Where flowers grow wild escrita por Marie


Capítulo 15
Capítulo 15 - In vino veritas




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A insônia tinha se tornado uma coisa comum para Dorian. Por alguma razão não conseguia tirar todos os acontecimentos do dia anterior da mente, e nos poucos momentos em que conseguiu dormir, se via em meio a sonhos tumultuados, ora violentos, ora libidinosos, mas todos estrelando a mesma pessoa: uma certa dama de olhos azuis, cuja mera lembrança do toque faziam seu corpo inteiro estremecer exigente. Seria o restante da pele dela tão quente quanto as pontas dos dedos lhe tinham parecido? E que tipo de pensamento era aquele que estava tendo? O conde mudou de posição na cama, incomodado, deparando-se com vasto espaço vazio ao seu lado.

Não conseguia se lembrar quando tinha sido exatamente a última vez em que estivera deitado com uma companhia, e esse fato o surpreendeu profundamente. Em Londres, antes de toda a bagunça que sua vida tinha se tornado, sempre havia alguém em sua cama nem que fosse apenas por uma noite e para ele aquilo era mais que suficiente. Deixou que a memória vagasse por cada rosto e corpo bonito ao qual já havia provado, no entanto aquela tarefa começou a lhe parecer extremamente difícil, pois todos os traços quereriam convergir e se confundir num mesmo lugar, nos mesmos olhos azuis, na mesma pele rosada, nos mesmos cabelos escuros...

—Já chega— o conde falou para si mesmo, tratando de se por de pé. Precisava sair e caminhar um pouco. O ar fresco lhe faria pôr as ideias de volta no lugar.

Logo depois de devidamente vestido, seguiu pelos corredores da mansão sem um rumo exato até ser detido pelo som do piano tocando. Já fazia um tempo enorme que não se ouvia aquele som na casa. A porta da sala de música estava entreaberta e movido pela curiosidade Dorian se deixou espiar. É claro que era Nicole, sentada ao piano, de costas para porta, tocando a mesma música que estivera praticando em sua casa meses atrás no dia em que ele havia lhe pedido em casamento pela primeira vez. E pela primeira vez ele se pegou desejando que as coisas tivessem sido pelo menos um pouco diferentes. Permitiu que os olhos corressem pelos cabelos soltos dela, sua cintura estreita, pela pele exposta dos braços...

—Ela é linda, não é?— Mary falou ao lado dele, assustando-o.

—Sim, ela é... magnífica— ele respondeu, afastando-se da porta, corando por ter sido pego espiando pela fresta.

— E o senhor a deseja— A camareira continuou. Não era uma pergunta e Dorian a olhou de má vontade. Mary o tinha visto nascer e cuidara dele pessoalmente durante anos. A boa mulher tinha muito mais liberdade com ele do que qualquer outro empregado jamais sonhara em ter.

—Estou sozinho a tempo demais.

A empregada deu uma risadinha baixa.

_ Bem, nós sabemos que o senhor levava uma vida “agitada” em Londres. Mas acho que também sabemos que desta vez trata-se de algo completamente diferente.

—Não há diferença— Dorian retrucou. Havia só desejo, ele admitiu para si mesmo. Desejo cru e simples assim como era só o que havia em todas as outras vezes.

—É mesmo?— A empregada desafiou com um sorriso gentil no rosto— acha que poderia se deitar com qualquer outra mulher nesse momento?

—Qualquer uma— ele respondeu sem pestanejar, mas algo em seu interior se revirou com aquela resposta. A expressão de Mary se entristeceu um pouco.

— Bem, isso é uma pena— ela respondeu para ele —Agora, Milorde, se me dá licença... — Fez uma reverência e se afastou, voltando para seus afazeres.

O som do piano agora tinha mudado. Estava alegre, rápido e alto. Pelo menos foi o que pareceu ao conde, que se viu impedido de pensar com coerência. Isso tudo era loucura demais e ele precisava esvaziar a mente. Caminhando apresado até os estábulos, selou ele mesmo um cavalo e partiu.

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Já era tarde quando voltou para casa. Tinha arranjado todos os motivos do mundo para passar o máximo de tempo fora e acabou descobrindo que definitivamente havia muito o que se fazer no condado, e acabou se dedicando firmemente a todas aquelas ocupações. Seu intuito de desanuviar os pensamentos tinha sido tão bem alcançado que mal pôde acreditar quando finalmente consultou as horas. “Ela teria ficado preocupada?” ele se deixou questionar em pensamentos, mas tratou logo de espantá-los.

Sentiu-se alegre por ainda encontrar a lareira da biblioteca acessa, deixando-se cair pesadamente sobre a poltrona que ficava bem em frente a ela. Provavelmente Mary havia pedido que a deixassem para quando ele voltasse, afinal não era a primeira vez que ele chegava em casa tarde da noite.

—“Provar-te inteira, mostrar-te o delírio, deliciar-me contigo em todos os beijos do mundo”— uma voz feminina recitou atrás dele, fazendo-o levantar novamente. Só levou um segundo para identificar sua esposa, iluminada apenas pela luz das chamas, e o que era mais importante: o livro que ela tinha aberto nas mãos. Tomou-o imediatamente, sem se importar se estava sendo indelicado.

—Isso— ele explicou mostrando o pequeno exemplar de capa de tecido —definitivamente não é adequado para você.

Nicole deu um sorriso estranho.

—Verdade? E o que seria, milorde, adequado para mim?— ela perguntou com a voz levemente enrolada e deu um passo vacilante na direção dele, apenas para tropeçar e quase cair de frente para o chão.

—Cuidado!— Dorian exclamou apanhando-a antes que ela pudesse de fato cair. A proximidade foi tanta que ele pode sentir o cheiro forte e adocicado de vinho exalando até mesmo dos cabelos dela —Você bebeu?! —ele perguntou sem esconder a surpresa.

—Talvez um pouquinho...—ela respondeu, dando uma risadinha um pouco louca ao tentar se desvencilhar das mãos do marido que ainda a seguravam de seu quase tombo —Isso também não é adequado para mim?

Ela tentou se soltar e mais uma vez quase caiu com tentativa. Desta vez Dorian a puxou para si travando os braços ao redor dela. Estavam tão perto um do outro que o conde podia sentir a respiração quente e alcoólica dela em seu peito.

—Certamente não é adequado para uma condessa ficar caindo de tão bêbada!— ele a repreendeu. Já ia perguntar o que estava acontecendo quando a ouviu voltar a falar com a voz abafada.

—Não é adequado a sua meretriz? — ela voltou a perguntar e as palavras o atingiram como um soco— Não é disso que as pessoas vêm me chamando, Dorian? De Meretriz? De prostituta?

—Não repita isso!— ele ordenou, apertando-a mais em seu abraço de aço —Quem foi que falou essas coisas para você?

Ela não respondeu. Apenas aninhou-se ao peito dele e fungou baixinho. Nunca a tinha visto parecer mais frágil ou magoada e aquilo o deixou terrivelmente transtornado, pois estava sendo invadido pela plena consciência de que, o que quer que Nicole tinha escutado, a culpa era toda sua. Não precisava de resposta para ter ideia de quem poderia ter falado tais coisas para a condessa, por mais que ele não tivesse ainda certeza do como.

—Escute— ele pediu, segurando-a com um pouco mais de leveza —Você sabe muito bem que nada do que ouviu é verdade. Deveria ser a primeira a saber disso.

Ela respondeu emitindo um som completamente desconexo e Dorian viu o quão inútil estava sendo ter aquela conversa com ela naquele estado. Sem aviso nenhum a ergueu com facilidade nos braços. Ela era mais leve do que ele suspeitava, mesmo com o corpo completamente amolecido pelo excesso de vinho.

—Eu sei andar...—ela murmurou sonolenta e embriagada.

—Duvido que chegue até o meio do caminho do jeito que está— ele respondeu caminhando em direção ao quarto dela. O percurso foi rápido e logo ele a estava depositando sobre a cama cheio de cuidados. Nicole tentou se sentar novamente, mas ele a prendeu no lugar.

—Pelo amor de Deus, só fique quieta!— ele se deixou reclamar frustrado, se dando conta que sua frustração não era só com a teimosia dela, mas sim porque tudo aquilo estava acontecendo por sua causa; porque não soubera controlar os nervos. E não apenas isso: tinha percebido que havia realmente gostado de senti-la tão perto, de segurar-lhe o corpo quente e delicado junto ao seu. Sentia todos os pensamentos do começo da manhã invadindo-lhe a mente como uma avalanche, destruindo toda barreira que passara o dia construindo.

—Você é lindo— ela falou trazendo-o de volta de seus pensamentos —Sempre achei isso… mas não conte para ninguém, está bem?

Ele a olhou, sentindo um familiar comichão interno. Felizmente, ele pensou, ela estava usando um vestido leve, sem qualquer coisa que pudesse realmente machucá-la durante a noite pois duvidava muitíssimo de sua capacidade de trocá-la sem perder minimamente o controle.

—E você está caindo de bêbada— Dorian retrucou mais para si mesmo do que para ela, que finalmente relaxou frouxamente sobre a cama. Os olhos começando a bater pesados.

—Quantos beijos existem no mundo?— ela perguntou num suspiro mais adormecido que consciente —o poema daquele... livro... quantos beijos existem no mundo, Dorian...?

Ele não respondeu e apenas ficou observando-a adormecer e em seguida se mover um pouco de modo a ficar de lado. O vestido branco e sem anáguas se moldando em torno do corpo dela, dando visão de todo o seu contorno esguio. O conde inclinou-se para remover-lhe os sapatos e depois tratou de retirar alguns fios de cabelo que cobriam-lhe o rosto suave.

—Fique comigo...— ele a ouviu murmurar quando terminou de arrumar-lhe os cabelos do jeito que podia. O corpo de Dorian se incendiou, mas ele simplesmente ignorou o impulso de realmente deitar-se ao lado dela e ficar ali. Não podia fazer aquilo. Não daquela maneira. E, além disso, ainda havia uma dúvida que precisava satisfazer.

Fechando a porta do quarto, tratou de fazer o caminho oposto ao que havia feito, voltando para a biblioteca, mas sem conseguir encontrar nada de diferente a não ser por uma das suas garrafas de vinho quase vazias e uma taça quebrada. Continuou o caminho instintivamente até a sala de música e foi só ali que encontrou o que estava esperando.

Ao lado do piano jazia um elegante buquê de rosas vermelhas que certamente não estivera no cômodo pela manhã. Foi levado por isso que resolveu então aproximar-se do piano encontrando um verdadeiro caos. Espelhadas no chão, por todos os lados, havia uma infinidade de pequenas frutinhas escuras, similares a cerejas selvagens, mas cuja simples visão faziam com que os músculos de Dorian se tornassem tensos. A convivência com Victor tinha, mesmo que forçosamente, lhe garantido conhecimento de botânica o suficiente para saber que aquelas frutas de cheiro doce estavam longe de ser inofensivas como cerejas.

—Meu Deus— Dorian se deixou exclamar. Correndo até o buquê, encontrou o pequeno cartão, vulgarmente escrito a mão numa letra que com toda a certeza havia sido criada para não entregar o dono.

“À mais nova prostituta Van Dorst. Para saciar sua fome quando já tiver saciado a dele”.

Dorian soltou o cartão. Nunca tinha sentido tanto asco na vida. Se ela não gostasse tanto de plantas e não soubesse que aquelas frutas eram na realidade beladonas*, ele não a teria encontrado embriagada e sim morta. O corpo do conde tremeu com aquele pensamento. Para ele aquilo já tinha ultrapassado todos os limites. Saiu da sala, lembrando-se de trancar bem a porta, e então voltou para o escritório.

Haveria mais uma noite em claro, mas pouco estava se incomodando com isso. Resolveria aquela situação absurda, nem que fosse a última coisa que fizesse.


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Notas finais do capítulo

*beladona - (Atropa belladonna) Uma das plantas mais tóxicas do mundo. Toda a planta é venenosa, mas as bagas costumam matar com mais frequência já que além de serem parecidas com cerejas, possuem um sabor adocicado que atrai com facilidade.

*In vino veritas - Expressão em latim que significa "No vinho está a verdade". Com isso os antigos romanos queriam dizer que a embriaguez soltava a língua e fazia a verdade vir à tona.


Então gentee! Espero que tenham gostado do capítulo! Aproveito também para agradecer a todos que estão me acompanhando, deixando seu comentário, falando comigo por MP, favoritando... enfim! Muito obrigada mesmo por tudo isso. Vocês não tem ideia de como isso me deixa feliz



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