O Doador de Sonhos escrita por Emanuel Hallef


Capítulo 10
Ato X - Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você.


Notas iniciais do capítulo

Eu tinha postado uma nota falando que ia excluir meu perfil por conta de uma confusão que rolou me envolvendo, porém, meus amados leitores com seus comentários me fizeram continuar. Eu amo vocês e sei que Anne e Tom também. Continuo não somente por causa de mim, mas por causa deles, dos meus amados personagens... Vamos lá? Lembrando que quem quiser conhecer mais meu outro mundo paralelo acesse: emanuelhallef.wordpress.com

Leia o capítulo ouvindo: The Scientist - Cold Play https://www.youtube.com/watch?v=RB-RcX5DS5A



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Peter olhava para os dois admirado. Alguma coisa em seu rosto entregava uma atônita surpresa e falta de entendimento. Anne, compartilhando da mesma impressão, não conseguia compreender o que estava acontecendo. Primeiro: Peter era apenas um mágico feito de poeira, madeira e escuridão. Assim como as crianças que aplaudiam seu show. Como poderia estar olhando-a com essas expressões normais? Como se nada tivesse acontecido. Como se ele continuasse sendo aquele mágico que cumprimentou o Tom criança e o salvou dos monstros quando o sino badalou? Segundo — Anne voltou a olhar para Tom — havia o beijado. Não fora uma atitude que partiu do seu coração. Não fora uma decisão tomada por ela mesma, mas, talvez, por alguém que vivesse em seu interior e ditasse as regras no seu lugar.

A menina se levantou, a cabeça tonta, os olhos cansados, a barriga embrulhada, tentou colocar as ideias em ordem: quando Tom a beijara, quando ela própria segurou o rosto do rapaz, apertando-o contra seu peito, não poderia ter partido de uma decisão pensada e planejada. Na realidade, todo o ambiente daquele universo em preto e branco forçava-a sempre a fazer exatamente aquilo que não queria. Em determinados momentos, claro.

Anne mordera os lábios, a princípio cheia de raiva porque ainda não sabia com que pensamento vestir aquela sensação violenta — que parecia um grito, que lhe subia do peito até entontecer a cabeça. Olhou para Tom sem realmente vê-lo, os olhos nublados, o corpo sofredor. Precisava se despedir. Afastou-se bruscamente e foi embora, correndo, em direção a saída do anjo sem se voltar para trás, sem saudade...

Mas parou.

Parou por medo. Parou porque não queria partir, de fato. Estava sendo enganada por um sentimento de medo — não era medo de estar naquele lugar esquisito, não era medo por estar diante de um homem ferido, acorrentado e desconhecido, mas medo de alguma coisa que ela não podia descrever.

Ela o amava? Não, não o amava. Mas sentia um desejo além dela própria dominando-a e forçando-a a ajudá-lo, de todos os meios que pudesse.

Anne olhou, agora, ao parar, diretamente para Peter.

— Aqui está sua varinha — e retirou o bastão de dentro do bolso, apontando-o para Peter, que apenas ergueu sua mão esquerda, fazendo a varinha voar com muita velocidade em sua direção, onde apanhou-a.

Girou-a e apontou diretamente para as correntes — “Estontium” — o mágico ordenou com tanta autoridade e ousadia que Anne foi forçada a levar a mão a boca, surpresa e atarantada. Da ponta da varinha de condão imergiu um raio branco e quase transparente, que pareceu, de início, flutuar pelo ar, mas, segundos depois, após Peter puxar a varinha para trás (como se fosse uma corda e estivesse puxando alguma coisa pesada), fazendo um círculo no ar, acelerou e agora ia em direção às correntes que prendiam os braços de Tom. Houve uma grande explosão e Anne escondeu o rosto com as duas mãos, enquanto Peter esperava esperançoso, olhando diretamente para o rapaz.

Anne, devagar, começou a liberar sua visão e ampliá-la para além do nevoeiro que a explosão tinha formado, e se surpreendeu com o que viu — Não era para ele estar livre, Peter?

O mágico deu alguns passos, erguendo a sobrancelha esquerda, a voz fanhosa e quase inaudível — Era o esperado... Mas... — foi então que o mágico entendeu tudo que estava acontecendo. Suas expressões desenharam um sorriso de sarcasmo — Ele não quer ser salvo. Minha mágica só funciona mediante os desejos do coração da pessoa. É um filho de uma mãe, mesmo!

— Acredito que o seu queira, não? — perguntou Anne, esperando que o mágico respondesse respectivamente aquilo que imaginava. A menina não acreditava que Peter fosse uma má pessoa, ao contrário, via sinceridade e indulgência em seu semblante.

— Claro que sim. Mas isso não depende só de mim. Não posso tomar atitudes por ele, Anne, sinto muito — respondeu o mágico com voz tonitruante. Um instante depois percebeu que a garota, ao receber a resposta, ficou satisfeita com sua sinceridade e, concomitantemente, preocupada por não ter meios de ajudar o homem acorrentado. Peter receava que ela não acreditasse em suas palavras, afinal, mal o conhecia...

Tom não olhava para ninguém. Não porque queria, mas porque era forçado. Algo dentro de si dizia, como se fosse um disco arranhado, que ele não devia expressar qualquer tipo de sentimento ou emoção. Que tinha que ser assim. Que isso era o certo a se fazer. Sabia das consequências que viriam depois, caso libertasse suas emoções. O fogo, o fogo voltaria... Ele se lembraria do seu pai, da morte da sua mãe e isso o faria sentir dores maiores que...

“Não posso, meu Deus, não posso...”, sussurrava para si mesmo, terminantemente e em forma de sussurro. Novamente, no meio do raciocínio inútil, veio-lhe um cansaço, um sentimento de queda. E ele ouviu o sino badalar...

O fogo se acendeu, outra vez, e o dominou com muita facilidade. Não gritou. Apenas abaixou a cabeça... Já estava acostumado com as queimaduras.

— São os Oscuros, estão voltando... — disse Peter, baixando a varinha.

— O que são essas coisas? — a menina perguntou olhando em direção a Tom, que era dominado pelas chamas lentamente. A menina sentiu vontade de sair correndo e abraçá-lo, mas fora impedida por Peter, que acabara de segurar sua mão com muita firmeza. Ela o olhou, sem entender.

— Precisamos sair daqui... — e, com a mão da menina firme a dele, começou a caminhar em direção ao anjo, mas não conseguiriam se aproximar.

Um escudo invisível os repeliu, fazendo-os cair com a cara no chão. Segundos depois, Peter ergueu a cabeça e nunca suas interrogações foram tão inquietas à procura de repostas — porque ele não gostou do que viu.

Uma figura coberta por neblina surgiu de dentro do chão arenoso. Tinha o corpo humanoide (assim o mágico deduziu), seu rosto estava coberto com uma máscara de um gato, sua medonha cara ofídica descorada e gorda, seus olhos acinzentados de pupilas verticais encarando-o — eram feitas de esmeraldas e refletiam uma luz alucina, que iluminou parte da caverna, forçando Anne a repelir seu olhar para outro lugar. Seu corpo tinha a mesma estrutura das crianças: era feito de fumaça, osso e diamante.

A figura ergueu um pedaço de pau ruído e ergueu-o para o céu. Em seguida, fechou os grandes olhos em forma de adereço e focou seus ouvidos para ouvir apenas a respiração de Anne, que se escoava vagaroso e turvo como um rio barrento. Sentiu-se saciada, e, com presteza, ergueu novamente a varinha de condão e agitou-a no ar, criando um círculo feito da neblina que a rodeava e quase cobria os detalhes do seu corpo assustador.

Peter, com os olhos abertos em fúria, ficou de costas para seu oponente e segurou as duas mãos de Anne — Precisa confiar em mim! — disse e, ao mesmo tempo, jogou a menina para o lado e com um aceno de varinha, as raízes de uma planta Avicena que desenhavam padrões labirínticos na parede da caverna, ganharam vida e se enroscaram em Anne, formando um casulo de madeira oca. Peter balançou novamente sua varinha e o alvéolo flutuou e se recompôs, prendendo-se à parede como se estivesse sendo suspendido por teias de aranha.

A figura observava aquilo quieta, em silêncio, como se nada pudesse impedi-la de prosseguir com qualquer que fosse seu plano. Não demorou muito para a coisa relaxar as expressões felinas do rosto. O diamante em seus olhos brilhou e ela ergueu, outra vez, sua varinha descascada. A força do feito que dela emanou fora tal que Anne, embora escudada pelo casulo de raízes, sentiu os cabelos esvoaçarem e ficarem em pé, enquanto o raio avermelhado cortava o ar e farfalhava como se vários livros estivessem sendo folheados ao mesmo tempo. Peter, ao ver o poder se aproximando, não pensou duas vezes e ergueu sua simples varinha de condão, com a cabeça abaixada formou um círculo ao redor dele, constituindo um escudo de prata, que dissolveu o feitiço, como se não passasse de um punhado de areia. A mágica, qualquer que fosse, não causou nenhum dano visível ao escudo, embora produzisse uma nota grave como a de um gongo — um som estranhamente enregelante.

— Desviou muito bem... — disse a coisa, sua voz era sombria, secreta e em forma de melodia. Anne poderia jurar que não ouvira, tecnicamente, uma voz, mas uma nota de um piano.

— Você não está procurando me matar — respondeu Peter, seus olhos apertados e visíveis por cima do escudo.

E, inesperadamente, Aurélio saiu de detrás da figura. Não era o mesmo velho que Anne estava habituado a conhecer. Este usava um macacão de jardineiro sob o tom de risca-de-giz e carregava consigo um machado sujo de sangue. Na realidade, toda a roupa do homem estava salpicada por sangue. No bolso do macacão, Anne podia jurar que viu parte de uma cabeça. No rosto o velho carregava uma expressão de atarantada perturbação — Tom não se deixe levar por esses sentimentos mentirosos que estão fluindo em você — a voz do velho parecia morta e sem som, mais um silvo, que o vento levou e o fez se chocar diretamente na face de Tom, que desviara o olhar para o lado — OLHE PARA MIM! — gritou Aurélio — Olhe para mim, seu covarde! Foi culpa sua... Estou morto por sua culpa, Tom. Eu não mandei segurar o ferro? Por que soltou?

Anne se virou totalmente para Tom e soltou um gritinho, pois acabara de ver o pai do menino saindo de um buraco, que fora formado por conta do feitiço que ricocheteou. Metade do seu rosto estava deformado e Anne via claramente os músculos trabalharem para esboçar o sorriso que o homem bosquejou. Seu braço esquerdo estava sendo sustentado por um minúsculo fio de carne, que se desse uma pequena ventania se soltaria e cairia no chão. Não tinha mais cabelos e nem mais couro cabeludo...

Não era um humano. Era um cadáver.

— Também morri por sua causa. Percebe, Tom, que tudo acontece por sua culpa? OLHE PARA MIM QUANDO EU ESTIVER FALANDO COM VOCÊ! — o homem gritou e um jato de sangue saiu da sua boca, deslizando lentamente pelo seu queixo e sujando o chão da caverna.

Tom também não olhava para o pai, nem para Anne, nem para Peter e muito menos para Aurélio. Sua respiração estava ofegante, da sua boca saia um líquido roxo avermelhado, sujando seu busto e fazendo-o revirar os olhos.

— O que está acontecendo, Peter? — perguntou Anne, a testa franzida, o olhar carregado de pena.

— São as memórias de Tom. Acredito que... não sei, Anne, sinceramente não sei como isso está acontecendo — respondeu o mágico, surpreso por não saber a resposta, olhando para os lados, como se esperasse alguém aparecer e lhe dizer o por quê... Sempre foi acostumado a ter uma pessoa que tirasse suas dúvidas quando precisasse. Agora estava sozinho.

A figura continuava parada. Olhava espontaneamente para Anne. E algo em suas expressões e pelo modo como balançou o braço, deduzia-se que a coisa ia voltar a usar sua varinha. Anne percebeu o movimento e se enroscou, colocando sua cabeça entre as pernas, sentindo-se apavorada e questionando o quanto aquele escudo poderia ser forte, se poderia sustentar um novo golpe. Queria ajudar, de qualquer forma que fosse, mas não podia. Claro que não podia. Era apenas uma humana qualquer, cheia de dúvidas na cabeça.

Um jato de luz verde voou da varinha da coisa e se chocou contra o escudo de prata produzido por Peter. Continuou, insistindo, sem cessar, e Anne confiava que talvez o escudo ricocheteasse aquele golpe, assim como fez com o último, mas, ao invés disso, faíscas eram lançadas e sujavam o chão. O escudo estava sendo desfeito.

Mas, antes de ver sua proteção destruída, antes que os últimos pedaços do seu fabuloso escudo caíssem e batessem no chão, Peter recuara a varinha e a vibrava como se brandisse um chicote. De sua ponta saiu um lume longo e fino que se enrolou na figura, com máscara, Aurélio e tudo. Segundos depois, as chamas que eram produzidas pelo chicote começaram a criar vida. Cada faísca se reconstituía e formava a imagem de uma fênix. Com as asas abertas, o animal abraçou a figura negra e Anne viu suas penas dissolvendo-se no ar. Por um momento pareceu que Peter havia vencido, mas a figura abriu os braços e de dentro do seu coração saíram vários fios negros, grossos e sebentos, que enroscaram a fênix com brutalidade, sufocando-a. Durante alguns segundos, o animal continuou visível apenas como um contorno turvo, claro e sem penas, tremeluzente e difuso, tentando se livrar das cordas que a dominavam com agressividade. Então as chamas se romperam, a fênix se desfez e tombou no chão, imensa, enrugada e incapaz de voar. No mesmo instante, a figura movimentou sua varinha em um movimento curto e rápido — a fênix, que estava renascendo crocitando e debilmente no chão, se desmaterializou-se e formou um Mamute imenso e descomunal, que rugiu furiosamente e começara a correr em direção ao mágico, que não deixou o animal se aproximar mais do que dez centímetros, levantando os dois braços como se fosse abraçar alguém (imitando o gesto do seu oponente). Fechou os olhos e gritou: “Spetacullo”! e um furacão de areia, vidro e cristal se formou ao redor dele, criando um novo escudo, muito mais forte que o primeiro, onde o animal pré-histórico se chocou e se desfez.

— Não continue com essa briga, Peter — disse Aurélio, de repente, girando o machado em círculos — Não machuque sua mãe...


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Notas finais do capítulo

Meu mundo paralelo, acesse: emanuelhallef.wordpress.com

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