Pareceu a Nicole que depois do beijo roubado no jardim todos os acontecimentos que se seguiram foram passados em tons de cinza e tão depressa que se tornaram borrões. Dorian partira para Kenwood no mesmo dia a fim de fazer os preparativos para que a propriedade estivesse pronta para receber sua nova senhora e ela mesma foi tão atacada por tarefas e preparativos que mal tivera tempo de pensar ou fazer qualquer outra coisa.

Logo os dois meses combinados se passaram e quando deu por si, já estava diante de um altar, numa cerimonia simples e para poucas pessoas, sendo beijada pela segunda vez na vida. Desta vez não houve um abraço firme ou respirações descompassadas, somente frieza e distância, mas foi o suficiente para tirá-la daquela sensação de entorpecência que havia se apoderado dela nas últimas semanas.Mas mesmo estando mais alerta, sentiu que a recepção foi tão animadora quanto a cerimonia.

Os noivos, embora ao lado um do outro praticamente o tempo todo, não trocaram mais que poucas palavras, Henry Dashwood num misto bipolar de tristeza e felicidade, Lady Margarete deixando bem claro o seu descontentamento com tudo aquilo e alguns amigos de ambos os noivos. A única pessoa que parecia absolutamente contente na festa era Gabriele, que lembrava a irmã o tempo todo de como ela tinha adorado seu vestido de noiva todo bordado e cheio de pequenas pérolas, sem sequer desconfiar que para Nicole aquela roupa tinha o mesmo peso que uma mortalha.

No entanto, para a obvia satisfação da noiva, a festa também chegou ao fim mais depressa do que ela supunha e em pouco tempo estava sendo ajudada a se vestir novamente para a viagem que faria até seu novo lar. Deu graças aos céus quando finalmente se viu sozinha na salinha que estavam usando para arrumá-la, ficando tão contente com o silêncio e a paz, negados a ela desde seu noivado, que quase teve vontade de gritar quando a porta se abriu novamente, revelando uma senhora ricamente vestida e que certamente não estivera lá antes na comemoração ou na igreja.

—Eu posso ajudar a senhora em alguma coisa?— Nicole perguntou finalmente depois de muitos minutos em silêncio no qual as duas ficaram olhando uma para a outra.

—Acho muito improvável que você possa me ajudar no quer que seja— a senhora respondeu com um sorriso desdenhoso— eu só queria olhar bem para você.

Nicole ficou parada olhando para aquele sorriso marcado pelas linhas de expressão próprias da idade. Os cabelos grisalhos estavam presos num penteado elegante e cobertos por um chapéu de festa que combinava perfeitamente com seu vestido luxuoso. Só de olhar era fácil deduzir o quão rica era aquela mulher.

— E eu a conheço?

—Também acho muito improvável que você me conheça. Sou Lady Agatha Crawley, duquesa de Colinsmoor.

Nicole arregalou um pouco os olhos com a surpresa. Com certeza não tinha sido avisada que uma duquesa viria ao seu casamento.

—É um prazer conhece-la, Vossa Graça— Nicole cumprimentou, fazendo uma reverência. A mulher continuava rígida e de queixo erguido enquanto observava com desgosto o cumprimento.— Eu sou...

—Sei quem você é— a duquesa cortou— Toda a corte só falou em você nos últimos meses. A gata borralheira da vida real. A talzinha que casaria com Lorde Dorian. Eu mesma não acreditei quando fui informada dessa história absurda.

A mulher andou um pouco de um lado para o outro como se ainda estivesse custando a acreditar no que estava vendo.

—Aposto que você o seduziu, não foi?

—Se eu o tivesse feito certamente não admitiria— respondeu Nicole sentindo-se irritada com as maneiras desdenhosas daquela desconhecida.

—Que direito você acha que tem de aplicar um golpe como este? Não tem mesmo nenhum pingo de vergonha? — a velha a repreendeu deixando sua raiva transparecer por toda aquela camada de elegância. Nicole já não estava entendendo nada.

—Você precisava comunicar ao mundo inteiro que agiu como uma qualquer e se perdeu antes do casamento, não? Tinha que obriga-lo a casar com você, não é mesmo?— acusou Lady Agatha— Não sei porque estou tão surpresa. Isso é mesmo típico de alguém de sua laia, não importa quanto dinheiro tenha. Aposto meus anéis que você sequer era virgem antes de se deitar com Dorian.

Para Nicole aquilo já bastava.

—A senhora está me ofendendo! Sugiro que se retire de minha casa imediatamente!

—Você ofende a si mesma! Uma desavergonhada que espalha boatos repugnantes para subir de posição! E nem me venha com essa história de que não foi você. Quem mais teria tanto interesse? — a outra questionou erguendo seu queixo aristocrático em desafio— era a minha neta a quem ele devia esse casamento! Mas ao contrario de você, Edith escondeu a vergonha que ele lhe fez até agora. Ela só confessou a mim quando soube desse disparate que é esse seu casamento.

—Está me dizendo que Dorian desonrou sua neta?— Nicole questionou se sentindo um pouco tonta— Eu não fazia ideia que...

—Não se faça de idiota! Acha mesmo que você é a primeira? Nem a primeira, nem a última, posso lhe garantir. Você só foi a primeira a se expor como uma pequena meretriz! Mas não faz mal. Ele não merecia Edith de qualquer forma, mas já a você... Vocês formam mesmo o casal ideal!— o sorriso enrugado da mulher se curvou num desenho cruel— O conde libertino e a condessa prostituta!

As palavras atingiram a noiva como uma tapa. Nunca tinha sido tão ofendida e humilhada na vida. Tanto que sequer foi capaz de responder antes da duquesa sair da salinha. A palavra “prostituta” não parava de ressoar em seus ouvidos, deixando-a tão aturdida que sequer percebeu quando começou a derramar pequenas lágrimas inconscientes até que elas começassem a esfriar e salgar sua pele. Aquele casamento era um erro. Um erro enorme e impossível de concertar.

Nesse instante a porta se abriu novamente. Antes mesmo que Nicole pudesse limpar as lágrimas um rapaz bonito e loiro entrou na sala e ela virou-se de costas rapidamente, mesmo tento a certeza de que já tinha sido flagrada.

—Que tola...Nem sequer parti e já estou com saudades de casa— ela murmurou a única desculpa que podia pensar. Não era normal uma noiva ser vista chorando no dia que supostamente deveria ser o mais feliz de sua vida.

—Perdoe-me, senhora— o rapaz loiro falou parecendo um pouco sem jeito— estou aqui apenas para saber se já está pronta para partir.

—Estou sim— ela respondeu virando-se para ele, forçando um sorriso e só então reparando em quem era. Aquela aparência harmoniosa e suave era difícil de esquecer e terrivelmente fácil de admirar. Um contraste marcante se comparado a de seu novo marido, mas tão atraente quanto, e por isso deixou que seu olhar caísse sobre o jovem.

Não foi sem inquietação, no entanto, que ela notou que o rapaz também parecia estar admirando-a, acompanhando desde a barra do vestido até seu rosto onde seus olhares finalmente puderam se encontrar. Estranhamente havia a mesma melancolia em ambos e ele foi o primeiro a fugir dela, desviando os olhos para o chão, fazendo uma reverência e se virando para sair, mas parando ainda um pouco na porta.

—Queria que soubesse que eu sinto muito— ele disse antes de sair.

“Eu também sinto” ela queria dizer, mas não pôde.