Tempestuoso escrita por babsi


Capítulo 18
Capítulo 18: Sem cura


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.



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POV THEA:

Caminhávamos em direção à Washington D.C a passos lentos e preguiçosos, como nos cinco dias anteriores. Eu não queria dizer nada, mas todos sabíamos que essa lerdeza toda era culpa do tal do Padre Gabriel.

Aquele cara tinha ficado tanto tempo trancado na igreja que estava todo atrofiado! Andava dois metros e se jogava no chão, pedindo por arrego.

– Você acha que andaremos por mais quantos dias até encontrarmos um abrigo? - ele me pergunta, me fazendo suspirar.

Desde o dia em que eu o convencera a me seguir, o homem não saia do meu pé, agarrando em mim como se eu fosse sua salvadora, a cada barulho ou errante que cruzava o nosso caminho.

– Não sei, Gabriel. - digo, tentando parecer acolhedora.

Não era nada justo tratá-lo com grosseria, pois o cara não havia feito nada para mim, mas eu simplesmente não conseguia esconder minha desconfiança. Eu não gostava do Padre, e não era somente por ele ser Padre, era por alguma coisa nele. Eu não confiava em covardes.

– Conseguimos água no rio hoje mesmo, e ela será suficiente para mais uns dias. - continuo, pensativa. - A comida está no fim, estamos em racionamento, o que não é uma novidade, mas eu e Daryl podemos caçar, então estamos bem... Se as coisas continuarem nesse ritmo, podemos andar por quanto tempo quisermos, até encontrarmos um abrigo.

– Isso quer dizer que andaremos por mais dias intermináveis embaixo desse sol quente?

– É a milésima vez que me pergunta isso, Padre. - sorrio, sem conseguir esconder o desconforto. - E a resposta continua sendo a mesma: Eu não sei, Rick que decide.

Ele abre a boca para falar algo, mas uma mão é mais rápida, me puxando para o outro lado.

– Você já pode parar de fazer perguntas agora, Padre. - Daryl diz, me arrastando para longe do homem, que parece mijar nas calças ao ter que encarar o olhar furioso do Caçador.

– Eu não sei se te agradeço ou te xingo de troglodita, Daryl Dixon. - digo, um pouco chocada com sua brutalidade.

– Só agradece e fica quieta. - ele responde, com um sorriso torto nos lábios, como se algo fosse muito divertido.

– Acho que vou agradecer mesmo. Eu já te disse que não confio nesse cara, né? - sussurro, como se fosse um segredo.

– Umas cinquenta vezes. - ele dá de ombros.

– Acho que estou ficando repetitiva.

– Está.

– É que ele fica todo grudado em mim e isso me irrita muito! - digo, vendo seu olhar se estreitar. - O que?

– Ele está te incomodando? - pergunta, com a voz pausada, olhando para Gabriel.

Levanto uma sobrancelha, tentando entender aonde ele queria chegar.

– Ele está tentando... - pergunta novamente, sem completar a frase, com uma expressão engraçada no rosto.

Seguro um riso, um tanto quanto lisonjeada por sua preocupação desnecessária. Eu podia não ser uma super matadora de errantes, como ele e Mich, mas eu sabia me defender.

– Não, não é nada isso. - digo, vendo sua expressão se suavizar. - Ele só é um covarde. Não está fazendo nada de mais, a não ser me encher o saco. O problema é que eu não consigo mandá-lo ir caçar sapo, porque meio que tenho dó dele. Quer dizer, o cara nunca esteve aqui fora, Daryl! Eu me lembro a primeira vez que eu encarei esse mundo, e foi horrível! Não deve ser fácil para ele, ainda mais sem a simpatia do grupo... Aí eu tento ser agradável, mas toda vez que ele me olha eu penso no Pastor que jogou a fiel na boca do errante, e eu fico seriamente preocupada com isso, porque eu não sou lá muito difícil de ser jogada, sabe?

– Ele não vai te jogar num errante, Thea. - ele diz, como se pudesse garantir isso. Talvez ele pudesse, no final das contas.

Sorrio, revirando os olhos teatralmente, sem desperdiçar a chance de provoca-lo.

– Claro que não vai, Daryl. Você é minha babá e vai me proteger de todos os perigos do mundo, não é isso? Até me botou na cama noite passada, isso não é incrivelmente doce?

– Incrivelmente doce seria se você parasse de falar essas merdas de uma vez. - ele rosna, com aquela expressão irritada de sempre.

– Sorte nossa que nós não gostamos de coisas incrivelmente doces, não é mesmo? - sorrio maliciosa, fazendo Daryl estreitar os olhos, sem conseguir esconder um sorriso torto.

Ele era incrivelmente bonito, e aquele sorriso lhe dava um ar incrivelmente sexy. Sinto algo se revirar dentro de meu estômago, um arrepio percorrendo todo meu corpo e se alojando em meu peito.

– Conseguiu dormir. - ele constata, me fazendo ignorar a sensação desconhecida.

Reviro os olhos, pensando em como ele era lerdo nesse negócio de perceber coisas aleatórias. Anteriormente, eu havia jogado minha pele sem olheiras em sua cara e tudo que recebi foi sua completa desatenção e uma frase estranha.

"Eles ainda vão me engolir"

– Você percebeu isso sozinho ou precisou de ajuda? - provoco, vendo seus olhos me fuzilarem em repreensão. Jogo os cabelos para o lado, num ato extremamente dramático. - Eu não tenho medo de desse seu olhar aí não, Daryl Dixon. Muito pelo contrário! Se quer saber a verdade, quando você me olha assim, eu acho é bem sexy.

Ele balança a cabeça, como se tivesse acabado de ouvir algo completamente absurdo.

– Você deveria receber uns tapas toda vez que abrisse a boca para falar essas besteiras suas.

– Agora quem está sendo repetitivo é você. - reviro os olhos teatralmente, como se conversasse com uma criança. - Nós já conversamos sobre isso. Você quer me dar uns tapas, descarregar minhas baterias... Disso tudo eu já sei! Está na hora de mudar a técnica ou me arrastar de uma vez para o meio do mato. E não, isso não é um convite! Como eu já disse anteriormente, eu não te convidarei para mais nada.

– Se não é um convite... - ele diz, como quem lamenta algo, dando um sorriso torto e apertando o passo para longe.

Dou de ombros, sem muito me importar, continuando com meu passo de tartaruga. Eu tinha esse negócio de prometer as coisas para mim mesma e, após toda aquela discussão sobre nos pegarmos na floresta, eu havia prometido que não correria atrás de Daryl.

Não era justo só eu ficar fazendo convites maliciosos... Ele tinha que se esforçar um pouco.

Franzo o cenho, a conversa com Carol passando por minha mente.

"Saiba que o primeiro passo é seu, porque ele não sabe lidar com essas coisas..."

Dou de ombros, sem muito me importar com toda aquela história. Não tinha passo nenhum, nós não tínhamos um relacionamento!

Daryl volta o olhar para mim, numa analise muda, como se tentasse entender algo. Levanto uma sobrancelha, vendo seus olhos descerem até minhas pernas. Ele para de andar, para que eu o alcançasse.

– Tira isso daí. - ele diz, apontando para machete, com sua delicadeza característica.

– Para quê? Eu não! - respondo, me afastando. Eu queria aprender a usar aquela geringonça, e ela estar a mão sempre que necessário era o primeiro passo.

– Tira logo, antes que eu arranque esse trambolho daí junto com suas pernas.

– Nossa, quanta grosseria! Custa pedir educadamente? "Tira isso, por favor, sua linda?" ou "Nossa, Thea, como você tem olhos incríveis, você pode me emprestar sua machete, por favor?"

– Acho um "Tira essa merda de uma vez, antes que eu arranque" mais do que suficiente. Aliás, quem foi o retardado que pois essas coisas de "linda" e "olhos incríveis" nessa sua cabeça maluca?

– Quer dizer que você não me acha linda? - faço um bico, vendo seus olhos se fecharem, impacientes. - Se isso é verdade, ou você curte beijar pessoas feias ou você tem uma atração incrivelmente forte pela minha inteligência e astúcia. Fico com a segunda alternativa, se me permite dizer.

– Não permito. - responde, como um velho ranzinza.

– Tarde demais... eu já disse.

Ele suspira forte, como se buscasse em seu âmago o fundinho de paciência que lhe restava.

– Pare de agir igual uma pirralha mimada e me dá logo essa porcaria. Está andando toda torta, atrasando todo o grupo!

– Agora nós estarmos andando igual umas tartarugas é culpa minha? Pensei que era tudo culpa do Louco da Igreja, que se joga no chão a cada cinquenta passos, pedindo "pelo amor de Deus, parem por um segundo".

Daryl trava o maxilar com força, perdendo completamente a paciência. Ele fica em silêncio por um segundo, como se pensassem no que fazer, mas logo se resolve, me segurando pelo braço não machucado e arrancando o cinto de minha cintura sem delicadeza alguma. Ele sorri presunçoso, colocando a machete em sua cintura e apressando o passo, me arrastando consigo.

– É minha, você não pode roubar para você!

– Não estou roubando para mim, sua idiota, nós não estamos na quinta série! Ela fica comigo até você arranjar um jeito de carregá-la sem parecer uma velha manca.

– Você é todo delicado, Daryl Dixon.

– E você toda idiota. Cala a boca e anda.

Reviro os olhos, me desvencilhando de seu aperto sutil, percebendo, sem muita felicidade, que eu já estava me acostumando com seu jeito grosseirão.

– Me ensina? - pergunto, olhando para a machete com um olhar pidão.

– A carregá-la? - ele levanta uma sobrancelha, como se eu fosse retardada ou algo do tipo.

– Não, a usá-la. - mordo a língua para evitar uma ofensa carinhosa. Eu tinha que me manter toda educadinha quando ia pedir um favor, era de praxe e todos sabiam disso. Pelo menos, foi o que me ensinaram...

– Você não tem força no braço para isso. - ele solta, todo grosso, sem nenhuma sutileza em magoar meus sentimentos.

– Quer dizer que nunca vou poder usar? - levanto uma sobrancelha, de modo petulante, tentando esconder a frustração.

Eu sempre via Red enfiando aquela coisa na cabeça dos errantes, e aquilo tudo parecia tão legal para mim...

"Red tinha quase dois metros e músculos que poderiam levantar um caminhão, Thea. Já você não tem nem um metro e sessenta, lindinha.", minha mente acusa, como se eu fosse uma espécie de esclerosada.

– Eu sei lá, Thea. Você mesmo disse que não é uma boa lutadora, não adianta forçar a natureza.

– Antes eu não tinha um grupo, Daryl. Era só pegar e fugir. Hoje eu não posso simplesmente correr e deixar todos para trás, eu tenho que lutar. Não quero ser um peso morto, entende? Quer dizer, eu sei arremessar minhas três facas que, por algum motivo muito estranho, eu nunca encontro quando preciso, e sei atirar. Não é como se eu fosse ajudar vocês em alguma coisa.

– Você não tem resistência física para levantar esse trambolho de dois quilos, sua idiota! E não acha suas facas porque fica ocupada demais se atracando com meia dúzia de errantes para encontrá-las!

– Não eram meia dúzia, eram quatro!

– O que é bem pior. - ele sibila, como se me repreendesse. - Por que você não se preocupa em ficar a salvo, ao invés de ficar pensando em entrar numa luta suicida com um bando de walkers?

– Porque eu não quero ser um peso morto! E isso é verdade, você percebeu que eles andam em bando agora? Tipo uma gangue de alta periculosidade!

– Alta periculosidade é essa sua cabeça esclerosada! Você não é um peso morto e tem que parar de ficar pensando esse monte de porcarias. Se você quer lutar, arrume a arma certa, uma que você consiga levantar, de preferência.

– Que arma certa seria essa?

– E eu lá vou saber?

– Eu sempre quis praticar arco e flecha. É uma boa arma?

– Se você encontrar um arco perdido por aí, sim.

Olho em volta, quase que automaticamente. Óbvio que não haveriam arcos e flechas dando sopa por aí, muito menos no meio do nada. Sem falar que demoraria séculos para aprender a usar aquela coisa, e eu não tinha tempo para isso.

Suspiro, olhando para o céu, vendo o sol se por aos poucos. Era um fenômeno lento, alheio a todo o inferno que ocorria na Terra e isso era incrivelmente bonito, um tanto quanto pacifico, para falar a verdade. Não era culpa do Sol o fato dos mortos terem se levantado para comer os vivos, então toda essa pacificidade fazia sentido.

Balanço a cabeça, ignorando meus pensamentos sem noção, ainda com os olhos vidrados no restinho de luz que emanava daquela bola laranja gigante.

Escurecia tão rápido nessa época do ano! Devia ser por isso que nossa caminhada diária rendia tão pouco.

– O que você acha de Washington? - Daryl pergunta, me fazendo estreitar os olhos. Era a primeira vez que ele puxava assunto.

– É um bom lugar. Deve estar infestado, na verdade mas, se houver uma cura, é lá que deve estar.

– Isso quer dizer que você acredita nessa história toda de Eugene? - pergunta, deixando claro que ele não acreditava.

– Eu sei lá. - dou de ombros. - Ele usa mullets, Daryl, e acho que isso fala por si só, mas ele garante que tem um jeito de parar com toda essa merda, e não tem um dia que eu não torça para isso ser verdade, entende?

– Acho que sim. - ele responde simplesmente, vendo Michonne decaptar um errante que se colocava debilmente em nosso caminho.

– Você não acredita que essa merda pode ter um fim? - pergunto, gostando de ter uma conversa mais produtiva com ele. Algo que não fosse um monte de provocações envoltas de uma atração quase tangível.

– Não. - ele dá de ombros. - Os errantes tomaram tudo, Thea. Nunca mais vai ser a mesma coisa.

– Terra é uma coisa gigante, Daryl. Cheia de gente super tecnológica e tal, sem falar em todos aqueles Países cheios de frescuras. Não é possível que não tenha restado nada te toda aquela civilização: nenhuma ordem, nenhum governo, nenhum exército... Ainda mais agora que os errantes estão mais decrépitos do que nunca! Quer dizer, os humanos conseguem viajar até a Lua, mas não conseguem sobreviver à uma praga de mordedores sem cérebro? Isso não faz sentido! E eu não consigo simplesmente acreditar que não vamos ter mais chances, entende? Pra mim, essa ideia é bem mais maluca do que essa coisa de zumbilândia!

Ele ri, com aquela cara de que me achava muito absurda.

– Não consegue acreditar porque é toda sensível e mimadinha, sempre com esses olhos gigantes cheios de esperança e essa cabeça maluca cheia de ideias. - diz de um jeito quase carinhoso, mas ainda com aquela expressão carrancuda no rosto.

Não consigo segurar um sorriso, sentindo meu peito inflar com seu tom.

Eu adorava Daryl. Adorava seu jeito grosseirão, carregado de brutalidade e coragem, e sua personalidade forte, que as vezes dava lugar para certa suavidade. Adorava o jeito como ele me olhava, aqueles olhos azuis imponentes e repreensivos, que as vezes me encaravam tão profundos que pareciam ler minha mente. Adorava também o jeito que ele falava, irritado e impaciente, sempre com um "elogio" na ponta da língua. O jeito que ele expressava a raiva, o sofrimento. O modo com que ele lidava com todas as mortes, com todas as pessoas. O jeito que ele cuidava de sua família, sem cobranças. O jeito como ele lidava com o afeto, com o apego, ou melhor, o desjeito. Ele era tão mais do que o simples grosseirão que aparentava ser... Daryl Dixon era um cara bom, tão bom quanto seus olhos severos deixavam transparecer.

Empurro seu ombro com o meu, um pouco sem jeito com todas aquelas coisas. A percepção de que Daryl era muito mais do que todo aquele poço de aspereza me atingindo em cheio, tão forte quando um som que se propagava em meus ouvidos. Distante e letárgico, me confundindo quase que instantaneamente.

Paro por um segundo, tentando entender de onde o som vinha, se era do fundo de minha mente, ou era algo mais superficial, como uma manifestação exterior. A única coisa que eu tinha plena certeza, era de que o som crescia, como se ganhasse vida a medida que se propagava.

Só um tipo de coisa fazia aquele som, e uma brisa forte carregando o fedor característico me traz para a realidade.

Olho para a estrada que se estendia a nossa frente, grande e estreita. Aquele pedaço de terra asfaltada era o único capaz de nos levar para Washington D.C.

A Capital dos Estados Unidos, onde antes morava o Presidente... Era óbvio que nós não tínhamos outro jeito de adentrá-la, a não ser por aquela estrada merrecas. Washington não tinha diversas entradas e saídas oficiais, era questão de segurança. Nós não podíamos simplesmente pegar uma bifurcação que nos deixaria direto na porta da Casa Branca, e nem podíamos contornar o que parecia ser uma horda de milhares de errantes. Não tínhamos para onde correr, só o que podíamos fazer era dar meia volta e percorrer de volta todo o caminho que fizemos por dias a fio, torcendo para não esbarrarmos com mais perigos.

Daryl chama minha atenção, com a expressão impaciente. Olho para o rosto de todos ali, que me olhavam com os narizes franzidos por conta do cheiro e os olhos estreitos, como se esperassem uma confirmação.

– Está ouvindo alguma coisa estranha? - Michonne pergunta, colocando a katana em riste.

– Não é um sonar! - reclamo, tentando ignorar o burburinho e me concentrar no som se aproximando. - É um zumbido, pode ser uma horda ou um enxame de abelhas, eu não consigo distinguir...

– Abelhas não tem esse cheiro. - Maggie fala, olhando para Glenn e Rick como se esperasse uma atitude de um dos dois.

Glenn era seu marido, e Rick seu líder. Glenn iria aonde Maggie fosse, Maggie iria aonde Glenn fosse, e ambos concordaram em seguir Rick acima de qualquer coisa.

– Abelhas ou errantes, nenhum dos dois é uma boa ideia nessa estrada. - Carol diz, com seu tom despretensioso de sempre.

– Não temos para onde ir, não temos para onde correr! Eu devia saber que seguir vocês iria dar nisso! Vocês destruíram a casa do Senhor, macularam seu interior com todo aquele sangue... - Padre Gabriel começa a entrar em desespero, emendando uma oração ininteligível em seu discurso aflito.

– Se você não calar a boca, eu te apago e te deixo como aperitivo para o que quer que seja, errantes ou abelhas. Você que sabe, Padre. - Carol sibila, com os olhos ameaçadores em direção a Gabriel, que logo se cala, fechando os olhos, talvez se lembrando do ocorrido na igreja, ou somente continuando com sua oração de modo silencioso.

Olhamos todos para Rick, esperando uma atitude. Ele era nosso líder. Não tínhamos tempo para pensar em um plano e ponderar, ele não podia discutir nossas opções com Daryl para se sentir menos responsável. Era hora de largar o pai cuidadoso e o xerife pacifico para dar lugar ao líder frio e calculista. E Rick sabia muito bem disso.

– Vamos voltar. - ele diz e, como uma alcateia, todos nós obedecemos.

– Não! - Abraham contrapõem, se pondo na frente de Rick, como se seus músculos e sua gigante cabeça ruiva pudessem impedir nossa fuga. - Temos que levar Eugene até D.C. É o único jeito de acabar com isso!

– E o que você sugere, Abraham? Atravessar a horda voando ou a pé mesmo? - Maggie ironiza, com seu jeito ácido.

Abraham levanta a cabeça, como um Sargento orgulhoso, puxando Eugene pelos braços.

– Ele tem a cura! Temos que levá-lo a D.C, nem que isso signifique trespassar uma horda! Esse foi o combinado, Rick. Você me deu sua palavra! Ela não significa nada?

Os olhos de Rick se estreitam, assumindo o brilho psicótico que eu havia visto poucas vezes. O xerife de cidade pequena se tornava outra pessoa quando se tratava de sua família, de seu grupo.

– Não há nenhum valor em minha palavra se eu tiver que arriscar a vida daqueles que eu prometi liderar e proteger para cumpri-la, Abraham. Se Eugene tem a cura, - ele encara o homem de mullets, que se encolhe mais com o olhar - devemos levá-lo vivo, e atravessar uma horda não vai fazer com que isso aconteça.

Abraham continua parado na frente de Rick, encarando-o.

– Abraham, ele está certo. - Rosita suplica, tentando tirá-lo de nossa frente.

O homem não se move, e ela suspira, nos olhando com aflição, numa lamentação muda.

Outra brisa. As leves eram as piores, pois traziam o cheiro e o propagavam por mais tempo. O fedor nos faz tossir. Eles estavam cada vez mais perto.

Carl aperta Judith no colo, e a menina franze o rostinho com o cheiro, já pressentindo o perigo.

– Nós temos que ir! - Beth apressa, olhando para o horizonte.

Um mutirão de corpos se arrastava a passos lentos em nossas direção, já visíveis, mesmo com a pouca luz. Era um mar sem fim. Os mortos vivos se camuflavam na noite que caia aos poucos, dura e gelada, sobre nós. O que antes não passava de um silvo agonizante, agora se disseminava como milhares de gemidos perfeitamente audíveis para mim.

– Não! - Abraham solta num estrondo, apontando uma arma para cabeça de Rick.

Todos seguramos a respiração por um segundo para, logo em seguida, apontarmos nossas armas para Abraham. Não era algo fácil de se fazer, Abraham já era parte do grupo, mas era necessário.

Rosita nos olha e depois olha para Abraham, com a expressão mais angustiada do que nunca. Ela pede desculpas, apontando seu rifle para Daryl.

Eugene se encolhe mais atrás de Abraham, olhando diretamente para Tara, que também aponta a arma para o ruivo corpulento, após uma longa espiada de relance para as irmãs Greene. Ela tinha uma espécie de dívida para com as duas mulheres e para com o resto do grupo. Algo sobre a prisão, mas ao não sabia ao certo o quê.

Judith chora com o grito de Abraham, talvez pelo susto, ou talvez sentido toda a tensão a seu redor.

Rick trava a mandíbula, com uma expressão de pura raiva e tristeza. Era um líder responsável por salvar os seus, era um pai que ouvia sua filha chorar no colo do irmão.

– Tire isso de minha cabeça e saia de minha frente, Abraham. - diz, de modo severo, mas com o tom de negociação sutil em sua voz.

Abraham engole em seco, olhando para Judith com sofrimento e agonia. Ele não era uma pessoa ruim, só estava desesperado demais para pensar direito. Aquele mundo fazia isso com as pessoas.

– Nós não somos os inimigos, Abraham, os errantes são. - Rick continua, olhando fixamente para o homem. - E eles estão vindo para nós. Você sabe que não podemos lutar com eles. Nós vamos morrer. Meus filhos vão morrer. Eugene vai morrer. E tudo será culpa sua.

– Me desculpe, Rick, mas eu tenho que seguir com o plano. Temos que ir para D.C, já perdemos tempo demais! - ele diz, apertando mais o braço de Eugene que tenta se desvencilhar, como uma criança birrenta.

Abraham estreita os olhos para o homem, numa espécie de advertência, mas sua expressão muda aos poucos, conforme Eugene abre a boca.

– Nós temos que correr, Abraham. - ele grita. - Nós vamos morrer aqui!

Os gemidos ficam mais altos, audíveis para todos. Sinto as mãos de Daryl envolverem meu braço saudável com cuidado, como se me tirar dali fosse sua prioridade. Não me desvencilho, gostando do contato, da segurança que ele passava, mas mantenho o outro braço com a pistola em riste, na direção de Abraham.

Eu atiraria nele se fosse necessário, não pensaria duas vezes antes de fazê-lo se isso significasse manter todas aquelas pessoas a salvo. Eles eram minha família agora.

– Você disse que temos que chegar a Washington o quanto antes, Eugene! Disse que Outubro seria o prazo final. Você me disse! - Abraham assume uma expressão irritada, vendo o homem de mullets se encolher como uma criancinha para longe de seus braços.

– Eu menti! - Eugene grita, vendo os errantes se aproximarem cada vez mais, por sobre o corpo de Abraham.

O ruivo abaixa a arma, tão perplexo quanto todos nós.

– Eu menti para você! Para todos vocês! Era o único jeito de me manter a salvo. Vocês tem que entender... Vocês tem que me entender! Eu sou um covarde! Eu não tenho muitas habilidades, mas eu sou inteligente, eu sou útil!

– O que isso quer dizer, Eugene? - Abraham ruge, sem esconder a frustração na voz.

– Eu menti! - Eugene grita, olhando para todos nós com vergonha. - Eu não sou um cientista, sou um professor! Não há uma cura! Eu menti!

Faz-se silêncio por um segundo, porém, parecem que horas se passam sem que nós pudêssemos raciocinar o que acontecia.

As expressões desiludidas em nossos rostos demonstravam o que todos ali sentiam. E aquilo era doloroso demais para todo mundo. Era como um soco na boca do estômago, nos tirando todos os anseios de que tudo ia melhorar.

Esperança podia não ser a palavra certa, mas todos nós acreditávamos em uma chance. Era só o que queríamos, e era mais do que justo.

Chance esta que Eugene usou para se manter vivo. Não era tempo para pensar se devíamos recriminá-lo ou não, nós só precisávamos sair dali o mais rápido possível, ou todo aquele sacrifício de dias andando seria tão em vão quanto aparentava.

Volto meu olhar para Daryl, que me olha num misto de fúria e apreensividade, ainda segurando meu braço, como se a qualquer perigo, ele fosse responsável por me arrastar dali, por me manter em segurança.

– Eu só fiz o que precisava fazer. - Eugene continua, como para se justificar. - Eu não sou forte, não tenho boa aparência, não sou um bom líder, nem sou corajoso. Eu só tenho duas coisas ao meu favor: eu sou extremamente inteligente. E um bom mentiroso. Eu não tinha muitas opções. Eu fiz o que precisava...

Abraham não espera ele terminar. Um soco acerta Eugene em cheio, fazendo-o mergulhar ao chão, batendo com força a cabeça contra o asfalto, num baque surdo que o leva a inconsciência.

Nós estávamos completamente fodidos.


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Notas finais do capítulo

Eu ia soltar esse capítulo via postagem automática, porque vou viajar segunda feira e ficarei a semana toda fora, mas resolvi postar hoje mesmo.

Estou chateada com vocês, pois não recebi nenhum comentário no capítulo 17. Não sei se sentir isso é justo, já que não é obrigação de ninguém comentar os capítulos, mas eu fiquei super decepcionada. Talvez eu esteja muito mal acostumada, porque vocês são leitores super presentes e comentadores, ou talvez eu só seja uma mimadinha mesmo. Enfim, qual das duas é verdade eu não sei, a única coisa que eu sei é que fiquei hiper frustrada. Podem me julgar e me chamar de vaidosa o quanto quiserem, eu sou mesmo, mas não dá para discordar do fato que comentários ajudam muito na escrita do capítulo e na autoestima da autora.

Beijos de luz.