Tempestuoso escrita por babsi


Capítulo 16
Capítulo 16: Pequeno acidente


Notas iniciais do capítulo

04:06 da madrugada é um absurdo, gente! Sou uma senhora idosa, caras, não posso ficar acordada até essa hora!
Mais um capítulo de Tempestuoso para vocês, espero que gostem.



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Capítulo anterior: "Daryl Dixon não me devia nada além de beijos quentes e sexo no chão de uma floresta e aquilo me deixava, estranhamente, satisfeita."

POV THEA:

– Vamos para D.C? - Carl pergunta para o pai, me tirando de meus devaneios.

Me volto para a fogueira novamente, balançando a cabeça para tentar dispersar os pensamentos sobre mim e Daryl no meio do mato. Aquilo sim tinha sido perigoso e irresponsável, quase sem noção para falar a verdade, mas eu não me arrependia. Poucas coisas podem machucar um caçador com uma besta, e errantes não eram uma dessas coisas.

– Iria conversar com vocês sobre isso amanhã, ver se todos concordam mas, ao que parece, vocês já deram seus pareceres para Abraham. - Rick começa, como se tentasse se explicar.

Ser líder de um grupo grande e cheio de opiniões divergentes não parecia ser nada fácil, e a expressão no rosto de Rick era a comprovação desse fato. O sucesso e o fracasso pendendo em suas costas, como se todo o peso das mortes e das vitórias fosse sua responsabilidade. O peso de ter que tomar decisões por todo o grupo sem deixar a vontade das pessoas de lado; o peso de ser pai de um adolescente cheio de hormônios e de uma criança de colo, ao mesmo tempo que tentava liderar um grupo de pessoas cheias de problemas e loucuras... Era algo duro demais para se fazer sozinho.

Rick procura Daryl com o olhar, num pedido mudo de auxílio, como se não quisesse manter para si toda a responsabilidade. Daryl assente, caminhando a passos firmes até a fogueira, parecendo atento a tudo.

Ele sempre estava atento a tudo, nunca deixava nada passar. Sempre de olhos abertos para manter a si e a sua família em segurança. Daryl era nosso ponto de força, aquele que mantinha tudo em ordem por de baixo dos panos, ele era a segurança, a estabilidade do grupo. Estabilidade que Rick não parecia ter, segurança que Rick não conseguiria manter sozinho.

– Nós ficaremos juntos. - Glenn diz, determinado, segurando a mão de Maggie com carinho. - Vamos para onde você disser Rick, mas precisamos nos manter unidos.

Rick dá mais uma olhada discreta para Daryl, como se buscasse sustentação para dar o veredicto final. Ele decidia, mas cabia a Daryl aprovar. Eram uma dupla, eram irmãos.

– Ninguém se opõem a isso? - Rick pergunta, em tom de liderança, olhando para cada um do grupo, em busca de divergências.

Era evidente que ele estava tentando manter uma espécie de democracia, para deixar todos satisfeitos, mas isso não tirava o peso das escolhas erradas de seus ombros. Ele continuaria sendo responsável, e ele sabia disso.

Não há respostas, todos parecem concordar. Inclusive eu. Eu iria onde eles fossem, iria onde Michonne fosse.

– Então, este é o veredicto final: Nós vamos para Washington D.C. - diz, fixando os olhos em Eugene.

O cara de mullets engole em seco, fazendo-me estreitar os olhos em sua direção. Ele escondia algo.

– Bem, eu queria mesmo é ir para Califórnia. - Carl comenta, ao meu lado, me fazendo rir.

– Califórnia?

– Sim, sempre quis conhecer Los Angeles. Quando eu era pequeno minha mãe vivia me falando sobre as praias da costa oeste... Já foi lá? - pergunta, pensativo.

– Sim, quando eu era pequena, nas férias de verão. Meu pai me levou para conhecer as praias por toda a costa: Venice Beach, Santa Monica, Huntington Beach, Doheny Beach, Corona... Só eu e ele. Eu tinha dez anos. Foi uma viagem incrível, acho que eu nunca comi tanto em toda minha vida. - sorrio, de olhos fechados, me lembrando da sensação do sol quente em meu rosto, enquanto eu construía castelos nas areias fofas de Corona, ou andava de skate no calçadão de Venice.

Suspiro, o próximo pensamento me deixando quase triste.

– Ele morreu seis meses depois. Aquele foi o último passeio que fizemos... Me marcou para sempre. - dou de ombros, sem me abater. - Eram bons tempos, Carl.

– Bons tempos. - ele repete, com uma expressão sonhadora. - Como ele morreu? - pergunta simplesmente, sem nenhuma convenção.

Não precisávamos mais dela, pessoas morriam todos os dias a nossa frente, muitas vezes, sem que pudêssemos evitar. A morte não era mais um tabu, já tinha se tornado quase que ordinária.

– Acidente de moto. - dou de ombros. - Era de madrugada, minha mãe estava no meio de uma crise de pânico e meu pai resolveu me deixar na casa de Jared por uns dias, até ela se recuperar. Enquanto voltava para casa, ele perdeu o controle da moto, bateu de frente com um caminhão. Não sobrou nada. - respiro fundo, tentando não chorar.

Eu não chorava pela morte de meu pai desde meus dezesseis anos, quando eu resolvi sair de casa, deixando para trás uma mulher amargurada que dizia não ser minha mãe.

– Eu sinto muito. - Carl diz, engolindo em seco.

– Foram tempos difíceis, Carl, mas já passou.

– Ainda são tempos difíceis, Thea. - ele diz, pensativo.

Sorrio, empurrando-o com o ombro, vendo um sorriso triste nascer no rosto do menino.

A vida é mesmo injusta. Merdas acontecem com pessoas que não merecem. Crianças perdem seus pais, pessoas ficam doentes... A existência é uma compilação de diversas imundices, mas eu não conseguiria simplesmente abrir mão de lutar pela vida. A esperança de ver toda aquela porcaria desaparecer era maior que a vontade de jogar tudo para o alto. Eu tinha esperança de que, uma hora, toda a dor ia passar, de que todo o sofrimento iria valer a pena.

Uma mão apertando a minha me desperta. Michonne me sorri, com aquela expressão compassiva de sempre. Ela já tinha ouvido aquela história um milhão de vezes, já tinha me ajudado com aquele assunto mais do que eu podia contar. Mich era uma boa amiga, mais do que isso, ela era a mãe que eu nunca tive.

Me levanto, pensando em estender as pernas, respirar um pouco longe daquela fogueira quente.

Pego a machete a meus pés, pendurando-a em meu braço, e caminho em direção a mata.

– Aonde você pensa que vai? - a voz de Daryl se faz presente, me fazendo sorrir ao sentir um arrepio percorrer minha espinha.

– Andar. - respondo simplesmente, sem parar de caminhar. Seus passos pesados e silenciosos me seguem, me fazendo sorrir mais.

– Sozinha?

– Não, mãe, vou encontrar uns amigos e nós vamos juntos. - ironizo, vendo Daryl me fuzilar com os olhos azuis.

– Eu sinto muito. - ele diz, a expressão se suavizando.

Levanto uma sobrancelha, vendo-o passar as mãos pelo cabelo de forma constrangida.

– Você anda ouvindo as conversas alheias agora? - pergunto, falsamente irritada, mas sem conseguir disfarçar o contentamento ao saber que Daryl prestava atenção as coisas que eu fazia e falava.

– Se você falasse mais baixo isso, com certeza, não iria acontecer. - retruca, franzindo o cenho com a desculpa tosca que encontrou.

– Você fica igual uma velhinha fuxiqueira ouvindo a conversa dos outros e a culpa é minha? - provoco.

Daryl semi cerra os olhos, se irritando.

– Quer saber... O problema não é meu. - fala, como se dissesse algo para si mesmo, virando as costas e se afastando a passos rápidos.

Sinto uma espécie de vazio, como se tivesse perdendo algo, ao vê-lo se afastar como o diabo foge da cruz.

– Daryl. - chamo, num fio de voz. - Fica.

Ele para de andar. O colete de asas em suas costas, assim como a besta, emoldurando os ombros largos e definidos. Suas mãos vão para o cabelo, num movimento nervoso. Ele se vira pra mim lentamente, como em câmera lenta, caminhando em minha direção a passos pesados.

– O que a gente fez foi errado como o inferno, Thea. - responde, olhando em meus olhos, como se visse algo completamente condenável.

– Errado? - pergunto, sentindo um bolo se formar em minha garganta.

– Sim! Será que você não vê? Você não entende todo o perigo que esse mundo esconde? Os mortos, as pessoas... - ele se exalta, jogando os braços para cima. - Nós dois, nos atracando no meio do mato como dois adolescentes retardados, sem nos preocuparmos com nada dessa merda de mortos a nossa volta! Nós podíamos ter morrido. Você podia ter morrido. Podiam não ser só quatro ou cinco errantes, podia ser uma horda, ou pessoas... Foi perigoso, irresponsável. Não pode acontecer de novo. - responde, voltando a caminhar.

– Você não tem o direito de fazer isso, Daryl. - digo, tentando organizar todas as palavras em minha mente.

Ele não podia simplesmente despejar um monte de palavras pela boca, como se eu fosse a única responsável, como se eu não entendesse toda aquela merda que acontecia. Ele não podia chamar todos os arrepios que percorriam meu corpo ao sentir seu toque de errados.

– Não tenho o direito? - ele se irrita, voltando-se para mim. - Eu não te devo nada, Thea. Eu não sou seu namorado, muito menos um amiguinho que você agarra quando sente vontade. Nós não temos nada um com o outro, nós não estamos na porra do ensino médio! Será que você não vê? Não tem espaço para essa merda - ele aponta de mim para ele - na porcaria de uma epidemia de mortos vivos. Isso é sobre sobrevivência.

Fico em silêncio, absorvendo suas palavras. Pesadas e doloridas, como navalhas penetrando a carne.

– Não, você não me deve nada. - é só o que eu consigo dizer, enquanto mantenho a cabeça levantada, como se isso fosse suficiente para manter as lágrimas dentro dos olhos. - Mas, você continua não tendo o direito.

"Não tendo o direito de me fazer chorar, de me tratar como lixo logo após ter quase feito sexo comigo no chão de uma floresta.", completo mentalmente.

Ele não me responde, só continua ali parado, me olhando como se eu fosse uma criança birrenta, e eu não sei porque esperava algo além disso vindo dele.

– Você é um idiota, Daryl Dixon. - sibilo, adentrando na mata.

Daryl não me segue.

(...)

Estávamos há cinco dias caminhando a passos lentos em direção a Washington D.C.

Poucos errantes se colocavam em nosso caminho e a estrada parecia até deserta. Sem errantes, sem carros jogados no meio da via, sem pessoas, sem mortes. Era um cenário quase desconhecido para nós, que vínhamos de uma Georgia destruída pelos mordedores.

– Vamos parar um pouco. - Gabriel fala, ofegante.

Rick parece não ouvi-lo, continuando a caminhada, como se tentasse forçar o Padre ao máximo.

– Vamos parar, Rick. Já está anoitecendo. - Michonne fala, colocando a mão nos ombros do xerife.

Ele olha para ela, assentindo em concordância, meio contrariado.

– Vamos procurar um lugar para passar a noite, então.

O grupo se dispersa, como sempre. Uma parte fica para montar acampamento e fazer a segurança enquanto um pequeno núcleo se desloca para vasculhar o local, em busca de errantes, pessoas e qualquer coisa útil ou perigosa.

– Estamos quase sem provisões. - Beth diz, chamando a atenção de Rick e Daryl.

Daryl me encara, os olhos azuis lotados de expressões que eu não conseguia entender. Viro o rosto, ainda magoada com toda a merda que ele havia me falado antes.

– Em dois dias chegaremos à cidade, lá organizaremos uma busca atrás de provisões. Enquanto isso, podemos nos virar com o que Daryl e Thea caçam. - Rick diz, tentando manter a situação sobre controle, olhando de Daryl para mim com curiosidade. - Não podemos? - pergunta, como se tentasse confirmar algo.

– Sim. - Daryl diz, irritado com algo, se virando e caminhando em direção à mata.

– Sim, Rick, mas isso não depende de nós, depende dos animais, sabe? Acho que eles não estão nada a fim de virar comida, para falar a verdade.

– Ninguém está. - ele sorri, voltando-se para o grupo que retornava das buscas.

Adentro a floresta, tentando evitar seguir o rastro de Daryl. Nós não nos falávamos desde o dia da briga, e eu negaria até minha morte o fato de estar me sentindo triste com isso.

Me aprofundo mais na mata, que secava cada vez mais conforme o outono alcançava auge. Todo aquele mato seco seria lindo, se não fosse trágico. Tudo parecia morto demais no mundo, e as árvores não ajudavam muito para mudar essa imagem aterrorizante.

– Eu nunca vou me conformar com o fato do mundo ter virado um monte de mato seco e retorcido. - digo, chutando umas raízes que se colocavam em meu caminho.

Com tristeza, e um pouco de satisfação, vejo um pequeno ponto marrom correndo de baixo do monte seco que eu havia chutado, se embrenhando novamente no meio da mata.

– Tchau, comida. - aceno, um pouco chateada com o rumo que as coisas tomavam.

Antes eu adorava me embrenhar no meio do mato sozinha, me perdendo de tudo que se parecia com civilização e pessoas. Era só eu, o mato e uns animaizinhos. Era como ser a Branca de Neve num mundo cheio de violões, inimigos e perigos, mas agora eu não me sentia assim. Depois de, realmente, reencontrar os vivos, eu já não gostava de ficar longe deles. Eu gostava de ter um grupo, de fazer parte de uma família.

Uma família boa, justa e forte, como Beth havia dito. Pessoas que confiavam em mim, me protegiam, me alimentavam. Pessoas que passavam segurança.

Claro que eu não queria ficar todo o meu tempo grudada neles, eu era capaz de me virar, de lutar e caçar. Eu continuava sendo útil, afinal de contas, mas eu não gostava mais de ser útil sozinha.

Suspiro, lembrando de como era chato me embrenhar no meio de todo aquele mato procurando pessoas desavisadas e não ter com quem conversar sobre. Ficar sozinha era frustrante, triste e, por mais redundante que pareça, era solitário.

Ficar sozinha tornava as pessoas fracas, e eu não queria sequer me sentir assim.

Um barulho na floresta faz eu me sobressaltar. Gemidos diferentes se sobressaindo, seguidos de passos arrastados.

Pondero, pensando em continuar meu caminho ou ficar para encará-los. Escolho a segunda opção, olhando para machete pendendo em minha perna. Eu queria usá-la e, para isso, precisava de treinos.

– Adeus cambitos. - digo, pegando o trambolho e colocando-o em riste, assim como eu lembrava de Jared fazê-lo.

Alguns minutos depois, quatro errantes aparecem, saindo da mata juntos, como se fossem uma espécie de bonde ou gangue de bandidos. Eles andavam em grupo agora.

– Até os errantes caçam em grupo e eu aqui, andando para lá e para cá sozinha. - reclamo, olhando para como aquelas coisas pareciam patéticas.

Estavam cada vez mais podres, degradados. Tão feios quanto o inferno, sem falar do fedor característico cada vez mais forte.

– Como essas coisas conseguiram dominar a porra do mundo? - penso, dando um passo incerto em direção ao primeiro errante, com a machete pronta para atacar.

Ao sentir minha aproximação, a fome dos mordedores parece se intensificar. Um errante com roupas de caça toma a dianteira em minha direção. As mãos a frente do corpo tentando me puxar em direção aos seus dentes afiados. Engulo em seco, segurando o facão com mais força.

O errante salta, investindo com desespero sobre meu corpo, dou um passo para o lado, vendo-o ir ao chão como um saco de batatas.

– Isso é triste, cara. - digo, cravando a machete em seu crânio, que se parte em dois, como uma melancia.

O segundo errante solta um gemido alto, como se a morte de seu companheiro lhe causasse dor. Dou um passo para trás, um pouco assustada com sua atitude.

"Talvez eles sintam algo. Dor, tristeza... Ou talvez sejam só um sacos de carne morta. De qualquer jeito, é você ou eles.", penso, concordando com minha mente.

Eu ou eles, sempre seria assim, mas eu nunca conseguiria me acostumar a matá-los.

– Vocês sentem alguma coisa? Dor, raiva, tristeza, felicidade... Algo além de fome? - pergunto, me sentindo ridícula em conversar com os mortos.

Como resposta, os errantes gemem mais alto, frenéticos por minha carne.

– Alguma centelha de vida? Alguma consciência presa aí dentro desse cérebro morto?

Um errante se adianta em minha direção, me fazendo balançar a cabeça.

– Eu tentei. - digo, como para justificar o fato de estar matando-os.

Tiro com dificuldade a machete da cabeça do errante morto aos meus pés, erguendo a faca e cravando esta no cérebro podre do outro walker. O errante pende para o lado, num movimento rápido demais, levando a machete consigo.

Tento pegar o objeto de volta antes que o outro errante se aproxime, mas ele é mais rápido, agarrando meu pulso com suas mãos gélidas. Solto um grito estrangulado, sentindo seus dedos podres apertarem minha carne.

"Não deixe que ele te arranhe! Nada de arranhões, sua idiota!", minha mente grita, me fazendo entrar em desespero.

Dou mais um passo para trás, tentando fugir dos dentes do terceiro errante, enquanto tateio minha calça a procura de minhas facas de arremesso ou minha pistola. O quarto errante se aproxima cada vez mais, tentando me alcançar por sobre o ombro do terceiro.

– Merda. - solto num miado assustado, sem esconder o desespero por não conseguir pegar minhas facas no coldre sem desviar os olhos das mãos do errante em meu pulso direito.

Respiro fundo, tentando arranjar uma solução. Minha mão livre ruma para meu pulso, tentando afrouxar os dedos gélidos do errante de seu aperto doloroso. Ele abaixa a cabeça, tentando morder minha mão, mas consigo afastá-la num movimento rápido, seguido de um grito.

O errante aperta meu braço com mais força, e sinto lágrimas quentes escorrerem por meu rosto.

Me debato, sem conseguir pensar em outra solução. Dou um passo assustado para trás, vendo o quarto errante saltar sobre o que me agarrava, como dois animais lutando por um pedaço de carne.

Piso em falso, perdendo o equilíbrio, caindo por sobre uma grande raiz. Os dois errantes caem sobre mim, os grunhidos mórbidos cada vez mais altos. Solto um grito desesperado, vendo os dentes do errante que agarrava meu braço a centímetros de meu rosto, o fedor de sua boca me deixando zonza. Ele grunhi, com a outra mão tateando a terra a procura de meu braço livre.

Solto um grito por socorro, vendo o quarto errante se arrastar até minhas pernas, mastigando minhas botas. Sinto seus dentes pressionarem forte meu dedo dentro do sapato, numa mordida potente e afiada. Ele nunca conseguiria perfurar o couro, mas não demoraria muito para que percebesse isto e avançasse sobre mim, como o outro errante fazia.

Respiro fundo, tentando buscar uma solução. Chuto o ar, tentando fazer o quarto errante se soltar, sem muito sucesso. O errante sobre mim se agita, cada vez mais forte, insistindo com seus dentes em direção ao meu rosto.

Minha mão livre vai até a cabeça do errante sobre mim, e enterro meu dedão em seu olho esquerdo, como se meu dedo curto e fino fosse o suficiente para alcançar seu cérebro apodrecido. Viro o rosto, tentando evitar seus dentes e o sangue podre que pingava de seu olho em minha face, tomando consciência de que eu não tinha força para afastar os dois errantes de cima de mim.

Esperneio, entrando em desespero, tentando afastar a qualquer custo o errante de minhas botas. Ele se agarra em minhas pernas, arranhando o jeans grosso com gemidos irritados.

Grito mais uma vez, ainda com o dedo enfiado no olho do terceiro errante. Aperto com mais força, firmando os dedos atrás de sua cabeça. Eu não morreria aquele dia. Mais sangue preto escorre de seus olhos, descendo por meu dedo até meu braço, enquanto outro tanto escorria por sobre o rosto do carniceiro, se acumulando em sua boca aberta e pingando em meu rosto.

Solto mais um grito por socorro, sentindo meu braço esquerdo fraquejar e o aperto no pulso direito ficar mais forte. Era como se o errante estivesse quebrando meus ossos. Mais um grito, e sinto lágrimas de desespero correndo pelo meu rosto, enquanto o errante forçava seus dentes em direção a meu pescoço.

Um barulho mecânico é ouvido, e então o walker sobre mim cai para o lado, seu aperto em meu braço diminuindo ao passo em que descubro uma flecha em seu crânio.

Daryl.

Lágrimas de alívio descem por meu rosto, e eu consigo tomar consciência de que eu não iria mais morrer. Chuto o errante ao meus pés, me levantando num salto. Ele tenta se reerguer mas, antes que ele pudesse fazer algo, precipito meu pé em sua direção. Sua cabeça explode com um ruído molhado.

– Ele te mordeu, arranhou? - Daryl pergunta, a voz num desespero evidente.

Não consigo responder, olhando para seu rosto ainda em choque.

– Thea! - ele ruge, chamando minha atenção. Pisco algumas vezes, tentando entender o que ele queria dizer. - Você foi mordida? - Daryl me pega pelos pulsos, me fazendo conter um grito com a dor de seu aperto, puxando o pulso direito para trás.

Seus olhos se arregalam, num misto de dor e preocupação. Ele pega meu braço com delicadeza, arregaçando minhas mangas muito lentamente, como se evitasse ver o ferimento.

Daryl me dá uma olhada séria antes de examinar o machucado. Seus olhos correm pelo meu braço, encontrando o hematoma amarelo de minha última confusão com um errante. Seus olhos azuis procuram os meus, semi-cerrados como se ver aquilo o fizesse se sentir machucado. Então ele examina o ferimento recente.

Marcas roxas em formato de dedos cobriam meus pulsos, se misturando a diversas lesões de sangue coagulado por debaixo da pele.

– Isso está horrível. - minha voz finalmente saí, enquanto eu puxava o braço delicadamente.

Daryl não me responde, virando o olhar agoniado para a bagunça ao nosso redor. Quatro errantes caídos, miolos e sangue para todos os lados e eu coberta de sangue preto e podre.

Ele volta o olhar para mim novamente, como se buscasse algo para dizer, como se fosse explodir a qualquer momento.

– Acho que os errantes tem alguma espécie de tara pelo meu pulso. - digo, procurando amenizar sua expressão, caminhando até a machete de Red e tentando retirar esta da cabeça do errante, com extrema dificuldade por conta da dor.

Daryl se adianta, puxando o facão sem esforço. Ele não me estende de volta o objeto, somente continua me olhando, com a machete, que pingava sangue de errante, em suas mãos.

– Você tem algum tipo de problema mental? - solta num grunhido extremamente irritado.

Abro a boca para tentar responder algo, mas ele não deixa.

– Você quase morreu, sua idiota! Quase que chego aqui tarde demais para impedir aqueles dois sacos de carne podre de te comerem!

Ele caminha de um lado para o outro, como se a ideia o atormentasse.

– Não foi minha culpa, eu só...

– Não foi sua culpa? - ele interrompe novamente. - Então como você me explica toda essa bagunça? Esses dois errantes mortos com uma machete... Sua machete! Como essa porra toda não foi sua culpa, Thea?

Trinco o maxilar, sem conseguir conter a raiva por ele estar gritando comigo.

– Eu não te devo merda de satisfação nenhuma, Daryl Dixon! - grito, caminhando na direção do acampamento.

Ele me para, puxando meu braço bom com força e me virando para sua frente com brutalidade, seus olhos lampejando de raiva.

– Eu ouvi seus berros há metros de distância daqui, sua maluca, e quando chego, vejo você atracada com dois errantes! Tem sangue em você toda e eu não sabia se era seu ou desses mortos desgraçados. Você tem algum tipo de ideia em como é agonizante o pensamento de que eu cheguei tarde demais?

– Então é isso? Essa gritaria toda é sobre você se sentir culpado por quase não ter conseguido salvar a donzela indefesa? - bato o indicador em seu peito, como se o acusasse de algo. - Bem, sendo assim, muito obrigada por me salvar, Daryl Dixon. Será que nós podemos nos casar agora e vivermos felizes para sempre ou teremos que enviar um memorando para todo reino primeiro? - ironizo, vendo sua raiva crescer conforme cada palavra dita.

– Você não ouviu nada que eu disse? É algum tipo de retardada suicida? Será que você não entende que a merda de dois mordedores estiveram centímetros de enfiar os dentes nessa sua cara idiota?

– Sim, Daryl, eu entendo. Era minha cara idiota que ia ser mordida! Fui eu que quase morri há segundos atrás e sou eu que estou ouvindo a porra de um sermão por ter sobrevivido. Acabou com o discurso? Eu já posso voltar para o acampamento e limpar essa porcaria de sangue podre da minha boca?

Ele fica em silêncio. Não espero respostas. Arranco a machete de sua mão, colocando-a no cinto novamente, e caminho a passos pesados em direção ao acampamento.

(...)

– O que aconteceu com você? - Beth pergunta, se levantando com Maggie e Michonne a tiracolo, quando me vê saindo do meio da mata com Daryl em meu encalço.

– Tive um pequeno acidente com um errante. Nada demais, só um susto mesmo. - dou de ombros.

– Um susto? Você quase morreu, sua maluca! - Daryl rosna, jogando três esquilos para Carol, com um olhar irritado.

Mich me olha com preocupação, preparando o maldito sermão de sempre.

Como num reflexo, escondo meu braço machucado de seu olhar inquiridor. De nada adianta, Michonne era a porcaria de uma mãe, ela sabia muito bem quando eu escondia algo dela.

Ela puxa meu braço, me fazendo soltar um gemido de dor. Daryl dá um passo até Mich, como se tentasse impedir alguma coisa, mas volta, passando a mão nervosamente pelos cabelos. Michonne estreita os olhos em sua direção, o rosto assumindo uma expressão derrotada.

– Ela foi mordida, Daryl? - pergunta, com a voz entrecortada.

– Não! - eu e o Dixon dizemos ao mesmo tempo, quase desesperados.

– Eu estou bem, Mich, um errante segurou meu braço com força, fez um hematoma, mas nada demais. Eu estou bem, estou viva!

– Você não tem um pingo de juízo nessa sua cabeça oca, Thea West? - ela começa.

Reviro os olhos, olhando para Daryl como uma forma de socorro. Ele era o único que podia dizer a ela que estava tudo bem. Ele dá de ombros, com um sorriso torto nos lábios. Sua vingança particular.

(...)

Após um longo discurso de Michonne sobre como eu era desatenta e sem juízo, Maggie havia me ajudado a limpar toda aquela bagunça de sangue seco em meu corpo com um pouco de água, sabão e álcool. Rosita me cedeu uma muda de roupas, para que eu pudesse me livrar das minhas cheias de sangue e miolos de errante. No fim das contas, eu não tinha ficado a pessoa mais limpinha do mundo, mas o cheiro de morte e a sujeira pesada haviam deixado meu corpo de uma vez por todas.

A noite já havia caído numa porrada sobre de nós. Gelada e sombria, como os errantes que se arrastavam para nos comer.

Eu odiava quando a noite chegava e todos dormiam, pois eu não conseguia fazer o mesmo. Meus olhos se fechavam por poucos segundos, mas eu logo acordava assustada, sem conseguir descansar o suficiente em meu cochilo rápido.

Eu não sabia dormir jogada ao relento. Mesmo com todas aquelas pessoas armadas à minha volta, eu não conseguia simplesmente relaxar e dormir, como elas faziam, nem ficar completamente acordada.

Suspiro, olhando em volta. Todos dormiam, menos Daryl, que estava de guarda. Ele também quase nunca dormia, sempre preferia ficar acordado, cuidando do sono daqueles que se preocupava.

Sinto um aperto em meu peito, imaginando como ele se sentia responsável por todos nós.

"Você tem algum tipo de ideia em como é agonizante o pensamento de que eu cheguei tarde demais?", sua voz ecoa em minha mente, e é mais um soco no estômago.

Aquele caçador de uma figa havia salvado minha vida e eu o agradeci com uma enxurrada de xingamentos e ironias. Não era nada justo.

Me levanto, olhando para Daryl sentado a poucos passos de mim. Ele me olha de rabo de olho, sem desviar os olhos de seu perímetro.

Caminho até ele, um pouco envergonhada com minha atitude anteriormente.

– Posso? - aponto para seu lado, vendo-o franzir o cenho, como se achasse estranho eu simplesmente não me sentar.

– Pode. - dá de ombros.

Me sento a seu lado, sem saber ao certo o que dizer e como dizer. Fico lá, olhando para frente, estralando meus dedos, como se buscasse um jeito de começar meu pedido de desculpas.

– Diz de uma vez, Thea. - ele facilita, sem muita paciência.

– Me desculpe por hoje. - digo, num fio de voz, cutucando a atadura que Beth fez em meu braço com um pouco de vergonha. - Eu fui bem idiota com você, Daryl, e eu sei disso. Você salvou minha vida, e em nenhum momento eu deixei de reconhecer esse fato. Eu não queria ter falado daquele jeito com você, eu só... Não era um bom momento para me pressionar, entende? - era uma pergunta retórica e eu não esperava respostas. - Não é como se isso justificasse o fato de eu ter agido daquela forma, mas... Obrigada.

Ele fica em silêncio, como se pensasse em algo para me dizer.

"Talvez você deva levantar sua bundona daí e voltar para o saco de dormir, Thea. Você fez merda, você pediu desculpas... Fez o que pode, querida!", minha mente diz, me fazendo ponderar sobre. Era um pensamento quase que egoísta, mas fazia sentido. Eu não era muito de implorar.

– Acho que eu também te devo desculpas. - ele diz, me tirando de meus pensamentos.

Daryl passa a mão pelos cabelos, me olhando com aquele jeito agoniado e sexy que só ele tinha.

– O jeito que eu te tratei após nós quase termos... - ele não continua, me fazendo sorrir por conta de seu constrangimento. - Não foi certo.

– Então estamos quites? Quer dizer... Você me perdoa e nós podemos continuar com nossa amizade linda, cheia de rosas e romance?

– Estamos quites, sua idiota. - ele dá um meio sorriso, sem muito se prolongar, me olhando com uma expressão divertida nos olhos azuis.

– Então, quer dizer que estou perdoada?

– Sim. - ele balança a cabeça, sem muito se envolver pelo assunto, mas eu sabia que ele prestava atenção a cada palavra minha. Ele já havia provado isso.

– Sendo assim, eu também te perdoo, Daryl. É uma tarefa muito difícil para mim fazê-lo, mas eu sou uma boa alma, mas disso você também já sabe...

– Só cala a boca, Thea. - ele diz, com um sorriso torto. - Você me deu um puta susto hoje, sua maluca.

– Eu também me dei um puta susto hoje, Daryl. - digo, bocejando logo em seguida.

– Desde quando?

– O que? - pergunto, coçando os olhos.

O sono nunca vinha, mas quando eu não queria dormir ele aparecia como uma tijolada em minha cabeça.

– Que você não dorme, sua esclerosada.

– Esclerosada? Essa é nova! Cada dia você se supera mais nos elogios, Daryl Dixon. Me sinto lisonjeada!

Ele revira os olhos, sem me responder. Torço o nariz, pensando em sua pergunta.

– Acho que desde que estamos na estrada. Eu não consigo dormir jogada por aí. Eu sou uma lady, esqueceu? Preciso da segurança das árvores para dormir como a princesa que sou.

– Princesa? Essa sim é nova. - ele ri de leve, balançando a cabeça, como se pensasse algo muito absurdo. - Tente dormir um pouco, não tem com que se preocupar. Eu estou acordado.

– Sim, você está acordado, e é a minha babá particular. Vai cuidar muito bem de mim enquanto eu tiro minha soneca, porque é isso que as babás fazem, Daryl. - digo, encostando minha cabeça em seu ombro. Daryl não se afasta, o que me deixa mais que satisfeita. - Boa noite, seu otário.

– Boa noite, idiota. - ele diz, a voz rouca me fazendo dar um sorriso involuntário.

Meus olhos se fecham e eu caio na inconsciência. Finalmente, uma noite bem dormida. Um sono sem sonhos.


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Notas finais do capítulo

Thea só se mete em merda. É merda em cima de merda, é merda sobre merda, merda jogada na merda, um caminhão de merda! Sorte que o Daryl tá aí pra limpar essa merdaiada toda, né?

Espero que tenham gostado do capítulo! Comentem, favoritem, recomendem e compartilhem!

Beijos de luzzz



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