Where flowers grow wild escrita por Marie


Capítulo 22
Capítulo 22 - Envenenados


Notas iniciais do capítulo

Estou de volta!



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Uma das vantagens de se morar no campo era a de que havia poucas coisas que uma criança não pudesse fazer. E Nicole, talvez mais que qualquer outra, aproveitava daquela liberdade ao máximo, fazendo tudo que os meninos da redondeza faziam. Tudo, menos montar o puro-sangue* do coronel Hasting, uma das poucas proibições que sua mãe impusera para ela. Mas para uma menina de nove anos, rebelde demais para a própria segurança, era praticamente impossível se manter longe daquela imponência e mais impossível ainda resistir as provocações e desafios dos meninos, que a viam como uma igual. Algo em seu interior sabia perderia o respeito deles se não fizesse aquilo e, além disso, havia todo aquele orgulho infantil martelando no peito: queria provar para eles e para si mesma que era capaz de fazer qualquer coisa que quisesse.

Foi por essa razão que nem chegou a pensar muito quando se apoiou no calço improvisado a fim de subir no dorso do elegante animal, que ao ser pego de surpresa saiu em disparada pela porteira aberta com a menina, de olhos arregalados, sobre seu corpo.

Nicole não gritou. Não por não estar sentindo medo, mas porque o pavor não permitiu que ela fizesse mais nada a não ser apertar os dedos na crina macia da égua e tentar se firmar sobre ela pressionando bem as pernas de cada lado do corpo forte do alazão. Naquele momento, montando como um garoto, de pernas abertas, com o vento agitando o cabelo e o tecido da roupa para trás, ela poderia jurar que nunca estivera tão viva, nem tão certa de que iria morrer. E estava mesmo muito perto de escorregar quando pela visão periférica pode perceber que mais alguém a estava seguindo. Virou a cabeça um pouco para ver melhor e lá estava Violet, sua mãe, salvadora, sobre o próprio cavalo, emparelhando com ela, fazendo o animal diminuir a velocidade até parar. Mal esperou que a mulher se aproximasse antes de se atirar em seus braços.

—Como foi que me encontrou?— Nicole perguntou quando a tremedeira diminuiu o suficiente para que pudesse falar.

—Meu coração me disse que você precisava de mim e onde eu deveria ir. O coração de uma mãe nunca se engana— Violet explicou apertando a filha num abraço carinhoso.

Nicole nunca soube se era verdade aquela história sobre o coração da mãe, nem tão pouco voltou a montar um cavalo sem cela e desacompanhada outra vez. Pelo menos não até aquele momento.

A sensação de repetir a façanha dos tempos de criança não foi nem de perto tão nostálgica quando se poderia supor. Agora ela era adulta e estava justamente no lugar da mãe, sendo guiada apenas pelo instinto de que algo não estava bem com alguém que ela amava acima de qualquer coisa. Agora ela sabia que era a mais pura verdade o que Violet dissera sobre ter o coração como guia, e ele a conduziu diretamente ao lago da propriedade, onde finalmente encontrou Gabriele caída no chão próxima as margens, jogada como uma pequena trouxa de tecidos brancos.

—Gabriele!

Nicole praticamente saltou do cavalo, tropeçando desajeitadamente sobre a grama ao aterrissar. Só levou alguns minutos para novamente se firmar e correr para a irmã desacordada, a quem tomou nos braços de forma desesperada. Já estava prestes a começar a chamar por ajuda quando sentiu algo frio pressionando-lhe a nuca. E em seguida um som metálico de algo se encaixando.

—Milady! Mas que surpresa!

Nicole não precisou nem se virar para saber quem era o dono daquela voz. O cheiro de tabaco misturado com algo almiscarado denunciou de imediato a presença de Lorde Ashton, fazendo o sangue de Nicole congelar nas veias. De repente toda a história que Dorian havia contado a ela no dia anterior estava de volta à mente dela com muita clareza.

—Milorde— Nicole cumprimentou ainda sem olhara para trás, com a voz tão calma que surpreendeu até a ela mesma — não esperava a visita do senhor...

O barão deu uma risadinha debochada.

—Mas que indelicadeza da minha parte vir sem avisar, não é mesmo? Mas bem, devido às circunstâncias eu imaginava que seu marido já estivesse esperando por mim. Todavia, não posso negar que fiquei satisfeito com essa recepção tão adorável. Não são todos os dias que vemos uma criança tão criativa. É novidade para mim ser um elfo...

— O que foi que você fez com minha irmã? — Nicole perguntou num rosnado, virando-se apenas para ficar frente a frente com o cano da arma que ele segurava. Aparentemente ele estava esperando aquela reação e só manteve firme o revólver diante do rosto dela sem se assustar.

—Eu só a coloquei para dormir— ele respondeu dando de ombros e em seguida repetindo com a mão livre o movimento que fez para dar uma coronhada na nuca de Gabriele_ Não tem com o que se preocupar. Viva ela vale mais para mim.

Aquela resposta espalhou pavor pro todo o corpo de Nicole que tentou não demonstrar. Sua mente trabalhava a todo o vapor em busca de uma solução para aquela situação, mas a única coisa na qual conseguia se concentrar era na menininha que mantinha espremida junto a si.

—Levante— o barão ordenou e ela custou a obedecer. Não por desejo de afrontá-lo, mas porque suas pernas pareciam ter adquirido a consistência de um manjar, sem qualquer capacidade de obedecer àquele comando. Perdendo a paciência, Lorde Ashton a puxou com toda a força pelo braço fazendo-a gritar.

—Fique quieta se não quiser que eu atire em vocês duas! Onde é que está aquele bastardo Van Dorst?—Ele perguntou puxando o corpo da condessa para tão perto que podia sentir a temperatura de sua respiração.

—Está longe de Kenwood. Verificando outra propriedade — Nicole respondeu o mais rápido que pôde. Ouvir aquela menção ao nome do marido fez com que o coração dela batesse descompassado. Rezou para que ele se mantivesse dentro da mansão, em segurança.

—É mesmo?— o lorde voltou a sorrir com crueldade— E deixou a esposa sozinha? Que conveniente!

Dizendo isso ele a puxou e a beijou com violência, pressionando os lábios contra os dela dolorosamente até que se abrissem com espaço suficiente para que ele pudesse enfiar a língua. A mão que antes segurava o braço da condessa agora puxava os cabelos dela para trás como se pretendesse arrancá-los fora pela raiz. Nicole nunca sentiu tanto nojo e desespero na vida e num momento de puro reflexo mordeu os lábios de seu agressor com tanta força que sentiu o gosto metálico do sangue dele espirrando em sua boca. Foi o que bastou para fazê-lo soltar, gritando de dor.

—Sua vagabunda desgraçada!— ele urrou possuído pela raiva, dando uma tapa tão forte no rosto dela que a fez cair no chão, e em seguida tratou de chutá-la na altura das costelas. Desta vez foi Nicole quem gritou.

— Coma— ele mandou atirando um tipo de saco de tecido no rosto dela que fez esforço para pegá-lo e abri-lo com a mão tremula. Por alguma razão ela não se surpreendeu em ver uma infinidade de frutinhas negras em seu interior. Beladonas. Não precisava dizer mais nada para que ela pudesse deduzir o que ele esperava que ela fizesse. Ela preferia morrer com um tiro.

—Coma!— ele gritou novamente, mas desta vez apontou o revólver para Gabriele, que ainda estava caída no chão.

Não foi necessário muito mais para que ela colocasse as bagas de beladona na boca, engolindo praticamente sem mastigar. Lágrimas quentes escorreram pelo rosto à medida que o sabor mortal e adocicado explodia na boca. Nem mesmo sentiu quando ele voltou a bater nela. Rápido demais ele se colocou sobre ela segurando-lhe o pescoço e esfregando o cano da arma sobre sua têmpora.

— agora eu vou te ensinar um pouco de respeito— ele disse com um sorriso cruel— e isso vai ser a última coisa que você vai lembrar. De mim dentro de você bem no momento em que estrebuchar, morta.

Com aquelas palavras ela quis gritar novamente, mas o aperto em seu pescoço a sufocou. Com outra risada Ashton soltou a arma e passou a erguer as saias dela, divertindo-se com a tentativa vã dela de se debater para livrar-se dele.

—Não seja malcriada! Quanto mais você se mexer mais rápido o veneno vai se espalhar. Vamos nos divertir muito menos e eu vou ter que me contentar com sua irmãzinha.

Entre as lágrimas e a dor, Nicole começou a rezar por um milagre. Que fosse feito qualquer coisa com ela, mas que Gabriele se mantivesse intacta. Sabia que a arma estava perto e se talvez conseguisse pegar... era a única chance e por isso reuniu todas as forças que restava para atingir lorde Ashton entre as pernas com o joelho.

O barão urrou, soltando-a de seu aperto por um segundo, mas não tempo suficiente para que ela realmente pudesse agir.

—Sua vadia!— ele gritou agora segurando o pescoço dela com as duas mãos. Não iria mais esperar pelo veneno.

Porém, da mesma forma como o ar faltou, subitamente voltou a passar pelos pulmões doloridos quando as mãos dele mais uma vez soltaram, seguindo-se de gritos e do som de algo se partindo.

Mas agora ela já não tinha mais forças para se mover e ver o que estava acontecendo. Uma dor quase insuportável começava a se formar e se espalhar pelo corpo. Fechou os olhos, se encolhendo como se ao reduzindo-se ao menor tamanho possível a dor pudesse diminuir também.

“Gabriele, Gabriele, Gabriele” os pensamentos voltaram repetir. E então um tiro se ouviu. E de repente todo o barulho cessou. E a dor aumentou num nível enlouquecedor. O coração batia como se fosse explodir a qualquer momento. Tentou abrir os olhos, mas tudo pareceu embaçado e distante demais, até para ver quem a estava tocando, virando-a novamente para cima. Ele havia voltado.

—Nicole!— ela ouviu alguém chamar de muito, muito longe.

Mas agora já era tarde.

Sem poder lutar mais, deixou que a dor e a escuridão a tomassem finalmente, deixando escapar apenas um último suspiro de vida.

x.x.x.x.x.x.x.x

Para Dorian tudo aconteceu rápido demais. Num minuto tinha avançado sobre lorde Ashton e no minuto seguinte o homem estava morto. Victor havia atirado com maestria no barão e ele nem mesmo sabia que o amigo estava armado. Depois disso, seguiu-se o caos. Nicole começou a se contorcer no chão, com os lábios roxos e a partir daí foi como se ele não estivesse mais no próprio corpo.

Quando deu por si novamente, Nicole tinha sido removida para o alojamento das empregadas por ser o quarto mais próximo, onde um médico trazido sabe Deus de onde tentava salvá-la e Gabriele já havia acordado, muito atordoada, e enviada de volta para Londres. Provavelmente Victor havia assumido o controle da situação enquanto ele enlouquecia.

E então, quando finalmente tinha voltado a si, estava se dando conta das proporções que as coisas haviam tomado. E por Deus, se ela estivesse morta... Não conseguia nem mesmo pensar nisso! Simplesmente não podia estar acontecendo! Correu para o quarto dela sem qualquer motivo lógico. Por alguma razão esperava encontra-la lá, sentada na penteadeira como se os acontecimentos das ultimas horas não se passassem de um sonho ruim.

Mas ela não estava.

Como se por impulso Dorian caminhou até a penteadeira onde ele havia criado a esperança de encontra-la. A quantidade de correspondência alí era assombrosa e movido pela curiosidade pegou uma delas. E o que ele viu quase o fez entrar em surto novamente, pois as cartas que se avolumavam aparentemente possuíam um único remetente. Victor Everglot.

Um rápido olhar pelo conteúdo delas bastou para que ele saísse como um raio até a sala onde sabia que encontraria Victor esperando por notícias do doutor.

— Seu desgraçado!— Dorian vociferou quando partiu para cima do amigo, dando-lhe um empurrão que mal possibilitou qualquer defesa. — eu confiei em você!

—Do que é que está falando?— Victor questionou parecendo genuinamente surpreso.

—Pretende negar isso aqui?!— Dorian cuspiu atirando o punhado de cartas na direção de Victor, que nem precisou olhar com muita atenção para que o brilho de reconhecimento tomasse sua expressão.

—Eu posso explicar...

—Explicar como estava me traindo com minha esposa? Ou como estava pretendendo fugir com ela? — Dorian rosnou e não esperou qualquer resposta antes de atingir Victor com um soco forte no rosto que o levou ao chão.

—Levante! Levante para que eu possa voltar a lhe bater.

De imediato Victor obedeceu, mas desta vez foi ele quem golpeou. Então subitamente os dois estavam no chão aos tapas e murros, atracados um ao outro com se tivesse voltado a ser dois moleques. E a briga poderia ter se tornado ainda mais séria se Carson não tivesse chegado junto como um lacaio para apartar discursão. Levaram bons minutos até conseguirem colocar os dois lordes em distância segura um do outro.

—Tire já as mãos de mim!— Victor ordenou ao lacaio que prontamente o obedeceu. Mesmo estando despenteado e pouquíssimo apresentável, o visconde parecia ter se controlado um pouco depois daquela batalha.

— Se ela morrer, Dorian...— o nobre nem mesmo concluiu a frase e somente olhou furioso para o outro— espero que passe o resto da vida sabendo que a culpa foi toda sua!

Sem acrescentar mais, Victor deu as costas e saiu batendo a porta com força atrás de si.


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Notas finais do capítulo

Olá pessoas lindas! Creio que estou devendo um pedido de desculpas a vocês pelo sumiço.
Estive passando por uns problemas pessoais nos últimos dias que tiraram a minha paz, assim como o tempo e a inspiração para escrever.
Mas felizmente as coisas estão começando a se resolver (devagarinho, mas estão!) e para poder me redimir com vocês postei esse capítulo um pouco maior hoje (iam ser dois que terminei condensando em um só) e espero que tenham gostado :3
Não deixem de me contar o que acharam! a opinião de vocês é muito importante para mim!
Até o próximo capítulo!



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