Tempestuoso escrita por babsi


Capítulo 32
Capítulo 32: Pilar




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— Que assuntos? – pergunto, estreitando os olhos desconfiada.

— Qual sua opinião sobre Abraham? – pergunta de forma direta, me sobressaltando por um momento.

Eu não havia tido tempo para me confrontar sobre o que Abraham fizera, e a provocação que aquela pergunta trazia, de certa forma, me deixava desconfortável. Eu não queria ter que me posicionar contra alguém que eu acreditava precisar do grupo. Abraham me parecia uma boa pessoa, apesar de sua relutância em seguir Rick. Ele fora líder dos seus por muito tempo, e é extremamente difícil para um líder se submeter a outro.

— Eu não sei, Rick. Se quer algo contra Abraham, não vai encontrar comigo. Não apoio a atitude que ele tomou... nos arriscar daquele jeito, apontar uma arma para sua cabeça... foi horrível, mas pessoas desesperadas tomam atitudes desesperadas e eu não tenho capacidade de julgar algo assim. Todos nós já perdemos o controle em algum momento.

— Não discordo do você, Abraham viu uma oportunidade e se agarrou a ela de tal forma que arriscou a própria vida. É disso que eu tenho medo, e isso nos leva a um dos motivos dessa conversa.

— Você quer saber se eu confio no julgamento de Abraham. – digo, vendo-o assentir com um sorriso de lado.

Olho em direção à Abraham, entendendo o ponto de Rick. Mas, eu também entendia Abraham, eu conseguia entender o quão difícil era desconfiar de algo que parecia ser a realização de seu maior desejo.

— Eugene é um bom mentiroso, Rick. – dou de ombros, sabendo que isso era um fato para todos do grupo. - Do tipo que é inteligente o suficiente para enganar a todos nós, que achávamos que ele não passava de um idiota. E Abraham deve ter passado por merdas extremamente difíceis para ter confiado tão cegamente nele. Eugene disse que tinha a cura e Abraham queria tanto isso, que não investigou fundo o suficiente. Não o culpo por isso, acho que todos nós já cometemos um erro parecido. O ser humano é assim. Queremos tanto uma coisa que, quando uma oportunidade surge, achamos que é o destino ou até mesmo o presente de Deus. Como podemos culpar um homem por manter suas esperanças?

— Não discordo, mas o que o impede de cair nessa mesma armadilha mais uma vez? Ele se enganou uma vez, porque não se enganaria de novo?

— Não sei. Nada impede que ele se engane novamente, mas Abraham não me parece estúpido, e só os estúpidos deixam de aprender com seus erros. Sem falar que ele parece extremamente envergonhado pelo que fez, por ter acreditado num mentiroso. Se minha intuição estiver certa, esse é o momento em que Abraham está menos propício a cometer erros. Ele está alerta, não quer ser feito de idiota mais uma vez.

Rick assente, observando a conversa que ocorria a nossa frente. Daryl parecia completamente desacreditado, o que me fazia imaginar o que diabos eles estavam conversando.

— Isso tudo tem algo a ver com a presença do gostosão anônimo, certo? – pergunto, olhando para o Xerife ao meu lado.

— Gostosão anônimo? – Rick sorri, balançando a cabeça. – Acho que você quer dizer Lincoln. E sim, têm.

— Acho que sim, se esse for o nome dele. – dou de ombros. – Que assuntos seriam estes?

— Ele nos deu uma opção. – diz, abaixando o tom de voz, como se falasse sobre um segredo ainda não compartilhado com o grupo.

— Que tipo de opção?

— Um lugar para ficar.

Engulo em seco, assentindo pensativa. Era mais que uma opção, era uma oportunidade. Um lugar para passar o inverno sem medo de congelar na estrada, de perder pessoas para o frio e para falta de alimento. O único problema era que, no mundo morto, todo cuidado era pouco.

— Bem... – digo, procurando as palavras em minha mente, ainda confusa por Rick estar compartilhando aquilo comigo. – É uma opção e tanto. Por que simplesmente não aceita?

— Porque não faço ideia do que pensar sobre isso. – fala, como num desabafo, observando a conversa paralela entre Daryl, Abraham e o tal Lincoln. – Abraham nos encontrou no galpão com Lincoln e nos deu a opção e, antes que eu pudesse pensar sobre, aqueles homens chegaram. E agora estamos aqui, no meio da estrada, sem opções para nos abrigar, com uma horda há poucos quilômetros e um grupo de homens extremamente violentos querendo se vingar. Sem falar nos ânimos do grupo com a presença de Abraham e Eugene.... Os nossos não confiam mais neles, e eu não posso simplesmente ignorar isso...

— Não depois do acontecimento da estrada... – completo, entendendo o porquê de suas perguntas.

Abraham havia explodido, nos colocado em perigo e apontado uma arma para Rick. Tinha sido uma afronta grande, daquelas que abalavam todo o grupo. Não dava para Rick simplesmente ignorar o que acontecera. Ele era o líder, tinha que mostrar que não aceitaria aquele tipo de afronta. Todos seus passos depois do que acontecera deviam ser dados com cuidado, qualquer passo em falso abalaria a confiança do grupo e nos colocaria em perigo. Se Rick mostrasse que tolerava um homem lhe apontando uma arma, que tipo de poder ele teria para impedir uma possível rebelião?

— Ser líder deve ser uma merda. – solto, olhando para o grupo, ouvindo um gemido solitário saindo de dentro mata. – Errante. – aviso Rick, apontando para meus ouvidos.

Ele assente, assobiando para Glenn. Este se levanta prontamente, sabendo o que o assobio queria dizer. Aponto com a cabeça para direção do som, e o coreano caminha até lá, com a expressão entediada no rosto.

Um errante solitário sai de dentro da mata, os braços caindo débeis ao lado do corpo, enquanto a boca abria e fechava avidamente em nossa direção. Glenn ergue a faca com facilidade, fincando-a no cérebro do morto antes que este pudesse sequer reagir.

Rick observa a cena atentamente, a mão em sua faca e a postura rígida, preparado para entrar em combate a qualquer momento.

— Só tinha esse. Não ouço mais nada. – digo, vendo o Xerife assentir e sentindo o olhar de Daryl sobre nós.  

Rick maneia negativamente com a cabeça para Daryl, dizendo que não havia sinal de outro errante. O Caçador concorda, voltando a atenção ao tal de Lincoln, que parecia ter muito a dizer.

— Sim, às vezes eu só queria mandar vocês todos a merda, pegar as crianças e simplesmente desaparecer. Mas, não é tão simples assim... – Rick diz, após um suspiro.

Arregalo meus olhos, sem saber de onde vinha aquela confissão, mas minha mente é rápida em esclarecer as coisas: “Ser líder deve ser uma merda”.

— Eu, definitivamente, espero que você não faça isso. – digo, após o choque com a declaração. - É um bom líder, Rick. Sério. Não seriamos muita coisa sem você, e eu sei que esse é um dos motivos que o faz querer ir mesmo obrigando-o a ficar, mas, não acho que deva se levar por esse pensamento. Você tem que tomar decisões difíceis, e eu imagino o quão estressante isso deva ser, mas, mesmo quando as coisas complicam, geralmente a primeira opção que lhe vem à mente é a correta.

— Esse mundo de hoje não é o mundo do “geralmente”. É isso que sempre me vêm à mente quando eu penso em tomar uma decisão. – diz pensativo.

— Concordo. Mas o ser humano é extremamente previsível Rick e, uma das provas disso, é que você me chamou aqui já imaginando como eu julgaria toda essa situação, já imaginando a que rumo essa conversa nos levaria. E, mesmo que o mundo de hoje seja completamente novo para o “geralmente” de ontem, os seres humanos não são. De certa forma, continuamos os mesmos, só o que mudou foi contra o que lutamos. Mas é certo que sempre estaremos lutando contra algo.

Rick assente, e aquele silêncio pensativo se instala por alguns segundos. Eu gostava desse silêncio, gostava de analisar as pessoas enquanto elas pareciam pensar.

— É importante para o grupo a forma como você vê as coisas, Thea. – Rick diz, chamando minha atenção. - Isso não pode mudar. Minha responsabilidade é manter todos vocês a salvo, a sua é manter eu e Daryl sãos.

Engulo em seco, sabendo que essa era uma grande responsabilidade. Para mantê-los sãos, primeiro eu teria que me manter sã e, algumas vezes, minha única vontade também era pegar minhas coisas e fugir, mesmo sabendo que, no mundo dos mortos vivos, não havia muito para onde ir sem que a morte lhe alcançasse antes.  

— Se você prometer não pegar as crianças e fugir, eu prometo que continuo por aqui. – digo, lhe estendendo a mão. Rick assente, com um aperto firme.

Ficamos em silêncio por um momento, talvez o Xerife estivesse pensando na melhor alternativa para o grupo, mas então ele interrompe seus pensamentos num discurso um tanto embaraçado.

— A última vez que tivemos uma casa... – começa, os olhos firmes em Carl e Judy. - nós a perdemos por conta de meu julgamento. O grupo culpa o Governador por isso, mas sei que nada disso teria acontecido se eu tivesse assumido meu papel de líder ao invés de fingir a mim mesmo que aquela coisa de jardineiro funcionaria nesse mundo. Eu fui egoísta, pensei em minha saúde depois da morte de Lori e o grupo todo pagou por isso. E então veio Terminus, e quando eu pensei ter tudo sob controle, você aparece dizendo que o único lugar aparentemente seguro era uma armadilha. Você estava certa, e te garanto que estamos vivos até agora por conta disso... – continua, passando a mão pela barba como se pensasse no que dizer. Por fim ele suspira, assentindo com seus pensamentos e continuando a falar. – Você tem um bom julgamento, Thea. Vê as coisas de uma forma diferente da que eu e Daryl vemos, as vezes parece que esse inferno ainda não te alcançou. Seria bom ter a opinião de alguém que esteve firme por todo esse tempo. – termina, me olhando seriamente, esperando uma resposta.

Assinto algumas vezes, tentando engolir a vaidade que parecia subir até minha língua. Não que isso fosse possível. Eu sempre fui uma vadia vaidosa.

— Então todas essas perguntas não foram só para desabafar, para saber minha opinião... você quer um conselho, Xerife. - constato, sorrindo irônica. Rick somente dá de ombros, sem se provocar com minha brincadeira.

— Sim, estou pedindo ajuda para tomar uma decisão. – responde, ainda sério.

Engulo em seco, pensando no que isso significava e quais as consequências. Eu não estava pronta para assumir a responsabilidade, para decidir algo pelo grupo. Quer dizer, eu nunca estaria. Eu não era uma líder, como Rick. Eu era como Daryl, uma espécie de pilar que ajudava Rick a se manter em pé, e eu estava completamente satisfeita com esse papel.

— O que isso significa?

— Quero saber o que você acha de toda essa história, de Lincoln, de Abraham...

— Você sabe como eu tomo decisões, Rick. Eu não sou racional como Daryl, por exemplo. Não quero que você veja minha opinião sem ponderar, não quero assumir a responsabilidade.

— Não estou pedindo para assumir a responsabilidade, Thea. Isso é comigo. Eu só preciso do seu ponto de vista, só isso. E você sabe o porquê.

— Claro que sei... por trás de um grande homem sempre existe uma grande mulher. - digo, vendo Rick concordar, com um sorriso quase fraternal.

— É quase isso.

Concordo em silêncio, tentando manter a expressão séria, como se analisasse a proposta.

Rick estava querendo manter a diplomacia de sempre, não queria tomar sozinho uma decisão que pertencia a todos, mas não achava justo propor algo ao grupo sem antes ponderar. Nossa família confiava nele, iriam aonde ele ordenasse, e ele não poderia arriscar essa lealdade sendo imprudente. Era responsabilidade demais para arcar sozinho, sempre era. Rick era somente um homem. Determinado, com espírito de liderança, mas, antes de tudo, um homem que tinha dois filhos e havia perdido mais do que se podia esperar.

— Posso arranjar um tempo na minha agenda super movimentada para te dar uma consultoria, Xerife. – digo, após um momento em silêncio.

Ele assente, um pequeno sorriso satisfeito no canto dos lábios. Era mais fácil liderar e manter as coisas estáveis quando se tinha bons conselhos. E eu era ótima conselheira.

“Enquanto não está falando várias merdas, claro”, minha mente se manifesta, e eu a calo antes de sorrir de volta.


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Notas finais do capítulo

Senti saudade de vocês, seus putos.
Não vou dizer que vou voltar a postar regularmente, porque eu me conheço. A criatividade vem, mas ela também se vai com a mesma rapidez. Só quero que vocês saibam que eu não vou abandonar Tempestuoso.
Beijos de luz.
(coração)



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