Tempestuoso escrita por babsi


Capítulo 31
Capítulo 31: A boa filha ao grupo torna


Notas iniciais do capítulo

Eu me vou por um tempo, mas eu volto. Eu sempre volto.



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A boa filha ao grupo torna.— Beth ironiza, quando paro ao seu lado.

Maggie sentada a nossa frente me sorri, com Judy no colo e Carl ao seu lado. A pequena estende os bracinhos em minha direção, as mãozinhas gordas abrindo e fechando, naquele movimento esmaga bochechas que ela parecia adorar.

— Um dia eu tinha que voltar, não é mesmo? – respondo, puxando Judith para meu colo. Ela bate com as mãos em meu rosto, e Carl a repreende com um “não” seguido de um sorriso vingativo. Ele adorava quando a irmã me dava uns cacetes.

Maggie me encara com um sorriso malicioso, os olhos passando pelo meu corpo e correndo em direção a irmã mais nova, que tinha nos lábios a mesma expressão.

— O que foi? Eu perdi alguma coisa? – pergunto, sem entender o que estava acontecendo.

— Eu ia dizer que você perdeu muita coisa, mas, pensando bem e olhando melhor para seu novo guarda-roupa, talvez você não tenha perdido tanto assim. – Maggie diz, me fazendo passar os olhos em minhas roupas.

A jaqueta jeans uns dez números maior que o meu manequim não parece ser a fonte do comentário malicioso, e então o cheiro característico invade minhas narinas, me fazendo tomar conta do colete de asas flutuando sobre meus ombros.

— Ah... – digo simplesmente, sem saber o que dizer.

— “Ah” é uma boa explicação. – Beth sorri, vermelha como um pimentão.

— Não, não é uma boa explicação. Você tem muito o que explicar, Thea. – a Greene mais velha pontua, me fazendo revirar os olhos.

— Depois. – digo, fixando meus olhos em Carl, que limpava sua arma com uma expressão desinteressada.

Era estranho ver uma coisa dessas, mesmo depois de tanto tempo no mundo morto. Um garoto de quinze anos limpando um revólver numa roda entre amigos, com sua irmã bebê ao lado, era uma cena que nunca passaria em minha mente antes de os mortos voltarem a vida. Era uma coisa tão surreal que nem mesmo Tarantino pensaria em colocá-la em um de seus filmes.

“Será que Tarantino ainda está vivo? Tipo, vivo mesmo, não mais ou menos vivo, ou morto vivo e essas coisas”, minha mente questiona, e a ignoro, mesmo curiosa com a resposta. Não ter um canal de fofocas no apocalipse era uma merda.

Dou de ombros, vendo Maggie abrir a boca para rebater minha resposta, talvez pensando em mandar Carl ir dar uma volta para que nós pudéssemos conversar. Mas Beth, com sua resiliência característica, a interrompe.

— Depois, então. – diz, encarando a Greene mais velha com uma expressão autoritária.

Entrego Judy de volta para Maggie, me virando em direção à Beth um pouco desconcertada.

— Você está com o kit de primeiros socorros? – pergunto, sabendo que logo em seguida viriam as questões que eu não queria ter que responder.

Beth assente, estreitando os olhos em minha direção de forma comedida, em sua compostura de sempre, abrindo sua mochila logo em seguida.

— O que aconteceu com o braço de Daryl, aliás? Eu sabia que vocês eram meio selvagens, mas não a esse ponto... – Maggie provoca, me fazendo balançar a cabeça desacreditada.

— Argh, vocês mulheres tem uns papos muito estranhos. – Carl interrompe, balançando a cabeça de forma indignada. Sorrio para o menino, mostrando-lhe a língua, pensando em lhe dizer alguma provocação, mas ele é mais rápido. – Finalmente encontrou alguma coisa proporcional aos seus cambitos. – muda de assunto, apontando com a cabeça em direção ao arco já em minhas costas, junto da alijava.

Reviro os olhos teatralmente, alcançando o objeto para Carl, que observa a extensão de metal com atenção.

— Você roubou um morto. – ele constata com um sorrisinho, após pouco tempo observando o arco.

— Não é como se não fizéssemos isso o tempo todo. – digo, dando de ombros, como uma forma de me defender e me esquivar da constatação.

— Normalmente esperamos o corpo esfriar, - Maggie diz, tomando o objeto da mão de Carl para examiná-lo – mas não é como se deus fosse nos condenar por não esperar. Se o real problema fosse "não esperar", já teríamos ido para o inferno por outros motivos muito antes. – ela diz, com a voz maliciosa, me mandando uma piscadinha. E não consigo conter a gargalhada

— Você não tem mesmo um limite, Greene. – digo, boquiaberta.

— Ela não tem bom senso, isso sim! – Beth reclama, me estendendo a maletinha branca com uma cruz vermelha logo após eu prender o arco em minhas costas novamente.

— Larga a mão de ser puritana, Beth. – a irmã provoca, sem muito se importar com a crítica.

— Não é sobre ser puritana, é sobre ter bom senso. Não se deve falar sobre as intimidades alheias desse jeito! – responde, envergonhada.

— Ok, senhorita “eu li coríntios, capítulo pouco importa, versículo grande bosta.” – Maggie desdenha, fazendo eu e Carl nos entreolharmos divertidamente.

— Começou. – ele me diz, guardando sua arma travada no coldre e pegando Judy no colo de Maggie, enquanto uma Beth vermelha e de olhos fechados tenta se recompor. – Vou vazar antes que elas comecem a se bater, eu sempre acabo apanhando. Você deveria fazer o mesmo. – diz, caminhando em direção a Carol, Ty e Glenn.

— Vou levar isso em consideração. – digo para suas costas, dando uma última olhada nas irmãs Greene batendo boca, e caminho na direção de Daryl, que se mantinha atento ao que o tal homem desconhecido dizia.

Olho para meus pés conforme me aproximo, pensando no melhor jeito de abordar Daryl sobre o que havia acontecido. Por mais disfarçada que sua expressão estivesse, eu sabia que o machucado estava o incomodando, e eu sabia também o quão difícil ele ficava quando algo o incomodava. Sinto meu coração descompassar conforme os pensamentos passam em minha mente, alguns extremamente absurdos, outros nem tanto.

E se ele me culpasse pelo acontecido? Eu me culpava, e havia pensado que talvez fosse melhor nos mantermos afastados, e se ele também pensasse assim? Eu não era estável o suficiente para aguentar uma rejeição vinda da única pessoa que eu aceitara me envolver por inteiro.

Engulo em seco, sabendo que de nada adiantava levar isso com a barriga. Eu odiava meios termos, odiava assuntos não resolvidos. Era melhor falar logo de uma vez, fazer o que tinha de ser feito e aceitar as consequências.

Me encosto no carro amassado, jogado no acostamento, esperando a conversa terminar. O homem desconhecido parecia empolgado ao falar, gesticulando em direção a Rick e Daryl numa espécie de súplica comedida. Abraham, ao seu lado, parecia concordar, ao passo que maneava com a cabeça a cada palavra proferida. Daryl e Rick ouviam atentamente, o caçador com a mão firme em sua besta apoiada no ombro saudável, enquanto mantinha o olhar desconfiado em direção aos homens.

Sinto um olhar queimando em minha direção, e levanto os olhos na direção do grupo de homens. Rick me olhava curioso, mesmo prestando atenção nas palavras do anônimo. Ele dá algumas palavras com o desconhecido e Abraham, olhando firmemente para Daryl, como se lhe dissesse algo mesmo sem palavras, e caminha em minha direção, me fazendo estreitar os olhos.

— Thea. – diz, em seu tom político de sempre. Ele se encosta ao meu lado, olhando para a conversa que seguia mesmo sem sua presença.

— Xerife. – sorrio, de forma provocativa. – A que devo a honra?

Ele ri, balançando a cabeça e passando a mão pela barba comprida.

— Esperando para remendar Daryl? – pergunta, apontando com a cabeça em direção ao kit de primeiros socorros.

— Esse é o objetivo... se ele não me der uma bicuda na cara, claro. – comento, dando de ombros.

— Tiro de raspão, ein? Daryl tem uma certa coleção deles. – Rick comenta, me fazendo franzir o cenho em curiosidade.

—Acho que já ouvi essa história antes. Carl é bem linguarudo. – digo, ouvindo a risada do homem ao meu lado. – Algo sobre Daryl andando por aí cheio de flechas pelo corpo e uma louca armada, certo? – completo, vendo a expressão de Rick passar para algo como nostalgia.

— Eram tempos mais calmos. – ele diz como para si mesmo, olhando em volta quase que analiticamente.

— Se você chama um tempo em que um Daryl todo ferrado, cheio de buracos e com um tiro de raspão na cabeça, andava por uma fazenda cheia de errantes escondidos num celeiro, de “calmos”, o que diabos estamos vivendo agora? – ironizo, vendo Rick sorrir.

— Verdade. A verdade é que essa porcaria nunca foi fácil.

— Não mesmo. Nada foi calmo. – concordo, com um maneio triste de cabeça. Sempre era uma merda pensar no mundo antes de seu fim. Mesmo com todas as preocupações que tínhamos antes, nada se comparava ao inferno que vivíamos agora. As mortes pelas guerras e terrorismo pareciam insignificantes perto dos dentes de todos os mortos.

— Sempre que penso no começo, não consigo evitar pensar em todas as pessoas que seriam poupadas se soubéssemos antes o que sabemos hoje. – Rick diz, o tom de voz sombrio inundando a voz e mudando sua expressão.

Rick tinha passado por muitas merdas, todos nós tínhamos. Mas não dava para ignorar o fato de que para o Xerife aquela merda tinha um peso maior. Ele havia sido responsável por tantos que não sobreviveram, que pensar em sua culpa era quase como ser engolida pelo mar: sufocava a respiração e ardia o peito.

— Pensar essas coisas não ajuda muito, Rick. Não foi sua culpa ou de qualquer outra pessoa. Nesse crime somos inocentes. Não é como se tivessem nos enviado um memorando sobre o fim do mundo, um manual de como matar errantes ou algo do tipo. Só sabemos tudo o que sabemos, porque pessoas morreram para nos ensinar.  

— A inocência é a ausência de culpa, Thea. Ninguém aqui é inocente, somos todos culpados. – diz, seus olhos cada vez mais opacos, e sinto um arrepio na coluna.

Eu morria de medo desse Rick, o cara que estava afundado até o pescoço no passado e que não tinha controle sobre seus instintos. Era o mesmo Rick que matara os homens na igreja, o mesmo Rick que invadira Terminus sem remorso em atirar naquelas pessoas. E, o pior de tudo, era que eu compreendia esse Rick, eu havia sido ele em alguns momentos. E isso me assustava como o inferno. Eu preferia morrer a me afogar nessas águas.

— Eu não vou aceitar esse discurso, Rick. – falo, olhando firme para seus olhos. – Eu já me culpo por coisas demais, não vou me sentir culpada por isso também, pela única coisa que em sou inocente. A única coisa que tenho certeza em toda essa merda, é que tudo que fiz foi para me manter e manter as pessoas que eu me importo a salvo. E eu recuso me sentir culpada por isso.

Ele sustenta meu olhar, e é como se nos desafiássemos: qual dos dois tem o melhor argumento? E eu não conseguia evitar pensar que o meu era o melhor. Era um dos poucos pensamentos que me mantinha seguindo em frente, e eu não abriria mão dele.

— Era exatamente sobre isso que eu estava falando. – ele diz, como para si mesmo, me fazendo franzir o cenho. Talvez Rick estivesse enlouquecido de vez. Ele dá um sorriso de lado, os olhos verdes voltando ao brilho sério de sempre. - Temos assuntos sérios a tratar, e acredito que você possa ser útil.


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Notas finais do capítulo

Post em Tempestuoso é igual a justiça: tarda mas não falha. Já eu... bem, eu falho pra caramba, mas eu sempre acabo voltando. Enquanto vocês continuarem por aqui, eu vou voltar.



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