Música, Sangue e Eternidade escrita por Countess Dracula


Capítulo 9
Capítulo 9: O Início do Fim


Notas iniciais do capítulo

Fic editada. Obrigada Blodnatt pela betagem. S2



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/58753/chapter/9

O belo corvo voava livremente, deixando o vento e a chuva bater em suas asas como se estivesse bailando a luz do luar. Por fim, dirigiu-se para uma casa de dois andares, pousando na janela de um quarto de casal. Crocitou três vezes e Maura Elizabeth Miller se levantou da cama, sonâmbula. Com um simples e sussurrado “entre!”, a enlutada mulher permitiu a entrada do nefasto animal. O marido se virou em seu sono pesado, triste. Embora sentisse a presença de algo desagradável, uma força sinistra, não conseguia acordar.

Em meio ao quarto, o corvo se transformou em uma sedutora mulher de olhos frios. Com um sorriso perverso, segurou a cabeça da vítima, abriu a boca e sorveu completamente das veias a vida da mulher enlutada.

Maura caiu ao chão, o corpo imóvel. Louise sorrateiramente foi se aproximando da cama do casal, quase como a deslizar sobre o chão. Em um instante, foi a vez do marido de receber a silenciosa — porém não menos dolorosa — morte.

“Quero vê-lo sair dessa, Charlie.” – Foi tudo o que pensou a vampira, antes de voltar à forma animal e voar pela noite a fora.

O violinista passava lentamente uma flanela sobre o violino, removendo uma camada de poeira imaginária. Era mais um carinho do que um simples cuidado para com o instrumento. Era tão cuidadoso quanto uma mãe com seu bebê. Mais delicadamente ainda, passou resina nas cerdas do amado arco. Afagava-as lentamente com seus longos dedos. Vagarosamente, colocou o Stradivarius em cima da escrivaninha e rapidamente foi limpar as mãos para poder manuseá-lo sem qualquer perigo.

Perplexa, Marion se levantou apressada, ainda encarando o marido.

– Louise? Oh, Chas, tem certeza? Poderia ter se enganado!

No mesmo instante, a Senhora Remarque viu-se diante de um Charles enfurecido e arrogante. Algo que jamais fora dirigido a ela anteriormente, fazendo-a odiar a mulher que tinha tal controle sobre o temperamento dele. Charles pertencia a ela! Mulher alguma deveria ter tal poder sobre seu esposo.

– Não sou humano, Marion. Jamais cometeria tal erro. – Voltou a andar de um lado para outro e continuou: - Tenho certeza que era ela. Voltou com seus joguinhos, tentando enlouquecer-me como enlouqueceu minha mãe. Mas não irá conseguir! Não irá!

Marion Grace Remarque apenas suspirou, tentando não demonstrar sua raiva. Se e quando tivesse de dirigi-la a alguém, seria a Louise.

– E o que pretende fazer, então? Caçá-la?

Charles não percebeu o tom sarcástico da esposa, deixando-a ainda mais furiosa.

– Não. Ela é inteligente demais para isso. Tenho que esperar seu próximo movimento, mas em guarda. Antes, tenho que cuidar do assunto Levy.

– Não seja por isso! – Disse, irada. – ANDREI! Venha cá.

Com empolgação, Andrei pegou o instrumento, posicionando-o corretamente e começou a tocá-lo, compenetrado. Empolgado, chegava ao clímax de Toccata & Fugue quando ouviu sua criadora chamá-lo. De pronto, abriu os olhos, irritado. Aquele era um momento íntimo, detestava interrupções enquanto treinava. Deu um suspiro frustrado, controlando-se.

Imediatamente guardou o violino – com todo o cuidado – e foi vê-la.

Sherilyn e Michelle tomavam chá no momento em que Dale adentrou o recinto, segurando uma carta, a expressão cética em seu rosto.

– Oh, meu bem, há uma admiradora sua por aí? – Divertiu-se a esposa.

– Não creio que seja uma admiradora e sim algum maluco. A carta foi supostamente escrita por um vidente que acredita que nossa residência é mal-assombrada. Vidente, pois sim!

– Deixa-me ver, papai.

A garota pegou a carta que seu pai estendeu e começou a ler, o ar de diversão sumindo aos poucos, sendo substituído por um de perturbação.

A missiva não apenas falava da tal maldição do lugar, sobre duplos etéricos e como jamais deveriam permanecer com as luzes apagadas, mas também do que supostamente teria acontecido com Caspar Levy.

Caspar...

Esse nome não lhe era estranho. Então se lembrou: Havia um retrato com seu nome na parede ao lado dos aposentos de seus pais. Recordou-se de ter notado a semelhança inegável entre eles. Eram praticamente idênticos. Lá estavam naquele quadro os mesmos ombros largos e fortes de seu pai, bem como seus cabelos negros.

Com um pequeno sobressalto, a garota se levantou, devolvendo a carta para seu pai. Pediu licença e deixou suavemente a sala.

– Meu querido... Creio que isso a impressionou.

– Espero que essa brincadeira não traga mais problemas que o necessário.

Ansiosa por rever o quadro, Michelle caminhou em sua direção. O corredor estava agora completamente às escuras, e a garota ficou surpresa por não ter se dado conta de que já havia anoitecido.

Ali estava ele: O quadro de Caspar Levy. O belo. O louco. O fanático.

A história dele fascinava-a, mas nunca haviam realmente contado-a para a jovem. Era algo que a frustrava desde a tenra infância.

Ela não saberia dizer por quanto tempo ficou ali parada, em frente ao retrato que tanto a fascinava. Caspar realmente lembrava muito seu pai, mas tinha algo a mais nele. Uma força inexplicável.

Um segredo.

Acudiu-lhe subitamente que haviam depositado no sótão antigos artigos de Caspar. Com uma calma que ela não sentia, a jovem entrou lentamente no sótão e fechou cuidadosamente a porta atrás de si, para poder procurar os papéis sem ser interrompida. Por mais louco que parecesse, não duvidaria do seu instinto.

O local – levemente empoeirado - estava repleto de baús. Alguns deles repletos de antigas e belas roupas, mas que não era algo em que ela pudesse realmente prestar atenção, no momento. Não era o que Michelle procurava.

No baú mais afastado, no entanto, descobriu velhos livros, textos escritos em uma caligrafia bela e ainda mais rebuscada das de então.

Diários de seu antepassado.

Abrindo cuidadosamente um dos livros, virou uma das páginas para iniciar a leitura, derrubando sem querer uma folha. Empurrou para o lado alguns manuscritos e recuperou a mesma.

Controlando o tremor em seus lábios, Michelle ergueu em suas mãos o desenho do rosto da mulher de negro que estava no velório de sua amiga.

A inconfundível figura de Marion Grace Goddard, como anunciava discretamente a letra no alto da página.

Charles saiu porta a fora, indo nervosamente em direção à floresta. Não se dirigia à caverna onde seus pequenos morcegos residiam anteriormente, mas sim a uma velha cabana abandonada, coberta por folhas e galhos de árvores, escondida na mata. Era incrível como ela estava bem conservada, se levarmos em conta o tempo de abandono.

O vampiro precisava pensar. Não sabia como lidar com a volta de Louise e a raiva o cegava.

Ele também a temia, não podia negar.

Não esquecera o pesadelo, o horror que transformou tudo quando ela chegou pela primeira vez em sua vida.

O assassinato de sua primeira esposa e seu pai, sua mãe enlouquecendo aos poucos ante a influência de Louise, a transformação da mesma e então... Seu retorno e a transformação dele próprio, sendo novamente criado por sua mãe.

A fealdade de tudo quase o fazia se lembrar de como era ser humano.

Quase.

Durante o jantar, Michelle começou a ouvir o som melodioso de um violino. Não bastava a frustração por ter sido interrompida: Mal teve tempo para examinar suas descobertas quando foi anunciado que o jantar seria servido. Teve de se apressar, uma vez que seus pais não toleravam atrasos e agora isso: a misteriosa melodia que somente ela parecia ouvir.

Assim que se levantou da mesa, passou a ouvir a canção com mais atenção. Era como se estivesse mais alta e como se o mundo tivesse perdido a importância. Sua mãe falava com ela e Michelle respondia, mas parecia que sua voz vinha de muito longe e que ela respondia da mesma forma. Sherilyn não pareceu notar nada de estranho, nem mesmo quando a filha comentou sobre o som do violino, que parecia ainda mais próximo. Então a filha mentiu que estava com dor de cabeça e foi se deitar. Poucos minutos depois, sua mãe lhe trouxe uma xícara de chá quente e desejou-lhe boa-noite.

Estava quase dormindo, embalada pela canção... Então o relógio da catedral bateu 23h00 horas e como se seu corpo obedecesse a algum chamado, levantou-se da cama, saiu de casa e foi em direção à floresta, perto do cemitério da cidade. Era engraçado, mas nem a tempestade, nem os uivos das raposas a assustavam o suficiente para fazê-la voltar para a casa.

As ruas estavam cobertas pela neblina, mas mesmo assim não sentia o frio. Adentrou a floresta e avistou ao longe o vulto do violinista. Ele deu dois passos para frente, o arco subindo e descendo, numa melodia maldita, enquanto um raio cruzava os céus. Apesar da forte neblina, as nuvens não encobriram a lua cheia, que projetava seu brilho nos cabelos negros do homem. Os cabelos dele eram lindos, tão negros, tão lisos e compridos, que, graças à chuva, grudavam-se no rosto.

A garota o reconheceu e se perguntou qual seria a sua ligação com a sua acompanhante do velório – mulher essa que, pelo que sabia, poderia muito bem ter sido sua bisavó.

Fechou os olhos, sentindo a música, começando a se balançar de um lado para o outro, no ritmo dela. Rodopiou duas vezes, sem sentir que ele se aproximava cada vez mais. A ária silenciou e a garota parou assustada. Abriu os olhos, sentindo o pescoço dolorido e deu de cara com Andrei. Achou que seus olhos azuis eram os mais belos que já tinha visto. Os lábios vermelhos que pareciam verter sangue chamaram sua atenção quando ele sorriu. Em um movimento rápido, seguindo as ordens de sua criadora, ele a pegou pela cintura e beijou sofregamente. Michelle sentiu um gosto amargo em sua boca. Naquele momento, não imaginava que esse era o gosto de seu sangue misturado ao dele.

A sensação era boa para ambos, mas para Michelle ainda havia uma sensação incomoda, algo que ela não conseguia identificar.

Sentiu-se flutuar.

Andrei sentiu a garota desfalecer em seus braços. Não teve tempo para se perguntar o que fazer com a moça desacordada: Sentiu o ar ao redor de si mudar. Ficar mais pesado. Sentia-se observado por alguém conhecido – e que esse alguém estava próximo. Se ainda fosse humano, Andrei estaria suando frio.

Virou-se de um lado para o outro, segurando gentilmente a jovem loura desfalecida. Ao voltar-se novamente para frente a viu pela primeira vez. Arfou, chocado por estar diante de Edna. Lentamente, deitou o corpo de Michelle na grama aos seus pés e estendeu a mão em direção à sua primeira vítima.

Edna sorriu-lhe, cruelmente. A doçura desaparecera e seus olhos estavam sem o brilho encantador de quando vivia. Piscou-lhe rapidamente, antes de se virar e sair correndo, seu corpo desaparecendo devagar.

O violinista ficou parado, apenas tendo a certeza de que não seria a última vez que a veria.

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Música, Sangue e Eternidade" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.