Outra Forma de Amar escrita por Keiperolim


Capítulo 1
Capítulo Único.


Notas iniciais do capítulo

Olá, xuxus! Depois de quase um mês enrolando para postar, finalmente trouxe esta história para vocês. ♥

Ela foi criada para o concurso de Ano-Novo da TAD, aonde prêmio foi o desenho que está sendo utilizado como capa da história. ^^

Espero do fundo do meu coração que gostem.
Desejo ma ótima leitura para todos!



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Eu servia mais um copo de água para mim mesma. Provavelmente, aquele seria o décimo. Ou décimo primeiro, não sei. Eu não estava contando. O grande e barulhento relógio central da cidade deu suas onze badaladas, indicando que faltava apenas uma hora para o Ano-Novo. Ou seja, apenas uma hora para o ano de dois mil e cinco.

Enquanto algumas pessoas iam com suas famílias e amigos em direção à praia, para alegremente assistirem o belo espetáculo de fogos coloridos, eu e Arnaud preferimos ficar em casa. O clima de luto e dor ainda pairava sobre nós, sem dar espaço para qualquer tradição ligada com a felicidade, por mais agradável que a mesma fosse.

Cerca de duas semanas atrás, nosso único e jovem filho, de apenas sete anos, havia falecido em um acidente de carro, provocado por um maldito e desajuizado bêbado, que por conta de uma gorda fortuna gasta como fiança, conseguiu escapar de uma punição decente para seu crime.

Desde o momento que eu e meu marido enterramos nosso pequeno, sorrir tem sido um desafio para mim. Na verdade, até mesmo as cores não parecem ter vida. Minha vida se resume em um infinito e monocromático preto e branco.

Arnaud estava sentado próximo de uma janela, com um olhar terno e cansado em sua face. Com as mãos, fez um sinal para que eu me aproximasse dele e me sentasse em seu colo. O fiz, e poucos instantes depois senti sua mão quente acariciar meu braço esquerdo, cuidadosamente. Sem dúvidas, meu marido sempre foi mais forte do que eu. Ele estava abalado, claro. Mas conseguia viver, apesar de tudo. Eu, por minha vez, apenas existia.

Levemente, virei minha visão em direção ao céu. Estava bonito, admito. Em poucos segundos, seria iluminado por feixes brilhantes de elementos químicos modificados com intenção humana, mas no momento, apenas as estrelas cintilantes o decoravam divinamente bem.

— Está tudo bem, querida. — Arnaud falou, em um meio sussurro, próximo ao meu ouvido. — Nós vamos ficar bem. Só o destino sabe o porquê de certas coisas.

Sorri para ele, sem acreditar muito no que falava. Mas ainda assim, não podia ignorar suas tentativas de melhorar meu ânimo.

— Obrigado, meu amor. Eu sei disso. Só que é difícil. Por Deus. Adam só tinha sete anos.

Ele suspirou.

— Eu sei. — Assentiu. — Eu sei.

Meu marido aproximou minha cabeça de seu peito, afagando mais uma vez meu cabelo. Meus olhos marejados acabaram por encarar mais uma vez as estrelas, com um pouco mais de atenção. Por alguns instantes, tive a impressão esquisita de ver uma seta, indicando uma praia esquecida nesse período da virada.

Rapidamente fechei e abri meus olhos. A seta sumiu, me fazendo tomar a idéia de que aquela imagem não passava de uma ilusão ótica.

No entanto, pouco depois, uma estrela cadente contornou o céu, na mesma direção da seta anterior. Arregalei meus olhos. Dessa vez, ao invés de ilusão, tive um intuito de que aquilo era um sinal. Um aviso, destino, não sei. A única certeza era de que, não importava o que, eu precisava ir naquela direção.

Me levantei rapidamente de onde estava, atraindo o olhar curioso de Arnaud.

— Vitória? Está tudo bem? — Perguntou, um pouco preocupado.

— Arnaud, pegue o seu carro. Precisamos ir até a Praia Leste. Agora.

[...]

Arnaud hesitou inicialmente, mas acabou concordando em me levar aonde eu queria. Também, era a primeira vez em dois meses que eu queria sair de casa. Ele sabia que era importante para mim, mesmo sem entender o motivo de minha vontade repentina.

A Praia Leste era vazia e deserta, mas não era perigosa. Na verdade, o pior que poderíamos encontrar ali era um casal de jovem namorados atendendo aos seus hormônios sexuais desesperados. No entanto, meu corpo estava ligado em um estranho alerta.

Quando descemos do carro, eu corri direto para a areia macia e branquinha que cobria a maior parte do terreno. Arnaud veio logo atrás de mim, em passos mais lentos.

— Por que viemos aqui? — Ele finalmente perguntou.

— Não sei. — Respondi, sincera. — Só senti que deveríamos estar aqui.

— Bom, aqui estamos. — Falou sorrindo e sentando em uma parte da areia. — Pelo menos, daqui teremos uma visão mais ampla do céu.

— Pois é... — Concordei, ainda com minha sensação esquisita. Por algum motivo, senti que estávamos sendo observados. — Arnaud, tem mais alguém aqui além da gente?

— Bem... — Ele procurou, girando sua cabeça em todas as direções possíveis. — Não que eu saiba. Quero dizer, você desconfia de que estamos sendo seguidos por alguém?

— Mais ou menos isso. — Respondi, envolvendo-me com meus próprios braços.

Arnaud se levantou, na defensiva. Assim como um salva-vidas, passou o olho atento em toda a imagem panorâmica da praia. Seu foco parou em um pequeno arbusto de frutas desconhecidas. Por algum motivo, o tal arbusto estava se remexendo. Pequeno demais para caber algum adulto, mas grande o suficiente para um animal perigoso.

Colocando o dedo sobre a boca, ele pediu-me para ficar quieta. Obedeci, o observando aflita. Ele se aproximou da planta, e a dividiu com as duas mãos. Suspirou quando percebeu que, ao invés de um cachorro louco ou uma cobra, lá se escondiam duas crianças de no máximo oito anos.

— O que estão fazendo por aqui? — Perguntou Arnaud, sério. — Namorando?

Dei uma pequena risada. O humor de meu marido era do tipo "pago de sério, mas sempre vai ter alguma brincadeira por trás da minha voz de machão".

— Eca! Não, que nojo! — Protestou com repulsa um dos garotinhos, que possuía um cabelo negro que batia em seus pequenos ombros. — Ele é meu irmão gêmeo, não namorado!

— Seria esquisito. — Disse o outro, de cabelos idênticos, porém azuis, rindo. Pelo que percebi, apenas ele havia entendido o humor de Arnaud. — O Armin não faz meu tipo.

— Caraca Alexy, não dificulta. — Reclamou.

Eu ri dos meninos, me aproximando deles.

— Estão perdidos, garotos? — Perguntei, com um sorriso sereno. — Aonde estão os pais de vocês?

Eles trocaram um olhar cúmplice por alguns instantes, fazendo com que eu me arrependesse imediatamente por minha pergunta. Ainda assim, por algum motivo, não a desfiz.

— Se por algum acaso você descobrir... Eu ficaria muito grato se você não nos dissesse. — Disse o moreno, frustrado.

— O que ele quis dizer... — Continuou o azulado, triste, porém mais calmo que o irmão. — Não temos pais desde semana retrasada, quando eles abandonaram a gente aqui.

Meu coração palpitou, e imediatamente me senti tocada e entrelaçada com os dois, com a história deles. Na mesma semana em que perdi um filho, eles perderam seus pais. Na mesma semana em que me encobri pela dor da perda, eles foram cobertos pelo abandono.

— E não saíram daqui? — Perguntou Arnaud, condescendente. — Ninguém ajudou vocês, ao menos?

Negaram com a cabeça, em um movimento único. Meu coração palpitou novamente, sentindo algo ainda mais forte dentro de si.

— Bem... Nós estamos aqui. — Falei, sorrindo, sem pensar muito.

Alexy olhou para mim com carinho e Armin parecia comovido também, mas ainda hesitante para demonstrar tal sentimento.

— E é Ano-Novo, afinal das contas! — Animou Arnaud, com um sorriso branco. — Temos que comemorar!

Ele saiu rapidamente, voltando poucos minutos depois com uma toalha grande e quadriculada, em tons que intercalavam do acizentado para o verde-musgo. Em sua outra mão, algumas sacolas de plástico pareciam pesar.

— Não existe Ano-Novo sem comida. — Continuou. — Não é um banquete, mas acho que um pacote de Oreo e Coca-Cola sabor cereja são sempre bem-vindos, não é mesmo?

Os meninos assentiram com a cabeça e eu apenas balancei a minha, com um sorriso de canto. Não era o melhor jeito de se cuidar da saúde duas crianças, mas era sem dúvidas uma ótima forma de agradar a papila gustativa das mesmas. Por isso, não me contive em aceitar a comida de bom grado.

Cerca de quinze minutos depois, o céu já havia sido tomado pelos brilhos coloridos que iluminavam toda a cidade. Amoris Village tinha moradores empolgados, então não seria surpreendente se os fogos de artifício durassem até o dia clarear. Todos nos abraçamos animadamente e cumprimentamos o ano de dois mil e cinco, que acabara de chegar em grande estilo.

Arnaud e os meninos brincavam com a comida e faziam caretas, e mesmo que todos nos conhecêssemos apenas por menos de uma hora, já nos divertíamos de verdade, como se fossemos próximos desde uma eternidade.

Nos divertíamos não como estranhos ou como amigos, mas sim, como uma família feliz e unida.

Por poucos minutos, precisei sair até o carro para vestir meu casaco pesado, pois apesar de minha alma estar repleta de calor do afeto, o frio já havia tomado conta de todo meu corpo.

Quando voltei, os meninos e Arnaud estavam apagados, um ao lado do outro, dormindo com uma aura tão angelical que seria um pecado os acordar. O que antes foi uma toalha de chão, agora servia de cobertor para todos.

Cuidadosamente, juntei-me a eles, sentando-me ao lado do pequeno Armin. A cabeça dele se reclinou em meu braço, me arrancando um sorriso genuíno.

Naquele momento, percebi que minha dor havia se dissipado. Eu estava sorrindo, afinal. Sorrindo pela primeira vez em semanas. No lugar da escuridão que cegava meu coração, uma luz terna o aquecia com a alegria que esses meninos me presenteavam. Afinal, nós éramos como um par perfeito de peças de um quebra-cabeças.

Eles procuravam carinho. Nós, procurávamos a quem cuidar. No entanto, encontramos mais que isso. Acima de todas as coisas boas de nosso encontro, descobrimos entre algo que é mais precioso que qualquer outra jóia desse mundo: o amor. Algo tão simples de se sentir, mas tão complicado de se explicar.

Afinal, como diria Einstein, "Gravity is not responsible for people falling in love". Traduzindo ao pé da letra, compreende-se que nem a gravidade é a culpada pelas pessoas caírem de amor. Bem, suponho que o mestre da Física quis dizer no sentido de se apaixonar, mas também, não importa. Eu havia me apaixonado por esses garotos à primeira vista, assim como uma mãe se apaixona por seu bebê.

Eu encontrei naqueles meninos não um substituto para meu falecido herdeiro, mas sim uma nova rota para um futuro feliz. Sabia que Arnaud se sentia assim. Podia ver em seus olhos, em seu sorriso, em tudo. E sabia também que Alexy e Armin se sentiam da mesma forma, principalmente pela forma com que eles seguravam minha mão e de Arnaud, durante o sono deles.

No mês seguinte, os meninos já eram oficialmente nossos filhos. De papel assinado no cartório e tudo o mais. Nós os havíamos adotado.

E, desde então, todas as viradas de ano são o meu dia mais especial de todos os anos. Mesmo agora, que Alexy e Armin já possuem barba e que minha cabeça e de Arnaud são cobertas por alguns poucos fios brancos, nos reunimos todos os anos na Praia Leste para sentar, nos deliciar com Oreo e Cherry Cola, ver os fogos e agradecer as estrelas que nos guiam para o caminho da felicidade.

Afinal, amar não é olhar apenas um para o outro. E sim, olhar para a mesma direção.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada por ler. ♥
Vejo vocês nos comentários! ^^