Tempestuoso escrita por babsi


Capítulo 3
Capítulo 3: Omissão de socorro




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POV DARYL:

Tinha sido uma história um tanto quanto estranha e ninguém discordava disso. Após a mulher ir se deitar, nos entreolhamos todos, em busca de explicações. Carl era o que parecia menos desconfiado.

– Pode ser verdade. - falou, se acomodando para dormir. - Já ouvimos tantas histórias estranhas desde que isso começou, e já passamos por situações que outras pessoas também duvidariam.

– Não sei... Um grupo de pessoas que prende outras em containers para comer mais tarde. Isso parece lenda. - Rick comenta, tentando ser racional. O fato era que todos nós estávamos meio perturbados com a história.

– Mortos que voltam a vida para comer pessoas também parecia lenda. - Michonne diz, apagando a fogueira com o pé. Por um momento, ela pareceu desconfiar de Thea mas, após refletir um pouco, aquela confiança quase cega havia voltado.

– Por que motivo ela inventaria essa história? - Carl pergunta.

– Não sei. - falo, me levantando. - De qualquer forma, Maggie foi para lá atrás de Glenn.

– Amanhã vamos com ela até o tal barracão, vemos quem são as pessoas que ela diz abrigar e decidimos o que fazer. - Rick diz, olhando para cada um em busca de uma recusa. Todos assentimos.

– Vou fazer a vigia. - falo, pegando a minha besta.

– Eu acordo para trocarmos de turno. - Rick diz, se acomodando melhor sob a árvore. Dei de ombros, olhando em volta.

Logo, todos estavam dormindo.

A floresta estava silenciosa. Nenhum barulho diferente, nenhum movimento estranho. Às vezes o vento balançava as latinhas, mas era um som tão baixo que nem Michonne e seu sono de pena eram perturbados.

Sentei em um lugar estratégico sob a árvore, limpando minhas poucas flechas que restaram. Eu precisava ir atrás de mais delas o quanto antes, mas tinha coisas mais importantes para me preocupar. Precisávamos encontrar um lugar seguro para passar o inverno, que parecia distante, mas chegaria em breve. Também precisávamos encontrar os nossos. Eu não tinha muita esperança quanto a isso, mas não podia ignorar a hipótese de minha família ter sobrevivido ao ataque do Governador. Nós éramos fortes e unidos. Teríamos resistido se aquele doente não tivesse aparecido com um tanque de guerra e pessoas assustadas em nossas grades. Pessoas amedrontadas são capazes de tudo.

Meu pensamento voou para a história de Thea. Era o mesmo princípio de nossa história na prisão. Um lunático que manipulou pessoas fragilizadas para seguí-lo. Passei a mão pelos cabelos de forma irritada, o sentimento de impotência era o pior de todos.

Olhei para cima, um barulho me chamando atenção. Devia ser Thea se remexendo na árvore. Ouço um barulho atrás me mim e, antes de conseguir me virar, algo atinge meu ombro com força.

– Merda! - ouço a voz abafada de Thea logo atrás de mim. Me viro e lá estava ela, estatelada no chão, coberta de terra.

– Mas que diabos... - digo, tentando entender o que estava acontecendo. Thea tenta se levantar, mas cai novamente no chão, soltando uma sonora gargalhada, sem conseguir se controlar. Ela tinha despencado cerca de cinco metros em cima de mim e agora ria como se tivesse acabado de escutar a piada mais engraçada do mundo.

– Você está bem? - pergunto, um pouco chocado.

– Acho que quebrei meu cotovelo em você. - fala com um bico engraçado, cessando a risada.

– Certo, deixe-me ver. - pego uma lanterna na mochila e toco seu o braço levemente, procurando por alguma fratura ou inchaço. - Acho que não chegou a quebrar.

– Eu tenho certeza que quebrou, Daryl. - reclama, se levantando e massageando o cotovelo. - Eu sinto meus ossos quebrados e em migalhas. Acho que vou ter que amputar! - Reviro os olhos.

– Talvez tenha que amputar mesmo. - falo, guardando a lanterna na mochila junto com minhas flechas.

– Vou te denunciar por omissão de socorro, Daryl.

– Talvez você devesse fazer isso. Talvez também devesse se denunciar por colocar você e as pessoas a sua volta em risco. Quando amanhecer ligamos para o disque denúncia, certo? - ela revira os olhos de forma teatral - Sabia que é a segunda vez em menos de oito horas que vejo você se estatelar no chão?

– Você deveria sentir pena de mim, mas não... Fica rindo da minha cara! Menosprezando minha falta de sorte! Seu ogro...

– Dá pra vocês dois calarem a porra da boca? Vão atrair todos os errantes do mundo, desse jeito. - Michonne diz, se levantando. - Mas que merda aconteceu com você, Thea? - diz, olhando para a mulher toda suja de barro e descabelada.

– Daryl quebrou meu braço e não quer fazer nada a respeito. - diz, dando de ombros. Michonne olha para mim, tentando entender de onde vinha tanto drama. Se ela, que conhecia Thea há tempos não sabia, eu que não iria saber.

– Essa louca despencou cinco metros em cima de mim e agora fica fazendo escândalo.

– Você caiu, Thea? Que grande novidade! - Michonne diz, voltando a se deitar. Pelo visto, despencar cinco metros era rotina para a mulher.

– Insensíveis! - ralha, se sentando ao meu lado de modo brusco e me dando uma cotovelada nas costelas.

– Ai, sua louca. Já melhorou o cotovelo? - pergunto de modo irônico e sou fuzilado por seus olhos verdes.

– Você me paga, Daryl. - fala, ainda me olhando. - Aliás, qual seu sobrenome? Em momentos como esse, seria legal te chamar por ele. Daria mais efeito.

– Se eu falar você vai calar a boca? - talvez ela devesse amputar a língua para ver se parava de falar de uma vez.

– Seu ogro, grosso, troglodita, elefan... - olho feio para ela, que dá um sorriso amarelo. - Ok, é justo.

– Dixon. Daryl Dixon.

– Nome legal. - Diz simplesmente, assentindo com a cabeça de modo frenético, olhando em volta, como se segurasse o ímpeto de abrir a matraca. Por mim, contanto que ela ficasse com a boca fechada, ela podia se movimentar o quanto achasse necessário.

– Daryl? - chama, de forma tímida. Estava bom de mais para ser verdade. Ignoro.

– Daryl? - chama novamente. Continuo ignorando. Uma hora ela calaria a boca.

– Daryl? - talvez eu devesse continuar ignorando.

– Daryl? - suspiro, tentando me controlar.

– Daryl! - diz mais uma vez, me cutucando.

– O que foi, porra?

Ela sorri amarelo novamente.

– Eu sei que eu prometi não falar, mas é que...

– Fala logo, mulher!

– Tem um mordedor vindo daquela direção. - aponta para o lado. Franzo as sobrancelhas, mas me levanto para olhar.

– Não estou vendo nada, Thea. - respondo de modo entediado. Ela estava me tirando do sério.

– Espera mais um pouco, ele ainda está meio longe. - diz despreocupadamente.

– "Ele ainda está meio longe". - imito sua vozinha irritante, esperando o errante aparecer. Talvez ela fosse mesmo louca e nós estivéssemos caindo em suas sandices.

– Não tem nada aqui. - respondo, voltando a me sentar.

– Ele está chegando. - se levanta. - Vocês homens de hoje em dia são tão inúteis! - provoca, tirando uma faca de arremesso do coldre e indo na direção que havia me apontado. Fica parada, quieta, por cerca de dois minutos e nada. Eu já estava quase ajoelhando para agradecer por seu silêncio e mandá-la ir dormir quando um movimento na floresta me faz levantar.

Um errante aparece em meio as folhagens. Ela vira para mim, sorrindo de modo cínico, enquanto o mordedor se aproxima cada vez mais.

– Você é louca? - pergunto, atirando com a besta na cabeça do mordedor. Ela me olha ofendida, com um bico de menina mimada pendendo em seus lábios.

– Ia ficar parada aí pra sempre, esperando ele arrancar um pedaço do seu braço?

– Claro que não. Eu ia virar e jogar a faca nele! Só estava esperando o momento certo para fazer isso de forma extremamente teatral, e você estragou tudo!

– Qual o momento certo? O momento após ele comer essa sua cara mimada? - Balanço a cabeça, aliviando a tensão.

Ela bufa, pega minha flecha, limpa na roupa do errante, dá um passo a frente, olha em volta em silêncio. Se vira e volta para onde estava sentada. Continuo em pé, atento a qualquer movimento na mata.

– Era só aquele. - diz, rodando a flecha em seus dedos. Semi cerro os olhos. - Eu já teria escutado se tivessem outros por perto.

Continuei em pé por mais um tempo, ignorando a vontade de matá-la. Sentei, após me certificar que estava tudo sobre controle.

– Desculpe. Eu não queria te deixar preocupado, só queria fazer um drama mesmo. Eu gosto de drama, mas juro que não vai se repetir.

– Eu não estava preocupado.

– Não foi o que pareceu. - diz, com um sorriso debochado nos lábios.

Ignoro, pegando a flecha de sua mão antes que ela a quebrasse. Finalmente, fez-se silêncio por algum tempo.

– Como? - pergunto, sem conseguir frear minha curiosidade, me referindo ao fato dela ter ouvido um errante há poucos minutos do acampamento.

– Ah, cara, eu sou foda mesmo. Tenho o dom. - fala, me fazendo revirar os olhos. Ela ri, esfaqueando a terra à sua frente. - Eu sempre tive a audição apurada. Ninguém sabe ao certo o motivo, e acho que nunca vou descobrir, até porque o mundo meio que acabou e tal. - dá de ombros. - Todos os médicos com que passei diziam que eu tinha um tipo de hipersensibilidade auditiva, mas não era nada fora do comum. Eu não consigo ouvir passos há quilômetros de distância, óbvio, não tenho um sonar. Nem ouvir pessoas sussurrando, se isso te deixa mais calmo, aliás. - diz, como se fosse uma indireta.

Ignoro, não lhe devia explicações.

– Mas um errante barulhento há alguns minutos de onde estou é fácil, porque ele se movimenta lentamente. Aquele errante estava relativamente perto, por isso pude ouvi-lo, mas, como era muito lerdo, demorou mais para aparecer. - sorri, como se fosse a coisa mais simples do mundo - Eu tentei aperfeiçoar a técnica com o tempo, sabe? Minha mãe dizia: Os sentidos são como músculos, Thea, você pode fortalecê-los. Use isso a seu favor, deixe de ser esquisita e faça algo de útil pelo mundo com o dom que deus lhe deu. - falou, engrossando a voz de modo ridículo - Eu até tentei, mas não deu muito certo. A única coisa que eu consegui foi parecer bem estranha.

– Legal. - respondo simplesmente. Pedi uma explicação e ganhei um discurso. Ela revira os olhos de modo entediado.

– E você, tem algum super talento do apocalipse? - pergunta, retomando a empolgação.

– Super paciência. - olho para ela de maneira acusadora.

– Não me parece ser um cara paciente.

– Ainda não te matei, certo? - ela me fuzila com os olhos, revirando-os logo em seguida.

– Vocês são fortes. - diz, após um tempo em silêncio. - Até mesmo Carl, que é mais novo. Admiro isso.

Pensei em mandá-la calar a boca, mas o pensamento foi embora logo que fitei seus olhos brilhantes. Ela parecia precisar falar, acho que estava há algum tempo sem contato com outras pessoas.

– Nunca estive com um grupo forte, nem mesmo em Terminus. As pessoas sempre morriam, nunca conseguíamos mantê-las seguras por muito tempo. Não gosto de ver pessoas morrendo como se não fossem nada.

– Ninguém gosta.

– Também não gosto de matar errantes. Há um fio de vida neles, tenho certeza. Já foram pessoas! Talvez eles se lembrem de algumas coisas, respondam há alguns estímulos... E nós os matamos.

– Não é questão de gostar, é questão de sobreviver. Já faz tempo que essa merda começou, você já deveria saber disso e ter se acostumado.

– Me acostumar com as pessoas morrendo? - riu, sem se divertir. - Não sei se posso me acostumar com isso. Não quero me acostumar com isso. Se nos acostumarmos com a morte, não seremos muito diferente dos que já morreram.

– Não são mais pessoas, e já estão mortos. Nós não os matamos, nós só nos livramos deles.

– Talvez eles sintam dor...- continuou, me ignorando. - Talvez se lembrem de suas famílias e sofram. Não sei... Eles não nos dão dicas, só gruem e andam fedendo por aí, como sacos de carne podre.

– Eles são sacos de carne podre, Thea. - respondi, começando a me irritar. - O mundo acabou, não existe mais esse negócio de sofrimento. Eles não parecem sofrer toda vez que comem uma pessoa viva e nós também não podemos sofrer toda vez que perdemos alguém. Só levante a cabeça e siga em frente, é mais fácil.

– Não parece ser mais fácil. - olha para mim, de modo inquiridor. - Olha para vocês... Não parece que não estão sofrendo. Você perdeu seu irmão e depois sua família, Daryl. Não adianta falar que não sofre por conta dessas perdas, não adianta dizer que é mais fácil seguir em frente sem eles.

Olhei em seus olhos, tentando não me deixar levar pela raiva. Ela não podia falar de Merle e de minha família como se os conhecesse. Não podia falar de mim como se me conhecesse.

– Michonne me contou tudo. - continuou, os olhos verdes tristes, como se sofresse com nossas perdas. Ela não podia sofrer pelos outros, por pessoas que não conhecia.

– E eu sinto muito. Eu sei que você pensa que eu não posso sentir, porque não os conhecia, mas eu sinto. Vocês acolheram Mich quando eu a deixei, transformaram-na em parte da família. Michonne é minha única família agora, Daryl. Se ela sofre por suas perdas, vou sofrer com ela.

Olhei para baixo, fugindo de seu olhar. Eu deveria sentir raiva por ela se intrometer em um assunto que parecia já estar resolvido. Minha família havia se separado, nossa casa havia ruído e muitos dos nossos estavam mortos. O mundo estava uma merda e ela não tinha direito de me lembrar isso. Mas, eu não conseguia ficar bravo, não conseguia sentir um pingo de raiva dela. Talvez, porque sabia que ela estava certa. Estávamos indo por um caminho perigoso, nos acostumando com pessoas morrendo a nossa volta. Nós não éramos isso, nós lutávamos contra pessoas que haviam se acostumado. Levantar a cabeça e seguir em frente como se nada tivesse acontecido de repente não me pareceu a melhor opção. Do que adiantava seguir em frente sem ter a esperança de ver as coisas melhorarem? Do que adianta continuar sobrevivendo se a vida se resumir em seguir em frente?

– Você não deixou Michonne, Thea. Só foi atrás de sua família e quando os encontrou, você voltou. Você mesmo disse isso. Ela não te culpa por ir atrás daqueles que amava. - foi só o que consegui responder.

Ela me sorriu. Um belo sorriso, cheio de dentes brancos e olhos verdes brilhantes, mas logo o sorriso morreu, dando lugar a uma expressão triste. Nessa hora eu descobri que não gostava de ver Thea triste.

– Se eu tivesse lá, talvez Andre ainda estaria aqui conosco e Michonne não seria assim tão reclusa. A única coisa que eu sabia fazer era tacar facas, por isso era responsável por cuidar de Andre. Michonne ainda não era essa fodona com uma espada samurai e eu a deixei sozinha, sem nenhuma proteção, com um noivo drogado, um filho pequeno e um grupo de pessoas idiotas e despreparadas. Se eu ou Red estivéssemos lá... - ela suspirou triste, os olhos lacrimejando. Desviei o olhar. Eu não era bom em consolar pessoas chorando, muito menos pessoas que eu não conhecia e que me deixavam desnorteado.

– Você não é o centro do mundo. - tentei brincar, sem saber muito se estava fazendo certo. - Talvez se você estivesse lá, teria caído de uma árvore e se estribuchado no chão. Ia atrapalhar mais que ajudar, Thea.

Ela me empurrou com o ombro, como se fossemos velhos amigos. Os olhos brilhando novamente. Fez-se silêncio por algum tempo. O silêncio que eu tanto queria... E esse já não me agradava tanto.

– Ela não era assim, Daryl. - falou, olhando para Mich deitada no chão. O corpo tenso, a mão em sua katana e a costumeira expressão carrancuda. - Michonne era um doce de pessoa, tinha um sorriso fácil, um jeito leve. Essa merda de fim de mundo fez isso com ela e isso é muito injusto!

Era uma pergunta retórica e eu podia simplesmente ficar em silêncio, mas estava com a boca grande naquela noite.

– Nem todos passam pelo apocalipse do mesmo jeito que você, Thea. É muito mais trágico do que você faz parecer, e muito mais doloroso também. Hershel Greene iria gostar de você.

Ela me sorriu, o sorriso cheio de dentes e olhos brilhantes novamente. Enconstou a cabeça em meu ombro e me envolveu com seus braços magros em um abraço lateral desajeitado. Eu deveria ter ficado com a boca calada.

– Eu tenho certeza que também ia gostar dele, Daryl. - diz, se levantando. - Boa noite e desculpinha por cair em cima de você, vou tentar não fazer novamente.

Subiu em sua árvore, se amarrou lá em cima e logo estava dormindo. Algumas horas depois Rick acordou para me substituir.

Não consegui dormir aquela noite.

POV THEA:

Acordei e ainda estava amanhecendo. Me desamarrei da árvore e coloquei minha mochila nas costas, tendo o cuidado de olhar para baixo, procurando pelo grupo de Michonne.

– Dessa vez ninguém fez alguma idiotice. Pelo menos dessa vez! - sussurrei para mim mesma. Eu era adepta a esse lance de falar sozinha no fim do mundo para não ficar mais louca ainda. Às vezes, tudo que um ser humano precisa é ouvir a voz de alguém, nem que seja a voz dele mesmo.

Todos ainda dormiam, menos Rick, que estava de pé fazendo vigia, concentrado no horizonte e nas cores alaranjadas que o céu tinha logo pela manhã. Pendurei na árvore, buscando ficar o mais perto possível do chão e o mais longe possível de Daryl.

– Cair em cima da pessoa uma vez é até aceitável, mas duas já é sacanagem. - sussurrei, mesmo não acreditando muito em minhas palavras. Cair em cima de alguém que você não conhece não é nenhum pouco aceitável. Não mesmo.

Dei de ombros, pulando com os dedos cruzados, na espera de que eu caísse em pé, pelo menos. Não deu certo, como sempre. Antes que eu firmasse os pés no chão, meus joelhos cederam, fazendo eu cair de bunda, como uma laranja podre, ou um errante com um tiro no cérebro.

Soltei o costumeiro "Merda", recebendo um olhar assustado de Rick, que havia despertado de seus pensamentos.

– Você está bem? - perguntou, vindo em minha direção. Levantei, batendo as mãos na calça, tentando tirar o excesso de terra e de folhas secas.

– Sim, acontece sempre - dei de ombros. - Ontem mesmo eu caí em cima de Daryl. Não sei como ele não me matou! Acho que ficou comovido com o fato de eu ter quebrado meu cotovelo nele. - mostrei o cotovelo que parecia intacto, apesar de estar quebrado em mil pedacinhos e de Daryl negar veemente esse fato.

"Ele quebrou, Thea, é claro que ele vai negar!", minha mente acusou, fazendo com que eu concordasse. Minha mente era uma mente ardilosa e eu concordava plenamente com ela.

Rick deu um risinho, voltando a onde estava, comigo em seu encalço.

– Lá de cima é ainda mais bonito. - falei, me referindo as cores alaranjadas do céu.

– Imagino que seja. - falou, sem desviar os olhos. O observei, tentado analisá-lo. É falta de educação, eu sei, mas essas convençãozinhas do mundo contemporâneo não existiam mais no mundo-pós-quase-extinção-humana.

– O que foi? - perguntou, passando as mãos pelo rosto, um pouco constrangido.

– Você parece estar uma merda. - respondi, dando de ombros e lhe oferecendo uma barrinha de cereal.

Rick soltou uma gargalhada, negando o alimento com a cabeça.

– Qual é, ninguém nunca te ensinou que não se pode negar comida no apocalipse? - perguntei, lhe empurrando a barrinha. Ele apenas abanou com a cabeça, guardando o alimento em seu bolso com um sorriso e voltou a olhar para o horizonte.

Fez-se silêncio por algum tempo, até ele olhar pra mim e abrir a boca.

– Conversamos ontem e decidimos ir para o barracão com você. - sorrio, uma mistura de empolgação e alívio. - Pretendemos nos recuperar um pouco por lá, estamos na merda por um bom tempo. - sorri para mim de um modo divertido. - Queremos conversar sobre Terminus com as pessoas que você diz abrigar. Não nos leve a mal, só queremos ter certeza. E depois seguiremos nosso caminho, seja ele qual for.

– Por mim tudo bem, fico aliviada. - respondo, tentando não pensar no fato de que se eles se forem, Mich iria junto e eu ficaria sozinha novamente. - Olha, eu sei que o que eu falei sobre Terminus é um tanto cabuloso, mas eu não mentiria sobre uma coisa dessas. Até porque, eu não sou uma mentirosa tão boa. Se lá fosse um bom lugar, eu não estaria aqui fora, dividindo meus dias entre tentar avisar as pessoas e dormir em um barracão desprotegido. - Rick assente pensativo.

Ficamos novamente em silêncio, olhando para o céu por entre as árvores, até eu desfazê-lo.

– Você era algum tipo de policial antes desse negócio de apocalipse? - pergunto, com segundas intenções. Rick olha para mim, demorando um pouco para entender que eu havia mudado de assunto.

– Sim. - ele semi cerra os olhos. - Como sabe?

– Eu não sei. - dou de ombros. - Imaginei que seria por conta do chapéu de xerife que Carl usa e também por causa de sua arma. Não sei o modelo, nem sei muito sobre armas, mas parece ser uma daquelas que os xerifes de cidade pequena usam nos filmes de faroeste.

– Bem observado. - comenta, com um sorriso divertido no rosto.

– Então, sobre você ser policial, um homem da lei... Eu já te falei que ontem Daryl quebrou meu braço e não fez nada a respeito?

– Sim, Thea, me falou. - Ele ri, tentando entender a onde eu queria chegar.

– Eu pensei em fazer uma denúncia sobre agressão e omissão de socorro, mas não encontrei o número do disque denúncia e nenhuma delegacia. - começo, como quem não quer nada. - Será que você pode anotar isso que eu estou te contando em um bloquinho desses que os policiais usam e prender Daryl, só pra dar um susto nele, depois que esse negócio de apocalipse acabar? - pergunto, com uma cara inocente. Vai que cola...

– Você ainda está falando? - Daryl pergunta, se levantando e colocando a besta nas costas. - Não calou a boca por um segundo se quer, ninguém consegue dormir assim. - Rick ri, olhando de Daryl para mim com uma cara estranha.

– Vou pensar no seu caso, Thea. Tentem se resolver enquanto eu tento acordar meu filho de seu sono de pedra, aí depois você me diz se quer mesmo levar essa denúncia adiante. - comenta, indo em direção a Carl.

– Viu, Daryl? Você vai ser preso quando isso tudo acabar e vai ficar se culpando para sempre por ter me ferido de forma grave e ter sido omisso. - falo, indo em sua direção. Ele balança a cabeça, com uma cara de bunda incrivelmente sexy.

– Você percebeu que eu não caí em cima de você essa manhã? - pergunto, tentando parar de pensar em quanto Daryl era... Enfim... - Já é um começo, não acha?

Não recebo resposta.

– Estou tentando puxar um assunto aqui, não sei se percebeu. Bem que poderia desfazer essa maravilhosa cara de bunda e me ajudar um pouco, não acha? Um "dormiu bem, Thea?" seria um bom começo. Um "nossa, que bom que dormiu bem, Thea" seria legal. E um "nossa, você é linda pela manhã, Thea" seria adorável. Não que você seja adorável, não parece fazer o tipo adorável, mas seria muito legal se falasse algo parecido com isso...

– Eu acho um "Cala a maldita boca, Thea" mais que suficiente. - responde, parecendo constrangido.

– Alguém acordou de mal humor hoje. - Reviro os olhos. - Ou você é mal humorado, tanto faz, não te conheço mesmo.


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Notas finais do capítulo

Vocês devem olhar os capítulos e pensar "Nossa essa Bruna é tão burrinha, né? Três capítulos já se passaram e ninguém saiu do lugar ainda. Que burrinha, que jumentinha, jeguinha, blá blá, blá blá". Gente é que eu tenho que apresentar as as pessoas e as coisas antes de jogar o ouro, né? Tenho que fazer uma jogadinha sutil de acontecimentos situar vocês na história! Mas, fiquem tranquilos que tenho tudo sobre controle mesmo.

(Mais ou menos...)

To meio brava com os 5 acompanhantes da história... Eu sei que falei que não ia ser chata e ficar pedindo review, mas nunca sigo minhas resoluções mesmo, então vamos lá: Comentem, porra!!!

pronto

beijos de luz