Nicole evitou o marido durante todo o resto do dia depois da conversa que tiveram no escritório. Estava irritada, magoada e confusa demais para que pudesse responder com serenidade qualquer questionamento que viesse dele e ela sabia com toda a certeza que as perguntas viriam. Felizmente para ela, Gabriele começou a sentir-se cansada poucas horas depois do ocorrido e aceitou, sem fazer perguntas, que as duas se recolhessem no quarto e lá permanecessem até a hora de ir para a cama.

No entanto, assim que os primeiros raios de sol penetraram por entre as cortinas cor-de-vinho do quarto da condessa a menina se pôs de pé, com a energia completamente renovada e Nicole viu cair por terras qualquer plano que envolvesse permanecer esquivando-se de Dorian. Sentia o pulso acelerar somente com a expectativa de vê-lo de novo e mentalmente repreendeu-se por isso, porém por mais que se esforçasse para se manter sob o controle, era impossível negar o quanto ele a estava afetando. Se ao menos o rapaz não fosse tão bonito, nem tivesse aquele sorriso indecente...

“Pare já com isso!” Nicole censurou a si mesma em pensamentos enquanto caminhava para o desjejum. Ele era somente um homem, pelo amor de Deus! Um muito atraente, é verdade, mas um em quem ela não podia confiar nem metade dos segredos que possuía.

Assim que entrou com Gabriele no salão de refeições o coração da condessa palpitou. Desta vez não por causa do marido, mas porque com todo o terremoto que se passava dentro dela já tinha esquecido completamente da presença de Victor, que se colocou de pé ao vê-las num cumprimento muito formal. De imediato Nicole pôs a mão sobre o ombro da irmã, apertando-o, num pedido silencioso que a pequena pareceu não compreender.

— Bom dia, milady. Senhorita Dashwood— Victor fez uma pequena mesura, ao que Gabriele deu uma risadinha.

— Meu nome é Gabriele! O senhor não se lembr...?

—Bom dia, lorde Everglot— Nicole cortou Gabriele de maneira tão pouco discreta que fez Dorian erguer uma sobrancelha, curioso. Entretanto, não teve oportunidade de perguntar qualquer coisa, pois Gabriele já tinha corrido para ele, distraindo-o da cena que tinha chamado sua atenção.

— Mr. Dorian, o senhor gostaria de procurar o elfo comigo esta manhã?

— O quê?

—O elfo— Gabriele repetiu revirando os olhos como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo— Eu vi um elfo passar correndo no escuro do jardim ontem a noite pela janela. Nic me disse que eu poderia convidá-lo para o chá se eu o encontrasse novamente! O senhor vai me ajudar a procurá-lo?

Dorian olhou em dúvida para Nicole que já havia se sentado no lugar de costume, mas não encontrou na esposa qualquer pista do que deveria dizer.

—Bem, acho que não vou poder ajudar você esta manhã porque preciso olhar alguns papeis muito, muito desagradáveis. Mas se quiser, me juntarei a sua caçada amanhã. O que me diz?

Gabriele deu a ele um sorriso e então sentou-se na mesa, mas isso não a impediu de continuar conversando.

—Porque Nic não ajuda você com os papeis de que não gosta?

Dorian olhou mais uma vez para a esposa que sustentou seu olhar com toda a altivez.

—Ela pode se juntar a nós se quiser— ele convidou ainda sem tirar os olhos dela como se estivessem disputando quem piscaria primeiro.

—Seria mesmo muito bom que milady se juntasse a nós esta manhã, já que foi ela quem organizou a maior parte dos registros da contabilidade das suas propriedades enquanto esteve fora— Victor comentou e então deu um sorriso discreto para Nicole que Dorian não percebeu — Se me permite dizer, a senhora é uma administradora muito eficiente.

— Não é tão difícil quando se tem o costume. Eu ajudava meu pai em casa e assumia esta responsabilidade quando ele precisava passar algum tempo fora— Nicole respondeu devolvendo a ele outro sorriso discreto e depois voltou-se para o marido e continuou falando num tom muito profissional— Inclusive, tenho algumas propostas para que obtenha mais lucros com suas terras sem que precise aumentar os alugueis dos arrendatários no próximo ano. É claro que eu poderia ter sugerido isso antes se tivesse me contado sobre seu verdadeiro “folego financeiro”, mas...

Dorian deu um sorriso tão amargo quanto o comentário dela, mas não disse nada. Talvez estivesse mesmo merecendo ser tratado com aquela acidez.

— Que bom! Se forem três, terminaram logo e vão poder caçar o elfo comigo! — Gabriele comemorou completamente alheia ao ar belicoso que pairava na mesa e o resto da refeição seguiu pacífica, com interrupções vindas apenas da menina que puxou assunto com todos os empregados que apareceram para servi-los.

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A reunião também se manteve em tom profissional e frio, exceto por alguns olhares indiscretos que Dorian lançava a Nicole, que por sua vez ignorava-os todos por mais que no intimo estivesse sentindo o sangue queimar por baixo da pele. Porque ele estava fazendo aquilo era algo impossível de se deduzir e ficou aliviada quando terminou de expor suas ideias e pediu licença para deixar os dois homens e procurar a irmã.

— Algum problema entre vocês dois que eu possa saber?— Victor perguntou juntando os papeis que analisava em uma pilha— quase fui capaz de partir a tensão entre vocês com uma faca.

—Estamos sempre com problemas, Victor— Dorian comentou com um suspiro, permitindo-se cair largado sobre a cadeira numa posse nada nobre— Não me lembro de ter tido 24 horas completas de paz desde que me casei...

Victor não fez qualquer comentário e pegou uma folha em branco para que pudesse começar a desenhar. Era uma atividade que sempre o acalmava, independentemente do problema que tinha que enfrentar.

— Contei a ela sobre a falência e tudo o mais.

—Já era hora. Ela tinha o direito de saber.

—Ela me detesta.

—Duvido muitíssimo— Victor o tranquilizou de maneira quase automática e então começou a rabiscar em seu papel. Dorian observou aquilo por algum tempo antes de voltar a falar.

— Continua evitando desenhar pessoas?

— Já disse o que penso sobre isso.

—Ainda está sofrendo pela garota que casou com outro? Isso foi há meses!

— Sofro por ela todos os dias— Victor respondeu com um tom cortante que se suavizou logo em seguida— Mas é uma coisa que venho lutando para resolver.

— Acho que nunca soube o nome dessa musa...

—E vai continuar sem saber no que depender de mim. Pelo menos por enquanto — o futuro visconde respondeu tranquilo.

— Como é que soube que estava apaixonado por ela?— Dorian perguntou sem ter certeza do porquê estava fazendo aquele questionamento.

— Da mesma maneira que você soube que estava apaixonado por sua esposa.

A resposta tão direta fez Dorian sentar-se corretamente de novo.

— Não estou apaixonado por ela. Eu a desejo. É diferente.

— Então permitiria que ela partisse?— Victor perguntou ao outro com um estranho brilho nos olhos.

—Partisse para onde?

—Para qualquer lugar. Qualquer lugar em que ela fosse ser mais feliz do que é agora. Deixaria de bom grado que ela fosse embora? Não faria qualquer diferença, já que poderia arranjar rapidamente outra pessoa a quem desejar.

Dorian ponderou por algum tempo. Se Nicole fosse embora e sumisse de sua vida agora que já tinha colocado as coisas nos eixos, certamente seria como ver resolvidos todos os seus problemas. Poderia sair daquele celibato ridículo e voltar a ter uma companhia diferente por semana e a paz voltaria a reinar em sua vida! Não haveria mais brigas, nem respostas malcriadas e... nem o som do piano depois do chá, nem as risadas vindas dos jardins, comentários irônicos e divertidos ou valsinhas cantaroladas pelos corredores. Sentiu no peito algo pesar e ele soube exatamente a resposta que deveria dar a Victor. Ela não iria a lugar nenhum porque se fosse, a vida voltaria a ser tão monótona quanto sempre fora e ele agora já tinha se acostumado à ela daquele jeito de uma maneira irreversível.

—Está apaixonado por ela— Victor sentenciou. Não havia acusação, ou deboche.

Dorian não disse nada e os dois ficaram quietos pelo que pareceu uma eternidade até que alguém interrompeu a meditação de ambos com uma batida na porta. Carson, o mordomo, adentrou no cômodo assim que Dorian autorizou sua entrada.

—Milordes, perdão se os interrompo, mas temo ter que informar algo desagradável.

—O que aconteceu?— perguntaram os dois no mesmo tom alarmado.

—É a senhorita Dashwood. Ela desapareceu. Os empregados já a procuraram por todos os lugares dentro da casa e acreditamos que ela tenha se afastado muito dos jardins também.

— E onde está a condessa? Não estava com ela?— Dorian perguntou levantando-se assim como Victor também o fez.

— Creio que milady acaba de pegar um cavalo e partir a procura da senhorita Dashwood.

—Desde quando ela sabe montar? _ Dorian perguntou vestido o casaco as presas.

—Não sei, milorde, mas ela deve saber fazê-lo muito bem já que saiu sem nem esperar que o animal fosse selado.

—Ela saiu num cavalo sem sela?— Agora foi a vez de Victor arregalar os olhos.

—Viu o que eu lhe disse sobre ter 24 horas de paz? — Dorian reclamou saindo praticamente correndo do escritório com Victor em seu encalço.

Ela só poderia estar louca! E quando ele a achasse iria sacudi-la até os ossos para ver se colocava juízo na cabeça daquela mulher e não se importaria a mínima se isso o faria ser um homem igualzinho a seu pai. Se alguma coisa acontecesse... Não queria pensar nisso. Com toda a certeza estava tudo bem e eles encontrariam Nicole em perfeito estado e em seguida Gabriele, dormindo em algum lugar depois de ter andado muito.

“Está tudo bem” Dorian repetiu para si mesmo em pensamentos. Precisava estar!

Mas algo em seu interior o avisou que não estava.