Tempestuoso escrita por babsi


Capítulo 7
Capítulo 7: Eu sempre soube que você queria me dar uns beijos


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Eu estou de volta, não morri, estou viva...
Espero que vocês entendam que esse negócio de postar todos os dias é só quando eu não tenho nenhum compromisso que prejudique meu horário de escrever ou de postar. Ontem, por exemplo, tive um pequeno imprevisto familiar que durou até hoje a tarde. Só agora consegui terminar de escrever o capítulo. Tipo, agora meeeeesmo!
Enfim, espero que gostem!



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POV THEA:

A manhã não tinha sido lá muito produtiva. Não tínhamos muito o que fazer, para falar a verdade. O barracão era um acampamento provisório, tínhamos comida, água e um teto. O que mais poderíamos querer?

Daryl havia saído de fininho para caçar e voltado com um coelho velho e gordo amarrado em um cordão. Assamos o bichinho em uma pequena fogueira nos fundos do barracão e agora estávamos todos na sala.

Michonne afiava sua katana com uma cara um tanto quanto sádica, Carl lia uma HQ pela milésima vez, e Rick e Daryl tentavam chegar em um consenso sobre como agiriam se sua família estivesse viva em Terminus.

A única coisa que eu tinha plena certeza sobre toda essa história de Terminus, era que, por mais que Rick tentasse a diplomacia, acabaríamos em guerra.

A população de Terminus não ia dar o braço a torcer. Eles não iriam entregar o que a gente queria de cabeça baixa e fingir que não podíamos ser a parte nova cardápio. Pessoas iriam morrer, e eu não sabia como me sentir sobre isso.

É a minha família lá dentro, eu queria protegê-los, mas eles estavam errados. Estavam matando pessoas por serem covardes demais para lutar. Eu não queria mais mortes mas, se eu tiver que escolher entre os bonzinhos e os vilões, Terminus vai queimar.

É extremamente irônico o fato daquelas pessoas estarem agindo exatamente como o mal que lutamos todos os dias: os errantes. A única coisa que nos diferenciava deles era nossa humanidade, e as pessoas de Terminus pareciam ter abrido mão da sua. Além de que errantes comiam pessoas e pessoas não, aliás, essa era mais uma coisa que os habitantes do Santuário abriram mão.

E eu, simplesmente, não conseguia entender a que ponto as coisas chegaram. É tão ridículo para mim, pensar que as pessoas se matavam ao invés de se aliar para se manterem vivas, mas a verdade sempre foi e sempre seria a mesma: humanos eram arrogantes e gananciosos demais para abrirem mão de um possível poder e seus benefícios.

Senti uma coisa puxando minha bochecha, e logo acordei para realidade. Judith ria, enquanto beliscava minha bochecha com aquelas mãozinhas gordas.

– Você gosta de me maltratar não é, Judy? - ela ri, mostrando sua face sádica por trás do sorriso doce de dois dentes.

– Thea. - Rick chama minha atenção, com um sorriso no rosto. Ele parecia bem melhor, menos perturbado. Eu não sabia pelo que ele havia passado, mas não parecia ter sido fácil. Não consigo imaginar como deve ser pesado para um homem tão bom e justo como Rick ter que carregar o peso de tantas mortes e de tantas vidas.

– Sim? - pergunto, afastando as mãos de Judith de meu rosto. Uma hora dessas ela iria arrancar minhas bochechas.

– Quando você nos contou sobre Terminus, citou uma base militar onde conseguiu armas e munição...

– Ela ainda está no mesmo lugar de antes, se é isso que quer saber. Só que está cheia de errantes e já deve ter sido saqueada há tempos.

– Acha que nós conseguimos entrar?

– O que procuram?

– Munição, principalmente. E, se tivermos sorte, armas e itens de primeiros socorros. Não sabemos o que vamos encontrar em Terminus e se os nossos estarão feridos ou não.

– Os soldados deixavam os tambores com armas mais a frente, no caso de um ataque. Não acho que haverá muita coisa lá, já devem ter saqueado todas as armas, mas acredito que munição ainda exista um pouco. Quanto aos itens de primeiros socorros... - balanço a cabeça, em negação. - Provavelmente estão nos barracões, mais atrás... Lá está infestado. Todos que foram resgatados pelos soldados iam para as barracas. Quando a base caiu, aquele foi o primeiro lugar atacado. Ainda tem muitos errantes presos sob aquelas lonas. É muito arriscado.

Rick assente, procurando por outra solução, talvez.

– Quanto tempo daqui? - Daryl pergunta.

– Mais ou menos uma hora e meia...

Daryl e Rick se entreolham, como se dissessem "uma hora e meia não é tão ruim".

– ... de carro. A pé eu acho que umas três ou quatro horas.

– Três horas já não é assim tão bom. - Rick comenta, frustrado.

– Eu não sei o que poderia fazer por vocês sobre isso. O único meio de transporte que eu tinha ficou em Terminus. Desde então, eu ando a pé.

– Você ia até a cidade a pé? - Michonne pergunta, fazendo aquela cara de mãe indignada.

– Claro que não, Mich. Eu pegava uma carona no conversível de uns amigos. - reviro os olhos, sentindo meu rosto sendo fuzilado por seus olhos negros. - Qual é, Michonne? Você acha mesmo que eu ia ficar quieta dentro desse barracão só porque estava sozinha?

Ela não responde, somente continua me olhando com uma expressão irritante.

– Tinha uma moto jogada nos trilhos, um pouco antes de Terminus. - ela diz, ainda me olhando feio.

– Estava sem gasolina. - Daryl comenta, passando a mão pelos cabelos de modo nervoso.

– Gasolina não é um problema. - Carl se levanta, animado em se mostrar útil.

Vai em direção a estante, empurrando-a e deixando o alçapão a mostra.

– Eu estava fuçando aqui dentro e encontrei um galão de gasolina quase cheio.

Carl entra no alçapão e volta poucos minutos depois com um galão de gasolina de cerca de quinze litros.

Como eu não sabia que isso estava lá?

Rick vai em sua direção, ajudando o garoto. Abre o galão e chama Daryl.

– Você acha que dá para ir e voltar com esse tanto?

– Deve ter uns dez litros de gasolina ai dentro. - fala, pensativo. - O tanque daquela moto deve ter uns dezesseis... Se for isso mesmo, dá para ir e voltar.

Rick sorri, dando tapinhas no ombro de Carl de modo orgulhoso. O menino sorri, voltando para sua HQ velha.

– Agora é quase meio-dia. - Michonne fala, olhando para um relógio na parede. Tyreese havia arrumado este, de acordo com seu relógio de pulso. - Se formos agora, se tudo correr bem, conseguimos voltar antes do por do sol.

– Certo. Eu vou. - me adianto, colocando minhas botas e pegando minha mochila.

Eu não iria ficar sentada aqui, agoniada, pensando se todos voltariam bem ou não.

– Não. - Daryl e Michonne falam ao mesmo tempo.

Ótimo. Além de uma mãe, agora eu também tenho um pai. Reviro os olhos, buscando ignorá-los.

– Vocês não podem me impedir. - empino o nariz, com uma cara de garota independente. - Aliás, quem manda aqui é Rick, não vocês. Certo, Rick?

Ele levanta uma mão, em rendição, pegando Judith no colo.

– Não sou eu que cuido das buscas, Thea. Daryl é o responsável por elas desde a prisão. Lá fora, a responsabilidade é dele, não minha.

Olho feio para ele, tentando expressar pelo olhar o quanto eu o achava um arregão. Rick me manda uma expressão de quem está com as mãos atadas.

– Eu não acho certo que você vá, se é minha opinião que deseja, Thea. Se arriscar por pessoas que você não conhece... Você já fez isso demais. Mas, por outro lado, seria prudente que você fosse. - ele olha para Daryl, como se tentasse aconselha-lo. - Thea conhece o caminho, sabe onde está o que precisamos. Sem falar que ela parece ter se virado muito bem até agora.

Daryl parece pensativo, passa a mão pelos cabelos de modo nervoso.

– Ela mesmo disse que não sabe lutar. - fala, como se isso justificasse algo. Olho feio para ele.

Eu sabia lutar! Era uma exímia tacadora de facas. Eu só não tinha bíceps o suficiente para sair enfiando uma faca em milhares de errantes a cada cinco segundos.

– Thea sabe se defender, Daryl. - Michonne fala, para surpresa de todos. - Eu concordo com Rick. Eu não quero que ela vá, mas é mais prudente assim. Ela soube se virar todo esse tempo, não é indefesa.

Daryl pensa mais um pouco e olha para mim, a expressão séria.

– Lá fora a responsabilidade é minha. Seja razoável para que eu não tenha que me culpar pelo resto da minha vida por uma merda que foi sua culpa. - fala, indo em direção a sua besta.

Rick lhe entrega uma bolsa de armas vazia e o galão de gasolina.

– Certo, quem manda é você. - ele olha para mim, com uma expressão nada feliz. - Eu não vou fazer merda, fique tranquilo. Vou ser a buscadeira mais obediente de todo o apocalipse. - falo, com um sorriso no rosto, ajeitando minhas facas no coldre.

– Thea, seja razoável. - Michonne diz, com sua katana em mãos. Reviro os olhos.

– Eu já entendi, mãe. Vou ser razoável, vou ser obediente e todas essas coisas aí. Vai dar tudo certo, eu já fiz isso antes.

(...)

Caminhamos cerca de vinte minutos até encontrar a tão falada moto. Ela estava uma porcaria, e é só isso que eu tenho a dizer sobre aquela coisa.

Tinha sangue podre até no assento, sem falar nas rodas, que pareciam ter passado por cima de milhares de tripas velhas. A coitada estava em uma situação decadente, mas teria que dar para o gasto.

Daryl achou as chaves após tatear os bolsos do errante morto ao seu lado, e agora, colocava a gasolina que Carl achou.

– Eu já tenho um plano. - digo, chutando os pedregulhos por entre os trilhos.

Ele olha para mim, já impaciente.

– Não você não tem um plano. Seu plano é ficar quieta e se concentrar em fazer o que eu mandar.

– Não, Daryl, claro que não é esse o meu plano. Meu plano é o seguinte: a gente chega lá e entra bem silenciosamente. Você pega as munições e as armas enquanto eu vou atrás do kit de primeiros socorros. Assim, nós saímos de lá bem rápido e voltamos antes de escurecer.

– Seu plano é uma merda, Thea. Fique quieta antes que eu me arrependa e te mande de volta para o barracão pelos cabelos.

– É um plano incrível, Daryl. Você só está com inveja dele.

Vejo-o revirar os olhos, rosqueando a tampa do tanque com força.

– Eu só espero que essa porcaria funcione. - diz, ao colocar a chave na ignição, dando partida.

A moto dá uma ganida, ameaçando funcionar e desliga com um grunhido baixo.

– Merda. - Daryl sussurra frustrado, tentando novamente. Tenta mais duas vezes e nada.

Estava bom demais para ser verdade.

Ele chuta a caranga velha, irritado, mas ainda sem desistir. Coloca a chave na ignição e tenta mais uma vez. A moto dá uma ganida no começo, o motor falha um pouco, mas logo ronca de forma viril.

– Isso! - Daryl sorri, me fazendo sorrir também.

Suspiro aliviada, pegando a bolsa de armas, prendendo-a em minhas costas, junto com minha mochila.

– Vamos fazer isso de uma vez. - Daryl diz, enquanto me sentava no passageiro. Após eu me ajeitar, ele acelera, em direção ao caminho que eu indicava.

(...)

– Isso é um ferro velho. - sussurro, avistando o antigo posto militar.

Tanques de guerra e helicópteros destroçados eram nosso tapete de boas vindas.

– Vou parar por aqui. - Daryl fala, estacionando a moto um pouco afastado do local.

Descemos da moto, e alcanço a mala de armas para ele, que semi cerra os olhos em minha direção.

– Seu plano não vai dar certo, Thea. Vamos ficar juntos, é mais seguro.

Reviro os olhos, murmurando alguma coisa inaudível até para mim.

Caminhamos em silêncio, em direção ao local. O único som que se propagava era o baixo farfalhar dos nossos passos no asfalto esburacado.

O sol ainda estava alto, não devia passar das duas da tarde. Se fizéssemos tudo agilmente, chegaríamos ao barracão antes que a próxima dupla saísse.

Olhei em volta, percebendo o quanto tudo estava calmo demais, silencioso demais. Daryl também parecia atento a esse fato e ao que ele representava.

Era como o famoso ditado: nas águas mais calmas é que se escondem os abismos mais profundos. Depois que essa praga de mortos-vivos começou, isso era uma das únicas coisas que ainda fazia sentido.

Passamos por debaixo do alambrado improvisado silenciosamente, indo em direção ao ferro velho. Alguns soldados estavam mortos no chão, muitos com tiros na cabeça. Pegamos o que parecia útil, como suas armas e a munição em seus bolsos. Aquele lugar estava tão arrasado que parecia que era só isso que iríamos conseguir.

Daryl olha silenciosamente dentro dos helicópteros e carros, colocando coisa ou outra dentro do saco de armas. Não parecia ser nada muito relevante, mas poderia fazer a diferença.

Encontro no chão um pequeno fardo MRE. O bom de comida de soldados, era que ela demorava muito para estragar. Coloco na bolsa e continuo em frente.

Poucos errantes apareciam em nosso caminho. Eles pareciam famintos demais até para fazer barulho, então não chamavam muito a atenção. Daryl metia uma flecha na cabeça deles sem muita cerimônia e nós continuávamos nosso caminho.

Não havia muito o que pegar naquele lugar. Estava tudo completamente bagunçado e, o que estava perto do portão, já havia sido saqueado diversas vezes. O que, provavelmente, se mantinha intacto, era o que havia dentro dos barracões infestados de errantes.

Daryl acena para mim, apontando para os barris de armamentos escondidos atrás de um tanque.

Poucos dos barris ainda estavam de pé e pareciam conter coisas, a maioria já havia sido saqueado e agora jazia jogada no chão. Vamos em direção a eles mesmo assim, na esperança de encontrar algo útil.

De fato, tivemos sorte nesse aspecto. Dois dos barris tinham algumas armas, nada muito animador, mas era melhor que nada.

– Vamos terminar logo ali e vamos atrás dos kits de primeiros socorros. - Daryl sussurra, colocando as coisas na bolsa de armas.

Assinto, ouvindo um barulho estranho ao longe. Daryl semi cerra os olhos para mim, ainda achando estranho meu silêncio.

– O que foi?

Não respondo, tentando identificar o som. Consigo distinguir centenas, talvez milhares, de grunhidos vindo em nossa direção pelos fundos do acampamento. Estaco no lugar.

– Uma horda. Grande. Muito grande.

– Merda. - ele grunhi, acelerando o processo de colocar as coisas na mala. - Quanto tempo?

– Eu não sei. Não tenho um sonar, eu já te disse! - respondo nervosa, ajudando-o.

– Não é hora para pirraça, Thea.

– Eu não estou com... - suspiro, mantendo o controle. - Eu vou atrás do kit de primeiros socorros. Termina isso aqui e vai para a moto. Me espera lá, eu não vou demorar. - falo, ajeitando a mochila nas costas.

– Não. - ele fala, puxando meu braço com força. - Não vamos nos separar.

– Daryl, eu preciso que você confie em mim. Sua família pode precisar do que está dentro daquelas barracas! Eu já fiz isso antes. Eu entro, pego o que tenho que pegar e volto rápido.

– Não, vamos ficar juntos. Minha família está bem, eles não precisarão disso. - sibila, ainda segurando meu braço.

– Daryl, eu já fiz isso antes. Vai dar tudo certo. Estamos perdendo tempo.

Ele para, passando as mãos pelos cabelos com uma expressão nauseada, talvez já sentindo o cheiro típico daquelas coisas.

– Que merda, Thea! Por que você não pode só seguir o plano? - resmunga, me puxando para perto.

Antes que eu pudesse responder, ele me traz para mais perto. Suas mãos seguram firmemente meu quadril e seu rosto chega perto do meu.

– Daryl, o que você...

– Cala a boca, Thea. - fala, roçando os lábios nos meus suavemente, mas ainda assim de uma forma bruta. De uma forma Daryl. Ele me afasta suavemente, um pouco irritado.

– Você me beijou? - pergunto, sem ação.

– Que merda, Thea! Estamos perdendo tempo. Vai logo antes que eu pense na merda que estou fazendo e te arraste de volta até a porcaria da moto.

– Esse idiota me beijou. - falo, ainda sem acreditar, correndo em direção as barracas. - Que merda, Daryl... Você me beijou!

Conforme eu chegava mais perto o barulho aumentava e o odor fétido se mostrava presente, me acordando para cruel realidade. Eu poderia morrer ali, mas pelo menos já teria sobrevivido o suficiente para fazer alguma diferença nessa merda de mundo pós apocalíptico e ter sido beijada pelo caçador gostosão.

Me posicionei em frente a primeira barraca, a maior delas, me apressando tirar uma lanterna no bolso.

Suspirei. Eu precisava sair viva dessa. Era fácil, eu já havia feito isso antes. Já havia fugido de hordas tão grandes quanto essa. Era só correr. Eu podia correr.

Abri a barraca. Quatro errantes saltaram para fora, famintos. Empurrei um, que caiu no chão. Sua cabeça podre se abriu em mil pedaços, como uma melancia velha. Taquei minha faca em outro, que foi ao chão com um baque molhado. Os outros dois vieram com os dedos em decomposição prontos para me agarrar, consegui me desvencilhar e entrar dentro da barraca, fechando o zíper logo em seguida.

Chequei tudo rapidamente, iluminando o escuro com a lanterna.

– Meu deus, fede aqui dentro.

O lugar era extremamente escuro. A minha frente, uma mesa de metal podia ser vista. Alguns pacotes de MRE estavam sobre ela. Fui rápida em coloca-los na bolsa.

– Vamos, Thea. Você consegue, só seja rápida.

Andei pelo local, que parecia grande por fora, mas era gigante por dentro, a procura dos kits de primeiros socorros. A primeira prateleira, logo ao lado da mesa, estava cheia daquelas chemlights, peguei algumas e coloquei na bolsa. A segunda estava completamente revirada, com alguns pertences, mas nada importante, além de um bolinho de HQs de algum personagem qualquer. Peguei os livrinhos para Carl e mais alguns MREs na terceira prateleira e coloquei na mochila.

– Kit de primeiros socorros, Thea. Se atente ao que realmente é necessário.

Ilumino em volta novamente, tentando não ficar nervosa com os grunhidos cada vez mais altos.

– Se essa horda chegar aqui, eles levam essa barraca comigo e com tudo dentro. - respiro fundo, tentando me concentrar. - Se acalme, você consegue.

Vou até o outro lado, uma maleta branca de metal com uma cruz vermelha gigante chamando minha atenção no alto de uma prateleira. Sorrio, tentando alcançá-la. Pulo algumas vezes, sem sucesso.

– Merda... Eu preciso de um banquinho, uma cadeira, alguma coisa... - sussurro para o escuro, procurando algo com a lanterna. - Não tem nada aqui... A mesa! A mesa de metal... Vai ter que servir.

Vou até a mesa, jogando que estava em cima dela no chão. Tento puxá-la, mas ela oferece alguma resistência. Era uma mesa leve, mas algo estava a emperrando. Ilumino as rodas com a lanterna.

– Trava de roda. As rodinhas estão travadas! Claro, Thea, como você não pensou nisso antes? - sussurro para mim mesma, colocando a lanterna e a faca em cima da mesa e me abaixando até as rodas.

Destravo a primeira e a segunda, indo em direção ao outro lado, quando alguma coisa agarra meu braço com força.

Solto um grito, sem conseguir me controlar. Minha cabeça bate com força no tampo da mesa, a lanterna e a faca voam longe, rolando até a entrada da barraca com um baque metálico.

Os gemidos vão ficando mais fortes, assim como o aperto em meu braço.

– Merda, merda, merda. - tateio minha calça, a procura de uma de minhas facas de arremesso.

A mão gélida em meu braço fazendo um aperto dolorido, enquanto eu tentava me afastar. Alcanço minha faca em minha cintura. Tento firmá-la em minha mão trêmula e suada, mas estava escuro, e eu não conseguia ver nada.

– Se você resolver fincar essa faca em alguma coisa, vai acabar se esfaqueando, sua maluca. - falo, tentando pensar em uma solução.

Sem outra opção, começo a chutar o ar desesperadamente ao mesmo tempo que puxava o braço com a outra mão.

A única coisa que eu conseguia pensar era: ainda bem que eu estou de blusa de manga comprida.

(...)

POV DARYL:

Já tinha se passado alguns minutos e nada daquela maluca aparecer, os grunhidos já eram audíveis e o cheiro já estava insuportável.

– Onde eu estava com a porcaria da cabeça ao deixar Thea ficar lá sozinha? - me pergunto, andando de um lado para o outro ao lado da moto, pensando se deveria ir ou não atrás dela.

– Ela disse que já tinha feito isso antes, Daryl. Essa maluca se vira bem sozinha, ela vai conseguir. - falo para mim mesmo, tentando manter a calma e não sair correndo atrás da louca em uma missão suicida.

Eu tinha confiado nela, agora teria que arcar com as consequências, sem dar uma de super herói.

– Mais cinco minutos, Thea. Te dou mais cinco minutos para aparecer, se não eu juro que vou atrás de você e te arrasto para o barracão pelos malditos cabelos!

Um errante se aproxima, as mãos a frente do corpo, tentando agarrar o nada, enquanto a boca abria e fechava, mordendo o ar. O empurro, pisando com força em sua cabeça, várias vezes. Sete errantes estavam mortos aos meus pés agora, e eu não conseguia parar de pensar naquela maluca suicida e no modo com ela havia me convencido a aceitar suas sandices.

O fato era que, bastava Thea me olhar com aquela expressão decidida de menina mimada e com seus olhos verdes brilhantes e enormes que eu faria o que ela quisesse.

– Que merda de atitude de menino apaixonado e idiota, Daryl! - urro, puxando meus cabelos, a possibilidade de nunca mais ver aqueles olhos verdes mimados me matando.

Os grunhidos aumentam e eu resolvo ir atrás de Thea. Entretanto, antes que eu pudesse ao menos me mexer, a maluca aparece correndo, com a mochila cheia em suas costas e uma maleta de primeiros socorros maior do que ela própria em suas mãos. Seria uma visão cômica se, logo atrás dela, a maior horda que eu já vira na vida não se arrastasse para pegá-la.

– Liga essa merda logo, Daryl. - grita igual uma louca, chegando mais perto.

Ligo a moto, que responde a meu comando logo de primeira. Thea se joga em cima desta, agarrando-se em mim com a força de um elefante.

Acelero e logo os errantes vão ficando para trás, junto com seus grunhidos e o fedor característico.

(...)

– Caralho... - Thea sussurra, deitando a cabeça em minhas costas, a respiração pesada em meu pescoço.

Já estávamos longe o suficiente da horda, então diminuo a velocidade, sentindo Thea relaxar atrás de mim.

– Você tem uma boca suja que eu nunca vi igual, Thea.

– Não é hora para dar conselho moral, Daryl. - ela fala em meu ouvido, com a voz cansada. - Você pode parar um pouco?

– Parar?

– Sim, Daryl. Parar... Parar a moto, desacelerar e essas coisas todas.

– Por que? - pergunto, diminuindo a velocidade, um pouco preocupado.

– Porque eu to pedindo pelo amor de deus, para você parar essa coisa se não eu vou morrer aqui atrás. - esbraveja, me irritando.

Eu paro a moto bruscamente. Thea desce, com um pouco de dificuldade, e se senta na extremidade dos trilhos, apoiando as costas em um pequeno aclive de terra e grama.

– Você está bem? - pergunto, vendo-a tremula e pálida.

Thea fecha os olhos, assentindo com a cabeça, e então começa a chorar de modo nervoso. Arregalo os olhos, me ajoelhando a sua frente, assustado.

– Thea, o que aconteceu?

Ela não me responde, só continua a chorar. O peito subindo e descendo em meio a soluços.

– Você foi mordida? Arranhada? - me desespero, chacoalhando-a pelos ombros.

Não tenho resposta novamente. Ela só passa a mão tremula pelo rosto, tentando limpar, sem muito sucesso, as lágrimas.

– Thea, por favor, me diz se você está bem.

– Está tudo bem comigo, Daryl. - ela responde, após um suspiro cansado, se acalmando.

– Então por que diabos você está chorando igual uma louca?

– Você tem a sensibilidade de um hipopótamo, sabia disso? Está tudo bem comigo, e eu não estou mais chorando. - continua, com um sorriso débil, que logo se transforma em uma gargalhada nervosa.

Não consigo conter o riso, e logo caio ao seu lado, sendo consumido por uma espécie de alívio.

"Não tem nada de errado, a maluca está rindo agora. Você se preocupou a toa, deve ser só alguma dessas coisas de mulher.", penso, um pouco confuso com minha preocupação anterior.

– Nós quase morremos. - ela diz, em meio ao riso. - Mas estamos bem, escapamos de mais essa. - suspira contendo a risada, e tirando uma garrafa de água de dentro da mochila.

Ela toma um pouco, me oferecendo logo em seguida. Eu aceito, vendo-a arregaçar as mangas da blusa.

– O que é isso em seu braço? - pergunto, olhando para a marca de dedos avermelhada.

– O que? - ela se faz de desentendida, puxando a manga para baixo, com uma cara falsamente inocente. Se tinha uma coisa que Thea não sabia, era se fazer de sonsa.

– Você sabe do que eu estou falando, então não me venha com essa cara... - respondo, puxando seu braço sem muita delicadeza, deixando a marca a mostra novamente.

– Ah, isso. - reviro os olhos, já irritado. - Um errante se fingiu de morto embaixo de uma mesa e agarrou meu braço. Eu estourei a cabeça dele aos chutes. - fala, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

– Que merda, Thea. Você e seus planos idiotas! É claro que isso ia dar merda.

Ela revira os olhos, puxando o braço de minhas mãos defensivamente.

– Isso não foi nada, Daryl. Foi só um contratempo. Nós pegamos tudo que precisávamos. Deu tudo certo. - ela sorri, tentando me passar um pouco de segurança.

– Não tem nada certo aí, Thea. Está tudo muito errado. Eu fui um idiota em ter caído nessa sua conversa fiada de "Eu já fiz isso antes". Você podia ter se machucado, esse errante podia ter te arranhado, mordido...

– Mas ele não me arranhou, nem mordeu. Eu já tinha feito coisas do tipo antes, errantes já chegaram bem mais perto de me morder e eu ainda estou aqui, não estou?

– Errantes já chegaram bem mais perto de me morder. - imito sua vozinha irritante. - Você está tentando me tranquilizar?

Ela ri, revirando os olhos.

– Por que? Você está precisando ser tranquilizado? - provoca.

– Já vai começar, Thea? - respondo, me irritando.

– Não, não vou começar. Não agora, pelo menos. - sorri suavemente. - Obrigada, aliás.

– Pelo que, exatamente? - pergunto, confuso com suas mudanças nada sutis de assunto.

– Por não ter me impedido. Por ter confiado em mim quando eu disse que conseguia.

– Ah, por isso... - passo a mão pelos cabelos, nervoso.

Mal sabia ela que eu lutara arduamente contra o impulso de arrastá-la a força até a moto logo após seu primeiro passo em direção as barracas.

– Fique sabendo que você não vai agradecer uma próxima vez. Essa já me deixou preocupado demais.

– Quer dizer que você ficou preocupado? - diz, dando um sorriso sugestivo.

– Não comece com suas sandices, Thea.

– Você me beijou e me mandou para a morte, Daryl. Eu quase morri atracada com um errante e você fica aí, me repreendendo por conta de um plano que deu super certo.

– Você quase morreu atracada com um errante e ainda tem a cara de pau de dizer que o plano deu super certo...

– Estamos vivos, não estamos? Podíamos ter morrido se tivéssemos seguido o seu plano, mas seguimos o meu e estamos super vivos.

– Para de falar merda, Thea.

– Você me beijou. - ela diz suavemente, mudando completamente de assunto, como se não estivesse fazendo drama segundos atrás.

– E daí? - pergunto, tentando me fazer de indiferente.

Sim, eu tinha beijado-a. Foi um ato completamente impensado, e eu não sabia de onde aquele maldito impulso tinha saído, mas eu não me arrependia. Eu devia, mas não conseguia.

– Quando vai me beijar de novo? - pergunta, aqueles olhos verdes brilhando em expectativa.

Semi cerro os olhos, pego de surpresa pela sua pergunta. Ela ainda me olhava com aqueles olhos imensos, que poderiam me engolir a qualquer segundo.

– Agora. - digo. Essa parecia a resposta mais apropriada, a mais certa.

Thea sorri quando eu me aproximo. Ela passa a língua pelos lábios, num movimento tentador. Minha mão vai para sua cintura, enquanto ela afunda os dedos em meus cabelos. Nossos lábios se tocam, em um roçar suave, e logo fica tudo mais intenso. Ela me puxa para mais perto, aprofundando o beijo e eu correspondo com a mesma intensidade. E então, cedo demais, ela se afasta.

– Eles nunca vão nos deixar em paz, não é mesmo? - fala, encostando sua testa na minha.

Franzo o cenho, confuso. Como resposta, um errante aparece vindo da floresta, o andar trôpego, e a boca mordendo o nada, me lembrando o porquê de não poder me envolver.

– Nós temos que ir. - me levanto, sendo seguido por Thea.

– Ei, Daryl. - ela chama, antes de subir na moto atrás de mim. - Eu sempre soube que você queria me dar uns beijos. - sussurra em meu ouvido, deixando um beijo em meu pescoço.

Que mulherzinha infernal.


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Notas finais do capítulo

Teve beijo? TEVE!
Teve sexo? NÃO TEVE!
Por que? PORQUE EU NÃO QUIS.
Mas, vai ter sexo? VAI TER SEXO! VAI TER MUITO SEXOOO. SEXO PRA CARA... SEXO SELVAGEM. SEXO DOMÉSTICO...
Vai ser logo o sexo? NÃO VAI SER LOGO O SEXO. VAI SER SEXO SÓ QUANDO EU QUISER QUE O SEXO SEJA SEXO.

Beijos de luzzzzzz