dion)

–Wanda... –Sussurrou ele.- Está acordada?

Ela assentiu levemente enquanto ainda fitava o teto. Já haviam se passado horas desde que haviam retornado e a irmã não fizera nada além de olhar para aquela maldita e imunda parede. Pietro não podia negar, estava em pânico. Wanda havia aprendido a controlar seus poderes muito bem, ela treinara até mais arduamente que ele e não havia razão alguma para que ela se descontrolasse daquela forma.

Os dois haviam sido mandados em uma missão simples. Deveriam ir até a torre Stark para recolher certas... informações. Tudo bem, talvez a missão verdadeira fosse acompanhar o agente Summers para um treinamento específico em uma área isolada da floresta, mas os dois não esperavam que o homem aparecesse e... bem, a torre estava lá e talvez a curiosidade tenha falado mais alto.

Wanda e Pietro não planejavam encontrar tantos deles lá, não sabiam o que estavam fazendo, mas parecia importante, pois seus rostos estavam preocupados e suas expressões eram distantes. Havia uma garota no centro da enorme sala que parecia uma espécie de academia bem variada quando se quer aprender a matar e sair correndo antes que te peguem. A garota corria por todos os lados e disparava armas, flechas ou socava os sacos de pancada, o que não era nada divertido de se ver. Ele estava ficando entediado quando notou o brilho escarlate nos olhos da irmã, ela possuía um sorriso frio e sua cabeça se inclinava lentamente de um lado para o outro. Pietro tentou acordá-la, tentou fazê-la parar, mas ela não estava ali. De alguma forma, ela não estava ali. Os olhos de Wanda perseguiam qualquer direção que a menina fosse e pela primeira vez na vida, Pietro não a viu controlar alguém, mas a viu ser controlada. O que quer que a irmã estivesse tentando fazer, havia afetado a menina, pois seus olhos estavam tão escarlate quanto os de Wanda.

Notando que se forçasse a irmã a quebrar a ligação provavelmente causaria efeitos sérios, ele apenas observou a situação que ocorria na imensa sala da torre Stark. Ali estavam os Vingadores. Thor, o cara do martelo. Bruce Banner, o verde. Steve Rogers, Capitão chato América. Natasha Romanoff, a... ela não parecia ser nada demais. Clint Barton, o cara das flechas. Pietro sempre se perguntou que utilidade teriam em um arqueiro, as flechas iriam acabar alguma hora, não iriam? Também estavam Jane Foster, astrofísica, mulher do cara do martelo e os outros dois. Pietro e Wanda Um cara loiro com uma armadura imensamente esquisita, uma barbinha meio estranha e uma cara de que não estava nem ai. E claro, a garota que estava controlando ou estava sendo controlada por Wanda. Ela era alta, morena e de olhos cor de Mel, sua expressão poderia parecer extremamente dócil se não fosse pela seriedade encontrada nela. O mesmo poderia ser dito de seu corpo e sua postura. Poderia parecer delicada e até frágil, se não fosse o fato de que exibia tantas cicatrizes, mas ele sabia que não eram simples cicatrizes, eram resultado de lutas, resultado de treinos por horas e horas sem qualquer descanso, resultado de uma vida mergulhada no profundo e patético caos. Pietro sabia bem disso, pois ele e a irmã possuíam muitas dessas cicatrizes. A postura da garota não era algo comum, mesmo se ela fosse pequena, ele tinha certeza de que seria notada. Ela esbanjava confiança, poder e... ódio.

Antes que desse conta do que estava acontecendo, a menina estendia a mão e arrastava o homem de armadura para perto de si, mas logo foi derrubada por Thor. Ele ignorou o restante da cena quando Wanda recuperou a consciência.

Pensar naquela situação deixava-o extremamente inquieto, havia algo errado, isso era óbvio, mas Wanda simplesmente se recusava a falar no assunto por mais que ele insistisse.

Antes que perdesse a paciência, Pietro levantou-se e caminhou até a cama da irmã, que ficava poucos metros depois da sua em uma tentativa falha de fazer aquela prisão se parecer com um quarto.

–Sabe que não vou te deixar em paz até que fale comigo, certo?

A morena revirou os olhos e sorriu levemente. Uma onda de alívio percorreu o corpo do garoto, ela estava bem, mesmo com tudo o que acontecera. Wanda calmamente sentou-se na cama e convidou o irmão a fazer o mesmo. Havia uma certa seriedade e preocupação em seus olhos.

–Pietro, existe alguma coisa muito errada com a Rayon.

–Certo, mas quem é Rayon? –Novamente, ela revirou os olhos e voltou a sorrir- Ora, você sabe bem que não costumo ser muito bom com nomes.

–Por isso fica dando apelidos estranhos para eles? –Perguntou Wanda, quase dando uma risada- Rayon era a garota que entrei na mente, Pietro.

–Ah, claro, como pude me esquecer. A maluca.

–Pietro! –Retrucou ela, soltando uma risada.

–Tudo bem, a Rayon... o que tem com ela?

–Ela era o alvo que estava mais perto de mim e se estava junto com a maior parte dos Vingadores, ela precisava saber de alguma coisa. No começo, eu estava conseguindo, mas a mente dela é mais difícil de controlar, por isso ela não parou de se mover. Quando finalmente encontrei o medo dela eu...

–O que? –Wanda estava assustada, o que o deixava ainda mais preocupado e até mais assustado.

–Eu vi muita morte, muita dor, amargura e principalmente, eu vi raiva. Aquela menina carrega uma história devastadora consigo e eu acho que não contar isso para ninguém a está enlouquecendo. Eu a fiz lembrar de coisas que ela já havia superado, dores que ela já havia esquecido, mas ao invés de fazer com que ela se descontrolasse, eu acabei me descontrolando. Eu senti a dor dela, senti o caos na mente dela, estava entrando em pânico quando notei que havia algo muito errado ali. Existe uma sombra, Pietro.

–Uma sombra? Mas o que...

–Por trás de tudo, essa sombra está a perseguindo há muito tempo e, de alguma forma, eu sinto que essa sombra foi a responsável por me fazer perder o controle.

–O que está insinuando? –Ele procurou qualquer gota de confiança nos olhos azuis de sua irmã, mas não havia nada. O que quer que ela tenha visto e sentido fora devastador o suficiente para fazê-la perder o controle.

–Estou insinuando que essa situação é bem pior do que imaginávamos. Não sei o que ou quem era, mas era poderoso e sinto que está apenas começando...

***

Ela estava sentada na cama. Observando preguiçosamente o ambiente ao seu redor. A situação era claramente ridícula. Os Vingadores, os heróis mais poderosos da Terra e blá bla blá haviam a trancado naquele quarto como se fosse uma criança porque temiam que ela surtasse de novo. Mesmo que não precisasse, ela permanecia ali, divertindo-se com os berros que podia ouvir do lado de fora.

Rayon se encontrava com a mesma roupa que usara para o treino. Seus cabelos castanhos ainda estavam presos na trança, mas pareciam ter sido sugados por um furacão. Ela soltou-os e deixou que os cachos caíssem pelos seus ombros, respirando profundamente. Ao notar que esse fora o mesmo quarto que a haviam trancado na casa de Tony quando chegaram, ela simplesmente riu. Eles estavam sendo extremamente infantis, já haviam se passado umas nove horas desde o ocorrido e ainda insistiam naquela palhaçada.

Bufando de impaciência, ela se levantou e caminhou até a porta. A porta estava trancada, ela já havia checado, mas agora já bastava. Antes que se aproximasse o suficiente, a porta já começava a tremer e ranger até que fora lançada para o lado de fora. Rayon ouviu um grito de susto e fitou as expressões assustadas de todos eles.

–O que? Acham que sou uma boneca que pode agir conforme me mandam? Acham que podem me prender em algum lugar? Acham que eu não enxergo o medo nos olhos de vocês? –Ela riu alto e negou com a cabeça- Ah, mas vocês todos estão tão errados...

–Rayon do que você...

–Sério, Jane? Não sabe mesmo sobre o que eu estou falando? –Nenhum deles se movia, só evitavam o contato visual- Bem, deixe-me explicar então. Vocês todos estão com medo, medo de algo que não podem lidar e que não tem coragem para impedir. Vocês fingem que são uma equipe, que salvam o mundo, que alegram as pessoas e que são exemplos, mas olhem só para vocês! Vocês, mal são seres humanos, só brincam que podem salvar o dia para mascarar que vocês mesmo estão se matando e se destruindo todo dia. Quer ser exemplo para uma criança, Stark? Quer que alguém se torne tão ridículo como você? Ou podemos seguir sua cegueira em um governo inexistente, Steve? Ou talvez perder o controle não tenha problema se não matar muitas pessoas, certo, Bruce?

–Você fala como ele... –Murmurou Natasha.

–O que? –Perguntou Rayon. A agente ergueu os olhos e se aproximou dela, fitando-a com uma silenciosa ameaça.

–Como Loki. Você fala como Loki. Escute Rayon, nesses últimos meses você se tornou parte de nós, se tornou alguém que eu protegeria, mas se acha que por algum segundo eu hesitaria em te matar caso fizer alguma burrada então está completamente enganada.

Um sorriso se abriu nos lábios da asgardiana enquanto via a expressão confiante de Natasha Romanoff transformar-se em dor. Natasha se contorceu e caiu de joelhos, Clint correu para ajuda-la enquanto notou que Steve se aproximava dela e segurava seus braços, arrastando-a para longe da cena.

–Rayon, o que há com você?

–Eu quero essa menina fora da minha casa!

–Rayon, nós precisamos conversar.

–Ray, está tudo bem, você apenas se descontrolou, mas não deixe que isso a controle.

–Acha que devemos prendê-la em uma cela agora?

–Parem de falar! –Berrou ela, fazendo com que todos parassem as discussões e fitassem-na outra vez.

Thor deu um passo em sua direção, mas foi impedido por Frandal, que disse algo para ele, fazendo-o assentir. O asgardiano caminhou até Rayon e fez com que Steve a soltasse, segurando seu pulso com a luva pesada que completava a armadura que usava.

Ela já estava lá há tempo o suficiente para saber onde ele a levava. As portas duplas do elevador de abriram e logo os transportaram para o terraço da construção. Da torre Stark era possível ver basicamente toda a enorme cidade de New York. Ela sempre perdia o folego ao ir para lá, pois sentia falta de sua casa.

–Rayon. –Disse uma voz ao seu lado, mas não era mais a voz de Frandal.

–Vai tentar me prender também? –Perguntou ela, aproximando-se dele.

–Gostei do discurso. Foi... inspirador. –Disse, com um sorriso no rosto.

–Acho que minha convivência com você pode ter me ajudado a parecer mais... assustadora.

Loki riu alto e abraçou sua cintura.

–Não creio que assustadora seja a palavra certa. –Debochou ele, causando uma careta no rosto de Rayon.

Ela se aproximou ainda mais, segurando o rosto do deus nas mãos. Ela estava prestes a beijá-lo quando ele perguntou:

–O que está havendo, Ray?

Ela revirou os olhos e bufou irritada.

–Você sabe mesmo estragar o clima... –Murmurou- Não tem nada de errado comigo, eu estou bem e..

–Não digo isso porque me importo com eles, se quiser mata-los eu posso até te ajudar, mas eu sei que você não faria isso porque são importantes para você. Então por que disse aquilo? Por que está surtando? Achei que já tivesse recuperado a memória ou..

–Recuperado a memória... –Repetiu ela, com os olhos se iluminando em meio a um sorriso frio- É, eu recuperei a memória, recuperei absolutamente tudo.

–Estou muito preocupado com você, Ray. –Loki segurou o rosto da menina e encarou firmemente seus olhos cor de mel.

–Por que está tão preocupado? Eu já disse que estou bem.

–Não, não está. Me preocupo porque não posso perder você outra vez e eu não vou, não importa o que aconteça, tudo bem? –Ela sorriu fracamente e assentiu.

O sorriso dela se desfez assim que ela notou o desespero nos olhos de Loki. Inclinou-se para perto dele e sentiu que o corpo dele instantaneamente se acalmou. Ele beijava-a como se fosse a urgência, como se precisasse se certificar que ela estava mesmo lá. Suas mãos passavam por seu cabelo enquanto ela o puxava para mais perto.

Assim que seus fôlegos se acabaram, ele olhou-a com um sorriso confiante.

–Volte comigo para Asgard, lá estará segura e não precisará que nenhum deles prenda ou tema você.

A expressão de Rayon se tornou fria por alguns segundos, mas logo foi interrompida por um sorriso, que aumentou cada vez mais até virar uma alta gargalhada.

–O que foi? –Perguntou Loki, claramente confuso e irritando por não entender o que estava acontecendo.

–Então é esse o problema.

–Do que você está falando?

–É por isso que está tão preocupado, não é? –Perguntou ela, afastando-se dele.

–Ray, eu entendo onde...

–Está preocupado comigo, não é? –Interrompeu ela, fitando-o. Ela precisava ouvir dele, precisava vê-lo mentir. Um sorriso se formou nos lábios de Loki, encarando-a como se aquela fosse a pergunta mais idiota do mundo.

–Claro que estou, Ray, você sabe que...

–Ou está preocupado que eu conte seu segredinho? –Sussurrou ela.

O sorriso desapareceu lentamente nos lábios de Loki e seus olhos pareceram se escurecer, tornando sua expressão séria.

–Rayon...

–Loki você é como eu. Por mais que goste de mim você não consegue esconder o fato de que tem medo de que eu o traia. Vamos, pare de encenação e me diga logo a verdade.

–Sei que você nunca faria isso comigo. –Ela fitou-o irritada- Estou falando sério, Ray! Mas você não está no controle de si mesma agora, você está surtando e dizendo coisas que não diria normalmente em nenhuma ocasião. Sim, tudo bem? Estou preocupado que você diga para eles, porque não estou com cabeça para aturar aqueles idiotas vindo atrás de mim e do meu trono! Eu não deixarei que nenhum deles atrapalhe isso, mas eu estou aqui, Ray. Eu vim por você. Volte comigo para Asgard. Eu a protegerei disso tudo.

–E se eu quiser ficar? –Perguntou ela.

–O que? Você não pode ficar, você tem que vir comigo!

–Eu tenho?

–Você me ama, Rayon, você precisa de mim assim como eu preciso de você. Por isso temos que ir. Você irá comigo, querendo ou não! –Berrou o deus. A paciência de Loki já estava praticamente esgotada.

–Então é ai que você se engana, Loki.

–Não consegue viver sem mim. –Retrucou ele.

–Não, Loki. Eu consigo viver sem você. Irei sofrer por você e sentir sua falta, mas esse é o segredo de pessoas como nós dois. Nós sabemos superar traumas. Eu consigo viver sem você e sei bem que conseguirá viver sem mim. Eu me lembro, Loki. Lembro-me do que você fez, de como me enganou e eu sei que você faria de novo porque antes de mim e antes mesmo do seu tão amado trono está você e seu egoísmo.

Ele continuava com a expressão séria, mas havia algo triste nele. Rayon abraçou-o firmemente e desejou não precisar soltá-lo nunca mais.

–Loki, eu faria o mesmo com você... –Sussurrou ela. E essa era a razão, sempre fora. Tudo o que ele sentia por Rayon estava claro quando ele ouviu o que ela dissera. Ray dizia que ele era egocêntrico e sabia que ele poderia preservar o poder até mais do que a preservava, mas todas as vezes que ela dizia isso, Loki sabia que ela não estava lhe impondo defeitos. Loki sabia que ela faria o mesmo se as situações fossem contrárias e nada o deixava mais aliviado e inseguro por ser entendido por ela. Por Rayon conseguir saber seus atos e pensamentos tão facilmente quanto respirar.

Os braços dele contornaram novamente sua cintura e apertaram-na contra si.

–Venha comigo, Ray... por favor.

Os olhos de Rayon se fecharam e ela estremeceu.

Vá. Volte para casa, Rayon, tenho planos novos para você. Ecoou a voz dentro de sua cabeça. A voz que estava começando a persegui-la. Uma voz que sempre esteve com ela, sussurrando coisas e dando ordens, mas ela sempre controlara tal voz. Mas quando perdia o controle, ela se tornava fraca demais para lutar. A voz agora fazia parte dela. Agora a controlava.

–Eu voltarei com você. –Disse ela por fim.