Tempo Traiçoeiro escrita por Loren, Sil


Capítulo 2
Capítulo Um


Notas iniciais do capítulo

N/A Loren: Esperamos que gostem ^^'



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*

Era uma madrugada quente, apesar do vento fraco que adentrava pelas janelas.

Valentina odiava ter insônias, mas odiava ainda mais ficar entediada quando as tinha. Quando sentiu a garganta secar, decidiu ir até a cozinha tomar uma bebida e, quem sabe, conversar com alguma criada que estivesse por lá. Apesar que viver naquele enorme castelo há alguns anos, ela dificilmente encontrava o caminho certo para algum cômodo. Tinha um péssimo senso de direção que piorava durante a noite, quando os corredores estavam escuros.

Parou de frente à uma porta de carvalho ao ouvir vozes e resolveu ficar e escutar a conversa, como boa curiosa que era.

Pedro e Susana, pensou.

—Susana, Valentina é uma criança! Como pode sugerir algo assim?

Estão falando de mim? Eu não sou nenhuma criança!

—Pedro, você precisa de uma rainha, o Conselho está te cobrando!

—Deixe que cobrem! Não me casarei tão cedo, e se casar, certamente não será com ela. Posso escolher qualquer outra nobre.

—Ela é a mais apta ao cargo e sabe disso. E não ouse colocar uma de suas concubinas no trono. É inaceitável!

Apta?, Pedro pensou, Susana certamente enlouqueceu, Valentina mal consegue cumprir com suas obrigações como princesa.

—Susana, estou sem paciência para seus delírios noturnos. Volte para seus aposentos, vamos.

À esta altura, Valentina já se dava conta de que o que nutrira por Pedro nesses dois anos, era mais que uma bela ilusão, talvez um sentimento platônico, afinal. Mas sentiu dor. Dor ao ouvir e perceber o tom de desgosto no loiro quando negava uma rainha como ela. Uma dor diferente; dor no coração. Sempre acreditara que as desilusões amorosas não deveriam ser assim tão ruins quanto as pessoas diziam.

Até aquele momento.

—Ao menos pense sobre isso.

—Não há nada a ser pensado! Ela nem deveria estar aqui, a profecia dizia "dois filhos de Adão e duas filhas de Eva". É uma intrusa. E ainda por cima pensa que é da família.

—Um dia você pagará com a boca toda essa arrogância.

Ao ouvir passos na direção da porta, a princesa correu o máximo que pôde até a cozinha. Ela serviu-se de água e suspirou.

O certo seria ter uma jarra de água à sua disposição no quarto, mas ela gostava de fazer caminhadas pelo castelo. Fazia com que sua mente se esvaziasse e o corpo relaxasse. A ironia era que, naquele momento, sentia-se cansada. Por que será?, ela pensou sarcástica consigo mesma. Certo que ela ainda nutria aquela atração pelo loiro desde muito antes da coroação, mas considerava que fosse uma atração. Nada mais. Mas por que dói tanto?

Sentou-se e cutucou o vidro com as unhas repetidas vezes. Só então ela percebeu que aquela “atração” não era apenas isso. Era muito mais. Ela tapou a boca para evitar os soluços, mas os ombros balançaram de forma nervosa quando algumas lágrimas rolaram. Não sabia o que era pior. Descobrir que gostava de um menino há anos e que jamais seria correspondida por ele, ou ter sido humilhada pelo mesmo para Susana ou que ela era tão pouca coisa a ponto de ser a última opção para o Grande Rei.

Sentia um aperto no peito, que parecia capaz de lhe provocar pontadas e a face tornar-se quente com as lágrimas escorregando.

—-Alteza?

Ela limpou o rosto apressadamente e quando tentou se levantar, bateu na mesa e o copo caiu.

—-Ai meu Aslam! Me desculpe, Jane!- disse e colocou o copo em pé novamente.

—-Tudo bem, minha senhora. Tudo bem.- acalmou e aproximou-se da mesa com um pano.- Me desculpe a pergunta, mas era impressão minha ou a senhorita estava chorando?

Ela sentiu as faces corarem.

—-Eu...

—-A senhorita está bem?- perguntou depois de secar a mesa.

Antes que pudesse responder, passos se aproximaram e a sombra que projetava-se na parede da cozinha, tomou forma concreta de um homem alto, com cabelos loiros e olhos azuis gélidos. E pensar que já foram mais vivos, ela pensou percebendo com noção total o quanto ele havia mudado.

—-Boa noite.- ele cumprimentou cada uma e voltou-se para a empregada.- Jane, minha jarra não está no meu quarto.

—-Ah sim, senhor.- rapidamente pegou uma e a encheu de água.- Peço perdão, senhor. Provavelmente, Lauren esqueceu-se...

—-Que não se repita.- ordenou com uma voz grossa, sem nem mesmo olhá-la no rosto e virou-se para ir embora.

Valentina apertou os lábios, vendo ele ir sem se despedir. Abaixou a cabeça e fechou os punhos, sentindo raiva e tristeza misturar-se dentro de si.

—-Como eu pude ser tão burra?- murmurou baixinho.

—-Alteza...- ergueu o olhar e encontrou o de Jane, preocupada.- Tem certeza que está bem?

—-Claro. Obrigada, Jane. Foi só falta de sono. Vá dormir também. Boa noite.- respondeu de forma calma, mas apressou-se para sair da cozinha.

Quando já estava no quarto, deixou que as lágrimas caíssem sem restrição e arfou com a dor que sentia. Por anos havia se iludido, achando que fosse algo passageiro, normal e banal. E naquela noite descobriu que era muito mais. E, infelizmente, sentia que esse “muito” não iria longe. Não conseguia esquecer-se das palavras de Pedro. A cada lembrar que cometia, uma lágrima.

—-Maldita sede.- xingou, preferindo ter continuado na ignorância, sem saber a profundidade do que sentia.

*

Estavam todos reunidos para o desjejum, um clima pesado pairava entre Susana e Pedro, para o total desentendimento de Edmundo, que estava absorto em pensamentos a respeito de estratégias diplomáticas e Lúcia, que observava os dois mais velhos numa tentativa falha de descobrir o porquê das caras emburradas. As portas principais foram abertas pelos guardas, tomando a atenção de todos. Lá estava ela, afinal. Lúcia já estava começando a estranhar, já que a princesa era sempre tão pontual.

Valentina estava definitivamente num dos piores dias de sua vida, fora acordada por suas criadas que a comunicaram do atraso, mas não estava com a mínima vontade de se levantar, se sentia doente, sem ânimo. Apesar dos sintomas, teria de comparecer ao café porque, como dissera Pedro, certa vez, fazia parte de "suas obrigações como princesa".

Não cumprimentou ninguém, mal tocou na comida. O que houve com minha amiga? Lúcia indagou, em pensamento. Valentina mal havia chegado quando o Grande rei de súbito se levantou, atraindo a atenção de todos, inclusive da morena, que até então se mostrara tão distraída.

—Ed, temos que ir.

—Mas já? Eu nem terminei de comer. -Protestou.

Susana observava o irmão com uma sobrancelha arqueada, este, ao perceber o olhar da irmã sobre si, enfim prestou atenção no estado em que a menina se encontrava, olheiras profundas, cabelos um tanto desgrenhados e olhar triste.

Pela primeira vez sentiu pena dela, sabia que ela há alguns anos, nutrira uma paixão passageira por ele, mas agora se perguntava, teria sido realmente algo passageiro? Pedro chegou a conclusão de que a menina ouvira sua conversa com Susana na noite anterior, o que explicaria sua presença àquela hora na cozinha e as olheiras. Se virou para ir embora atordoado, teria sido ele o motivo de sua tristeza? Se odiaria por tê-la magoado, era apenas uma garotinha e ele não era nenhum troglodita a ponto de se orgulhar por isso.

Enquanto o via se afastar, Lúcia não entendia o porquê da reação que teve. Pensou se Valentina teria feito algo para irritá-lo, mas não conseguia enxergar um motivo para tal feito.

—O que deu nele para sair assim tão depressa? -Edmundo perguntou.

Valentina decerto não suportava mais ficar naquele lugar, estava deprimida demais para isso, a comida a estava deixando enjoada. Se levantou e decidiu que queria ficar sozinha, pensar um pouco sobre o que havia acontecido nas últimas horas. Andou, quase correu, para o lugar onde lhe dava mais paz, com toda certeza o lugar mais calmo de Cair Paravel.

—Que ótimo, mais alguém vai se retirar? - Disse Ed com seu costumeiro sarcasmo, no que Susana se levantou e saiu, o deixando com uma cara de dúvida.

—Somos os únicos normais dessa família, Lú?

Lúcia não lhe deu muita atenção, estava ocupada tentando raciocinar o comportamento estranho dos três naquela manhã. Resolveu que conversaria com Valentina mais tarde, após o café. Com certeza, seu terrível estado não era em vão, conhecia a amiga há muito tempo  para saber que ela não se deixava abalar por qualquer coisa, era forte e orgulhosa demais para isso.

*

Lúcia caminhou com passos silenciosos pelos corredores.

Não tinha pressa, na realidade. Sabia onde ela estava. Era seu refúgio. Quando Lúcia pôs a mão na maçaneta, sentiu-se como uma intrusa. Mas não podia permanecer calada daquela vez. Vale sempre esteve lá quando ela precisou. Mesmo sentindo-se culpada naquele instante, sentiria-se muito mais se não falasse com a morena. Entrou na biblioteca em silêncio e olhando ao redor.

As paredes eram imensas estantes recheadas de livros que se estendiam até o teto. No centro, poltronas e sofás acolchoados davam um ar mais caseiro ao local. Encolhida em uma das poltronas e olhando pela janela do fundo que ocupava toda uma parede inteira, estava Valentina, concentrada em seu conflito interno.

Lúcia suspirou. Sentou-se ao lado da morena e esperou ela perceber sua presença.

—-Lúcia, não quero conversar.

—-Mas talvez queira ser ouvida.- e a morena a fitou.

Tinha os olhos vermelhos e as olheiras pareciam mais acentuadas. Seus lábios formaram um sorriso fraco.

—-Obrigada.

—-Então, me diga. Qual o problema?

—-Susana está tentando convencer Pedro a me pedir em casamento.

O rosto de Lúcia tornou-se tão vermelho quanto seus cabelos.

—-O quê?! Não acredito que ela está fazendo isso!- Vale manteu-se em silêncio.- Susana e suas ideias birutas.

—-Acha biruta eu me casar com Pedro?- havia um tom magoado em Vale.

—-Claro que não! Você gosta dele. Isso seria bom, se a vontade viesse de Pedro também. O que me incomoda é o fato de Susana querer que isso aconteça depressa. Ela pouco se importa com o sentimento das pessoas. Tudo que ela quer é manter as boas aparências e isso me irrita profundamente. Ela vive me enchendo de conselhos sobre os príncipes da Arquelândia.- revirou os olhos.- Se incomoda com a vida dos outros, mas com a própria não.

Valentina continuou calada. Lúcia suspirou.

—-Vale, não me interprete mal. Eu adoraria e apoiaria de todo bom grado um casamento entre você e meu irmão, mas não acho que um casamento forçado fosse ser algo bom. Gosto de casamentos com sentimentos, e não baseado em políticas.

—-Sim, eu concordo.

—-Além de que entre você e meu irmão, não duvido que algo de bom acontecesse.- acrescentou e sorriu. Porém, Vale não retribuiu.

—-Não foi isso que ouvi.

—-Como assim?

—-Pedro disse que jamais se casaria comigo. Que eu era uma criança.- e fitou as mãos raladas de tanto divertir-se com os cavalos e espadas. Sorriu amargamente. Talvez até tenha razão.

—-Pedro disse isso?- Vale apenas balançou a cabeça, confirmando.- Mas eu achava que... ele pudesse gostar de você.- murmurou, desconcertada.

—-No fundo, eu também. Mas acho que todos tem suas ilusões desfeitas, não?- deu de ombros. Porém, sentiu as forças esvaírem e deixou mais algumas lágrimas rolarem.

—-Ah, Vale!- e Lúcia apressou-se para abraçá-la.- Está tudo bem. Meu irmão é um imbecil. Impressiona-me que seja mais que Edmundo.- a morena riu baixinho.- Olhe para mim.- e ela o fez.- Não fique assim. Ele não merece suas lágrimas.

—-Sei que não. E já sei o que vou fazer.- e exibiu um sorriso acompanhada de um brilho esperto nos olhos.

Lúcia revirou os olhos.

—-E por que não estou surpresa? O que vai fazer?

—-Seguirei em frente. Pedro não é o único homem em Nárnia ou qualquer outro lugar.

—-E de onde tirou essa força?

—-Ando lendo alguns romances distintos.- explicou e balançou um livro na mão.- E não, não serei uma Julieta enfadonha que espera por seu Romeu. Basta de Shakespeare.

Lúcia jogou a cabeça para trás e riu.

—-Gostei disso, mas não insulte Shakespeare. Era um bom romancista.

—-Sim, mas não sou uma Julieta. E não serei enfadonha.- deixou o livro na mesa de canto e levantou-se.- Concorda comigo?

—-Mais do que nunca. Ah, e Vale.

—-Sim?

—-Se for possível, quebre a cara do meu irmão.

—-E como eu faria isso?

Lúcia sorriu.

—-Lembre-se: Quinze anos é uma idade que nunca esquecemos.

*


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