O Doador de Sonhos escrita por Emanuel Hallef


Capítulo 1
Ato I - Estava vazia como a distância de um minuto a outro no círculo do relógio ATUALIZADO


Notas iniciais do capítulo

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“Volte a me assombrar...

(Uma longa pausa)

Vamos, estou esperando —

Esperando com ansiedade pelo momento em que, finalmente, o verei outra vez diante de mim.

Quero que todo esse pesadelo se torne em algo que eu possa apalpar”

Seus pés estavam em chão firme — não caia mais no vácuo. Seus joelhos se dobraram ligeiramente e o vento espalhou seus cabelos, embaraçando-os e os jogando em cima dos seus olhos avelã-âmbar (alguns fios se impregnaram aos seus lábios, fazendo-a cuspir).

Anne olhou ao seu redor e constatou que não estava mais naquele quarto escuro, fechado e sem janelas ou portas. Sentia a água da maré limpar seus pés sujos e afogá-los, para, quando ser sugado de volta ao oceano, deixar algas cor de petróleo sobre eles. Era confortante sentir aquele friozinho no calcanhar, fazia-a ter a certeza que continuava viva.

Deu dois passos À frente e, inesperadamente, sua boca secou, seus olhos começaram a formigar e sua cabeça parecia que estava sendo bombardeada por abelhas, pelo barulho de suas asas batendo, batendo... A força que a sustentava de pé desapareceu e ela caiu com um baque metalino na areia fofa e molhada.

Alguns minutos depois, retornou a si. Continuava tonta, sem saber o que dizer ou o que pensar. Deitada, ela levantou sua cabeça lentamente e viu uma velha cabana a alguns metros de onde estava. Curiosa e sedenta por ajuda, a pobre menina recolheu de lá do fundo as últimas forças que lhe restaram e começou a se levantar, com a mão esquerda sobre o joelho, cambaleou e, depois de muito esforço, sustentou-se de pé.

Passo a passo ia se aproximando da cabana, olhando-a fixamente, tentando não desviar seu olhar para os lados, por mais que sentisse um forte desejo forçando-a. Aos poucos ia percebendo que os vultos que via não eram da floresta, mas de estátuas feitas de cera e galhos de árvore, que enfeitavam aquele curto caminho tortuoso.

O que parecia ser os três macacos sábios, que personificavam o princípio proverbial: “Não veja nenhum mal, não ouça nenhum mal, não fale nenhum mal”, humanos sem olhos destacavam-se de tal modo que Anne precisou parar. No lugar de Mizaru, o macaco que cobria os olhos, uma moça, que parecia ser muito jovem, com a mão erguida e um pano forrando-lhe os olhos, erguia sua mão esquerda como se procurasse ajuda — talvez do céu, pois apontava para lá. Ao invés de Kikazaru, o macaco que cobria suas orelhas, um homem, que parecia ser muito velho, pressionava sua barriga com as duas mãos, agachado, como se tivesse sentindo uma dor muito forte. Não tinha ouvidos, apenas uma cartilagem que era balançada pela força do vento. E, finalmente, no lugar de Iwazaru, o macaco que cobria a boca, uma criança de aproximadamente quatro anos, estava com os braços suspensos em forma de cruz, com uma lã ocupando o espaço vazio da sua boca.

Mas, por incrível que parecesse, não foi, somente, esse “pequeno” detalhe que chamou mais a atenção de Anne. No início, antes de desmaiar, a garota estava sob um céu de verão vivo e azul como miosótis, mas, agora, uma abóbada celeste que descortinava o panorama do ambiente inteiro reinava em todos os ângulos, escurecendo a atmosfera e deixando-a fria. A menina achava que tivesse anoitecido, mas não via estrelas brilharem no céu, muito menos uma lua.

“Você é a razão para que tudo isso exista...”, era o verso que, agora, viajava pelo cérebro de Anne e tirava sua atenção da campina e das estátuas. Lembrava-se, de modo indefinido, de um homem (encapuzado com grandes vestes negras. E no rosto, uma máscara) sussurrando-lhe tal frase no pé do seu ouvido. Essa figura desconhecida e horripilante ocupava sua mente dia após dia, noite após noite, desde a primeira vez que Anne esteve aqui, neste lugar.

Um... Dois... Três...

Desviou seu olhar do céu e se voltou para o mar, que continuava se agitando e se chocando contras as rochas retangulares do declive. Ao se aproximar o suficiente, se abaixou, ficando de cócoras. Com o dedo indicador, começou a fazer círculos na água, ao mesmo tempo em que prendia sua respiração em intervalos curtos e outros longos, sussurrando sozinha sempre a mesma coisa:

Um... Dois... Três...

Sentia-se boba. Por que estava perdendo seu tempo fazendo círculos na água? Precisava se levantar, se recompor, ir atrás de ajuda, encontrar meios de sair daquele lugar sinistro e frio. Mas não conseguia. Seus braços se moviam automaticamente...

E, neste momento, dentro do seu coração, tudo era diferente: os sentimentos, as emoções, suas perspectivas, principalmente. Como se...

Um... Dois... Três...

Parecia se fascinar com o barulho da água se movimentando. Ainda não tinha se cansado de mover o dedo, ou de simplesmente existir ali, naquele lugar. Mas sentia a tristeza cobri-la como a sombra de um manto, deixando-a fresca e silenciosa como um entardecer. Ela estava esperando alguém? Esperava um fim?

Não...

Ela era em si, o próprio fim.

Respirou fundo e se levantou, finalmente, de súbito. Começou a retirar suas roupas, começando pelo seu casaco de lã. Atirou-a ao mar e, depois, terminou de tirar o restante das roupas. Estava nua. Não estava com vergonha, ao contrário, estava confiante e plenamente consciente — ou achava que estava. Colocou a perna direita (ainda sussurrando sozinha e sentindo o frio devorando-a e proporcionando-a uma dor física), em seguida, depois de olhar para trás, colocou à esquerda.

Com um grande e longo suspiro, mergulhou nas profundezas escuras daquelas águas traiçoeiras.

Lá, com os olhos abertos, começou a murmurar uma música:

“Preciso, desesperadamente, muito mais do que saciar a sede que

Queima em minha garganta, encontra-lo e olhar dentro dos seus olhos.

Mergulhar no mais profundo oceano e abraçá-lo.

Não quero mais retornar a superfície.

Quero me afogar, quero que as águas espremam meu pulmão

Até que não sobre mais nada.

Até que tudo se acaba.

E, caso acabe, que seja por causa dela”.

Ficou flutuando assim, quieta, em silêncio, afundando cada vez mais. Os olhos abertos, a boca delineada em um sorriso, desta forma esperou que a morte viesse buscá-la como uma amiga bem-vinda.

Mas a garota não sabia o quão quente poderia ser o abraço da morte.

Tudo foi muito rápido. Em uma hora, Anne estava quase tocando o fundo daquelas águas, no outro, encontrava-se deitada em cima da areia molhada...


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Notas finais do capítulo

Meu mundo paralelo, acesse: emanuelhallef.wordpress.com