Tempo Traiçoeiro escrita por Loren, Sil


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

N/A Loren:Esperamos que gostem ^^' Os Pevensies irão aparecer mais depois. Aqui, é só para deixarmos entendido a história de Valentina.



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*

–-Acorde! Ande! Rápido!- uma voz gritou sobre os altos estrondos que aconteciam fora da casa.

–-Mamãe? O que está...?- a menina acordou sobressaltada, com os cabelos bagunçados e os olhos cheios de remelas.

–-Pegue a mochila! Está acontecendo de novo!- a menina sentiu vontade de chorar, mas não podia fazer isso. Ia atrasá-las e todo segundo, era precioso.

Jogou a manta para um lado e calçou os chinelos de pano. Tateou às escuras os móveis à procura da mochila com seus pertences acompanhada das sirenes que soavam na cidade e com os passos rápidos da sua mãe. Quando achou o braço da poltrona, jogou a mochila sobre um ombro, virou-se e gritou em meio aquela escuridão sufocadora.

–-Mamãe?! Onde está a senhora?! Mãe?!

–-Aqui!- uma luz brotou no lado esquerdo, próximo a porta.

A luz da vela iluminava o rosto assustado e cansado de sua mãe. A guerra havia acabado com si. Ela estava com uma mão estendida e com a outra, segurava o lampião à altura dos olhos. A menina sorriu e correu para se agarrar na camisola da mãe. Sobre os ombros magros e ossudos da senhora, sustentavam-se outras duas mochilas, maiores e pesadas. Andaram às pressas pelos corredores largos e extensos do segundo andar. Ao chegarem nas escadas, ouviram um barulho vindo de onde estavam há poucos segundos e quando a mulher esgueirou-se para ver, viu o teto rachando. Sua garganta secou e por alguns segundos, sentiu-se petrificada.

–-Mãe? Mamãe! O que houve?!- gritou a menina, sacudindo a mãe. Estava com medo do olhar que a senhora tinha.

–-Corra...- ela disse, baixinho.- Corra! Rápido! Desça!- disse depois, puxando a menina pela mão.

Ao tocarem no piso encerado e brilhoso, outro estrondo tão forte, que fez as duas caírem no chão. A senhora viu o teto desabando em cima e sentiu o coração apertar-se, ao pensar que seu quarto havia sido destruído. Rapidamente, levantou a menina e a puxou pelo saguão, tentando evitar que ela visse aquela destruição. Ao saírem do cômodo, um pedaço enorme de gesso caiu sobre suas costas, impossibilitando a volta. Mas elas não iriam voltar. Quando entraram na cozinha, as panelas caíram da pia e do fogão, fazendo um barulho estridente. A menina ofegava. A senhora empurrou a menina para um canto e tirou os cabelos do rosto da pequena.

–-Eu já volto, minha querida. Espere aqui.- a menina assentiu, apertando os lábios.

A senhora correu até uma porta que havia do lado de um balcão e sumiu. Sua mãe demorava para voltar. Começou a chorar, o medo transformando-se em lágrimas. As panelas continuavam a cair e ouviu o som da rachadura, seguido por pedaços de gesso desabando a alguns metros de si. Seus soluços aumentarem e ela fechou os olhos, assustada. Quando a hipótese de morrer, alguém sacudiu seus ombros.

–-Segure!- sua mãe gritou, colocando algo em sua mão.- Venha!- guiou sua filha até a outra porta, do outro lado da cozinha.

Ouviu o som do teto caindo às suas costas. Falou um palavrão, mas pouco se importou se sua filha fosse ouvir, era impossível que tivesse ouvido.

–-Corra! Não pare! Nunca pare!– sua mãe gritava e seu coração estava acelerado.

Outro desmoronamento, dessa vez, bem mais próximo de si. O chão tremeu e a menina caiu de frente, batendo a boca no chão. Uma dor aguda percorreu em si, mas ela levantou e continuou até a porta. Assim que a abriu, jogou-se na grama de fora e gritou.

–-Conseguimos! Conseguimos, mamãe!- a menina disse, enquanto se levantava, feliz.

Porém, quando ela se virou, sua mãe não estava ali. Sua mãe não estava a incentivando, dizendo para ela não parar e correr até o esconderijo. Sua mãe não estava mais segurando-a com com firmeza. Sua mãe não havia saído da casa. Sua mãe havia ficado trancada lá dentro, baixo os escombros que um dia havia sido sua grandiosa e acolhedora casa.

*

A menina chorava.

Seu rosto estava preto por conta da fuligem e da poeira que emanava dos escombros. Suas pequenas mãos estavam tão sujas quanto o seu rosto. Cortes dos quais saíam riscos de sangue destroçavam sua delicada pele. A menina puxava, com todo esforço que tinha, os pedaços de gesso, tijolos e telhas à procura de um corpo. O corpo de sua mãe escondido baixo aquelas mil toneladas do que havia sido seu lar. A menina chorava mais. Seus soluços eram incessantes e baixinhos. Após cortar a palma da mão pela quinta vez, deixou-se cair sobre o entulho e adormeceu baixo o céu tristonho e barulhento.

*

Amanheceu.

Foi desperta por enormes mãos que agarravam seu pequeno corpo e a puxavam para longe dos escombros. Ela esperneava, gritava e chorava. Havia um caminhão dos militares, recheado de outras crianças sujas e roupas rasgadas. Quando o militar estava prestes a passar a menina para o outro, para colocá-la no caminhão. A pequena mordeu sua mão e escapou de volta para onde outros militares revistavam aquela bagunça, deixando o militar praguejando palavrões.

–-Por que ela está aqui?! Tem que ir para as casas de proteção!- disse um dos homens que puxava um pedaço de gesso.

–-Eu quero encontrar minha mãe! Por favor!- exclamou a menina e o homem assustou-se com a ousadia da menina para falar.

Ele se aproximou da pequena, agachou-se, apoiando as mãos nos joelhos e perguntou.

–-Quantas pessoas estavam na casa?- seus olhos demonstravam absolutamente... nada.

Ela nunca iria esquecer do estranho par de olhos, iguais a paredes nuas. Não aparentavam nada, mas escondiam muitas coisas.

–-Era só eu e minha mãe, senhor.- ela disse encabulada e encolhendo os ombros.

Sua expressão tornou-se levemente sombria e ela ficou com medo. Não com medo dele, mas sim do que as paredes escondiam. Mais tarde, ia perceber que aquela frase tinha sido sua sentença.

–-Qual seu nome?- ele fez última pergunta.

–-Valentina Davis.

O militar inspirou fundo e apertou os lábios. A menina percebeu que aquela seria a única alteração em sua expressão. E mesmo assim, nunca iria saber o que representava. O militar voltou a postura ereta e gritou tão alto, que a menina teve que tapar os ouvidos.

–-Martin, leve-a para o caminhão! Rápido! Ainda tem outras casas!- e ele se virou para os escombros.

–-Sim, senhor Brown!- o outro respondeu.

A menina olhou para trás e quando viu o militar que a havia pegado antes se aproximando, correu para cima dos escombros, escapando das mãos do militar dos olhos de parede. Mas parou tão brutalmente que os militares se assustaram e tentaram descobrir qual havia sido o choque da pequena. Há alguns metros, dois homens vestidos de branco seguravam uma maca de cada ponta e nesta, havia algum corpo coberto por uma manta. O militar mais velho, aproximou-se, cauteloso.

–-Menina?

Ela estava imóvel. O militar fez a volta e conseguiu ver o rosto da pequena. Ela observava fixamente a maca.

–-Mamãe...- ela sussurrou.

Da manta um braço escorregou e caiu para fora, deixando à mostra um braço magro e sujo. Ela teve a certeza que era sua mãe quando viu a pulseira que havia dado de aniversário para ela. Estava preta por conta da sujeira, mas reconheceria aquela meia lua em qualquer lugar. Seu coração palpitou mais rápido que o normal e sentiu tudo ao redor parar. Só percebeu que o mundo ainda continuava, quando viu o caminhão ficando mais perto. Desta vez, ela não impôs resistência. Subiu o caminhão sem reclamar e quando se sentou, a última coisa que viu foi aqueles homens de branco colocando a maca dentro de uma ambulância e o militar Brown acompanhando o caminhão se afastar.

Aquela imagem, da menina com o pijama rasgado e as lágrimas limpando aquele rosto sujo, ficou marcado na mente do militar Brown.

–-Senhor? O senhor está bem?- perguntou Martin, assustado com os olhos marejados do seu superior.

–-Sim. Vamos, ainda temos muito a fazer.- ele disse, limpando os olhos.

Foi a única vez que Martin viu as paredes do seu superior desmoronarem.

*

–-Valentina Davis! Valentina Davis!- uma voz reverberava no caminhão.

A menina coçou os olhos e os apertou para se adaptarem no meio daquela escuridão. Estava de noite. A voz grave soou novamente. Vinha de um militar que estava fora do veículo.

–-Valentina Davis!

–-É você.- disse uma voz fininha e baixinha do seu lado.

Uma menina de trança, olhos escuros e sardas escondidas pela sujeira, sorriu e a empurrou delicadamente do assento. Ela não queria sair dali. Tinha medo. Queria se esconder na sombra e esperar que nunca a encontrassem.

–-O que... está acontecendo?- ela perguntou, antes de ser levada por um homem grande vestido com a farda do exército.

–-A felicidade está chegando.- a menina de trança respondeu e lhe sorriu com os olhos tristes.

–- Valentina Davis?- perguntou o militar com uma prancheta em mãos que havia gritado seu nome pelos últimos segundos.

–-Sim.

–-Levem-na.

Estava tudo tão escuro que a única coisa que ela se lembrava, era ser elevada do chão e, após alguns segundos, de uma porta se abrir e uma luz recortar um corpo alto e magro. Por um momento, achou que fosse sua mãe. A silhueta era tão parecida... Mas a mesma levantou um lampião a altura do rosto e iluminou um rosto velho, bondoso e rugoso.

–-Boa noite.- disse o militar.

–-Obrigada, senhor.- disse a velha com uma voz rouca.

Passos se afastaram e depois, o som do caminhão diminuindo aos poucos. Uma mão macia tomou a sua e a puxou para dentro da casa. Ela estava tão cansada que mal percebeu o lugar ao seu redor. A mão amiga a puxou por uma escada e ela se lembra da senhora ter feito várias perguntas e comentários, mas ela se lembra de somente uma parte da conversa.

–-Qual seu nome?- ela perguntou com a voz grogue.

–-Polly Plummer, querida.- respondeu com a voz mansa e Valentina sentiu cair sobre um chão macio e adormeceu.

*

Um clarão a fez acordar de seus sonhos. Ainda deitada e agarrada no cobertor, olhou pela janela; ainda era noite, porém, luzes despontavam no céu escuro. Não se moveu, até a tia Polly adentrar avoada o quarto, ligando a luz e gritando.

– Está acontecendo!- berrou enquanto colocava uma mochila nas costas e tirava Valentina da cama- Já foi pego o necessário! Corra!

Valentina arregalou os olhos. Pegou um casaco, um par de sapatos e sua inseparável amiga Flora, uma boneca de pano dada por tia Polly em seu aniversário de 12 anos. Desceu as escadas correndo, com um braço agarrado na boneca e o outro pendurada no braço magro da senhora, o andar de baixo já estava vazio. Atravessou o quintal e, felizmente, conseguiu chegar ao abrigo a tempo de uma bomba explodir a casa de Polly, esta soluçava abraçada à empregada.

– Estão todas bem? - perguntou ofegante.

Valentina não chorou. Apenas observava a cena pasma. Olive, uma menina de de oito anos órfã, com olhos caramelados, bochechas cheias e lábios finos, estava sentada na ponta de uma das camas, chorando em silêncio.

Louise, a empregada de vinte e sete anos, magra e alta, com olhos cinzas e pele pálida, consolava com olhos fixos na parede e lágrimas na beira dos olhos a patroa que despejava toda sua tristeza em seu abraço acolhedor.

Tia Polly mais parecia a boneca de Valentina. Tão magra quanto esta, tão pálida quanto a mesma, os cabelos grisalhos e as rugas pareciam mais acentuadas e, desta vez, não exibia mais o sorriso amável, daqueles que você olha e acredita que tudo vai ficar bem. Seu sorriso sumiu e foi substituído pelos amargos soluços.

Valentina desceu o olhar para a boneca, que lhe sorria. A partir daquele momento, Valentina prometeu para sua mãe que não iria desonrar o maior prazer que lhe deu: a vida.

Vou te orgulhar, mãe.

Passaram o resto da madrugada abraçadas umas às outras, vez ou outra um soluço era ouvido.

*

O apito do trem soou.

– Venham, o trem já vai sair.

A menina levava Flora numa mão, enquanto a outra era segurada firmemente por Polly, para que não se perdesse no meio da multidão. Após terem saído da antiga casa e terem se hospedado na casa de um parente distante da senhora, a cor no rosto da mesma voltou, porém, continuava abatida. Entregaram os tickets ao condutor, e Valentina deu um último abraço na tia, seguido de Olive.

–-Infelizmente, não consegui que ficassem juntas. Deu complicações, mas asseguro que as duas estarão em segurança, está bem?- ela disse em voz baixa, enquanto ajeitava os casacos de cada uma.

–-Sentiremos saudades.- disse Olive.

Polly parou e fitou cada uma das meninas, com olhos arregalados. Como se nunca tivessem lhe dito tal coisa.

–-Eu também, minhas queridas.- as duas abraçaram a senhora ao mesmo tempo. O apito soou outra vez.

–-Devem ir, vamos.- quando subiram no trem e acenavam da janela, Valentina gritou.

–-Voltaremos a nos ver?!

Polly somente sorriu.

*

–-Valentina Davis?

–-Sim?- disse a menina virando-se e encontrando uma senhora de aspecto severo, óculos redondos e cabelos negros presos em um coque.

Estava em uma pequena estação, esperando que fossem buscá-la.

–-Dona Marta. Só uma mala?

–-Sim, senhora.

–-Fica mais fácil.- ela disse e apontou para a carroça.

*

Era uma bela casa de campo. Na realidade, era uma mansão.

Com aquele aspecto de mistério e acolhimento. Ao entrar na casa, deu-se em uma sala de recepção extremamente ampla, com vários quadros pendurados e mesas de cantos com adornos delicados. Após Dona Marte ter ditado todas as regras, deixou a menina no quarto e esta atirou-se na cama. Abraçada na boneca de pano, permitiu-se relaxar os ombros e suspirar. De certa forma, sentia-se segura, mas não sentia-se em casa. Todavia, faltava algo.

*

–-Valentina! Desça imediatamente!- a senhora gritou.

Valentina revirou os olhos.

Se passam cinco meses, mas ela não muda de humor! Se bem que se não foi mudado quando criança, dificilmente será mudado agora, ela pensou enquanto terminava de arrumar a cama e deixava Flora sobre o travesseiro.

Desceu as escadas às pressas e antes de sair para a sala de recepção, deixou um suspiro escapar. Lembrou-se das palavras de Digory Kirke, dono do casarão, seu protetor, amigo de Polly e novo amigo que compartilhava suas noites de insônia na biblioteca.

Uma nova família vai chegar para ti. Não se preocupe e não tema. Tudo no fim, vai acabar bem.

Agarrada nestas palavras de esperança, entrou na sala, mas pela porta contrária a que Dona Marta a chamava. Os quatro novos integrantes estavam de costas, nas escadas e quando os olhos de lince da senhora a encontraram, ela enrijeceu a expressão e Valentina apenas sorriu travessa dando de ombros.

–-É bom que a senhorita pare com essas artimanhas!- ralhou a senhora e os quatro viraram-se ao mesmo tempo.

A menor, tinha bochechas cheias, dentes grandes e separados, cabelos curtos ruivos e aquele brilho que se encontra nos olhos das crianças.

O menor, olhos castanhos claros e lábios finos, bochechas sardentas e cabelos negros. Uma expressão um tanto quanto emburrada e ombros encolhidos. O olhar, porém, curioso.

A maior, tinha bochechas tão cheias quanto a menor, lábios extremamente carnudos, cabelos ondulados e acastanhados, olhos azuis claros e um olhar um tanto cauteloso sobre a menina.

O maior, cabelos louros, olhos azuis, lábios pequenos e cheios, pele alva e algo diferente no olhar. Ele sorria através dos olhos. Foi o primeiro a se adiantar e estender a mão.

–-Pedro Pevensie.

–-Valentina Davis.

–-Muito prazer.- e ele sorriu.

E, pelos céus, foi a mais bela imagem que ela havia visto em sua vida.

*


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Notas finais do capítulo

N/A Loren: Esperamos que tenham gostado. Deixem suas opiniões na caixinha de comentários. Beijinhos da Sil e da Loren



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